1.    Introdução

O presente ensaio tem o objetivo de analisar aspectos teóricos e práticos acerca da execução penal à luz dos princípios da autonomia da execução penal e da humanização da execução da pena, sem perder de vista o papel do Magistrado e a sua competência na prática de atos jurisdicionais e de natureza administrativa.

No decorrer deste ensaio serão analisadas as atribuições do Juiz na Execução Penal, principalmente quanto à fiscalização das medidas cautelares substitutivas da prisão, do livramento condicional e do sursis, abordando também a questão do atendimento ao egresso e questões relativas à progressão de regime do apenado em compasso com a relevância da gestão cartorária na execução penal.

2.    Desenvolvimento

Devido a sua imensa importância, a execução penal tomou contornos de ciência autônoma, com princípios próprios, e aspectos pertinentes para tornar efetiva a sanção punitiva estatal, entretanto, está umbilicalmente ligada ao direito penal e processual penal.

A Exposição de Motivos da Lei 7.210/1984 demonstra a independência da execução penal, que está fundamentada em princípios peculiares e que, por gravitar sua atuação sobre a liberdade humana, deve ser constantemente iluminada pelas garantias decorrentes da constitucionalização dos direitos humanos.

Cuidando de temas muito mais abrangentes do que mera execução da pena privativa de liberdade, como assistência ao egresso, indulto, progressão de regimes, dentre outros, a execução penal tornou-se uma ciência autônoma, fortalecendo-se e transformando-se em verdadeiro Direito de Execução Penal.

Dentre muitos princípios que norteiam a execução penal, o princípio da jurisdicionalidade merece destaque, pois em período anterior, a execução da pena era afeta exclusivamente ao Poder Executivo, que visava tão somente, promover a efetivação da sanção aplicada na sentença condenatória.

Atualmente, por força do artigo 2º da Lei 7.210/84 e do item 15 de sua Exposição de Motivos, a autonomia do Direito de Execução Penal corresponde ao exercício de uma Jurisdição Especializada, e essa jurisdição é dos Juízes ou Tribunais de Justiça ordinária, sendo exercida em todo território nacional na conformidade da legislação pertinente e do Código de Processo Penal. Portanto, o direito de execução penal deixou de ser uma atividade administrativa e passou a ser uma atividade predominantemente jurisdicional de controle da execução das sanções penais.

O Juiz na execução penal possui diversas atribuições, umas de natureza jurisdicional, outras de natureza administrativa, conforme previsão do artigo 66 da Lei 7.210/84.

Dentre as diversas atribuições de natureza jurisdicional, compete ao Juiz da execução, aplicar lei posterior aos casos julgados quando for benéfica ao apenado, declarar a extinção da punibilidade, somar ou unificar penas, realizar a progressão ou regressão de regime, deliberar sobre incidentes da execução, dentre outras previstas no artigo 66 da Lei de Execução Penal, como veremos adiante.

Já as funções de natureza administrativa, em síntese, consistem em determinar a transferência do preso, fiscalizar o correto cumprimento da pena e da medida de segurança, inspecionar os estabelecimentos prisionais que se encontrem sob sua competência, tomando medidas para o seu adequado funcionamento e apurando a responsabilidade dos funcionários responsáveis pelos custodiados, interditar o estabelecimento penal cujo funcionamento for inadequado ou estiver em condições precárias ou insalubres, compor e instalar o Conselho da Comunidade.

O Conselho da Comunidade é um Órgão de Execução Penal (art. VII, LEP), e assume papel de representação da Comunidade na implementação das políticas penais e penitenciárias no âmbito municipal, sem se desvencilhar da função política de articulação, com participação das forças locais, realizando a defesa dos direitos daqueles que se encontram submetidos à pena privativa de liberdade.

Constituindo a viga mestra da nova filosofia da Execução Penal, a participação comunitária deve ser cada vez mais efetiva como condição de sensibilização de toda a comunidade para o grave problema que representa a falta de acolhimento do egresso à sociedade, justamente pela estigmatização que o cárcere produz, e diante dessa nova ótica, mostra-se indispensável a efetiva atuação do Conselho da Comunidade.

Ao Conselho da Comunidade incumbe, pelo menos mensalmente, visitar os estabelecimentos penais existentes na comarca, realizar entrevistas com presos, apresentar relatórios mensais ao Juiz da Execução e também ao Conselho Penitenciário.

Mediante a apresentação dos relatórios, o Conselho da Comunidade reflete a realidade da situação carcerária, possibilitando uma visão das necessidades existentes no interior dos estabelecimentos penais, pois o Conselho deve ser combativo na preservação dos direitos dos presos, atentando-se para a obtenção de recursos materiais e humanos para melhor assistência ao preso e ao internado.

O conselho da comunidade realiza a importante função de verificar a situação jurídica e processual do apenado, controlando inclusive, em alguns casos, prazos processuais para obtenção de benefícios. Também assegura o contato e relacionamento do detento com seus familiares, orientação, tratamento de saúde e medicamentos, realiza programas educacionais e atividades laborativas como o incentivo ao artesanato e a leitura no interior dos estabelecimentos.

Atualmente o Conselho da Comunidade é Polifuncional, pois com a Resolução 96 do Conselho Nacional de Justiça, passou a ter efetiva atuação na reinserção social do egresso e daqueles que estão cumprindo penas restritivas de direitos e alternativas, bastando para tanto a celebração de parceria com os Tribunais de Justiça.

O atendimento ao egresso deve ser realizado de forma prioritária, pois somente sendo novamente acolhido ao seio social, com trabalho e participação na comunidade a qual está inserido, o egresso permanecerá afastado dos estímulos à reincidência.

Ocorre que a própria sociedade é resistente em acolher o egresso, impossibilitando a reinserção social, o que levou eminente estudioso a dizer que “tão somente será possível a almejada mudança mediante a inserção de novos valores na própria sociedade, fazendo com que esta, mesmo que tardiamente, perceba o quão importante é para todos nós, sem distinção, a presença deste humanístico fundamento1.

Pela leitura do artigo 26, I e II da LEP, conclui-se que foi imposta uma obrigação legal ao Estado de prestar assistência ao egresso para que o mesmo seja reinserido na sociedade, todavia, muitas vezes por omissão do próprio Estado, o egresso é relegado à própria sorte, e encontra uma sociedade que não consegue superar o preconceito de acolher um indivíduo que já passou pelo sistema carcerário, e lhe fecha as portas do trabalho e de qualquer contado comunitário, e aí, quem lhe acolhe de braços abertos é a criminalidade, fazendo crescer desesperadamente a reincidência.

É bem verdade que alguns Estados têm desenvolvido programas de assistência ao egresso que têm se mostrado de notável eficiência e devem ser seguidos e multiplicados por todo território nacional, como por exemplo, o Estado de São Paulo ao criar as Centrais de Atenção ao Egresso e Família (CAEF). No entanto, a maioria dos Estados da Federação não possui qualquer programa de assistência ao egresso, o que deve ser urgentemente modificado.

No Estado do Paraná, em 23 de maio de 1977 a Secretaria de Estado da Justiça, inspirada pelo Projeto Albergue da Universidade Estadual de Londrina, lançou em âmbito estadual, por meio da resolução 99/77, o Projeto “Themis”.

Posteriormente, com a formulação da Lei de Execuções Penais (Lei 7.210, de 11 de julho de 1984), a qual determina a assistência ao apenado ou egresso de unidades Penais, o governo do Estado do Paraná , por meio do Decreto n º 4.778 de 23/11/85, instituiu no âmbito da Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania, o Programa Pró-Egresso, substituindo o Projeto “Themis”, que mostra-se eficiente em dois objetivos: a) Diminuir o índice de reincidência criminal no Estado do Paraná, e b) Desafogar o Sistema Penitenciário Paranaense.

Falando em omissão estatal, importante consignar que esta é uma das principais causas da falência do sistema carcerário brasileiro, e que se reflete em diversas esferas da execução penal.

Como forma de amenizar a falência do sistema penitenciário, principalmente o da superlotação dos estabelecimentos penais, o legislador, em boa hora, introduziu no ordenamento jurídico a lei 12.403/2011, criando diversas medidas cautelares diversas da prisão, todas insertas no artigo 319 do Código de Processo Penal.

Antes da edição de tal lei, não existia no ordenamento jurídico uma medida cautelar que o Juiz pudesse restringir direitos do denunciado, observando a proporcionalidade e adequação da medida, sem tolher totalmente a liberdade do mesmo.

Segundo Eugênio Pacelli2, o artigo 319 do Código de Processo Penal se espelha na legislação portuguesa, conforme se observa do artigo 197 e seguintes do Código de Processo Penal Português, lá tratadas como medidas de coacção, e que, a seu turno, se inspiraram no Código de Processo Penal Italiano e suas misure coercitive do Codice di Procedura Penale italiano.

Para aplicação das medidas cautelares diversas da prisão, é de fundamental importância que o Juiz fundamente sua decisão na necessidade acautelatória da medida e também na sua adequação e proporcionalidade àquele caso concreto, sob pena de flagrante constrangimento ilegal.

No entanto, apesar de seu objetivo nobre, as medidas cautelares diversas da prisão seguem sem aplicação efetiva pelos Juízes brasileiros, eis que apesar da lei instituí-las, foi omissa em determinar a  formação de uma estrutura estatal para sua fiscalização, o que torna tímida a sua aplicação pelos julgadores devido à falta de fiscalização.

Diante de tal problemática, muitos Magistrados utilizando os recursos materiais e humanos que estão a sua disposição, criam formas inovadoras de fiscalização dos beneficiados por tais medidas, possibilitando assim, a aplicação em maior escala das cautelares diversas da prisão, e por consequência, desafogando o sistema penitenciário.

Nas Comarcas do interior, onde os recursos humanos são parcos, e sequer suficientes para realizar atos ordinários da Serventia Criminal, a solução encontrada é requisitar o auxílio da Polícia Militar local na fiscalização de tais medidas, funcionando da seguinte forma:

1.               Em toda decisão que decreta uma medida cautelar diversa da prisão, o Juiz indica expressamente quais as condições deverão ser observadas pelo agente beneficiado.

2.               Após, periodicamente, o cartório criminal elabora uma lista/planilha onde constam todos os agentes beneficiados e seus respectivos endereços; quais as medidas que deverão cumprir; o período que devem cumprir; e o número do processo que estão vinculadas.

3.               Essa lista é enviada ao Comandante do Destacamento da Polícia Militar local, acompanhada de um ofício, instruindo os policiais a auxiliarem na fiscalização, e orientando que caso seja constatado qualquer descumprimento, que seja lavrado “Termo de Descumprimento”, que deve ser assinado também pelo agente descumpridor.

4.               Dentro de 24 (vinte e quatro) horas, esse “Termo de Descumprimento” é enviado ao Juiz da Execução, que determina vista ao Ministério Público para requerer as medidas que entender pertinentes, e em seguida, para a defesa, permitindo que o agente justifique o descumprimento, e por derradeiro, lança-se a decisão.

Tal prática tem se mostrado eficiente na fiscalização das medidas cautelares insertas no artigo 319 do Código de Processo Penal, e realizada as adaptações pertinentes, também se mostra profícua na fiscalização das condições do livramento condicional e do sursis.

Não se pode perder de vista que compete ao Juízo da Execução a fiscalização das condições do livramento condicional e do sursis, cabendo ao Juiz, quando não puder realizar pessoalmente o ato, orientar os servidores das unidades cartorárias responsáveis pela entrega da carta de livramento, para que neste momento, expliquem detalhadamente todas as condições que foram impostas aos beneficiados, assim como as consequências de seu descumprimento.

As unidades cartorárias responsáveis pela fiscalização do livramento condicional e do sursis, deverão atentar-se para o correto controle de comparecimento do liberado durante o período de prova, sendo certo que qualquer descumprimento deve ser comunicado incontinenti ao Juiz da Execução.

Outro tema que merece especial atenção do Juiz da Execução é o controle de prazos para a obtenção do benefício da progressão de regime.

Geralmente, em todas as visitas aos estabelecimentos penais, a pergunta mais frequente por parte dos presos é quando irão obter tal benefício.

A gestão cartorária é ferramenta importante no controle de tais prazos, pois possibilita a identificação visual do processo em que o prazo para a obtenção do benefício se avizinha.

Ao realizar a separação de processos de execuções penais por tarjetas coloridas, os servidores conseguem controlar, com alto índice de eficiência, os prazos para a progressão de regime.

O método adotado funciona da seguinte forma: a) inicialmente um escaninho é dividido pelos meses do ano; b) nos autos onde haja apenado cumprindo pena em regime fechado, a tarjeta vermelha indica tal circunstância. Naqueles onde haja preso cumprindo pena no regime semiaberto, a tarjeta amarela o identifica; c) com tal identificação visual, os feitos são separados e alocados nos escaninhos nos respectivos meses onde possivelmente o benefício poderá ser alcançado.

No entanto, a organização de todos os feitos e prazos demanda tempo e comprometimento das unidades cartorárias, sendo que o Juiz deverá sempre realizar reuniões com os funcionários que ali laboram, e na medida do possível, explicar a realidade do sistema prisional, pois só assim terão a exata dimensão da importância desse trabalho.

3. Conclusão

Após análise dos argumentos expendidos, conclui-se que a Execução Penal é instigante e um campo fértil não só para discussões jurídicas, mas também para a criação de novas práticas pelos operadores do Direito, principalmente no atendimento ao egresso e sua reinserção social.

A atividade do Juiz da Execução Penal para que seja efetiva necessita de uma nova vertente, uma nova ótica, exigindo do Juiz que seja vocacionado para enfrentar os desafios e responsabilidades inerentes à Execução Penal, exigindo-se uma posição proativa, pois a atividade do Juiz é múltipla, o que exige permanente aperfeiçoamento e estudo, não só do Direito, mas também de disciplinas humanísticas, revelando a face interdisciplinar da atividade judicante.

Profícua é a troca de experiência entre Juízes de todo o território nacional com competência na execução penal, pois as práticas benéficas e producentes devem ser propagadas e implementadas em todo o território, possibilitando ainda a formulação de propostas e estudos acerca de inovações e adaptações na Lei de Execução Penal, para que melhor se adeque à realidade brasileira.

1  JUNQUEIRA, Ivan de carvalho. Dos direitos humanos dos presos. Franca: Lemos & Cruz, 2005, p.60.

2  OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. 17.ed.São Paulo:Atlas, 2013.

Data da conclusão/última revisão: 10/9/2013

 

Como citar o texto:

MACHADO FILHO, Dirceu Gomes..Teoria e Prática da Execução Penal. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 30, nº 1600. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/4317/teoria-pratica-execucao-penal. Acesso em 21 fev. 2019.

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