Resumo

O presente artigo faz um inventário histórico-filosófico acerca do questionamento sobre o que é o Direito, o que é a Justiça, qual a origem do Direito, propondo respostas originais para todas estas questões, além de propor uma nova teoria, qual seja, Teoria Juscongruente do Direito a título de conclusão. Constitui-se num artigo-síntese de uma Monografia de Conclusão do Curso de Direito.

Abstract

This article makes a historical-philosophical inventory of the questioning about what is Law, what is Justice, what is the origin of Law, proposing original answers to all these questions, and proposing a new theory, that is, Right-Congruent Theory of Law by way of conclusion.

Palavras-chave: Direito – Justiça – Teoria – Juscongruente

SUMÁRIO:

1.    Introdução – 2. Idade Antiga – 3. Idade Média 4. – Idade Moderna 5. Idade Contemporânea - 6. Qual a origem do Direito? – 7. O que é a Justiça? – 8. Conclusões

O questionamento acerca do ser do Direito e da Justiça perpassa todo o percurso histórico, inquietando filósofos e pensadores do Direito, e continua a oferecer uma boa reflexão até os dias atuais.

IDADE ANTIGA

Os gregos foram os primeiros a atribuir nomes distintos para o Direito e para a Justiça, ius e iustitia. Formuladores das bases do pensamento ocidental, atribuíram grande desenvolvimento ao direito, pondo em relevo o conceito de Jusnaturalismo ou Direito Natural.

A primeira guinada operada no pensamento grego deveu-se ao filósofo Sócrates. Sua doutrina é fundada no raciocínio, substituindo a obediência religiosa ao costume ancestral pela filosofia do direito, derrubando as ideias destrutivas de seus adversários sofistas sobre o caráter arbitrário e convencional das crenças sobre a justiça.

Villley (2005, p.21) destaca que

[...] Sócrates parece ter iniciado uma reação a favor do direito e ter tentado, pela primeira vez, fundar racionalmente a autoridade das regras do direito, em resposta à crise cética da sofística. (...) Mas essa doutrina está apenas esboçada; as relações entre o justo e a lei ainda não estão claramente elucidadas. Só encontraremos uma doutrina completa sobre a natureza, as fontes e o verdadeiro conteúdo do direito em Platão e Aristóteles (...) seus mais fiéis continuadores.

                Platão, por sua vez, esboça uma teoria do direito extraída da natureza. O pensamento platônico acerca das leis e do Direito encontra-se esparso por toda sua obra e, por diversas vezes, faz apelos às leis da natureza, em oposição às leis da polis. Do estudo dos escritos platônicos surgem diversas noções que corroboram com a busca de definir o que é o Direito. Para Villey (2005, p. 24) “este é o problema mais abstrato e mais difícil de conceber da filosofia do direito”.

Contrariamente à postura idealista de Platão, cujo sistema predizia como as leis e a República deveriam ser, afirma-se o pensamento de Aristóteles, discípulo deste. Para o filósofo de Estagira, o pensar filosófico deve voltar-se para a experiência, partindo da casuística em busca dos princípios, ou afirmações gerais sobre o objeto de estudo.

            Segundo Villey (2005, p. 38) “Platão tem os olhos voltados para o céu, o pretenso céu das idéias, Aristóteles olha para a terra e reabilita a experiência sensível.” Neste sentido, opera-se uma primazia da razão na análise dos temas filosóficos.

O autor defende que a elaboração de uma noção do Direito bem mais precisa é de uma importância histórica considerável, diferente da idealizada por Platão, representa uma das grandes contribuições de Aristóteles.

No entender deste autor, o conceito de justo para o filósofo refere-se a toda conduta que se refere a  lei moral. E que, portanto, a justiça incluiria todas as virtudes, constituindo-se em uma virtude universal.

            Em Aristóteles, assim como em Platão, a justiça está impregnada de moral, para o filósofo, um homem que seja esclarecido, corajoso, bom e temperante é um homem justo. Porém, Aristóteles, defende uma abordagem menos ampla da palavra justo. Para ele, o justo é antes o equilíbrio realizado numa polis entre os diversos cidadãos que nela se reúnem, se associam.

Tanto para Platão quanto para Aristóteles, dikáion (direito) refere-se ao justo e estudar o que é justo remete ao estudo da justiça, estando estes conceitos muito inter-relacionados, embora os gregos já atribuíssem palavras diferentes para designar estes termos.

Numa outra linha de argumentação, Aristóteles dialoga com o pensamento platônico no que se refere à origem do Direito, situando-a na lei natural. Não obstante esta confluência de conceitos, o pensamento de Aristóteles irá atribuir ao jusnaturalismo uma importância singular, promovendo um aprimoramento nesta doutrina, que lhe conferiria contornos definitivos.

            No entanto, não se pode descurar que o filósofo refere-se a dois tipos de direito: o justo natural e o justo positivo, acrescentando que não se trata de conceitos opostos, mas complementares. Villey (2005, p. 47) defende que “não existe oposição entre o justo ‘natural’ e as leis escritas do Estado, mas as leis do Estado exprimem e completam o justo natural”.

    Não obstante o brilhantismo pioneiro do pensador, o suceder dos séculos demonstraria que a legislação positivada pelo estado pode afastar-se seriamente dos postulados jusnaturalistas, produzindo distorções contra as quais o Direito deve se precaver.

Nesta seara, não obstante suas reflexões sobre o ‘justo’ e o processo de atribuir relevo à primazia da razão na análise do fenômeno jurídico, o grande feito de Aristóteles no campo da Filosofia do Direito foi atribuir ao termo Direito Natural a sua forma definitiva. Para este filósofo, o conceito de natural não era algo estanque, mas dinâmico.

Villey (2005, p. 48) defende a existência de uma natureza para cada ser particular, sendo que esta natureza é o que ele deve ser, sua forma, seu fim. Para exemplificar este raciocínio, o autor (2005, p. 49) sustenta que

[...] O homem, por exemplo, não atinge imediatamente a plenitude do seu ser; portanto, sua natureza não é realmente o que ele é hoje em ato, mas antes o que ele tende a ser, o que ele é em potência, isto é, sua forma, seu fim”.

Com esta ordem de considerações, Aristóteles vivifica o conceito de Jusnaturalismo, dotando-o da eloquência que mantém até os dias atuais. Por este proselitismo na delimitação do jusnaturalismo, Aristóteles é considerado “o pai da doutrina do Direito Natural”, ainda segundo Villey (2005, p. 53), “Ele deu destaque ao termo; construiu sua teoria e a pôs em prática; é o fundador desta doutrina à qual inúmeros juristas, ao longo dos séculos, viriam a aderir”.

O pensar grego a respeito do Direito e da Justiça iria chegar aos romanos, dentre os quais alcançaria um desenvolvimento prodigioso. O arcabouço de conceitos filosóficos, fruto das investigações dos gregos iria chegar à cultura romana e iria moldar o sistema jurídico daquele povo, influenciando o Direito da Antiguidade Clássica, dotando-o da eloquência com que chegou às codificações atuais.

Dentre os juristas romanos, merece especial destaque o pensamento de Cícero, autor que desenvolveu uma obra paradigmática deste movimento em estudo. Na sua magistral obra A República, o jurisconsulto romano, abeberando-se nos filósofos gregos traduzidos para o latim, iria plasmar a teoria sobre a fonte do Direito que seria celebrizada pelos autores subsequentes.

Plasmando as noções de Direito Natural e razão universal, o jusfilósofo romano criaria a noção célebre sobre a origem do Direito, para quem, residia em:

A reta razão, conforme à natureza, gravada em todos os corações, imutável, eterna, cuja voz ensina e prescreve o bem, afasta do mal que proíbe e, ora com seus mandados, ora com suas proibições, jamais se dirige inutilmente aos bons, nem fica impotente ante os maus. Essa lei não pode ser contestada, nem derrogada em parte, nem anulada; não podemos ser isentos de seu cumprimento pelo povo nem pelo Senado; não há que procurar para ela outro comentador nem intérprete; não é uma lei em Roma e outra em Atenas, uma antes e outra depois, mas una, sempiterna e imutável, entre todos os povos e em todos os tempos; [...] não podendo o homem desconhecê-la sem renegar-se a si mesmo, sem despojar-se do seu caráter humano e sem atrair sobre si a mais cruel expiação [...] (MASCARO, 2016, p. 92)

Villey (2005, p. 70) afirma que “Creio que se deva situar o momento de invenção do direito romano como sistema científico aproximadamente na época ciceroniana. Neste momento, a influência de Aristóteles é forte.”

Defende o autor que a definição de justiça é conhecida pelos juristas romanos, que tem o cuidado de pô-la em destaque. Estes juristas defendem que a justiça é a virtude que tem por objeto próprio atribuir a cada um a parte que lhe corresponde. “Aceitam o conceito de que o direito deriva da justiça. Que a jurisprudência é a ciência do justo e do injusto e, mais precisamente, que o Direito é ‘aquilo que é justo’”.

Dessa forma, a fonte primeira do direito, para os juristas romanos, não é a lei, mas a natureza. O Direito Clássico é, primordialmente, resultante da doutrina que busca o justo segundo a natureza.

IDADE MÉDIA

            Inicialmente, o pensamento de Santo Agostinho adaptaria a filosofia de Platão aos dogmas cristãos, criando a Patrística.

Informa Villey (2005, p. 75-77) que Santo Agostinho viveu no mundo romano, na atual Argélia. Porém, por este período, o mundo romano encontrava-se ameaçado, de fora, pelos bárbaros, que não tardariam a invadir os domínios do império. Em sua formação, Santo Agostinho teve acesso à formação dada a um jovem romano culto. Estudou Gramática e Retórica e teve acesso às principais obras de filosofia, sobretudo o pensamento de Cícero e de Platão, que passariam a exercer grande influência no pensamento deste teólogo cristão.

Nos termos descritos por Villey (2005, p. 76-77)

Mas, depois da gramática e da retórica [...], vem a filosofia, tentativa de encontrar a verdade e a  sabedoria, auge do estudo para um cidadão romano culto. A leitura de Hortensius, diálogo perdido de Cícero, conquista Agostinho para a busca  da verdade. É também aí que se situa sua descoberta de Platão e dos neoplatônicos.[...] O idealismo de Platão, seu senso das realidades invisíveis, encaminham-no para o Cristianismo.

Villey defende que com esta sensível mudança, os postulados greco-romanos do Jusnaturalismo seriam ofuscados pela doutrina agostiniana, que defendia que as Escrituras eram a regra fundamental. Elaborando a partir da filosofia platônica de Mundo das Formas e Mundo das Ideias, Santo Agostinho iria formular seu conceito de Cidade de Deus e Cidade dos Homens.

Para ele, a Cidade dos Homens era imperfeita, sujeita às injustiças e ao pecado, enquanto a Cidade de Deus era justa, perfeita e isenta de pecado.

Esta abordagem resultou inicialmente num desprezo pelas leis mundanas, ao defender que os cristãos deveriam viver segundo as leis da Cidade de Deus, vez que nas Escrituras estava a origem do Direito.

            Não obstante, Villey (2005, p. 122) argumenta que a partir dos séculos XII e XIII, a cristandade ocidental tornou-se palco de estudos prodigiosos. As cidades universitárias tornaram-se palco não de um estudo conformista, mas de lutas doutrinárias violentas, e viram efetuar-se, em dois séculos, sob o comando da Igreja, uma metamorfose decisiva da cultura, que culminaram com a passagem do Agostinianismo jurídico à doutrina de São Tomás.

Tem-se ainda em Villey que o segundo passo desta apropriação do pensamento filosófico pela Teologia ocorreu a partir do trabalho de São Tomás de Aquino. Este filósofo cristão adaptaria o pensamento de Aristóteles aos dogmas da Igreja e, com isso, restabeleceria o Jusnaturalismo em sua integralidade, por meio da Escolástica.

Villey (2005, p. 124) informa que “Costuma-se definir a revolução escolástica pelo desenvolvimento autônomo das ciências profanas, [...] isso corresponde [...] a uma nova confiança no poder do conhecimento natural”.

            O autor destaca ainda que São Tomás de Aquino é o mais prolífico comentador das obras de Aristóteles. Em seus escritos, restabelece a ideia de que existe uma ordem na natureza e que todas as coisas possuem uma finalidade, porque não existem apenas em ato, mas em potência. Tal qual o fundador do Liceu de Atenas, o fundador do Tomismo iria debruçar-se sobre a pluralidade das situações da experiência, partindo de Deus, descendo às minúcias da realidade, buscando estudá-la em sua multiplicidade, e com o propósito de um retorno a Deus.

Deste pensamento, conclui-se ainda com Villey que com a Escolástica tomista, ocorre portanto o restabelecimento do Jusnaturalismo e da razão, legado que constituiria o prenúncio de um pensamento jurídico livre das limitações que lhe haviam sido impostas pelo agostinianismo, possibilitando o surgimento dos conceitos que lançariam as bases do pensamento jurídico moderno.

(...)

Com o primado do indivíduo e a identificação do direito com poderes, conclui-se a contribuição do pensamento jurídico medieval a respeito da origem do Direito. Estes postulados estenderiam sua influência por toda a Idade Moderna, constituindo-se em determinantes do estudo do Direito até a Idade Contemporânea.

IDADE MODERNA

            Nos ensinamentos de Mascaro (2016, p. 149), o pensamento jusfilosófico moderno abrange do Absolutismo ao Iluminismo. Foi construído por uma quantidade de pensadores de grande vulto. Porém, Hobbes, Locke e Rousseau influenciaram os seus tempos de forma decisiva, no que diz respeito à política e às lutas sociais. Trata-se de pensadores muito singulares com relação aos horizontes postulados, não obstante sejam todos defensores da ideia de contrato social. Cada um destes pensadores aborda o contrato social de forma específica, para proveitos políticos também específicos.

Defende o autor que Hobbes é o que defende o Absolutismo de forma mais vigorosa, encetando-o de forma já liberta do pensamento teológico medieval. Embora absolutista, Hobbes traz à discussão uma visão filosófica moderna, racional.

Por sua vez, Locke traz a lume um pensamento em sintonia com os interesses da burguesia ascendente, fornecendo as bases para o liberalismo, doutrina totalmente aproveitada pela lógica burguesa.

O autor argumenta, porém ser Rousseau o mais importante e compromissado com as questões sociais, sendo o pensador que mais vai a fundo, em seu tempo, no desvendamento crítico da democracia e da própria verdade social moderna.

IDADE CONTEMPORÂNEA

            Na atualidade, o Direito se ramifica em inúmeras correntes, entretanto, para o escopo deste estudo, não se empreenderá ao estudo exaustivo de cada uma. Tendo em vista que este artigo tem como objetivo o estudo das teorias com vistas a compreender o que é o Direito, a partir de um detalhamento das correntes que explicam a origem do Direito, os esforços serão direcionados para o estudo das correntes que se propõem a explicar esta ciência a partir do conhecimento acerca de sua origem.

Nesta seara, é possível divisar duas correntes de pensamento que miram este objetivo. Inicialmente, tem-se o Jusnaturalismo, corrente que acompanha o estudo do Direito deste os seus primeiros questionamentos pelos antigos e que, não obstante tenha o seu estudo relegado a segundo plano durante grande parte da Idade Média, chega aos dias atuais com o vigor que lhe foi conferido pelos estudos dos gregos, notadamente de Aristóteles.

Paralelamente ao Jusnaturalismo, tem-se nos dias atuais a corrente Juspositivista. Tal corrente busca explicar a origem do Direito na própria norma exarada pelo Estado. Não obstante este caráter geral, é possível identificar diversos matizes Juspositivistas que, embora constituam correntes divisáveis na seara Juspositivista, não deixam de lado o traço geral de norma produzida pelo Estado, não obstante comportem aprimoramentos inúmeros.

Qual a origem do Direito?

É Nader (2012, p. 191) quem oferece a definição de Direito Natural, “ordem não escrita, não promulgada pelos homens”.  Para os gregos antigos, “as leis humanas fundavam-se naquela lei única, acessível ao conhecimento pela via da razão”. Na literatura grega, encontra-se um registro da existência de um Direito superior ao positivo. Sófocles afirma, na Antígona, que “as ordens que o rei ditava não eram superiores às leis não escritas e imutáveis [...], existentes de longa data”.

Nos termos precisos de Nader (2012, p. 192),

O Direito Natural é referência para o legislador e para as consciências individuais. O homem médio da sociedade, além de orientar-se socialmente pelo conhecimento vulgar do Direito, guia-se também pelos princípios do Direito Natural. Se o apurado conhecimento desta ordem se obtém pela reflexão, certo é, que a simples experiência de vida à percepção de seus princípios mais fundamentais. Estes configuram verdadeira fonte ordenadora da conduta  e não se reduzem à ordem moral. Direito Natural e Moral, por seus princípios, estão presentes na consciência humana. Conquanto não se circunscrevam no mundo da cultura, a percepção mais ampla das duas esferas pressupõe espírito adaptado ao meio civilizado. [...]

Aduz ainda o autor que o Direito natural “tem como objetivo o resguardo das condições essenciais da convivência.” Entende o pensador que o Direito Natural é uma tutela de fins, informando que seus princípios consideram a natureza humana e os fins que os homens buscam.

            A segunda corrente objeto deste estudo defende que a origem do Direito reside na própria norma positiva emanada pelo estado. Trata-se do Positivismo Jurídico que, não obstante sua ramificação, é possível divisar dois tipos essenciais. O primeiro, o Juspositivismo Puro, que conduz às últimas consequências o caráter normativo do Direito, identificando-o com as normas. Esta corrente positivista tem no austríaco Hans Kelsen seu mais destacado expoente.

O segundo segmento desta corrente é representado pelo Positivismo Eclético, corrente que busca mitigar o caráter estritamente normativo do Direito, matizando-o com abordagens de ordem sociais, filosóficas, históricas e culturais, expandindo a sua abordagem para pô-la em sintonia com realidade sócio-histórica em que está inserida.

O principal expoente do Positivismo Eclético é o saudoso professor brasileiro Miguel Reale, formulador da Teoria Tridimensional do Direito, em que esta vinculação com a realidade sócio-histórica sobressai-se sobremodo.

O que é a Justiça?

O conceito de justiça é ínsito ao Direito. No entanto, não se confunde com este, uma vez que é possível haver apenas arcabouço jurídico sem que haja justiça.

De outro ponto de vista, sempre que houver justiça, estar-se-á diante do Direito, tendo em vista que o que é justo é sempre Direito. A justiça, portanto, é passível de conceituação autônoma, como é o objetivo deste estudo.

Segundo Montalvão (apud Kelsen, 2017, p. 17) a questão sobre o que é a justiça representa uma destas temáticas para as quais o homem nunca encontrará uma resposta definitiva. Nos precisos termos da sua declaração,

Nenhuma outra questão foi tão passionalmente discutida; por nenhuma outra foram derramadas tantas lágrimas amargas, tanto sangue precioso; sobre nenhuma outra, ainda, as mentes mais ilustres - de Platão a Kant – meditaram tão profundamente. E, no entanto, ela continua até hoje sem resposta. Talvez por se tratar de uma dessas questões para as quais vale o resignado saber de que o homem nunca encontrará uma resposta definitiva; deverá apenas tentar perguntar melhor. KELSEN (apud MONTALVÃO, 2017, p. 17)               

O professor Montalvão (2017, p. 19) insiste em que a palavra definitiva sobre o que é a justiça não é possível, acrescenta o professor que “o máximo que se pode dizer é que ela é um conceito fundamental, irredutível, da ética, da filosofia social e jurídica”. Sem embargo das respeitáveis opiniões, este estudo pretende responder a esta questão sob o ponto de vista da filosofia, como vem-se de afirmar.

O sentimento de justiça existe desde o início da vida gregária. A prática do justo sempre foi necessária, mesmo quando se tinha de justiça uma ideia equivocada, a partir da sensibilidade ética vigente em cada época.

Com efeito, Nader (2012, p. 67) ensina que “o instituto da escravidão, a discriminação contra a mulher e os estrangeiros, a Lei de Talião correspondiam ao ideário do justo”. Esta realidade corrobora a afirmativa de que o Direito acompanha a evolução da sociedade e que, nem sempre, anda em harmonia com a justiça.

A justiça pressupõe a alteridade, uma vez que se pratica o justo em face de alguém. Na terminologia jurídica, o termo justiça é empregado em dois sentidos. De um lado, como valor a ser realizado nas relações interindividuais sob o comando da lei. De outro, como órgão público responsável pela aplicação da lei aos casos concretos.

Também se afirma com propriedade que o tema justiça é inexaurível, sempre atual e que, ao longo dos tempos, desafia as reflexões e assertivas dos filósofos. Para o ser humano comum, prevalece o sentimento do justo, embora do ponto de vista filosófico, o mesmo não teça reflexões acerca da justiça. O sentimento do justo é intuitivo e espontâneo, enquanto a ideia de justiça constitui-se em resultado de reflexão, para as quais contribuem a experiência e a razão.

Bittar (2005, p. 445) ressalta que, de todas as correntes que procuraram encontrar uma resposta para a pergunta o que é justiça,

as correntes e doutrinas ocidentais sofreram profundas e diretas influências das seguintes ideias:

a)      De Platão, advém uma herança segundo a qual a justiça é uma virtude suprema;

b)      De Aristóteles advém uma herança segundo a qual a justiça é igualdade/proporcionalidade;

c)      Dos juristas romanos advém uma herança segundo a qual a justiça é vontade de dar a cada um o seu [...]

Na esteira destas conceituações, o pensamento positivista considera a conceituação do que é justiça um absurdo, considerando que justiça é um conceito impossível de ser definido.

Nos ensinamentos de Bittar (2005, p. 447)

A questão da justiça, quando vista como elemento fundante do ordenamento jurídico, pode ser considerada como algo relacionado com a doação de sentido. [...] O Direito, [...], se desprovido de essência e de finalidade, serve a qualquer finalidade, independentemente de qualquer valor, [...] A justiça, nesse sentido, passa a ser a ratio essendi do Direito que, por si e em si, sem esse parâmetro valorativo, não possui sentido. [...] De qualquer forma, o que se percebe é que direito e justiça são conceitos diferentes que às vezes andam em sintonia, às vezes em dissintonia. [...] nem sempre o Direito caminha pari passu com a justiça, ainda assim, ele a busca e nela deposita sua finalidade de existir e operar na vida social. O Direito deve ser o veículo para a realização da justiça.

Esta visão coloca a justiça como parâmetro de realização do justo, servindo de norte para a aplicação do Direito. A valoração do Direito quanto ao critério da justiça coloca em evidência a possibilidade de manifestações jurídicas que não sejam justas, por não guardarem correlação com os imperativos da justiça e, assim, constituírem apenas manifestações jurídicas. É direito, mas não corresponde à manifestação do justo, sendo a justiça um parâmetro de aferição do Direito, constituindo seu objetivo.

Por fim, defende o autor que a dignidade da pessoa humana constitui-se em valor que informa todo o sistema jurídico, desempenhando papel de fundamento do Estado Democrático de Direito, sendo a pessoa humana tanto princípio quanto fim do Estado e do Direito.

Nader (2012, p. 75) defende que “para bem conhecer a missão do Estado e do Direito, mister se faz conhecer a pessoa humana, a dignidade que lhe é inerente”.

Pelo pressuposto da dignidade da pessoa humana, a ideia de justiça pugna pela sua essencialidade, tanto quanto o Direito, a Justiça constitui-se em tema basilar para a pacificação e o sucesso da vida em sociedade, nos precisos termos de Nader (2012, p. 72), “Pode-se afirmar que a justiça constitui condição essencial para o bem estar das pessoas, daí a necessidade de se envidarem todos os esforços, intelectuais e práticos, para a sua prevalência.

CONCLUSÕES

O que é o Direito?

Teoria Juscongruente do Direito

            A partir da reflexão acerca do quanto aqui debatido, chega-se à conclusão de que o Direito é a realização do dever ser.

            Se algo deve ser de determinada forma e acontece desta forma, tem-se o Direito.

            Esta abordagem permite uma análise em dois aspectos: o dever ser mais imediato e o dever ser mais filosófico. Do ponto de vista mais imediato, este conceito coincide com a noção de Direito do homem comum.

            Do ponto de vista mais filosófico, tem-se que o dever ser do Direito é uma sociedade justa. Neste sentido, é Direito tudo o que contribui para uma sociedade justa. Esta noção remete ao termo latino Directum. Também faz referência ao termo alemão Recht, que significa reto como uma régua. Em ambos os termos, apresentam significados idênticos, ou seja, sem rodeios.

Qual a origem do Direito?

Vistas as correntes jusnaturalista e juspositivista, havendo mesmo dicotomia entre as mesmas, inspirando divisões e discussões acaloradas e tendo em vista o quanto aqui discutido, chega-se à conclusão de que a origem do direito é o próprio ser humano, haja vista que a correção é uma necessidade do espírito. Em outros termos, o sentido de que as coisas sejam corretas é uma necessidade humana. Disso decorre a unificação das duas correntes, uma vez que nasce de uma necessidade humana tanto o agir como se deve quanto a positivação do direito.

O que é a Justiça

Quanto à definição do conceito filosófico de Justiça, este estudo chega à conclusão de que Justiça é a equivalência entre o ser e o dever ser. Sempre que o que acontece for equivalente ao que deve acontecer, sempre que uma lei, uma decisão ou qualquer fato jurídico se amoldar às necessidades do dever ser, sempre que se observar esta equivalência, estar-se-á, seguramente, diante da Justiça.

A título de arremate, sempre que alguém fala em Justiça, está se referindo à ‘justeza’ entre estes dois aspectos: o ser e o dever ser.

           

REFERÊNCIAS

BITTAR, Eduardo C. B., ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. 4.ª Edição. São Paulo: Atlas, 2005

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6.ª Edição. São Paulo: Martins Fontes, 1999

MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do Direito. 5.ª Paulo: Edição. São Atlas, 2016

MONTALVÃO, Bernardo. Resolução 75 do CNJ: Descomplicando a Filosofia do Direito. 1.ª Edição. Salvador: Jus Podium, 2017

NADER, Paulo. Filosofia do Direito. 21.ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2012

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 19.ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2002

SKINNER, Quentin. As Fundações do Pensamento Político Moderno. 1.ª Edição. São Paulo: Companhia das Letras, 1996

VILLEY, Michel. Formação do Pensamento Jurídico Moderno. 1.ª Edição. São Paulo: Martins Fontes, 2005

Data da conclusão/última revisão: 23/2/2019

 

Como citar o texto:

SOUZA FILHO, Dermeval Barbosa de..Directum: Construindo uma sociedade justa. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 30, nº 1601. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/teoria-geral-do-direito/4319/directum-construindo-sociedade-justa. Acesso em 25 fev. 2019.

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