Resumo: O presente trabalho apresenta, de maneira crítico-científica, um estudo sobre a ofensa ao devido processo constitucional pelo cerceamento de defesa oriundo do indeferimento da prova testemunhal na justiça do trabalho através da análise de um julgado em consonância com bibliografias acadêmicas, artigos, doutrinas e legislações relacionadas ao tema. Para tanto, serão apresentadas as evoluções históricas dos paradigmas de Estado Liberal, Social e Democrático de Direito. Ademais, será analisado o processo constitucional e o devido processo legal objetivando compreender que na vigência do Estado Democrático de Direito deve prevalecer uma visão constitucional do processo, onde a decisão será construída com a efetiva participação das partes litigantes. Será verificado, em especial, que o indeferimento da prova testemunhal na justiça do trabalho cerceia o direito de defesa do litigante e ofende o devido processo constitucional.

Palavras-chave: Processo Constitucional. Cerceamento de Defesa. Prova Testemunhal. Justiça do Trabalho.

1 INTRODUÇÃO

1.1  TEMA-PROBLEMA

Em decisão trabalhista referente aos autos nº. 0020579-52.2016.5.04.0751, datada de 16 de julho de 2017, da lavra do Dr. Vinícius de Paula Löblein, juiz substituto da 1ª Vara do Trabalho de Santa Rosa-RS, os pedidos do reclamante, Sr. Paulo Jose Buttenbender, requeridos em face da reclamada, Agco do Brasil Maquinas e Equipamentos Agrícolas Ltda., foram julgados improcedentes. O supracitado magistrado acolheu o laudo pericial da perita de confiança do juízo que concluiu não haver nexo causal entre a doença que acomete o reclamante e as atividades desempenhadas por ele na reclamada.

Imperioso consignar que o reclamante  impugnou o referido laudo pericial acatado pelo magistrado, sustentando que a base fática em que se apoiaram as conclusões periciais era diversa da real condição de trabalho dele, em ofensa ao princípio da primazia da realidade. Além disso, tentou comprovar suas alegações através de prova testemunhal, necessária ao adequado deslinde da controvérsia, que foi obstaculizada pelo juízo de instrução, oportunidade em que foi apresentado o respeitoso protesto antipreclusivo do reclamante. Consequentemente, oportuna e tempestivamente, o reclamante interpôs o competente Recurso Ordinário para atacar a referida sentença, que adotou a numeração 0020579-52.2016.5.04.0751 (RO), almejando, prefacialmente, o reconhecimento da nulidade do feito por cerceamento de defesa em razão da perícia realizada e do indeferimento de prova testemunhal. Em relação ao mérito, pleiteou que fosse reconhecida a existência de nexo técnico entre as doenças que o acometem e as atividades realizadas em favor da reclamada-recorrida.

Julgando o referido caso, em recente acordão datado de 27 de setembro de 2017, publicado dia 29 de setembro de 2017, os magistrados integrantes da 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região divergiram em seus votos. A Exma. Desembargadora relatora Angela Rosi Almeida Chapper entendeu que as questões fáticas suscitadas no processo, as quais seriam objeto de prova testemunhal, foram analisadas pelo perito e não deu provimento ao recurso do reclamante. Entretanto, o Exmo. Desembargador revisor João Paulo Lucena abriu divergência em seu voto e discordou da eminente relatora ao entender que a produção da prova testemunhal era essencial para a solução da controvérsia, importando em cerceamento de defesa do recorrente, por violação de suas garantias constitucionais. Igualmente, o Exmo. Desembargador vogal divergiu do voto da relatora e acompanhou o revisor. Assim, por maioria de votos, os julgadores deram provimento ao recurso do reclamante-recorrente para declarar a nulidade do processo, por cerceamento de defesa, desde o indeferimento da oitiva das suas testemunhas, devendo ser reaberta a instrução processual, conforme se observa na colação abaixo:

NULIDADE DO PROCESSO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DA PROVA TESTEMUNHAL. CONFIGURAÇÃO. A não oportunização à parte do direito de provar os fatos invocados, pelo indeferimento da prova testemunhal necessária ao adequado deslinde da controvérsia, configura cerceamento de defesa ensejador da nulidade do processo e do retorno dos autos à origem para o regular processamento do feito, como de direito. (BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Recurso Ordinário nº. 0020579-52.2016.5.04.0751 (RO), Rel ANGELA ROSI ALMEIDA CHAPPER, Porto Alegre, RS,  29 de setembro de 2017. Lex: jurisprudência do TRT 4. Disponível em: < https://pje.trt4.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/DetalhaProcesso.seam?p_num_pje=156111&p_grau_pje=2&p_seq=20579&popup=0&p_vara=751&dt_autuacao=17%2F08%2F2017&cid=80863>. Acesso em: 30 set. 2017).

1.2  JUSTIFICATIVA

O presente trabalho, que não possui caráter exauriente sobre o tema abordado, tratará, de maneira crítico-científica, da ofensa ao devido processo constitucional pelo cerceamento de defesa oriundo do indeferimento da prova testemunhal na justiça do trabalho. Terá como referência o julgamento do supramencionado Recurso Ordinário nº. 0020579-52.2016.5.04.0751 (RO), publicado dia 29 de setembro de 2017, da lavra da 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, e a necessidade de vigorar uma visão constitucional do processo, que culminará em uma decisão construída com a efetiva e igualitária participação das partes litigantes, observando-se o contraditório e a ampla defesa, em sua plenitude.

Conforme poderá ser observado, apesar do tema abordado ser bastante recorrente no dia a dia forense, atualmente ainda propicia grande divergência interpretativa nas decisões judiciais, a exemplo da divergência de votos constante na decisão em questão, o que demonstra a importância de sua abordagem.

Para tratar desse tema de grande importância para o jurisdicionado e para os operadores do direito no geral, sobretudo diante da possibilidade de lesão a direitos constitucionais das partes, inicialmente serão apresentadas as evoluções históricas dos paradigmas de Estado Liberal, Social e Democrático de Direito.

Ademais, será analisado o processo constitucional e o devido processo legal objetivando compreender que na vigência do Estado Democrático de Direito deve prevalecer uma visão constitucional do processo, onde a decisão será construída com a efetiva participação das partes litigantes.

Será verificado, em especial, como o indeferimento da prova testemunhal na justiça do trabalho cerceia o direito de defesa do litigante e ofende o devido processo constitucional, apresentando-se questionamentos sobre o tema e apontando soluções.

Poderá ser observado, então, que ainda hoje há um constante desafio do Direito Constitucional de compatibilizar o direito fundamental de liberdade com a autoridade estatal, conforme explicita com propriedade o professor Fabrício Veiga Costa (2011, p. 2) no artigo intitulado “O Processo Constitucional no Paradigma do Estado Democrático de Direito”.

Enfim, demonstrará que no Estado Democrático de Direito, no qual deve haver supremacia das normas constitucionais sobre as processuais, a proteção das normas constitucionais se dá através do devido processo constitucional.

1.3  OBJETIVOS

1.3.1        Objetivo geral

O objetivo geral do projeto é compreender que na atualidade deve vigorar uma visão constitucional do processo, nos moldes do devido processo legal, com efetivo respeito ao contraditório e a ampla defesa das partes, especialmente no que concerne a produção de prova testemunhal na justiça do trabalho. Objetiva-se entender que a parte litigante, na seara trabalhista, que almeja atacar, por meio de prova testemunhal, os aspectos fáticos que interferem na solução do litígio deve ter o seu direito constitucional de produção da respectiva prova eficazmente garantido, evitando-se a ofensa ao devido processo constitucional.

1.3.2        Objetivos específicos

a) Apresentar, suscintamente, a evolução das mudanças de paradigmas do Estado Constitucional, que culminou no Estado Democrático de Direito.

b) Analisar o processo constitucional e o devido processo legal objetivando compreender que na vigência do Estado Democrático de Direito deve prevalecer uma visão constitucional do processo, onde a decisão será construída com a efetiva participação das partes litigantes, afastando-se a ideia do juiz-Hércules.

c)  Verificar como o indeferimento da prova testemunhal na justiça do trabalho, mesmo após haver prova pericial desfavorável ao litigante, cerceia o direito de defesa dele e ofende o devido processo constitucional.

d) Analisar o tema-problema através de uma visão crítica, indicando a participação simetricamente igualitária das partes que suportarão os efeitos da decisão.

1.4  METODOLOGIA

O presente projeto adota como marco-teórico a necessidade de vigorar uma visão constitucional do processo, observando-se, real e eficazmente, o contraditório e a ampla defesa das partes na seara trabalhista, em prol de uma decisão construída com a efetiva e igualitária participação delas. Dessa maneira, devem ser asseguradas as garantias constitucionais da parte litigante na seara trabalhista, que poderá exercer plenamente a sua ampla defesa com todos os meios e recursos a ela inerentes, a exemplo da produção de prova testemunhal essencial para a solução da controvérsia, em prol da observância do devido processo constitucional.

Nesse aspecto, o renomado jurista Alexandre Freitas Câmara (2015) assevera que:

O devido processo constitucional pode – e deve – ser visto como um mecanismo de asseguração do respeito às garantias constitucionais do processo, dedicando-se especial atenção à garantia de participação que, afinal, resulta do princípio do contraditório, apresentando-se, ao final, algumas breves conclusões. (CÂMARA, 2015)

Desde anteriormente o presente subscritor (2012) também entendia que:

O processo constitucional indica que deve haver uma estrita observância dos ditames da Constituição Federal, com a consagração dos preceitos do Estado Democrático de Direito. Neste diapasão, a Constituição Federal serve de parâmetro para a interpretação das normas jurídicas, coibindo excessos, ao passo que o direito processual constitucional objetiva estudar os instrumentos necessários para efetivar os preceitos constitucionais. (SOARES, 2012, p. 729)

Dessa feita, o processo constitucional objetiva garantir o pleno exercício dos direitos fundamentais dos cidadãos em um litígio. Para alcançar os objetivos propostos, será feita uma análise crítica do supracitado acórdão de numeração 0020579-52.2016.5.04.0751 (RO), publicado dia 29 de setembro de 2017, da lavra da 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, em conjunto com a leitura de bibliografias acadêmicas, artigos, doutrinas e legislações relacionadas ao tema.

2 PROCESSO CONSTITUCIONAL

No Brasil, do paradigma de Estado Liberal - que se iniciou no final do século XVII, com o movimento iluminista, quando se privilegiava a liberdade individual, com intervenção mínima do Estado e a aplicação literal da legislação - passou-se ao inalcançável paradigma de Estado Social. Idealizou-se, desse modo, uma intervenção máxima do Estado, a qual “vigorou” até a década de setenta, época em que o julgador podia desprezar as provas produzidas pelas partes em um processo e julgar de acordo com o interesse público. Ocorre que a política social brasileira era insuficiente para cobrir as necessidades da população de mais baixa renda de maneira a evitar a perpetuação dos bolsões de pobreza e gerar novas riquezas, não tendo se estabelecido o Estado Social no Brasil.

Porém, com o advento da Constituição Federal de 1988, adotou-se no Brasil o paradigma de Estado Democrático de Direito, com uma abordagem constitucional. Todo poder emana do povo, criador, destinatário e fiscalizador das leis, embora atualmente ainda existam resquícios do Estado Social, como no julgamento por equidade. “No Estado Democrático de Direito há uma atividade compartilhada, onde a formação do provimento advém das provas e dos argumentos trazidos pelas partes.” (ARAÚJO, 2010, p. 74).

O processo constitucional foi abordado de maneira pioneira, no Brasil, pelo jurista mineiro José Alfredo de Oliveira Baracho (1984), com reflexões sobre a conexão entre Constituição e Processo:

A origem do Processo Constitucional moderno pode ser determinada no Direito Comparado com o surgimento da declaração de inconstitucionalidade, com perfis jurídicos definidos e bem caracterizados nos Estados modernos, com o surgimento das Constituições. (BARACHO, 1984, p. 6).

O processo constitucional indica que deve haver uma estrita observância dos ditames da Constituição Federal, com a consagração dos preceitos do Estado Democrático de Direito. Neste diapasão, a Constituição Federal serve de parâmetro para a interpretação das normas jurídicas, coibindo excessos, ao passo que o direito processual constitucional objetiva estudar os instrumentos necessários para efetivar os preceitos constitucionais.

Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias (2010), um dos maiores expoentes do processualismo científico democrático mineiro, ao escrever sobre o princípio do devido processo constitucional, em sua obra Processo Constitucional e Estado Democrático de Direito, ensina o seguinte:

A decisão jurisdicional (sentença, provimento) não é ato solitário do órgão jurisdicional, pois somente obtida sob inarredável disciplina constitucional principiológica (devido processo constitucional), por meio da garantia fundamental de uma estrutura normativa metodológica (devido processo legal), a permitir que aquela decisão seja construída com os argumentos desenvolvidos em contraditório por aqueles que suportarão seus efeitos, em torno das questões de fato e de direito sobre as quais controvertem no processo. (DIAS, 2010, p. 123-4).

Aliás, o direito a prova é um direito humano fundamental, tendo como seus princípios formadores a inafastabilidade do direito de jurisdição, o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa e a isonomia. Assim, vislumbra-se que a concepção de “juiz Hércules” não se adequa ao Estado Democrático de Direito, no qual deve vigorar uma visão constitucional do processo, nos moldes do devido processo legal, propiciando ao jurisdicionado segurança jurídica no julgamento da sua demanda. Além disso, não se pode esquecer que, por diversos fatores, entre eles a sobrecarga de trabalho, muitas vezes o magistrado trabalhista indefere a produção de prova testemunhal pleiteada pela parte sem ainda conhecer a fundo o processo e a linha de defesa adotada por ela, causando-lhe prejuízo e demonstrando a ofensa aos seus direitos constitucionais.

Com maestria, Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias (2010) assim enfatiza:

O devido processo legal, principal alicerce do processo constitucional ou modelo constitucional do processo, considerado este a principiologia metodológica constitucional de garantia dos direitos fundamentais, deve ser entendido como um bloco aglutinado e compacto de vários direitos e garantias fundamentais inafastáveis, ostentados pelas pessoas do povo (partes), quando deduzem pretensão à tutela jurídica nos processos, perante os órgãos jurisdicionais: a) direito de amplo acesso à jurisdição, prestada dentro de um tempo útil ou lapso temporal razoável; b) garantia do juízo natural; c) garantia do contraditório; d) garantia da ampla defesa, com todos os meios e recursos a ela (defesa) inerentes, ai incluído o direito à presença de advogado ou de defensor público; e) garantia da fundamentação racional das decisões jurisdicionais, com base no ordenamento jurídico vigente (reserva legal); f) garantia de um processo sem dilações indevidas. (DIAS, 2010, p. 125).

Com entendimento semelhante, Rosemiro Pereira Leal (2011) explica:

Nas democracias, para se colocar uma lei no lugar de outra, para alterá-la ou modificá-la, há de ser a partir de uma lei para outra pela via construtiva do PROCESSO CONSTITUCIONAL, que é o ser jurídico perpétuo (instituição legal) nas democracias plenas que cria e impõe garantia do contraditório, ampla defesa e isonomia na base construcional do espaço político, tornando-os devidos. Por isso é que o devido processo legal é o dever ser posto pelo Processo Constitucional. (LEAL, 2011, p. 72).

Adotando posicionamento semelhante, Dierle José Coelho Nunes (2008) argumenta em sua tese de doutorado:

O processo lastreado em um modelo constitucional (Andolina, Vignera) constitui a base e o mecanismo de aplicação e controle de um direito democrático. Processo democrático não é aquele instrumento formal que aplica o direito com rapidez máxima, mas, sim, aquela estrutura normativa constitucionalizada que é dimensionada por todos os princípios constitucionais dinâmicos, como o contraditório, a ampla defesa, o devido processo constitucional, a celeridade, o direito ao recurso, a fundamentação racional das decisões, o juízo natural e a inafastabilidade do controle jurisdicional. Todos esses princípios serão aplicados em perspectiva democrática se garantirem uma adequada fruição de direitos fundamentais em visão normativa, além de uma ampla coparticipação e problematização, na ótica policêntrica do sistema, de todos os argumentos relevantes para os interessados. (NUNES, 2008, p. 247-50).

Portanto, observa-se que no Estado Democrático de Direito, no qual deve haver supremacia das normas constitucionais sobre as processuais, a proteção das normas constitucionais se dá através do devido processo constitucional. O propósito é garantir os direitos fundamentais dos cidadãos em um litígio; nem mesmo em prol da celeridade processual pode se restringir a isonomia, o contraditório e a ampla defesa, enfim, o devido processo legal.

3 DEVIDO PROCESSO LEGAL

Na Constituição Federal de 1988, adjetivada ‘cidadã’, em seu art. 5º, inc. LIV, está expresso que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.” Por sua vez, no art. 8ª da Declaração Universal dos Direitos Humanos, consta que:

[...] todo o homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei. (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 2011).

O devido processo legal também foi abordado na Convenção de São José da Costa Rica, em seu art. 8º:

Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. (CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS, 2011).

Humberto Theodoro Júnior (2005), em uma visão constitucional, dispõe que:

A garantia do devido processo legal, porém, não se exaure na observância das formas da lei para a tramitação das causas em juízo. Compreende algumas categorias fundamentais como a garantia do juiz natural (CF, art. 5º, inc. XXXVII) e do juiz competente (CF, art. 5º, inc. LIII), a garantia de acesso à justiça (CF, art. 5º, inc. XXXV), de ampla defesa e contraditório (CF, art. 5º, inc. LV) e, ainda a de fundamentação de todas as decisões judiciais (art. 93, inc. IX). (THEODORO JÚNIOR, 2005, p. 23-4).

Com propriedade, Luiz Rodrigues Wambier (1989) orienta que:

Arturo Hoyos entende que o princípio do devido processo legal está inserido no contexto, mais amplo, das garantias constitucionais do processo, e que somente mediante a existência de normas processuais, justas, que proporcionem a justeza do próprio processo, é que se conseguirá a manutenção de uma sociedade sob o império do Direito. (WAMBIER, 1989, p. 34).

Segundo Dias (2010, p. 125), a viga mestra do devido processo legal é o contraditório, devendo-lhe o Estado-jurisdição irrestrita observância, no exercício da função jurisdicional. Dias (2010) ainda cita uma concepção científica atualizada de Dierle José Coelho Nunes, recorrente nas lições doutrinárias de Comoglio e de Trocker: a “leitura do contraditório como garantia influencia no desenvolvimento e resultado do processo.” Por esta razão se eleva o contraditório à destacada condição de “elemento normativo estruturador da coparticipação”, assegurando-se o “policentrismo processual”, segundo o devido processo constitucional. Tais premissas levam o referido doutrinador a concluir que “permite-se, assim, a todos os sujeitos potencialmente atingidos pela incidência do julgado (potencialidade ofensiva) a garantia de contribuir de forma crítica e construtiva para sua formação.” (NUNES, 2008, p. 227).

4 DA OFENSA AO DEVIDO PROCESSO CONSTITUCIONAL PELO INDEFERIMENTO DA PROVA TESTEMUNHAL NA JUSTIÇA DO TRABALHO

A todos os litigantes deve ser dada a possibilidade de se defenderem, de forma ampla e irrestrita, sob o crivo do contraditório. De acordo com Dias (2010), conforme foi visto, esta é a viga mestra do devido processo legal, pois viabiliza a participação simetricamente igualitária das partes, em um verdadeiro processo constitucional patrocinado por um defensor técnico, de maneira a culminar em uma decisão fundamentada, que, ao contrário de surpreender as partes, analisa todos os pontos apresentados na defesa daqueles.

Na seara trabalhista, o juiz tem o condão de impulsionar o processo de ofício, em prol de um procedimento mais célere. Mas, conforme já foi visto, a decisão jurisdicional não representa um ato solitário do ‘juiz Hércules’, tampouco deve ser aplicada apenas com rapidez máxima, mas deve ser obtida em respeito ao devido processo constitucional, em que se permita a sua construção mediante os argumentos desenvolvidos em legítimo contraditório, por todos aqueles que suportarão os seus efeitos, em torno de todos os pontos controvertidos, de fato ou de direito.

A todos os litigantes deve ser dada a possibilidade de se defenderem, de forma ampla e irrestrita, com todos os meios e recursos inerentes, aí incluído o direito à presença de advogado ou defensor público, sob o crivo do contraditório. Embora a Justiça do Trabalho tenha como um dos princípios o instituto do jus postulandi, que pode ser utilizado por empregados ou empregadores até o TRT, nos termos do art. 791, da CLT c/c súmula 425, do TST, não raras vezes as partes são representadas por advogados, que são os profissionais técnicos habilitados para o exercício da advocacia.

Aliás, a presença e assistência técnica do advogado deveria se fazer sempre presente, em prol da segurança da regularidade do ato e do respeito à garantia das partes. Mesmo porque, nos exatos termos do art. 133, da Constituição Federal de 1988, o advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei, tamanha a sua importância.

Importante salientar que não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrado e membros do Ministério Público, devendo ser dispensado ao advogado, no exercício de sua profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e concedidas condições adequadas a seu desempenho, nos exatos termos do art. 6º, da Lei nº. 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), cujo colação segue abaixo:  

Art. 6° Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos.

Parágrafo único. As autoridades, os servidores públicos e os serventuários da Justiça devem dispensar ao advogado, no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas a seu desempenho.

Importa saber que esses profissionais legalmente habilitados, quando da defesa de seus clientes, estudam, ou deferiam estudar, o caso concreto minuciosamente e traçam uma estratégia de defesa e abordagem processual. Assim, detentores de boa técnica processual e profundos conhecedores do caso e de suas particularidades, estando em contato direto com seu cliente e já tendo verificado antes a matéria probatória, os defensores possuem condições de verificar de que modo comprovarão as alegações de seus clientes perante o estado juiz.

Sabedores disso, poderiam e deveriam ter suas prerrogativas profissionais respeitadas e o exercício da sua profissão facilitado quando de uma instrução processual de modo a poder exercer seu mister sem se sujeitar a atropelos e tolhidas do magistrado condutor dos trabalhos.

Deve-se afastar a retrógrada concepção de que o contraditório é apenas a possibilidade de se dizer e contradizer e que a ampla defesa é um agir restritivo, evidenciando a necessidade de pleno debate prévio dos sujeitos processuais que suportarão os efeitos daquela decisão que poderão construir ao longo do procedimento. Esse debate diz respeito, em especial, ao direito à prova testemunhal.

De acordo com Dias (2010), conforme foi visto, o contraditório é a viga mestra do devido processo legal, pois viabiliza a participação simetricamente igualitária das partes, em um verdadeiro processo constitucional patrocinado por um defensor técnico, de maneira a culminar em uma decisão fundamentada, que, ao contrário de surpreender as partes, analisa todos os pontos apresentados na defesa daqueles. Logo, mostra-se visível que há o reconhecimento da supremacia da Constituição sobre as normas processuais, privilegiando os direitos fundamentais. No mesmo sentido, Dhenis Cruz Madeira (2008) preconiza que:

A cognição jurisdicional não é atividade solitária de inteligência do magistrado, tampouco técnica a serviço do julgador, já que a valoração das provas, no Estado Democrático de Direito, também deve ser compartilhada em todas as fases procedimentais do processo cognitivo. (MADEIRA, 2008, p. 118).

Assim, não raras vezes, havendo controvérsia sobre o tema e não sendo a matéria provada por outros meios de prova, se faz necessária a produção de prova testemunhal, amplamente permitida na seara trabalhista.

Acerca da prova testemunhal, o Código de Processo Civil é claro ao afirmar em seu artigo 442 que a prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso. A Consolidação da Leis do Trabalho em vários de seus trechos explicita a possibilidade de produção de prova oral, a exemplo dos arts. 815, 819, 820, 821, 825, 828, 829, 845, 848, 852F, 852H.

É certo que o art. 139 do Código de Processo Civil dispõe que o juiz incumbe a direção do processo. Entretanto, essa condução deve ser responsável e ponderada evitando, a qualquer custo, os verdadeiros atropelos as garantias das partes ocasionados pelas pautas cheias, tempo escasso, desinformações de todo tipo, falta de conhecimento do magistrado acerca do caso concreto e das estratégias de defesas, egos e vaidades.

Quem está habituado a prática forense sabe que em inúmeros casos os juízes sequer sabem do que se trata a audiência de instrução em questão, não tendo a menor condição de conhecer, em um exíguo intervalo de tempo, as minúcias do caso e as estratégias de defesas abordadas. Assim, não teriam condições legítimas de indeferir a produção de prova testemunhal, por exemplo, sob pena de incorrer em cerceamento de defesa por ofensa ao devido processo constitucional.

O que se nota é que, muitas vezes, ainda que se tenha produzido prova pericial, as conclusões periciais podem ter se apoiadas em base fática diversa da realidade do caso, sendo necessária a produção de prova oral para o adequado deslinde da controvérsia. Infelizmente, em muitos casos a prova testemunhal resta indeferida a parte vê o seu direito de defesa cerceado, tendo que lançar mão do seu respeitoso protesto antipreclusivo e torcer para o seu recurso ser examinado por uma turma cujos desembargadores praticam o direito em observância do devido processo constitucional, primando pelo cumprimento das garantias das partes e não pela entrega jurisdicional cravada em um mundo do faz de conta jurídico. Adotando posicionamento semelhante, Dierle José Coelho Nunes (2008) assevera em sua tese de doutorado:

O processo lastreado em um modelo constitucional (Andolina, Vignera) constitui a base e o mecanismo de aplicação e controle de um direito democrático. Processo democrático não é aquele instrumento formal que aplica o direito com rapidez máxima, mas, sim, aquela estrutura normativa constitucionalizada que é dimensionada por todos os princípios constitucionais dinâmicos, como o contraditório, a ampla defesa, o devido processo constitucional, a celeridade, o direito ao recurso, a fundamentação racional das decisões, o juízo natural e a inafastabilidade do controle jurisdicional. Todos esses princípios serão aplicados em perspectiva democrática se garantirem uma adequada fruição de direitos fundamentais em visão normativa, além de uma ampla coparticipação e problematização, na ótica policêntrica do sistema, de todos os argumentos relevantes para os interessados. (NUNES, 2008, p. 247-50).

Dessa maneira, não pode ser tolhido da parte o seu direito de produção de prova testemunhal que sua defesa entende pertinente para o deslinde do feito, desde que os fatos não restem incontroversos e tampouco sejam eficaz e realmente comprovados por outro meio de prova admitido, sob pena de ofensa ao devido processo constitucional.

5 CONCLUSÃO

O presente trabalho não almejou ser exaustivo, mesmo porque o tema proposto é bastante complexo em seus aspectos legal, doutrinário e jurisprudencial.

Observou-se que foi necessária a mudança de paradigmas e que, no Estado Democrático de Direito, a proteção das normas constitucionais se dá por meio do devido processo constitucional, que visa garantir os direitos fundamentais dos cidadãos em um litígio, e nem mesmo em prol da celeridade processual pode se restringir a isonomia, o contraditório e a ampla defesa, enfim, o devido processo legal.

Pontuou-se que na seara trabalhista, o juiz tem o condão de impulsionar o processo de ofício, em prol de um procedimento mais célere, mas que a decisão jurisdicional não representa um ato solitário do ‘juiz Hércules’, tampouco deve ser aplicada apenas com rapidez máxima, mas deve ser obtida em respeito ao devido processo constitucional, em que se permita a sua construção mediante os argumentos desenvolvidos em legítimo contraditório, por todos aqueles que suportarão os seus efeitos, em torno de todos os pontos controvertidos, de fato ou de direito.

Ficou demonstrado que a todos os litigantes deve ser dada a possibilidade de se defenderem, de forma ampla e irrestrita, com todos os meios e recursos inerentes, aí incluído o direito à presença de advogado ou defensor público, sob o crivo do contraditório. Ademais, observou-se que em sendo o defensor da parte o profissional técnico habilitado, tendo ele profundo conhecimento do caso concreto e sendo o responsável pela ampla defesa da parte, em um devido processo constitucional, tem o direito e o dever de produzir a prova testemunhal que entender conveniente para o deslinde do caso concreto, caso o fato não reste incontroverso ou real e eficazmente comprovado por outro meio de prova, sob pena de ofensa ao devido processo constitucional.

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Data da conclusão/última revisão: 25/2/2019

 

Como citar o texto:

SOARES, Leandro Roberto Nunes..Ofensa ao devido processo constitucional pelo cerceamento de defesa oriundo do indeferimento da prova testemunhal na Justiça do Trabalho. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 30, nº 1601. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-trabalho/4320/ofensa-ao-devido-processo-constitucional-pelo-cerceamento-defesa-oriundo-indeferimento-prova-testemunhal-justica-trabalho. Acesso em 26 fev. 2019.

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