As medidas provisórias nºs 1.963 e 2.170 inseridas no ordenamento jurídico pátrio expressamente contemplam a possibilidade de capitalização de juros para as operações de créditos bancários. Por força dessas disposições legais muitas decisões foram exaradas pelo Judiciário reconhecendo a validade do procedimento adotado pelas instituições financeiras.

O objetivo do presente estudo é analisar se as disposições insertas nas MPs 1.963 e 2.170 estão em harmonia com o sistema jurídico. De plano firma-se a premissa basilar no sentido de que suas disposições não se apresentam em sintonia com o balizamento legal vigente, mormente em relação à edição da Lei Complementar nº 95, de 26/02/98.

O ponto fulcral da assertiva acima se prende justamente no aspecto da PERTINÊNCIA TEMÁTICA de tais medidas provisórias. O preâmbulo de tais instrumentos normativos consiste na "administração dos recursos de caixa do Tesouro Nacional, consolidam e atualizam a legislação pertinente ao assunto e dão outras providências". Destarte, em momento algum resta delimitado que tais medidas provisórias também tratariam da autorização legal para que as instituições financeiras passassem a promover validamente a capitalização de juros.

Como cediço o legislador constitucional originário expressamente consignou no Parágrafo Único do art. 59, da CF/88, a necessidade de edição de lei complementar que dispusesse sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis. Tal diploma foi veiculado por meio da lei complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998.

Por meio do presente diploma legal (LC 95/98) passou-se a exigir e contemplar a Pertinência Temática do Objeto Legislado de modo a vedar que matérias estranhas ao objeto da lei ou sua não vinculação por afinidade, pertinência ou conexão fossem admitidas no ordenamento jurídico pátrio. Na realidade a Lei Complementar nº 95/98 é uma lei que explica com fazer leis.

É ainda certo e exato que as medidas provisórias também estão inseridas nessa exigência, conforme pode ser observado pela análise dos incisos I a VII do artigo 59 da Constituição Federal. Nessa linha traz-se a colação excerto do artigo "Pertinência Temática no Processo Legislativo"

 

"Assim, tal qual um viajante clandestino essas inserções totalmente desconectadas da pertinência temática do objeto legislado tem gerado sensível insegurança jurídica.

É evidente que tais ocorrências analisadas sob o espectro da LC 95 c.c Parágrafo Único do art. 59 da Constituição Federal, geram vício formal durante a fase do processo legislativo, ou seja, o devido processo legal, que como asseverado também se restringe a fase de produção legislativa. Essa observância é obrigatória em respeito à transparência dos atos oficiais e ao protoprincípio da segurança jurídica e da certeza do direito." (in. RODRIGUES, Gesiel de Souza - Jus Vigilantibus, Disponível no site www.jusvi.com.)

 

É evidente que a matéria atinente à possibilidade de capitalização de juros nos contratos bancários em favor das instituições financeiras não guardam qualquer conexão, pertinência ou afinidade com as regras de mecanismos de administração dos recursos do Tesouro Nacional, razão pela qual ficam em flagrante afronta ao quanto disposto na Lei Complementar nº 95/98 e aos lindes traçados no Parágrafo Único do art. 59 da CF/88.

Nessa linha o recente acórdão exarado pelo 1º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo:

CONTRATO BANCÁRIO - Revisão. Julgamento antecipado. Cerceamento de direito não configurado. Prova pericial que não se mostrou essencial ao deslinde da controvérsia. CONTRATO BANCÁRIO. Incidência do Código de Defesa do Consumidor. Possibilidade de revisão. Contratação de juros a taxas superiores a 12% ao ano, entretanto, que se mostra insuficiente, por si, de caracterizar abuso do fornecedor, seja porque o preceito constitucional que previa tal limitação não era auto-aplicável, seja porque não se demonstrou diferença substancial com outras contratações do mesmo gênero. CONTRATO BANCÁRIO. Juros. Capitalização. Autorização em Medida Provisória. Ineficácia, todavia, por confronto com o disposto nos arts. 1º e 7º, II, da Lei Complementar nº 95/98. Acolhimento do pleito para determinar a exclusão de tal operação. (Recurso parcialmente provido" (1º Tacivil - 12º Câm. Rel Desig. Juiz José Araldo da Costa Telles; j. 10.8.2004; maioria - Bol AASP 2400/05) (g.n)

Observe-se pelo teor da ementa do acórdão exarado que as regras dispostas na Lei Complementar nº 95/98 referentes a pertinência temática do objeto legislado foram acolhidas pelos julgadores de modo a contemplar a salutar providência de harmonização que deve passar a existir nos diplomas legais. Urge ressaltar que tal exigência não é mero requinte legislativo, mas expresso e inequívoco comando disposto em lei complementar levada a efeito em respeito a previsão constitucional inserta no Parágrafo Único do art. 59 da Magna Carta.

A posição assumida pelo Tribunal de Alçada se revela valiosa, porquanto, consagra e prestigia tão importante avanço (edição da LC 95/98) e necessita ser amplamente aplicada pelo Judiciário a fim de coibir a balbúrdia legiferante que tomou conta do Estado brasileiro.

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Como citar o texto:

RODRIGUES, Gesiel de Souza..Revisão de contrato bancário: Inaplicabilidade das medidas provisórias 1.963 e 2.170 - Aplicação da pertinência temática disposta na LC 95/98. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 113. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil-obrigacoes-e-contratos/478/revisao-contrato-bancario-inaplicabilidade-medidas-provisorias-1-963-2-170-aplicacao-pertinencia-tematica-disposta-lc-9598. Acesso em 7 fev. 2005.

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