RESUMO

A supremacia do voto é um dos pilares do Estado Democrático de Direito, a ser protegido pela lei maior do país, com abrangência a todos os habitantes que são alistáveis e em companhia da liberdade de escolha destes. A Lei da Ficha Limpa foi um projeto de lei que agora é uma regulamentação, na qual preza na honestidade e credibilidade dos postulantes a funções públicas. Com isso, o estudo pretende compreender a supremacia do voto perante a Lei da Ficha Limpa, com verificação desse princípio em relação a essa lei específica, se houve algum conflito com as diretrizes democráticas. Desse modo, foi realizado em pesquisa exploratória, bibliográfica e foi desenvolvida em pesquisa descritiva e documental, por meio da abordagem qualitativa.

Palavras-chave: Voto, Democracia e Lei da Ficha Limpa.

ABSTRACT

The vote supremacy is one of the pillars of the Democratic State, to be protected by the greater law of the country, covering all the inhabitants who are eligible and in the company of their freedom of choice. The Clean Record Act was a bill that currently is a regulation, in which values the honesty and credibility of the applicants to public office. Thus, the study intends to understand the vote supremacy towards the Clean Record Act, with the verification of this principle regarding this specific law, if there was any conflict with the democratic guidelines. Therefore, it was realized an exploratory and bibliographic research and it was be developed a descriptive and documental research through and qualitative approach.

Key-words: Vote; Democracy; Clean Record Act.

SUMÁRIO

Introdução. 1. Evolução Histórica do voto e das formas de governo no Brasil. 2. Democracia: conceito e estudo. 3. Liberdade Política. 4. Direitos Políticos. 4.1. Direitos Políticos como direitos fundamentais. 4.2. Soberania popular. 4.3 Sufrágio Universal. 4.4 Capacidade eleitoral ativa (poder do voto do eleitor). 4.5. Capacidade eleitoral passiva (condições de inelegibilidade). 5. Lei da Ficha Limpa. 6. O impacto da Lei da Ficha Limpa na supremacia da vontade popular através do voto. Considerações finais. Referências Bibliográficas.

INTRODUÇÃO

A inserção à democracia neste país sempre foi conturbada. Primeiramente pelo tipo de sistema que fora implantado na época colonial e através dos séculos, com governantes déspotas e grandes períodos de ditadura ao longo do século XX.  

Só a partir da Constituição Cidadã de 1988, voltada para os direitos e garantias fundamentais inerentes a qualquer cidadão brasileiro, que pôde reconstruir e fortalecer a liberdade política, principalmente o direito ao voto. Sendo exposta no começo da Constituição da República Federativa do Brasil, no qual é a base de todo esse ordenamento jurídico, a colocar o povo como disseminador do poder no Estado Democrático de Direito.

Todo esse aspecto está resumido na supremacia do voto, como comando principal, para que essas ideias possam ser avaliadas e futuramente aplicadas. Com a escolha de representantes, na qualidade de candidatos a cargos eletivos, com opiniões e pontos de vista semelhantes com os do eleitor; para que este possa ser efetivamente representado.

Do outro lado do direito ao voto está o candidato e depois do pleito, o eleito. Que é o aspirante ao poder legislativo ou executivo, nas esferas municipais, estaduais e federais. Suas condições de elegibilidade estão elencadas durante a carta maior do direito brasileiro, na parte dos direitos políticos.

Neste polo, na corrida eleitoral e adiante na estrutura política nacional, tem-se verificado notícias referentes à corrupção e ao mau uso do dinheiro público. Constatado um enraizamento de práticas corruptíveis e uma gigantesca organização de subversão dos sistemas políticos. A Operação Lava-jato se encontra na ilustração da forma como os poderes brasileiros encaminham suas ações.

Com isso, alguns cidadãos não sentem mais prestígio na política e tentam mudar a estrutura que nela se situa. Para motivar novos aspirantes ao governo, a talvez gerar novos rumos à nação. Com o caminho para uma democracia estável, através do aprofundamento das instituições políticas e devido à evolução social e analítica do país, foram introduzidas novas formas de organização na sociedade brasileira. Uma das mais significativas, nos últimos dez anos, é a Lei da Ficha Limpa. Um projeto de iniciativa popular que empenha pela idoneidade dos candidatos, a tornar-se inelegíveis certos aspirantes ao governo, que tem a principal característica a proibição de candidatos que não estão conforme as regras da possibilidade de elegibilidade. Contudo, o poder de escolha de um eleitor pode ter sido ferido.

Com isso, neste artigo analisar-se-á o poder do voto perante a Lei Complementar n.135. Com o objetivo principal que é compreender o impacto da Lei da Ficha Limpa na supremacia da vontade popular através do voto.

Estes são temas essenciais para a sociedade contemporânea, que busca no voto o direito de ser ouvido, de escolher a forma como suas ideias possam ser absorvidas pelo Estado e seus representantes. Também a análise de princípios básicos do cidadão e ocasionalmente sua violação.

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO VOTO E DAS FORMAS DE GOVERNO NO BRASIL

O voto teve inúmeras características e contornos para chegar aos dias de hoje da forma que é conhecido. Houve fraudes, períodos sem utilizar para alguns cargos e grande parcela da população sem a permissão de exercê-lo. Este direito angariado por todos nem sempre esteve presente na conjuntura eleitoral do país. Contudo, a partir de 1988, com a Constituição da República Federativa do Brasil, tornou-se um direito político, no qual todos que atendem aos requisitos têm o direito e o dever de desempenhá-lo.

No Brasil as primeiras eleições ocorreram ainda no século XVI, no ano de 1532. Os moradores da Vila de São Vicente, a primeira vila da América Portuguesa, escolheram o Conselho Municipal. Essa eleição foi indireta, na qual a população designou seis representantes, que escolheram juízes, vereadores, procuradores e tesoureiros. As eleições no período Colonial eram ocorridas exclusivamente no espaço municipal e os eleitores eram somente homens livres, no entanto os analfabetos dessa classe também poderiam votar (JOBIM e PORTO, 1996). Como era uma fase em que o país ainda era colônia de Portugal, o controle político autônomo era muito escasso.

Para Nicolau (2004) durante o período Imperial houve novas conjunturas no sufrágio do brasileiro, além de ser uma longa fase em que ocorreram modificações significativas. Identificada pela saída do âmbito municipal com a finalidade de expansão para níveis nacionais. O voto ganhou caráter censitário, cujos requisitos para ser eleitor eram através da renda anual, sendo 100 mil réis para ser votante e 200 mil réis para ser eleitor. Nessa mesma época aconteceram bastantes fraudes eleitorais, com títulos de eleitores falsos e voto por procuração. Este último caracterizado pela transferência do direito do eleitor para outrem.

Ainda durante o Império decorreram novas leis, com mudanças das eleições e transformando-as em mais seguras, ao tentar diminuir as fraudes eleitorais. Em 1875 foi introduzido o voto sigiloso, com uma cédula fechada (NICOLAU 2004).  Em 1881 foi criada a Lei Saraiva, que determinou eleições diretas para todos os cargos, além da união dos votantes com os eleitores, que foram transformados somente no segundo grupo. A renda anual mínima para ser eleitor passou a ser de 200 mil réis. Quanto aos analfabetos, houve a continuação com o poder do voto, pois o novo título determinou que os votantes precisassem ler e escrever, porém na mesma lei permitiram que outras pessoas assinassem pelos iletrados. (BUESCU, 1981).

O período antes da proclamação foi muito restrito, a sociedade brasileira era segmentada e injusta para maioria da população, vide o modo censitário que era o processo eleitoral e a forma de governo monárquico, com plenos poderes na direção de um homem. Ou seja, quase ninguém tinha o direito que hoje é agraciado, principalmente porque grande parte da comunidade era escravizada, sem nenhum direito humano. Deste modo, o Brasil era atrasado em muitas pautas em relação à América Latina, da qual faz parte. Outrossim, era a forma fraudulenta que as eleições eram submetidas, com prejuízos para os poucos benefícios que ainda existiam no período, a transformar em fragilidade a política nacional.

Com a Proclamação da República, começou um novo período no Brasil, a República Velha, que se estendeu de 1889 a 1930. Nessa fase pôde-se escolher o presidente do país. O primeiro foi Prudente de Moraes, pois Marechal Deodoro da Fonseca foi eleito indiretamente e Floriano Peixoto, após a renúncia do primeiro, ficou no cargo, mesmo contra a constituição da época. Porém, essas primeiras eleições foram restritas para a maioria da população, como no caso de mulheres, menores de 21 anos, analfabetos, indígenas, dentre outros. (PEDRO; GEREMIAS, 2017).

Elas foram marcadas por várias formas de adulterações de urnas e controle dos eleitores. Com isso, é representada como uma fase da história brasileira, na qual o direito do cidadão foi violado, com o impedimento das reais intenções da população. O coronelismo foi a estrutura principal desse período, na figura dos coronéis, que foram chefes políticos locais, em que trocavam favores pelos votos recebidos. O termo “voto de cabresto” também compõe todo esse sistema do poder rural institucionalizado. Sobre esses aspectos, aponta Leal (2012):

"Qualquer que seja, entretanto, o chefe municipal, o elemento primário desse tipo de liderança é o “coronel”, que comanda discricionariamente um lote considerável de votos de cabresto. A força eleitoral empresta-lhe prestígio político, natural coroamento de sua privilegiada situação econômica e social de dono de terras ".(LEAL, 2012, p.24).

Com a Revolução de 1930, a república velha foi encerrada, através da posse do presidente Getúlio Vargas, que deu início a 15 anos de poder. Conforme Jobim e Porto (1996) no ano de 1932 fora decretado o primeiro Código Eleitoral Brasileiro, com a adoção do sufrágio feminino, o voto secreto e a criação de uma Justiça Eleitoral, através do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e os Tribunais Regionais Eleitorais. Entretanto, essa época não é caracterizada somente por avanços políticos, mas também por retrocessos, simbolizada pela a implantação do Estado Novo em 1937. Nela houve um grande período em que a população não usufruiu dos direitos adquiridos anteriormente, a proibir a democracia no Estado Brasileiro.

As eleições só voltariam em 1945, no do fim do Estado Novo. Um ano após foi promulgada a Constituição Federal de 1946. De acordo com Jobim e Porto (1996) essa nova carta magna estabeleceu o alistamento e o voto obrigatório para ambos os sexos, além de ter mencionado sobre partidos políticos pela primeira vez no ordenamento brasileiro. Nicolau (2012) analisou o novo Código Eleitoral à época, que veio após a Constituição. Nele alguns grupos estariam com o alistamento facultativo, como as mulheres que não praticavam profissões lucrativas.

Em 1964 começou mais um novo período de ditadura, que durou 21 anos. Dessa vez, comandada por militares, que implantaram um golpe no dia 1º de abril daquele ano. Pelo motivo do estado de exceção, os eleitores brasileiros não puderam escolher os representantes para a Presidência da República, estes eram eleitos indiretamente pelo Congresso. Outra limitação para escolha de candidatos a cargos que ainda poderiam ser votados (deputados federais, deputados estaduais e vereadores), era o bipartidarismo, ou seja, só existiam dois partidos, a Arena e o MDB, o primeiro era do governo e o segundo reunia à oposição, que não tinha tantos poderes em suas mãos. (PEDRO; GEREMIAS, 2017).

Esse período com mais de quatrocentos anos de limitação social da população, causou uma espécie de afastamento real do povo no governo, pois se percebe pela análise histórica, que números pequenos da sociedade puderam interferir em seus regulamentos, enquanto a grande massa estava à margem de toda estrutura. Com isso, políticas públicas para melhorar a vida de todos não foram feitas, com a consequência de um país desigual em todos os setores e poucos grupos detentores de poder político e econômico. De acordo com o conjunto desse processo histórico, essas formas de governo que cercearam o povo, tem como resultado o afastamento destes no processo do país, com a ausência nas votações.

Após duas décadas de repressão (ditadura militar) e poucos direitos políticos adquiridos, houve a reabertura da democracia e posteriormente foi promulgada a Constituição Cidadã, na qual a liberdade para escolher seus representantes voltou a ser uma garantia. A sétima constituição brasileira no parágrafo único do artigo 1º trouxe o caráter absoluto do poder que o povo tem para escolher quem deve atuar em seu lugar. Logo, houve uma transformação radical, para no século XXI apresentar uma consolidação de direitos e benefícios que os indivíduos ao longo da história do Brasil não tiveram. Em consonância com um dos períodos de maior tempo que a democracia esteve na influência e soberania nestas terras, o qual em 2018 completou 30 anos de incorporação da carta magna.

2. DEMOCRACIA: CONCEITO E ESTUDO

Como exposto anteriormente, houve uma evolução na história do Brasil para chegar no que hoje se define como democracia. A população é ouvida com mais frequência, tanto nas eleições a cada dois anos, como em iniciativas populares, plebiscitos e referendos. Além de uma liberdade para criticar negativamente e para tirar do poder o eleito quando não condiz com o pensamento dos indivíduos. Essa soberania também é praticada no dia a dia, em pequenas “comunidades”, como nos sindicatos e partidos políticos.

Democracia é uma palavra grega, que significa o poder exercido pelo povo. Ela nasceu na civilização de sua origem etimológica, especificamente na cidade de Atenas, no século V a.C. No começo, o poder era comandado somente por reis, depois a influência do palácio tomou às praças com o alcance da sua visibilidade. A diferença com a democracia atual era que a antiga fora exercida por todos aqueles que eram considerados cidadãos, nas ágoras (RIBEIRO, 2008). Contudo, uma parcela mínima da população era considerada cidadã, somente os homens livres. E a atual não é feita por toda a coletividade diretamente.

Segundo Moisés (1986) a democracia na antiguidade era a do Agora, representada pela figura do povo, que quando não concordava com o administrador, retirava este do poder. Com o passar dos séculos, transformou-se no afastamento de privilégios dos governantes, principalmente na Idade Média e durante os imperadores da Idade Moderna. Ela também se fez com a cessação de hierarquias, na qual a realeza não estava em uma estrutura mais importante e privilegiada que o povo. E a lei vinha em primeiro plano, em detrimento das vontades particulares.

Conforme Rosenfield (2009) a democracia mudou o significado na Idade Contemporânea, com a modificação do caráter de prática da organização das polis que tinha na antiguidade, em que o povo reconhecia a si mesmo como uma entidade e através do diálogo entrava em consenso. Para uma forma de governo em que prese a organização política, como um Estado Democrático de Direito, a transformar-se na ratificação do próprio poder.

Essa composição de comando na figura de representantes faz parte do poder atual que a democracia exerce. Ribeiro (2008) em seu livro conceitua representação como a conversão do ausente no presente. O substituto no lugar do cidadão representa, tanto quem votou nele, como quem não o elegeu, pois irá governar para todos.

A característica de uma administração coletiva, com uma governança para todas as pessoas, dialoga com a igualdade, onde todos são equivalentes perante a lei. Portanto, um cidadão que foi eleito para ser representante da maioria da população em um poder executivo, também deverá comandar a minoria que não escolheu ele, pois na democracia toda a comunidade tem que ser beneficiada e não somente um grupo.

Já no poder legislativo, a contrapor com a observação feita anteriormente, existem vários grupos no comando para criar leis. Essa visão múltipla oferece mais credibilidade ao sistema político, em que o pluralismo partidário, com suas ideologias dá forma a um governo equitativo.

Como em sua maioria, os países atualmente apresentam milhões de habitantes, a forma de democracia necessita ser a indireta. Ela é formada pelo sufrágio universal, ou seja, não há distinção entre os eleitores por qualquer circunstância, pois essa é a essência do povo na supremacia. O poder de eleger seus candidatos configura em quem está apto a votar. Quanto ao eleito, ele permanece por um período no seu cargo, depois novas eleições são feitas e os novos anseios da sociedade são discutidos (MERELES, 2017).

Contudo, há formas de democracia direta no Brasil. Como nos plebiscitos, que são consultas diretamente feitas ao povo sobre questões com destaque no corpo social, antes da criação da lei. E nos referendos, que tem o mesmo caráter do primeiro, porém é convocada à população somente após o ato legislativo, com a aprovação ou rejeição da matéria (TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, 201-).

Essa diferença entre a forma direta e indireta de se governar traz uma flexibilidade e multiplicidade de caminhos que a democracia possui, mesmo que a primeira é mais utilizada pelo simples fato de questões populacionais. Entretanto a segunda é utilizada em momentos especiais, quando a população necessita ser ouvida sobre questões controvérsias ou primordiais para a nação. E todas essas características são fundamentadas na soberania do voto, simbolizado pela preferência de percurso de concepções individuais.

Dahl (1971 apud MATTOS, 2017) explicou o poder democrático como a forma que se cria o desejo da comunidade em atos feitos pelos protagonistas desta, em circunstâncias proveitosas. Esse procedimento é chamado de “poliarquia”, que significa um governo de muitos. Representado mais na forma que se obtém o processo, do que na finalidade. E essa configuração é feita por várias ações, como no voto propriamente dito, na liberdade de expressão e de formar associações com o fim de debater ideias, dentre outros.

A análise do autor é pertinente para entender a natureza que a democracia tem desde os tempos da antiguidade clássica, como berço desse tipo de governo conduzido pelo povo, em que foi reimplantada em grande parte dos países a partir do século passado, em uma recente quebra de governos autoritários. Dessa forma, a essência do governo popular está na pluralidade dos indivíduos e nas formas com que obtém o poder em suas mãos. Com vários grupos da sociedade em meio ao processo político, na busca de uma diversidade e harmonia no sistema público.

Na atual estrutura política mundial, esse tipo de sistema é bem difundido por inúmeras nações, com uma crescente consolidação em muitos territórios. Assim, é uma forma de governar mais eficiente nos parâmetros da civilidade contemporânea. Porém, alguns estudiosos explanam que podem existir falhas, entretanto a democracia continua como a forma mais adequada para se obter uma justiça social. Nesse tipo de análise o jurista e cientista politico Paulo Bonavides, em seu livro Ciência Política discorre:

"Nos dias correntes, a palavra democracia domina com tal força a linguagem política deste século, que raro o governo, a sociedade ou o Estado que se não proclamem democráticos. No entanto, se buscarmos debaixo desse termo o seu real significado, arriscamo-nos à mesma decepção angustiante que varou o coração de Bruto, quando o romano percebeu, no desengano das paixões republicanas quanto valia a virtude. Mas a democracia, que não é mais que um monte também debaixo dos abusos que a infamaram, nem por isso deixou de ser a potente força condutora dos destinos da sociedade contemporânea, não importa a significação que se lhe empreste". (BONAVIDES, 1967, p.160).

Com o olhar local, o Brasil, que tem uma recente incorporação da democracia, é referência a várias nações do mundo, especialmente aos países da América Latina. Quando ocorreu um processo consistente em comparação com outras realidades, em que existiram vários mecanismos de introdução do poder democrático dos cidadãos para com o governo. Como exemplo principal, as eleições presidências diretas a partir de 1989, além das participações municipais, como no caso do Orçamento Participativo, na cidade de Porto Alegre, no ano de 1990. Em que a população estabeleceu as formas que se deva escolher no gerenciamento do orçamento municipal (TRANJAN, 2010?).

Dessa forma, o Brasil está a caminho de uma democracia sólida, na qual as implantações de governos autoritários se distanciam e ficam somente na história, a mostrar que o caminho mais igualitário para uma sociedade é o poder democrático. E esse balanço é visto nas novas configurações sociais que o país passou nas últimas três décadas, com o estabelecimento da voz do povo. Com esses elementos, há o aprofundamento desse tipo de governo no aspecto público, que no caso são as liberdades políticas adquiridas.

3. LIBERDADE POLÍTICA

A liberdade política está vinculada com a democracia, pois para conquistá-la de fato, necessita-se de um Estado Democrático, onde o sufrágio de modo universal é exercido através de liberdades dos cidadãos. E esse princípio está representado na autonomia que um indivíduo tem para escolher seu viés político e os seus posicionamentos. Ela também é constituída em quem o eleitor deve decidir para ser seu representante, na pluralidade política para que tenha variedade de ideologia e na livre candidatura, conforme a lei, de quem quer ser candidato.

Liberdade é uma palavra usada h pouco tempo no contexto histórico global, principalmente após contornos dramáticos em grande parte dos territórios do globo, a ocasionar uma ruptura do passado de imposição e restrição, para um período de independência e permissão, no qual cidadãos usufruem. Define-se liberdade como: “Direito de proceder conforme nos pareça, contanto que esse direito não vá contra o direito de outrem. Condição do homem ou da nação que goza de liberdade. Conjunto das ideias liberais ou dos direitos garantidos ao cidadão (...)” (LIBERDADE, 2018).

Dessa forma, a estrutura garantida por esse direito, vem dar soberania para exercer os atos e opiniões em concordância com o que as pessoas acreditam, porém não pode ferir a liberdade do outro. Esse benefício é a base para ter uma sociedade livre, como condição de possuir autonomia para praticar suas ações. Essa é uma análise que observa o poder que o povo possui, com a independência de um processo arbitrário, no qual a população não apresentava emancipação e controle de escolha, a transformar-se em uma organização social proporcional e com equivalência de direitos. 

Dentro desse aspecto de liberdade do ordenamento jurídico moderno, a liberdade política é uma das mais importantes para o exercício da soberania popular. Segundo Mozzicafreddo (1998?) essa autonomia está na esfera política, social e institucional, a ser estabelecida no ato de escolher o exercício público e na posição, bem como nos lugares que se praticam essa ação, com a competência do indivíduo para efetivar como ator político. Em companhia da liberdade está a cidadania, na qual é construída através da execução desse direito, a fazer parte desse corpo social.

Este autor traz uma linguagem que a soberania política vem do agir, conduzir o agrupamento da coletividade pelos cidadãos. Com o ato de exercer em vários campos do grupo comunitário as suas reivindicações e que a sua voz seja ouvida, não só na área da governança e sim também em outros espaços. É nesse âmbito que se associa com a cidadania, como a efetivação da liberdade nos direitos e deveres do cidadão, para que se resolvam as divergências e determinem seus preceitos.

Para Neumann (2013) a democracia está atrelada a liberdade política, pois em governos autocráticos os governantes podem dar liberdade por um período, mas em próximos momentos podem tirar. Já no tipo de governo democrático, a supremacia emana do povo, com autonomia para comandar o poder político. Dessa forma, ele aponta três formas dessa liberdade. A primeira é o império do direito, que protege qualquer minoria de atos perversos da maioria, a ter uma sociedade diversa. A segunda é o mecanismo de mudança, no qual acompanha a evolução que a nação percorre, a garantir modificações sociais e transformações pelo povo. E a última é a necessidade de autoconfiança dos cidadãos, com a soberania do voto em suas mãos.

Nos primórdios da democracia moderna, foi editada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789, após a Revolução Francesa, marco histórico nas conquistas sociais do mundo ocidental. Ela foi influenciada pela Constituição dos Estados Unidos de 1776, com bases iluministas. Nos artigos 10 e 11 trata sobre a liberdade política:

"Art. 10.º Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei.

Art. 11.º A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem; todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei" (FRANÇA, 1789, n.p).

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão tornou importante para legitimar esse conceito de liberdade, pois foi a partir desses acontecimentos na Europa, que uma força mudou os rumos das formas de poder e administração dos países. No artigo 10 é apresentada a liberdade de opinião em qualquer esfera, como no caso da política, que não pode ser afetada a posição do cidadão frente a qualquer opinião e posicionamento, em adequação ao bom senso e harmonia social. E no artigo 11, expõe sobre a livre comunicação e manifestação, a ser um dos pilares do poder do povo.

A autonomia política é uma espécie do gênero liberdade social, em que é representada por um contingente de outras liberdades, angariando-as, como a livre economia. E essa liberdade é relacionada ao comando do governo pela população, e ao longo da história ela se juntou a outros movimentos pela a iniciativa da libertação de todos, como na liberdade religiosa e de imprensa, que tem caráter político (BOBBIO et al, 1998).

A liberdade é o oposto de imposição, com isso todos tem o direito de adotar critérios que acreditam ser melhores para as escolhas da vivência no país, como no caso de optar por candidatos que na concepção dos cidadãos possam ser seus representantes. Ela também é antagônica a restrição, como ato de controle e limite, e sim a favor da independência política do indivíduo.

4. DIREITOS POLÍTICOS

Os direitos políticos estão em um dos capítulos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Na parte referente aos Direitos e Garantias Fundamentais. Essas concessões foram angariadas na sétima e última constituição brasileira, a ter uma garantia como bem fundamental para o exercício da democracia, tendo o nome de cidadã, pois se refere ao povo que nela governa.

Esses direitos são entregues a população para a escolha dos rumos que a nação pode levar, com plebiscitos, referendos e iniciativas populares. Também para o sufrágio, como o benefício e o dever de votar, que agrega o alistamento eleitoral, a obrigatoriedade do voto e a facultatividade do mesmo. Além dos requisitos para ser eleito, chamada condições de elegibilidade.

Para Lenza (2012), os direitos políticos são representados na Carta Magna brasileira, como meios para assegurar a supremacia e autoridade da população, através de medidas diretas e indiretas, com a incumbência de poderes para envolver-se no Estado.

Com a análise desse doutrinador, percebe-se que esses direitos são peças- chave para ter uma real e absoluta conquista da autonomia popular, pois apresentam mecanismos para a conquista efetiva do povo no poder. Com a autoridade de trazer para as pautas da sociedade avanços sociais e melhorias em diversos campos da administração.

4.1. Direitos políticos como direitos e garantias fundamentais

Direitos e garantias fundamentais são uma das partes mais importantes do ‘esqueleto’ democrático, porque ela aborda a essência da igualdade trazida nos tempos contemporâneos. É a junção indispensável dos direitos como base da estrutura geral. Com os benefícios e privilégios que o homem moderno adquiriu ao longo da caminhada da democracia.

Tem um tratamento amplo dos direitos do cidadão. Com abordagem em liberdades religiosas, sociais, trabalhista, dentre outras. Na política também se absorve essa prerrogativa das imunidades e direitos, como uma garantia fundamental do cidadão e no caso mais específico do eleitor e do eletivo. Dessa forma, ela faz parte da organização vital do país.

Direitos fundamentais são aplicabilidades de defesa dos indivíduos para com o Estado, a ter dois panoramas de existência. O primeiro diz respeito ao parâmetro negativo que os poderes públicos têm com a vida de cada um, a impedir que o governo se intrometa no aspecto privado dos cidadãos, com uma ótica jurídica-objetivo. Já o segundo, é o jurídico- subjetivo, que se remete ao cidadão no poder de efetivar seus direitos e requerer passividade dos poderes públicos, com o intuito de possibilitar liberdade (CANOTILHO, 1994, apud MORAES, 1997).

Segundo Carvalho Filho (2010) os direitos fundamentais estão guiados por dois princípios básicos. Um deles é o da dignidade humana, que fala sobre o adquirir direito do ser humano simplesmente por ser um humano. Nele agregam todos os benefícios e deveres para a humanidade, independentemente de qualquer distinção social. E o outro é o Estado de Direito, que abarca a limitação do governo, a diferenciar com o Estado Absoluto, no qual o governante não tinha limites e praticava ações sem o aval do povo.

As garantias indispensáveis são aquelas incorporadas pela Magna Carta, de maneira explícita ou subliminar. O fundamental usado por esses direitos diz respeito a base que esses benefícios são para a Constituição Federal, com a sustentação da estrutura democrática e as liberdades adquiridas pelos indivíduos (SARLET, 2017).

Destarte, pelo o que os autores explanaram, todas essas prerrogativas constitucionais são o alicerce para um país mais harmônico e equilibrado, onde todos possuem os mesmo direitos e garantias para consegui-las. Com a proteção do cidadão para qualquer arbitrariedade do Estado com intuito de tirar suas imunidades e segurança.

Com isso, aparecem os Direitos Políticos, que estão na mesma estrutura dos direitos anteriormente expostos. Eles apresentam essa sustentação de adquirir os benefícios para confirmação da autoridade que todos detêm. Na figura do poder político de ser direcionada pela sociedade. Além da dignidade humana, que é a origem de toda natureza social recente. Junto com o Estado de Direito, no qual confere a limitação do poder público para com os direitos dos eleitores na independência destes.

“Os direitos políticos formam a base do regime democrático” (MENDES, 2012). Ou seja, eles são conduções antiautoritárias, com enfoque na liberdade do povo angariada a partir da década de oitenta do século XX. Com essas palavras Gilmar Mendes incorpora os direitos e garantias fundamentais, tão importantes e essenciais para esse regime de governo.

Fundamental é uma palavra com uma interpretação ampla, mas que tem uma interligação entre elas, expressando um fato essencial, necessário. Dessa forma, tudo que é fundamental apresenta uma base forte que sustenta algo, no caso da democracia, propicia uma ampla concessão de direitos.

4.2. Soberania popular

Como o tipo de governo no Brasil é a democracia, que significa o povo no poder, a soberania popular é a voz desse comando, pois coloca a população no mesmo nível dos poderes públicos, com autoridade e sem limitações coercitivas e exageradas.

A soberania popular fixada está na primazia do ordenamento jurídico atual, “(...) é a qualidade máxima do poder extraída da soma dos atributos de cada membro da sociedade estatal, encarregado de escolher os seus representantes no governo por meio do sufrágio universal e do voto direto, secreto e igualitário”. (BULOS, 2000, p.423).

A soberania popular está diretamente ligada com o sufrágio universal, pois ela é exposta através dos atos individuais de cada cidadão da sociedade, que juntos se transformam em uma unidade soberana e absoluta. Com a finalidade de ter um poder, onde todas as pessoas de qualquer classe e características sociais possam ter uma representação verdadeira com as várias faces da população brasileira.

Para Silva (2006) qualquer ato de envolvimento econômico ou político que limita o voto do cidadão haverá uma afronta ao princípio da soberania popular, porque ela é de caráter primordial, com não aceitação de restrição por parte de qualquer setor.

Esse preceito exposto anteriormente coloca o princípio como sendo inviolável por qualquer natureza, ou seja, a população não pode ser influenciada de maneira opressora por quem está no poder de fato ou no poder financeiro, em vista de ter a real preferência de todos.

Ela não está só na parte dos Direitos Políticos, mas também é representada como sendo um princípio que rege toda a Carta Magna brasileira, uma vez que está no começo do corpo da organização de toda a estrutura política nacional. O legislador a colocou nesse destaque com efeito de expressar que o poder emana do povo.

4.3. Sufrágio universal

O sufrágio universal é uma conquista do direito atual, no qual todas as pessoas a partir de uma idade podem praticar o direito do voto como eleitor e como eletivo. Diferentemente de anos atrás, em que uma pequena parcela da sociedade poderia tomar os rumos do país. Com conquistas ao longo do século XX, mulheres, negros, analfabetos, pobres e toda classe à margem da sociedade puderam exercer seus direitos como cidadãos, a definir seus candidatos.

O sufrágio censitário, no qual pessoas aptas a votar tinham que ter características físicas e econômicas específicas, deu lugar a universal, com atribuição do voto a todos os cidadãos e a elegibilidade para exercer cargos também. A democracia representativa conquistou o lugar no poder, com eleições diretas e a escolha de representantes, em que a população governa de modo indireto (FERREIRA FILHO, 2012).

O sufrágio é a supremacia entregue ao eleitor e o voto é o instrumento deste, para os eleitores maiores de 16 anos poderem eleger os representantes dos poderes executivos e legislativos. O sufrágio ganhou caráter universal somente após a Constituição Cidadã, depois de mais de quatrocentos anos após a primeira eleição realizada no Brasil. Porém antes dessa mudança na estrutura política neste país, a Declaração Universal dos Direitos Humanos colocou este princípio como direito essencial de qualquer indivíduo (LUZ, 2018).

A mudança ocorrida no mundo com adoções dos direitos humanos a partir da Segunda Guerra Mundial, fez com que várias garantias fossem adquiridas para ter um mundo mais democrático e com respeito a toda humanidade. Nessa linha o direito ao voto para todos fez com que fosse respeitada a dignidade humana para o indivíduo escolher as vertentes que quer para o Brasil e as ideologias que acredita sem ferir o direito e a existência do outro.

Para Mendes (2012) o direito ao sufrágio não está especificado só no direito ao voto, mas também a plebiscitos, referendos e iniciativas populares. Após os 16 anos todo cidadão tem o direito de votar, porém somente a partir dos 18 até 70 anos que essa característica é obrigatória.

O cidadão para ser considerado angariado por esse direito e determinado por esse dever, necessita ter discernimento e maturidade, com uma específica idade para saber todos os ditames da lei e também ter convicção de seu papel no corpo social.

4.4. Capacidade eleitoral ativa (poder do voto do eleitor)

A capacidade eleitoral ativa é o próprio voto do eleitor, é a parte que exerce efetivamente o ato da eleição, pois é nele que o poder de escolha dentre os variados candidatos de diversas doutrinas é praticado. Com isso, a soberania popular e o sufrágio universal, que anteriormente foram discorridos, fazem parte desse atributo.

"O exercício do sufrágio ativo dá-se pelo voto, que pressupõe: a) alistamento eleitoral na forma da lei (título eleitoral); b) nacionalidade brasileira (portanto, não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros — art. 14, § 2.º); c) idade mínima de 16 anos (art. 14, § 1.º, II, “c”); e d) não ser conscrito durante o serviço militar obrigatório" (LENZA, 2012, p. 1128).

Percebe-se que existem alguns requisitos para ter essa capacidade sufragista. O primeiro é o alistamento eleitoral, com a obtenção do título de eleitor, que configura como validação para a participação nas eleições, pois precisa ratificar que o votante tem todas as características aptas para atuar no seu direito. Outra é a nacionalidade brasileira, com o estrangeiro sem a possibilidade de ser eleitor, todavia os naturalizados são contemplados. O terceiro é a idade mínima de 16 anos, como dito precedentemente, em razão da maturidade da pessoa. E o último diz respeito à proibição de conscritos, quando estão durante o serviço militar, pelo fato da obrigação oficial, pois estão em trabalho involuntário.

Pelo artigo 60, §4º, II da Constituição Federal de 1988, na parte chamada de cláusula pétrea, diz que “A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: II - o voto direto, secreto, universal e periódico” (BRASIL, 1988, p.29).

Desse modo, o voto tem um caráter absoluto, isto é, não pode ser abolido. Ele apresenta alguns atributos, como ser direto, no caso de cidadão que vota diretamente no candidato que lhe representa, não precisando de terceiros para fazer isso por ele. Secreto, contanto que não aconteça o coronelismo, como antigamente, para ninguém te coagir a votar em quem não queira. Universal, onde todos votam, sem distinção de qualquer natureza. E periódico, a cada 2 anos acontece uma eleição no Brasil, a intercalar entre prefeitos e vereadores em um período e no outro presidente, governador, senadores, deputados federais e deputados estaduais.

4.5. Capacidade eleitoral passiva (condições de elegibilidade)

Do outro lado dessa estrutura eleitoral está o candidato, a quem o voto do eleitor pode ser posicionado. Com existência de uma pluralidade de partidos para o votante, dessa forma encontra-se uma liberdade e capacidade de escolher o melhor em relação a suas convicções. Após esse procedimento, os mais votados são eleitos para representar toda população nas casas legislativas e nos palácios executivos, com elaboração de leis e políticas públicas para o melhor funcionamento da coletividade.

“Assim como a capacidade eleitoral ativa diz respeito ao direito de votar (alistabilidade), a capacidade eleitoral passiva diz respeito ao direito de ser votado, de ser eleito (elegibilidade)”. (PAULO e ALEXANDRINO, 2015, p.278).

Para ter a capacidade eleitoral passiva de modo completo, necessita ter preenchido as condições de elegibilidade, que estão no artigo 14, §3º da CF. Como a nacionalidade brasileira, da mesma forma da capacidade eleitoral ativa, na qual não aceitava estrangeiros como participante do processo eleitoral. O pleno exercício dos direitos políticos é aplicado para ter uma idoneidade no ator público. Já o alistamento eleitoral, é a obtenção do título de eleitor, pois uma pessoa só está apta para se eleger se tiver os requisitos de sufragista.

O domicílio eleitoral na circunscrição está diretamente ligado com o real conhecimento dos problemas e soluções do lugar onde vive e também para diminuir que pessoas de outras realidades simplesmente entrem na política local porque querem se candidatar e possam ser aceitas como elegíveis. A filiação partidária é requisito primordial e a idade mínima para alguns cargos são formas com o objetivo de que haja responsabilidade e experiência.

5 LEI DA FICHA LIMPA

A Lei da Ficha Limpa veio para mudar as diretrizes da política brasileira, com adoção de inelegibilidades às pessoas que concorrem a cargos eletivos, referentes à ficha criminal passada.

De maneira que ela movimenta com a candidatura de políticos na atualidade e que essa forma de estrutura de votação é que sustenta a democracia. As pautas e os assuntos relacionados a este tema são muito difundidos.

Como ocorreram inúmeros casos de corrupção na mídia, com o entendimento de que a política brasileira estava fadada ao fracasso e em companhia de um sistema de apoio e conchavos em nome do dinheiro, fez-se necessário uma análise e um debate em algumas parcelas da sociedade sobre como resolver esse impasse. Assim, nasceram algumas campanhas para tentar combater a corrupção no país. A começar ainda no século passado, com a adoção de ações sociais pela Igreja Católica.

Segundo Spaki et al. (2018) a Igreja Católica brasileira sempre esteve em pauta nas relações dos seus fiéis com as eleições do país, pois as adversidades das comunidades necessitam ser debatidas como um todo, desta maneira a coletividade religiosa também precisa está inserida no debate, pois faz parte do corpo social. A integridade das eleições e o refinamento da democracia foi uma das responsabilidades da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), principalmente no tocante a campanhas políticas, como a Lei contra a corrupção 9840/90, com o combate a compra de votos e a utilização do dinheiro público na corrida eleitoral. E também a conhecida Lei da Ficha Limpa, com assinatura das dioceses e arquidioceses pelo Brasil.

Outras entidades e instituições também coordenaram essa ação para combater que candidatos a cargos políticos com “ficha suja” se candidatem no pleito eleitoral. Todas elas têm em comum a função social e a visibilidade de suas causas, a ajudar nas propostas que queriam executar. Conforme Ladeira (201-) foi um projeto de iniciativa popular proposto pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), dentre outras.

Pela a análise da história do poder político no país, percebe-se que essas instituições estavam preocupadas com a direção que o Brasil estava a guiar. Principalmente se observar a atividade política anterior, com um Estado de exceção durante vinte e um anos, que depois foram descobertos incontáveis casos de corrupção, pois era um regime fechado e à época não foram revelados. Ademais, com o primeiro presidente eleito depois de uma longa ditadura envolvido também em esquemas de deturpação da atividade política e ao frágil período da volta da democracia, em companhia de improbidades administrativas em âmbito municipal e estadual.

Segundo Nascimento (2014) o espetáculo da corrupção protagonizado pelos agentes públicos gera uma incongruência no processo eleitoral do país. Pois, essas práticas fazem com que haja um rompimento na probidade administrativa. A ocasionar uma má administração e um péssimo resultado em políticas públicas, com o mau uso do dinheiro coletivo, em prejuízo dos serviços essenciais.

Todo esse complicado sistema prático político brasileiro, protestado por aquelas entidades que foram a gênese da Lei Complementar nº 135/2010, está fincado em algumas estruturas sociais. A ocasionar um sistema de complementação entre elas. Na figura da corrupção e do abuso de poder que se integralizam na imagem do homem público, com consequência nos juízos éticos da sociedade.

O abuso de poder é regido pelo ato de se corromper em benefício próprio, valendo-se do mandato para esse fim específico, com práticas de nepotismo, extorsão, desfalque e fraudes. Essa atividade fere as concepções éticas e morais da civilidade, com o desvio da real finalidade de ser um genuíno político (NASCIMENTO, 2014).

Dessa forma, uma campanha foi encabeçada a partir de 2008 pelo jurista Márlon Reis, como relator e idealizador do projeto. A ação foi feita com a coleta de mais de 1,3 milhões de assinaturas, mais que o mínimo para começar uma concepção de iniciativa popular. Depois foi para o Congresso Nacional, a iniciar pela Câmara dos Deputados, em uma comissão heterogênea, com deputados de todos os partidos e em seguida foi encaminhada para o Senado Federal, com votação unânime. E por último, foi sancionada pelo Presidente da República na época, Luís Inácio Lula da Silva (MERELES, 2016).

Compreende-se que a Lei complementar estudada neste artigo foi uma iniciativa popular, sendo um instrumento da democracia direta, em companhia do plebiscito e referendo. Segundo ITS Rio (2017) a Constituição Federal estabelece as formas da participação direta da população, como no caso desta. Ela é utilizada em qualquer grau da federação, federal, estadual ou municipal. A Lei nº 9.709/98 é a que institui às normas e os modelos para se ingressar nesse tipo de participação. E para isso acontecer, é necessário mais de 1 milhão de assinaturas.

Após a Lei ser aprovada, houve mudanças nas condições de inelegibilidades dos postulantes a cargos públicos. Com acréscimos e regras mais rigorosas para manter uma integridade no processo eleitoral brasileiro.

Antes dessa regulamentação existia a Lei Complementar nº 64 de 1990, que também comandava sobre essa matéria. As mudanças trazidas após 2010 vieram para concretizar de forma mais efetiva a condição de estruturação do eleitor. Uma das mais significativas mudanças foi no tempo em que o indivíduo fica inelegível, com oito anos atualmente, a ter uma diferença em relação à antes da lei complementar mais contemporânea, que era por um período irrisório (DIREITO DIÁRIO, 2015).

A lei anterior à emenda da Ficha Limpa é conhecida como Lei das Condições de Inelegibilidade. Constata-se que ela é mais “primitiva” em relação a posterior. Pelo fato de que ela não punia com a inelegibilidade de maneira mais severa, principalmente relacionada ao tempo em que um candidato ficava sem se eleger a uma função pública.

As principais alterações que a nova lei de impedimento à eleição de candidatos trouxe, foram relacionadas ao aumento de crimes para se considerar um postulante inelegível. Também houve a cessação da obrigação de trânsito em julgado para efetivar a não elegibilidade, a ter precisão só da existência de decisão determinada por órgão judicial colegiado. Ademais, houve a incorporação de crime relacionado ao pleito que ocorreu obtenção de verbas ilícitas (LADEIRA, 201-).

"Art. 2o  A Lei Complementar nº 64, de 1990, passa a vigorar com as seguintes alterações:

e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: 1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; 2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência; 3. contra o meio ambiente e a saúde pública; 4. eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade; 5. de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública; 6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; 7. de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos; 8. de redução à condição análoga à de escravo; 9. contra a vida e a dignidade sexual; e 10. praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando;" (BRASIL, 2010, n.p).

A principal característica das condições de não poder se candidatar são referentes à administração pública e tudo relacionado a essa função. Portanto, patrimônios, fé pública, economia, entre outras coisas violadas pelos postulantes são requisitos proibitivos, porque esse será o território de atuação dos futuros eleitos. Além disso, crimes eleitorais também se enquadram, pelo motivo de que para adentrar na gerência do governo necessita de integridade no processo eleitoral.

Existiram outras inclusões de crimes para considerar o candidato inelegível. Com novas formas de transgressão da lei, independentemente se praticadas durante as eleições ou na vigência do governo, como crimes que merecem reprovação por parte do Estado ou da sociedade em um todo, por exemplo, crimes hediondos e ambientais.

A forma como a lei aderiu às inelegibilidades dos postulantes a cargos públicos trouxe algumas questões referentes ao campo do julgamento relacionado aos atributos que fora pedido. Porque é condenada a pessoa que tiver sido julgada por decisão decretada por órgão colegiado em segunda instância, mesmo se ainda ocorrer recursos. Essa prerrogativa fere o princípio da presunção de inocência, sendo um dos pontos mais controversos da referida lei.

Já o ponto de vista que os defensores dessa norma argumentam, é em relação ao princípio da moralidade. Segundo Jusbrasil (201-) esse princípio preza pela a honradez, probidade e boa-fé por parte das pessoas que comandam a Administração Pública. Ela é fundamentada nos quesitos éticos do agrupamento social.

g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;

h) os detentores de cargo na administração pública direta, indireta ou fundacional, que beneficiarem a si ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico ou político, que forem condenados em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes;

..........................................................................................................................

j) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, por corrupção eleitoral, por captação ilícita de sufrágio, por doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem cassação do registro ou do diploma, pelo prazo de 8 (oito) anos a contar da eleição; (BRASIL,2010, n.p).

Percebe-se que a moralidade e a probidade estão fincadas nos artigos da referida lei. Desde a captação de forma ilegal de campanhas políticas, também em abuso de poder para beneficiar tanto o seu grupo como os demais, até as contas barradas por irregularidades e lacunas da ética.

Outro ponto que fora discutido foi em relação ao princípio da anualidade eleitoral com fulcro no artigo 16 da Constituição Federal. “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.” (BRASIL, 1988, n.p).

Segundo Tribunal Superior Eleitoral (2015) o princípio da anterioridade eleitoral (também ficou conhecida com este nome) foi originada a partir de uma emenda constitucional, com a finalidade de ter segurança jurídica e não ocorrer alterações repentinas, a prejudicar alguém ou algum grupo. Em relação à Lei da Ficha Limpa, o STF à época entendeu que a promulgação da lei poderia ferir o artigo 16 da Constituição Federal. Pelo julgamento da lei, entendeu-se que ela interferiu em uma parte do processo eleitoral conhecido como “pré-eleitoral”. Quando os partidos políticos começam a escolher seus candidatos, até a data dos registros das candidaturas na Justiça Eleitoral. Portanto, só começou a ser efetivada a lei nas eleições municipais de 2012.

É uma lei com efeito de uma iniciativa popular, que coloca inelegíveis os políticos que praticaram os atos referidos na lei por 8 anos. Quando tiverem sido condenados por segunda instância ou por órgão colegiado, ou tenha renunciado o cargo antes disso (EBC, 2012).

Com isso, após a análise relativa a essa norma, interpretou-se alguns caminhos, princípios e controvérsias dessa lei.  E depois de quase uma década da sanção da norma, muitos políticos foram afastados de seus cargos, não se candidataram mais ou foram presos. Tendo uma espécie de justiça e aspecto de mudanças pelo povo, contudo ainda muitos desses políticos são admirados pelo tempo de serviço, com uma contradição entre a Lei da Ficha Limpa e o poder do voto.

6 O IMPACTO DA LEI DA FICHA LIMPA NA SUPREMACIA DA VONTADE POPULAR ATRAVÉS DO VOTO

Como foi exposto em todo este trabalho, pela análise da Lei da Ficha Limpa e de toda a sua estrutura, impedimentos e princípios abarcados. Pode-se considerar que a Supremacia da vontade popular, como um alicerce da Constituição Federal de 1988 e toda a base democrática, fora impactada. Tendo o voto como conectivo entre a lei e o princípio estudado.

Essa conexão entre ambos torna-se o poder do voto como primordial. Pois por um lado temos uma lei que conserva a moral e a ética como instrumento para implementar uma política mais séria e que protege a administração pública de indivíduos que adentrem em sua organização para ter privilégios e se favorecer. Por outro lado, temos a soberania popular, que afirma que o povo é a base para ter um governo democrático, a colocar a população como protagonista do ato de escolher seus representantes.

Com esses objetos, o processo eleitoral brasileiro transformou-se em uma complexa estrutura, com o poder do voto cada vez mais difundido e discutido em sociedade e também na companhia de algumas instituições que fortalecem o resguardo da ética e outras que preferem permanecer o sistema, com pequenas alterações. Constata-se que em algumas regiões, famílias que sempre comandaram o poder local em contínuo estabelecimento de sua influência, estão a prosseguir com seus herdeiros na política, com a preservação daquele tipo de governo que há muitos anos está naquele corpo social. Enquanto em outros estados, novos políticos, com novas ideologias e com partidos mais contemporâneos, estão com o poder em suas mãos, em uma estrutura renovada.

Dessa forma, o princípio da supremacia da vontade popular diz que a população que tem o domínio da escolha de seus governantes e a forma de se governar, com o poder popular legítimo. Com isso, a margem de inelegibilidade, conforme esse pensamento, deve ser dos votantes, com suas ideologias e seu senso de ética e moral. Isto é, os eleitores têm a incumbência de selecionar quem eles querem.

A Constituição da República Federativa do Brasil já no seu artigo 1º traz essa prerrogativa do povo no poder. Ela é a base de todo ordenamento jurídico constitucional, com a democracia como primordial para se chegar em uma sociedade mais justa.  Conforme Brasil (1988, n.p) Artigo 1º, Parágrafo único. “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

“Assim, a convicção é de que a vontade daqueles que formam a sociedade política deve ser vista como a fonte originária de onde procede toda e qualquer outra autoridade que venha a ser delegada” (NOVO ELEITORAL, 2017, on-line). Ou seja, a votação da comunidade é o passo inicial para consolidar a consciência da maioria e ao mesmo tempo escutar as minorias sociais, para estabelecer quais são os anseios que a sociedade necessita.

O impacto de algo sobre alguma coisa gera inúmeras consequências. Impactar: “Exercer grande efeito, influência, sobre algo ou alguém; provocar forte emoção ou impressão (...)” (IMPACTAR, 2019). Consequentemente, quando um aspecto social impacta outro, há um resultado mesmo que indiretamente. Ainda mais, se um têm efeitos opostos sobre o outro.

Portanto, quando há uma lei que diz sobre impedir que candidatos possam concorrer à função pública, ela gera efeitos e consequências no princípio que incorpora o poder do voto como norteador da política nacional. A ter uma incongruência de valores e princípios.

Outra posição é em relação à iniciativa popular. Pois a lei foi aprovada após uma campanha feita por alguns segmentos da sociedade e com esse pensamento pode-se dizer que a Lei da Ficha Limpa não feriu o princípio da soberania popular, porque mais de 1 milhão de pessoas assinaram a favor do projeto.

Esta determinação foi iniciada com um projeto de lei de iniciativa popular, ou seja, uma pequena parcela da população assinou um documento para requerer que este projeto virasse lei. Para se fazer uma iniciativa popular necessita ter assinaturas de 1% do eleitorado, na época, cerca de 1,4 milhões de eleitores e pelo menos cinco estados da federação, com 0,3% cada (Bonin, 2010).

Dessa forma, pode-se imaginar que como algumas pessoas do eleitorado escolheu fazer parte deste projeto, ele não feriu a supremacia do voto do eleitor. Porém ao se analisar, percebe-se que apenas 1,6 milhões de pessoas aderiram a essa iniciativa, em um universo de mais de 140 milhões de eleitores, essa parcela faz parte de apenas 1%, ou seja, não fez porção do macrocosmo eleitoral brasileiro. Pois muitos candidatos pertencentes às categorias de inelegibilidade são bem posicionados em pesquisas de intenções de votos ou até eleitos quando não foram julgados ainda. Ou seja, para ter um projeto de lei sancionado, o número de assinaturas foi suficiente, todavia para representar o que a população demanda, ainda não foi satisfatório, com resultado o ferimento da hegemonia popular.

O STF no ano de 2016 julgou uma matéria sobre o chefe do executivo se tornar inelegível por decisão da Câmara dos vereadores, pois antes se a Câmara não votasse esse tópico, o Tribunal de Contas poderia analisar e julgar se o postulante estava inelegível. Agora necessita da aprovação da maioria dos vereadores. Os argumentos a favor dessa nova medida através do STF, é que o entendimento da Câmara é primordial, pelo motivo deles serem os representantes da população (MERELES, 2016). Dessa maneira, a opinião de alguns ministros sobre essa matéria, também favorece o julgamento em favor da soberania popular através do voto.

Já o embasamento mais mencionado é em relação ao artigo 14 §9º da Constituição Federal. Que expressa sobre a dignidade e a honestidade de pretendentes a ofícios políticos. Dado que, a partir dele, poderá criar leis que estabelecem mais casos de inelegibilidade.

"Art.14 § 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta".(BRASIL, 1988, n.p).

Como ocorreu uma colisão entre princípios, a doutrina não tem um pensamento majoritário quanto a essa questão de oposição de normas constitucionais. Porém, pela observação dessa matéria, há uma violação do parágrafo único do artigo 1º da CF/88. Mesmo o princípio da moralidade sendo parâmetro para essa lei. Pois os casos de inelegibilidades não podem afrontar outros artigos da constituição, principalmente o que norteia toda Carta Magna brasileira. Portanto, a constituição tem que ser interpretada como um texto só. Neste caso houve um impacto da lei em referência ao princípio, com a ocorrência de consequências.

Para Lewandowski (2010) a lei em discussão serve para filtrar a política brasileira, além de alcançar uma proteção à moralidade e a probidade na gerência do governo.

Porém, esse “filtro” colocado pelo ministro do STF, interfere na opinião pública, na soberania do voto do eleitor e no princípio do direito à participação política.

Outro ponto é a presunção da inocência. Pois pelo artigo 5º, LVII: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Ela coloca uma dúvida no ordenamento. Como a pessoa está inelegível sem ser considerada culpada?

Como pela Lei da Ficha Limpa, o candidato pode ser considerado inelegível por decisão de órgão colegiado em segunda instância, prejudica o postulante que poderá recorrer em instâncias superiores e ainda mais, aquele que não foi julgado por unanimidade. Dessa forma, vai de oposição a um artigo da constituição. Ao fazer com que pessoas que ainda não foram julgadas ou inocentadas, serem inelegíveis, com prejuízo da escolha dos eleitores e mitigação de direitos.

Porém, pelo os que defendem essa matéria, a presunção de inocência é um princípio que abarca o Direito Penal, sem nenhum vínculo com eleitoral. Todavia, o ministro Celso de Mello, em um de seus votos argumentou:

"A presunção de inocência, embora historicamente vinculada ao processo penal, também irradia seus efeitos, sempre em favor das pessoas, contra o abuso de poder e prepotência do Estado, projetando-os para esferas processuais não criminais, em ordem de impedir, dentre outras graves consequências, no plano jurídico (...) que se formulem, precipitadamente, contra qualquer cidadão, juízos morais fundados em situações juridicamente ainda não definidas". (MELLO 2010, apud PAGANELLI, 2013, n.p).

Segundo Paganelli (2013) as condições de inelegibilidade presumem ao juízo de culpa e esse juízo só é apontado conforme o julgamento do trânsito em julgado, independente se é penal ou não. Com isso, lesiona o princípio da igualdade, onde todos são iguais em direitos e deveres. Porém, pela inelegibilidade da Lei da Ficha Limpa, os candidatos estão sendo “condenados” sem o trânsito em julgado.

A partir de todo esse estudo, a Lei da Ficha Limpa gerou consequências na estrutura da supremacia popular. Houve um impacto na liberdade de escolha dos eleitores. Esse impacto não pode ser considerado negativo, pois tentou colocar a política na ética. Porém, feriu um dos princípios mais importantes da Constituição.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A política brasileira foi e infelizmente ainda é pautada por crimes de corrupção, envolvidas em todas as esferas do poder estatal. Com isso, é mais do que necessário existir o debate em relação a meios que possam melhorar a vida da população em geral, com uma governança mais séria e eficiente. Porém, para o processo eleitoral ser efetivo, necessita seguir a soberania do povo, o direito do voto da população, sendo ela orientadora dos caminhos políticos nacionais.

Como já mencionado, o Brasil demorou muitos anos para chegar ao que hoje é chamado de democracia. A população ficou à margem do poder político em todo o processo histórico pátrio. Dessa maneira, que a discussão em torno de pautas eleitorais é tão importante e merecedora de atenção da sociedade, porque a partir dela que o país pode tomar direções mais equilibradas e proveitosas.

A população ao longo dos argumentos foi vista como primordial em um contexto nacional e consequentemente mundial. Ela foi essencial quando suas reivindicações ficaram abafadas em governos autoritários. Depois ela ganhou contornos de essencial, quando os brasileiros foram às ruas exigir a volta das eleições diretas.

Todo esse princípio está fincado em termos como democracia, que significa o povo no poder. Também em liberdade política, como forma de independência de pensamentos e ideologias. Além dos direitos políticos expostos na Carta Magna e divididos em soberania popular, sufrágio universal, capacidade eleitoral ativa e capacidade eleitoral passiva.

Com base no que foi apresentado, a Lei da Ficha Limpa foi retratada como uma lei que necessitava criar mais casos de inelegibilidade, além dos que estavam na Constituição, para proteger o ambiente político e eleitoral. Através de uma iniciativa popular, iniciada pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), no qual recolheu mais de 1 milhão de assinaturas, com aprovação nas duas casas do Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República.

Deduz-se que a Lei Complemente n. 135 de 2010, como uma emenda da Lei Complementar nº 64 de 1990, com tipificação de crimes para ocorrer inelegibilidade, impactou e relativizou o princípio da supremacia da vontade popular através do voto.

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Data da conclusão/última revisão: 20/4/2019

 

Como citar o texto:

REIS, Guilherme Batista; CORREIA, Emanuelle Araújo; MIRANDA, Thiago Piñeiro..O impacto da Lei da Ficha Limpa na supremacia da vontade popular através do voto. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1618. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-eleitoral/4401/o-impacto-lei-ficha-limpa-supremacia-vontade-popular-atraves-voto. Acesso em 5 mai. 2019.

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