RESUMO

Este estudo tem como objetivo geral verificar a visão jurídica acerca da nova formação familiar, o poliamor. Os objetivos específicos são: discutir a legislação vigente acerca do poliamor, debater os princípios no relacionamento conjugal à luz da Constituição Federal no direito de família, levando em consideração o tema poliamor, e informar o que a justiça tem sentenciado nos tribunais brasileiros. Para a realização do presente estudo e para garantir resultados sobre o tema será utilizado os seguintes tipos de pesquisa: exploratória, bibliográfica, descritiva e documental. De acordo com uma abordagem qualitativa, o elemento que será utilizado para explicar a instrumentalização é objeto de estudo, que não é usada quando o estudo não envolve estatística. A forma de análise é de conteúdo, com doutrinas e jurisprudências.

Palavras-chave: Poliamor, Direito de Família, Princípios.

 

ABSTRACT

This study has as general objective to verify the legal view about the new family formation, the polyamory. The specific objectives are: to discuss the current legislation on the polyamory, to discuss the principles in the marital relationship in the light of the Federal Constitution in the family law, taking into account the polyamory theme, and to inform what the justice has sentenced in the Brazilian courts. the results of this study will be used the following types of research: exploratory, bibliographic, descriptive and documentary. According to a qualitative approach, the element that will be used to explain the instrumentalization is object of study, which is not used when the study does not involve statistics. The form of analysis is ade content, with doctrines and jurisprudence.

Keywords: Polyamory, Family Law, Principles.

 

 

1 INTRODUÇÃO

 

Como é sabido a sociedade passa por diversas mutações devendo a sociedade adequar-se a realidade enfrentada, deste modo, a legislação brasileira deve atualizar-se a fim de legislar sobre tal experiência de mutação.

Cabe obtemperar que o direito pátrio brasileiro possui diversos ramos e dentre eles encontra-se o ramo do direito familiar, sendo este um dos ramos que sofre constantes mudanças em sua regulação, uma vez que com o passar dos tempos novas espécies de famílias vão surgindo, novos vínculos afetivos, devendo estes ser legislados pelo Estado.

Ademais, deve-se salientar que com a globalização, muitas mutações sociais são compartilhadas via internet, televisão, entre outros. Assim, surgiram diversas formas de relações familiares, sofrendo forte influência dos costumes praticados em outras federações.

A grande repercussão que o tema proposto enfrenta é o forte entendimento que o princípio mor a ser seguido pela família é a monogamia, havendo assim uma grande intolerância, ou seja, as famílias tradicionais não reconhecem quaisquer outras formas de vínculo afetivo e lutar para que o Estado não legisle tal matéria, pois possuem o receio de o núcleo familiar tradicional ser ameaçados pelos novos núcleos familiares que vem surgindo, dentre eles o Poliamorismo.

 

2 CONCEITUAÇÃO DO POLIAMOR

                                                                           

Para melhor estudo do tema proposto, faz-se necessário compreender a origem da palavra Poliamor, assim pode-se aferir que poli significa vários ou muitos e amor significa amor.

O Poliamor são duas ou mais relações ocorrendo de maneira simultânea, onde todos os participantes anuem com os vínculos afetivos existentes e se aceitam mutuamente, configurando uma relação aberta e múltipla. (SOUZA 2016)

O Poliamor está fundado no princípio da afetividade, sendo este um novo esteio de reconhecimentos de vínculos afetivos, ou seja, núcleos familiares dentro do ordenamento jurídico pátrio familiar.

Em se tratando dos elos conhecidos, aceitos e mantidos pelos adeptos desta forma de relacionamento, observando e interpretando a letra da lei, pode-se aferir que ela não diz que a fidelidade deve ser exigida apenas de duas pessoas, ou seja, tal dever pode ser praticado na constância de uma relação múltipla, quando todos os envolvidos na relação estão cientes e concordes com todos os vínculos mantidos de modo paralelo.

No código Civil, Rocha (2018, p. 297) nota-se que não há violação do artigo 1.566, assim dispõe:

Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:

I - fidelidade recíproca;

II - vida em comum, no domicílio conjugal;

III - mútua assistência;

IV - sustento, guarda e educação dos filhos;

V - respeito e consideração mútuos.

 

Ademais, os deveres elencados e exigidos pelo artigo 1.724 do CC podem ser compreendidos no Poliamorismo, pois os conhecimentos por parte dos adeptos desta forma de vínculo afetivos obedecem tais obrigações, conforme disciplina o artigo:

 

Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.

 

Deste modo, observados os princípios da liberdade, igualdade e função social da família, todas as pessoas possuem o direito de escolher quais relacionamentos permanentes e prolongados pretendem estar inseridas, mesmo que seja em um núcleo familiar diferente dos moldes tradicionais da família brasileira.

Sendo assim, podemos partir da premissa que a intervenção do estado deve ser a penas para regular o reflexo jurídico desse vinculo.   Não restringindo a forma de composição afetiva, seja ele, com mais de uma pessoa ou não. Ficando reservado ao estado que reconheça e regule juridicamente seus reflexos, dando um amparo legal para os envolvidos, cercado pela proteção jurídica. Visto que a conjuntura do Poliamor busca a construção de uma família, uma convivência harmoniosa e longínqua, não escondendo suas vontades e predileções da sociedade.

Ademais, examinando mais detidamente o ordenamento pátrio brasileiro, pode-se aferir que o mesmo, passa por modificações por meio das mutações interpretativas que precisam se adequar a realidade social.

Para Dirley (2008, p. 181) mutações são“mais do que co-participante do processo de criação do Direito, o juiz passa a desempenhar, por meio da interpretação constitucional, uma atividade de atualização da Constituição, operando uma verdadeira mutação constitucional ou mudança informal do texto constitucional”.

Assim, se faz necessária, diante de normativa engessada por ter sido produzida em outro momento social, no qual não pode atual reflexo social ficar sem amparo legal. Assim, a sociedade muda e a forma de interpretação do tema deve mudar também, visto que o ordenamento jurídico e seus efeitos acompanhem as mutações existente.

 

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

 

Antes de adentrar mais detidamente no tema, hora proposto, faz-se necessário uma breve contextualização histórica. Deste modo, é importante salientar que com o transcorrer do tempo os vínculos afetivos foram se diversificando, deixando de lado características que até então era intocável quando da formação familiar, como: monogamia e patriarquismo.

Segundo Buche (2011) o modelo de família monogâmica e patriarcal vem desde o tempo de Brasil Colônia, devido a forte influência exercida pela igreja católica que predominou entre os séculos XVI e XIX. Nesta época, a família era vista pelo viés financeiro, não atendendo aos anseios individuais de cada integrante.

O sistema monogâmico, bem como o patriarcal passaram a ser questionados pela população atual que observou o distanciamento do Estado junto a Igreja, passando assim a contrair e manter vínculos afetivos, mesmo sem um patriarca.

A hierarquia familiar sofreu inúmeras mutações não apenas sobre a minoração de seus componentes, como também no comando do núcleo familiar, onde antes era direcionado somente na figura do patriarca. Além da minoração na quantidade de integrantes nas famílias de hoje em dia, o comando familiar não mais é uma exclusividade da figura do patriarca, pois com a mulher inserida no mercado de trabalho, ela passou a ter maior notoriedade no núcleo familiar. (DIAS, 2015, p. 132)

Do mesmo modo que o pensamento acerca da relevância da mulher em relação a figura máscula teve de ser trabalhado e amadurecida nos núcleos familiares. Sendo que o Poliamor é reflexo de uma transformação da sociedade e precisa ser amparado pelo Estado.

Diante do embasamento afetivo sendo este uma construção cultural, que se dá na convivência, sem interesses materiais, que apenas secundariamente emergem quando ela se extingue. Revela-se em ambiente de solidariedade e responsabilidade. Como todo princípio, ostenta fraca densidade semântica, que se determina pela mediação concretizadora do intérprete, ante cada situação real. Pode ser assim traduzido: onde houver uma relação ou comunidade unidas por laços de afetividade, sendo estes suas causas originária e final, haverá família (LOBO, 2002).

Utilizar como justificativa o sistema monogâmico, patriarcal, além da infidelidade para que o Estado não legisle tal matéria é um retrocesso sem tamanho, é fechar os olhos para uma evolução que se faz necessária no sistema jurídico pátrio. Negar a ocorrência de mutações sociais é acreditar em uma legislação ineficiente quanto aos anseios dos indivíduos por ela tutelados, coloca em risco o crédito dado ao Poder Judiciário, pois sem o amparo legislativo este deixa de conhecer e proteger situações rotineiras que não se extinguirão apenas pelo fato de não haver previsão legal.

 

2.1.1 Teoria tridimensional

 

A teoria tridimensional funda-se no fato, valor e norma, pois segundo Miguel Reale (2010, p. 64) são os “(...) três aspectos básicos, discerníveis em todo e qualquer momento da vida jurídica”.

De acordo com Reale (2010) sempre que ocorrer uma anomalia jurídica, evidentemente haverá um fato, um valor que atribua significância para tal fato, estabelecendo direitos e obrigações quanto a ação da sociedade a fim de atingir sua finalidade, e por último a norma que é responsável por fazer a conexão entre fato e valor.

Reale (2010, p. 65) continua dizendo que “tais elementos ou fatores (fato, valor e norma) não existem separados um dos outros, mas coexistem numa unidade concreta”.

Deve-se ter em mente que, as normas surgem dos fatos sociais, sua ideologia norteia o modo de se analisar um fato específico. Logo, quando determinada norma não atende uma necessidade vital, a mesma deverá ser revogada.

Assim, pode-se aferir que a teoria tridimensional exige uma maior atenção por partes dos operadores do direito. Tal teoria apresenta-se como a melhor base para a hermenêutica jurídica.

 

2.1.2 Do reconhecimento das relações poliafetivas

 

A concepção de poliamorismo, segundo Gagliano (2008, online) diz que “o poliamorismo ou poliamor, teoria psicológica que começa a descortinar-se para o Direito, admite a possibilidade de coexistirem duas ou mais relações afetivas paralelas, em que os seus partícipes conhecem e aceitam uns aos outros, em uma relação múltipla e aberta”.

Tornou-se de grande repercussão o caso ocorrido em Tupã, no Estado de São Paulo, onde um homem e duas mulheres registraram em cartório uma declaração de união poliafetiva. Embora não seja reconhecido, é mal visto pela sociedade mais conservadora. Cumpre salientar que este trio de Tupã já vivia a três anos juntos e resolveram oficializar por meio dessa declaração.

Necessário se faz reconhecer que existem diversas famílias nascidas de união poliafetiva, que vivem na clandestinidade por não serem reconhecidas e abraçadas pelo direito de família.

A monogamia é um valor social consolidado e construído durante os anos como o correto, no entanto existem estudos que demonstram que nem sempre a monogamia foi padrão entre as espécies, como pode-se observar segundo a psicóloga Noely Montes Moraes (2007), professora da PUC-SP dizendo que:

 

A etologia (estudo do comportamento animal), a biologia e a genética não confirmam a monogamia como padrão dominante nas espécies, incluindo a humana. E, apesar de não ser uma realidade bem recebida por grande parte da sociedade ocidental, as pessoas podem amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo. (MORAES, 2007, online)

 

Existem posicionamentos divergentes entre juristas e doutrinadores quanto ao alcance jurídico e efeitos das uniões poliafetivas, alguns chegam a classificar as relações poliafetivas como sendo um estelionato jurídico.

As relações poliafetivas são fundadas no principio da afetividade, que entra em discordância com o casamento tradicional, surgindo assim outras formas de entidades familiares, por exemplo, a família monoparental, unipessoal, anaparental e mosaico, muitas delas constituídas na afetividade, um elemento intrínseco ao ser humano assim como entende Lenza (2012).

O caput do artigo 226 consagra que a entidade familiar é caracterizada pela comunhão plena de vida entre as pessoas, fundadas em laços de afeto, não mais sendo caracterizada apenas pelo instituto do casamento e, diante dessa classificação, qualquer família merece a proteção e a guarda pelo Estado. Essa nova importância dada o direito de família, dá início a um novo modelo familiar, na qual os laços afetivos de amor e segurança gerados pela convivência são utilizados como direção nas lides judiciais, denominadas dessa forma de família socioafetiva (LENZA, 2012)

Basta dizer que, hoje em dia, a nossa legislação e o nosso Judiciário entendem como entidade familiar a família monoparental, a família anaparental, a família mosaico, a família unipessoal (decisão do STJ), a união estável, agora, depois da decisão histórica do STF, sem mais distinção entre homo e hétero, filiação por afetividade, entre outras. Ou seja, a base mestre dessas relações deverá ser o afeto.

 

2.1.3 Da poliafetividade e os institutos jurídicos

 

De acordo com a Constituição Federal, Brasil (1988), em seu artigo 226, §3º “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.” Após o reconhecimento da união estável pela CRFB/88, uma inovação veio à tona que foi a possibilidade da união estável de pessoas do mesmo sexo e essa situação foi ratificada quando em 2011 o STF julgou procedente a ação direta de inconstitucionalidade 4.277, atribuindo à união homoafetivas as mesmas regras da união heterossexual.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e, posteriormente, com a edição do Código Civil de 2002, houve uma valorização da dignidade da pessoa humana de forma individualizada e amparada pelos Direitos Humanos e não apenas da família em si, como era nos tempos remotos, no qual se verificava apenas uma reprodução dos valores impostos pela sociedade (GONÇALVES, 2012)

Alguns juristas e doutrinadores afirmam que as relações poliafetivas são uma afronta ao ordenamento jurídico e que qualquer defesa em favor dessas uniões tenta apenas validar relacionamentos poligâmicos, relacionamentos estes que a lei não reconhece, por atribuir ao matrimônio e a união estável natureza monogâmica.

A finalidade do casamento e da união estável além do animus de constituir família, também contém direitos e deveres recíprocos, mútua assistência, lealdade, respeito, fidelidade, vida em comum e obrigação de guarda, sustento e educação dos filhos, e esses também abrangem as relações poliafetivas.

Independente das divergências que apareçam, não é possível deixar de lado essa nova forma de composição familiar, uma vez que ela se torna a cada dia uma realidade e isso pode ser explicado pelo fato da afetividade ter se tornado um fundamento essencial no direito de família.

 

2.1.4 Poliamor e o código civil

 

O Código Civil brasileiro dispõe em seus artigos 1521, inciso VI c/c 1548 que serão nulos o casamento de pessoas casadas. Argumenta-se que por conta deste impedimento imposto pelo Código Civil, as relações poliafetivas não poderiam existir, no entanto cai por terra esse argumento uma vez que nas relações poliafetivas não existe um casamento bígamo e sim uma união entre mais de duas pessoas com a intenção de constituir família. (ROCHA, 2018)

O artigo 1723 do Código Civil diz que para ser reconhecida como unidade familiar, a união estável deve ter convivência pública, contínua, duradoura e ser estabelecida com o objetivo de constituição de família, nesta linha de raciocínio pode-se aferir que desde que os envolvidos na relação poliafetiva cumpram com os requisitos impostos pelo Código Civil caracterizar-se-á união estável poliafetiva. (ROCHA, 2018, p. 308)

Faz-se necessário que haja por parte dos magistrados uma observação mais detalhada quando em um caso concreto, fazendo uma análise profunda para garantir às partes os direitos que lhe cabem, descaracterizando assim a ideia de que a relação poliafetiva trata-se de um ato ilícito e fraudulento.

 

2.2 POLIAMORISMO X BIGAMIA

 

Nas culturas que praticam a monogamia conjugal, bigamia é o ato de entrar em um casamento com uma pessoa, enquanto ainda é legalmente casada com outro. A bigamia é um crime na maioria dos países ocidentais, e quando isso ocorre, muitas vezes nem o primeiro nem o segundo cônjuge está ciente do outro.

Está previsto no artigo 235 do Código Penal o crime contra o casamento, que é a Bigamia, in verbis:

 

Art. 235- Contrair alguém sendo casado, novo casamento:

Pena de reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

§1º-Aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essa circunstância, é punido com reclusão ou detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.

§2º-Anulado por qualquer motivo o primeiro casamento, ou o outro por motivo que não a bigamia, considera-se inexistente o crime.

 

Observa-se que com o núcleo do tipo penal sendo “contrair” casamento, ou seja, formaliza-lo.

Logo, pode-se aferir que não caracteriza-se bigamia no caso das relações poliafetivas uma vez que elas são advindas de pessoas que vivem em união estável e não em relacionamento bígamo, pois não formalizaram casamento.

O bem jurídico protegido pelo Código Penal no artigo supracitado é o casamento e a família, com isso não se pode punir pessoa que não contraiu casamento, como é o caso de quem vive em união poliafetiva.

Destarte, vale salientar também que não pode-se confundir a relações poliafetivas com concubinato, relação paralela ou mesmo a bigamia, pois ainda que as relações poliafetivas vão de encontro à moralidade social, não existe nenhuma proibição legal no ordenamento jurídico brasileiro.

 

2.2.1 Direito de família e suas peculiaridades

 

O direito de família é orientado pela moralidade e bem estar social, sendo ele um conjunto de normas jurídicas aplicáveis aos indivíduos de um mesmo núcleo familiar, com a finalidade de proteger os membros e os bens dos mesmos.

É possível perceber a existência de uma grande discussão, onde se indaga se o direito de família pertence ao direito público ou privado, a partir daí Rizzardo (2007) vem afirmar que:

Pela importância da família em qualquer sociedade civilizada ou não, tem a proteção do Estado, podendo considerar-se integrado ao direito público no sentido amplo, tanto que em todos os litígios judiciais que envolvem a mesma intervém obrigatoriamente o Ministério Público, que justamente representa a participação do Estado na composição das questões problematizadas. (RIZZARDO 2007, p. 01)

 

O Estado tem o papel de protecionismo, no entanto o ramo do direito de família é privado até por que não há entre marido e mulher, pais e filhos qualquer relação de direito público. Como leciona Lôbo (2011, p.45): “(...) o direito de família é genuinamente privado, pois os sujeitos de suas relações são entes privados, apesar da predominância das normas cogentes ou de ordem pública”.

Apesar do direito de família ainda possuir características e ser bem próximo do direito público, não se pode retirar seu caráter privado. Com as mais diversas formas de convívio que foram sendo aceitas pela sociedade, demonstrando assim liberdade em constituir novas famílias havendo uma diminuição na intervenção do Estado no direito de família.

Segundo Dias (2015, p. 34) “a tendência em afirmar que o direito das famílias pende mais ao direito público do que ao direito privado decorre da equivocada ideia de que busca tutelar as entidades familiares mais do que seus integrantes”.

“Outra característica presente nos direitos de família, quando examinados sob o prisma individual e subjetivo, é sua natureza personalíssima, ressaltando-se que, em sua maioria, são esses direitos intransferíveis, intransmissíveis por herança e irrenunciáveis”. (VENOSA, 2009, p. 14).

 

2.3 PRINCÍPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA

               

Os princípios constitucionais tornaram-se alicerces para o assentamento do ordenamento jurídico, deixaram de serem meros orientadores para darem forma às leis, provocando assim mudanças na forma de interpretação das mesmas. Destarte se faz necessário uma breve apresentação dos princípios do Direito de Família.

Com o surgimento de diversos problemas inerentes ao Direito de família, surge a esperança de solucionar através de princípios norteadores, que os mesmos se adequassem aos conflitos marcados por grandes mudanças e inovações, inversão de valores e a liberdade sexual.

Leciona Maria Berenice Dias (2015 p. 40) que “o ordenamento jurídico positivo compõe-se de princípios e regras cuja diferença não é apenas de grau de importância”.

Segundo Maria Helena Diniz:

O moderno direito de família rege-se pelos seguintes princípios: a) Princípio da “ratio” do matrimônio e da união estável; b) Princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e companheiro; c) Princípio da igualdade jurídica entre os filhos; d) Princípio do pluralismo familiar; e) Princípio da consagração do poder familiar; f) Princípio da liberdade; g) Princípio do respeito da dignidade da pessoa humana; h) Princípio do superior interesse da criança e do adolescente; i) Princípio da afetividade”. (DINIZ 2010, p. 18)

 

Conforme a classificação acima proporcionada por Maria Helena Diniz (2010) faz-se uma breve explanação sobre cada princípio. Como sabemos, não podemos aplicar a norma seca sem olharmos para as vontades da sociedade. O princípio da dignidade humana trouxe a valorização da própria pessoa dentro da família, protegendo-a por si só; preza o indivíduo pelo ser pessoa, ou seja, deve sempre proteger a vida e a integridade dos membros de uma família, levando em conta o respeito à pessoa e assegurando os seus direitos de personalidade.

 

2.3.1 Princípio da “ratio” ou da afetividade do matrimônio e da união estável

 

O princípio em examine tem como fundamento basilar da vida conjugal a afeição entre os cônjuges ou companheiros, sendo que a ruptura da união estável e/ou o divórcio põe termo à afeição que é de suma importância para a manutenção da relação conjugal.

O afeto é um valor conducente ao reconhecimento da família matrimonial e da entidade familiar, constituindo não só um direito fundamental (individual e social) da pessoa de afeiçoar-se a alguém, como também um direito à integridade da natureza humana, aliada ao dever de ser leal e solidário. (DINIZ 2010, p. 19)

Com a nova organização familiar, onde cai por terra a autoridade parental sendo substituída pela estatal, existe uma preocupação por parte do Estado na proteção da família, pois sem um núcleo familiar forte e resistente aos intempéries das relações conjugais, ele perde sua força.

 

2.3.2 Princípio da igualdade entre os cônjuges

 

A partir deste princípio não há mais que se falar em patriarcalismo, com ele desaparece o poder marital, tornando-se assim um sistema de relação conjugal onde as decisões são tomadas por ambos os cônjuges ou companheiros. Existe entre o casal uma equivalência e responsabilidade pela família que é dividida de maneira igualitária.

O patriarcalismo não atende mais os anseios da sociedade, uma vez que no mundo atual é preciso que nenhum dos conviventes tenham restrições quanto às decisões tomas em âmbito familiar, assim não se justifica mais a submissão da mulher.

Para Lobo (1999, p.102) “O princípio da igualdade, formal e material, relaciona-se à paridade de direitos entre os cônjuges ou companheiros e entre os filhos. Não há cogitar de igualdade entre pais e filhos, porque cuida de igualar os iguais.

A consequência mais evidente é o desaparecimento de hierarquia entre os que o direito passou a considerar pares, tornando perempta a concepção patriarcal de chefia. A igualdade não apaga as diferenças entre os gêneros, que não pode ser ignorada pelo direito. Ultrapassada a fase da conquista da igualdade formal, no plano do direito, as demais ciências demonstraram que as diferenças não poderiam ser afastadas.

A mulher é diferente do homem, mas enquanto pessoa humana deve exercer os mesmos direitos. A história ensina que a diferença serviu de justificativa a preconceitos de supremacia masculina, vedando à mulher o exercício pleno de sua cidadania ou a realização como sujeito de direito.”

Grande inovação trazida nas leis é a que garante a igualdade entre os cônjuges ou companheiros, tanto nas relações sociais quanto nas patrimoniais, consagrando assim o princípio da igualdade entre os cônjuges.

 

2.3.3 Princípio da igualdade de todos os filhos

 

Garantido pela CRFB/88 em seu artigo 227, §6º, onde diz que nenhum filho havido dentro ou fora do casamento sofreram proibições ou quaisquer distinções discriminatórias. (BRASIL, 2007, p. 62).

Deste modo, a única diferença entre as categorias de filiação seria o ingresso, ou não, no mundo jurídico, por meio do reconhecimento. Logo, só poderia falar em filho, didaticamente, matrimonial ou não matrimonial, reconhecido e não reconhecido. (DINIZ 2010. p. 22)

Por fim, os rótulos negativos, como de um filho ser ilegítimo ou adotivo, são mecanismos de controle social, disputa por poder e diminuição do próximo; por sucessivo trata-se de indicador de que os rotuladores são na verdade inseguros, com baixa auto estima, desinformados e carentes de humanismo. Sendo assim, não existe filho adotivo ou ilegítimo, pois ser filho já é a verdadeira qualificação de quem foi gerado ou aceito como tal nos termos do ordenamento jurídico.

 

2.3.4 Princípio da liberdade

 

Estabelece o artigo 1.513 do Código Civil que “é defeso a qualquer pessoa de direito público ou direito privado interferir na comunhão de vida instituída pela família”. Com intuito de garantir a dignidade da pessoa humana, os princípios da liberdade e da igualdade foram os primeiros a serem reconhecidos como fundamentais à existência humana e suas relações afetivas. (ROCHA, 2018)

O princípio da liberdade foi consagrado em sede constitucional, assegurando a todos a liberdade de escolher seu par, seja do sexo que for, para poder constituir uma comunhão de vida familiar, seja pelo casamento ou por união estável, sem qualquer imposição ou restrição de pessoa jurídica de direito público ou privado, intervindo o Estado somente em sua competência de propiciar recursos para a garantia dos direitos das famílias. (DINIZ 2007. p. 18)

 

2.3.5 Princípio da pluralismo familiar

 

Há muito tempo as famílias vêm se modificando e adquirindo novas características. Antes da CRFB/88, apenas as famílias advindas do casamento mereciam reconhecimento e respeito, as demais formas familiares que diferenciavam-se da dita “protegida” família, eram ignoradas ao ponto de não terem sequer visibilidade, era como se não existissem.

Francisco José Ferreira Muniz leciona que:

 

A família à margem do casamento é uma formação social merecedora de tutela Constitucional porque apresenta as condições de sentimento da personalidade de seus membros e à execução da tarefa de educação dos filhos. As formas de vida familiar à margem dos quadros legais revelam não ser essencial o nexo família-matrimônio: a família não se funda necessariamente no casamento, o que significa que, da afetividade, da pluralidade e do eudemonismo, impingindo nova e casamento e família são para a Constituição realidades distintas, a Constituição apreende família por seu aspecto social (família sociológica). E do ponto de vista sociológico inexiste conceito unitário de família. (MUNIZ Apud VENOSA, 1993, p.16)

 

Assim, passa a vigorar o princípio do pluralismo familiar quando o Estado reconhece a existência e importância de outras composições familiares diferentes das formadas pelo casamento e as tutelas, abrindo assim um leque maior de possíveis composições familiares.

 

2.4 DO RECONHECIMENTO AOS EFEITOS JURÍDICOS DO POLIAMOR

 

Mesmo que não seja a corrente majoritária no país, inclusive perante os Tribunais Superiores, verifica-se alguns esforços para garantir os efeitos jurídicos decorrentes do poliamor. Como exemplo, a apelação cível julgada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, já registrou por duas vezes uniões poliafetivas. Neste sentindo, podemos observar:

 

APELAÇÃO CÍVEL. 1)UNIÃO ESTÁVEL PARALELA A OUTRA UNIÃO ESTÁVEL. RECONHECIMENTO. O anterior reconhecimento judicial de união estável entre o falecido e outra companheira, não impede o reconhecimento da união estável entre ele e autora, paralela àquela, porque o Direito de Família moderno não pode negar a existência de uma relação de afeto que também se revestiu do mesmo caráter de entidade familiar. Preenchidos os requisitos elencados no art. 1.723 do CC, procede a ação, deferindo-se à autora o direito de perceber 50% dos valores recebido a título de pensão por morte pela outra companheira. 2)RESSARCIMENTO DE DANOS MATERIAIS E EXTRAPATRIMONIAIS. Descabe a cumulação de ação declaratória com ação indenizatória, mormente considerando-se que o alegado conluio, lesão e má-fé dos réus na outra ação de união estável já julgada deve ser deduzido em sede própria. Apelação parcialmente provida. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70012696068, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 06/10/2005)

 

O referido Conselho, ao reconhecer uma união dúplice, também determinou a divisão dos bens existentes entre o de cujus e duas conviventes. Neste modo:

 

APELAÇÃO CÍVEL. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL PARALELA AO CASAMENTO E OUTRA UNIÃO ESTÁVEL. UNIÃO DÚPLICE. POSSIBILIDADE. PARTILHA DE BENS. MEAÇÃO. "TRIAÇÃO ". ALIMENTOS. A prova dos autos é robusta e firme a demonstrar a existência de união estável entre a autora e o réu em período concomitante ao seu casamento e, posteriormente, concomitante a uma segunda união estável que se iniciou após o término do casamento. Caso em que se reconhece a união dúplice. Precedentes jurisprudenciais. Os bens adquiridos na constância da união dúplice são partilhados entre a esposa, a companheira e o réu. Meação que se transmuda em "triação", pela duplicidade de uniões. O mesmo se verificando em relação aos bens adquiridos na constância da segunda união estável. Eventual período em que o réu tiver se relacionado somente com a apelante, o patrimônio adquirido nesse período será partilhado à metade. Assentado o vínculo familiar e comprovado nos autos que durante a união o varão sustentava a apelante, resta demonstrado os pressupostos da obrigação alimentar, quais sejam, as necessidades de quem postula o pensionamento e as possibilidades de quem o supre. Caso em que se determina o pagamento de alimentos em favor da ex-companheira. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70022775605, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 07/08/2008)

 

Isto porque, se o sistema jurídico tutela diferentes relações quando ocorre a violação do dever de fidelidade em virtude da ausência de conhecimento de um dos seus membros quanto à multiplicidade dos vínculos, com maior razão tutelará derivadas da escolha de todos os partícipes, de forma livre e consciente.

 

2.4.1 O Poliamor, a “família tradicional’ e a atual jurisprudência no Brasil

 

O principal problema encontrado no caminho do respeito de outras práticas culturais pauta-se em ensinamentos de natureza discriminatórias e carentes de qualquer argumentação clara. Utilizar-se de bons hábitos como forma de justificativa para a transmissão de argumentos faz com que supramos o desvio de finalidade do direito habitual, que sempre ocupou ´papel importante nos estudos das ciências sociais.

Para Stolze (2008, p. 51-61) a aceitação popular no tocante a liberdade individual de escolha das formas de relacionamentos afetivos depende do papel dos cultores do Direito Civil, que devem enfrentar o tema de forma madura, sensata, não-discriminatória, e, acima de tudo, em consonância com o princípio da dignidade humana aplicado nas relações de afeto.

O pluralismo das entidades familiares, mesmo se sobrepondo constitucionalmente às normalizações infraconstitucionais existentes, ainda assim é bastante influenciado por ideias morais e religiosas, tendo em vista a tendência do legislador de se servir do papel de guardião dos bons costumes na busca da preservação de uma ideologia conservadora. O parlamentar, pautado em preconceitos, se transforma no grande ditador que prescreve como as pessoas devem agir, impondo condutas afinadas com a moralidade vigente (DIAS, 2015, p. 56).

A ideia de uma formação conceitual para o padrão de família brasileira parte de uma elite legislativa patriarcal que atrai adeptos às suas pospostas por meio da difusão de lemas como o da defesa dos valores cristãos.

Os adeptos a prática do poliamorismo possuem a mesma intenção de construção familiar comparando as famílias tradicionais, pretendida entre um homem e uma mulher que constituem uma família a partir do casamento monogâmico. Deste modo, dispõe Sá e Viecili:

Destaca-se que essas unidades familiares possuem fins idênticos aos estabelecidos no casamento e na união estável, visando à constituição da família, à obtenção de direitos e deveres recíprocos, mútua assistência, lealdade, respeito, fidelidade, vida em comum no domicílio conjugal e obrigação de guarda, sustento e educação dos filhos (SÁ; VIECILI, 2014, p. 137-156).

 

Diante deste contexto, alguns casos concretos que visam o reconhecimento jurídico de relações paralelas foram submetidos à apreciação do sistema judiciário brasileiro, sendo certo que em consideráveis situações, juízes e tribunais não fecharam os olhos para a existência de mutações sociais experimentadas pela sociedade contemporânea. Vejamos alguns de seus posicionamentos:

 

APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL PARALELA A OUTRA UNIÃO ESTÁVEL. RECONHECIMENTO. O anterior reconhecimento judicial de união estável entre o falecido e outra companheira, não impede o reconhecimento da união estável entre ele e autora, paralela àquela, porque o Direito de Família moderno não pode negar a existência de uma relação de afeto que também se revestiu do mesmo caráter de entidade familiar. Preenchidos os requisitos elencados no art. 1.723 do CC, procede a ação, deferindo-se à autora o direito de perceber 50% dos valores recebido a título de pensão por morte pela outra companheira. Apelação parcialmente provida. (Apelação Cível Nº 70012696068, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 06/10/2005).

 

“UNIÕES ESTÁVEIS. CONCOMITÂNCIA. Civil. Ações de Reconhecimento de Uniões Estáveis “post mortem”. Reconhecimento judicial de duas uniões estáveis havidas no mesmo período. Possibilidade. Excepcionalidade. Recursos desprovidos. 1 - Os elementos caracterizadores da união estável não devem ser tomados de forma rígida, porque as relações sociais e pessoais são altamente dinâmicas no tempo. 2 - Regra geral, não se admite o reconhecimento de duas uniões estáveis concomitantes, sendo a segunda relação, constituída à margem da primeira, tida como concubinato ou, nas palavras de alguns doutrinadores, "união estável adulterina", rechaçada pelo ordenamento jurídico. Todavia, as nuances e peculiaridades de cada caso concreto devem ser analisadas para uma melhor adequação das normas jurídicas regentes da matéria, tendo sempre como objetivo precípuo a realização da justiça e a proteção da entidade familiar - desiderato último do Direito de Família. 3 - Comprovado ter o “de cujus” mantido duas famílias, apresentando as respectivas companheiras como suas esposas, tendo com ambas filhos e patrimônio constituído, tudo a indicar a intenção de constituição de família, sem que uma soubesse da outra, impõe-se, excepcionalmente, o reconhecimento de ambos os relacionamentos como uniões estáveis, a fim de se preservar os direitos delas advindos. 4 - Apelações desprovidas.” (TJDF, 1ª Turma Cível, Apelação Cível n.º 2006.03.1.000183-9, rel. Des. Nívio Geraldo Gonçalves, j. 27.02.2008).

 

Por fim, uma vez demonstrada a afetividade entre as partes, que se comprometem a zelar pela construção de uma lar sadio aos seus coniventes, a caracterização do instituto da família deve ser de rigor, ao passo que o desamparo legal somente fomenta o processo de exclusão social e favorece uma elite parlamentar conservadora. A maneira como foram constituídas não pode prevalecer sobre os critérios constitucionais que realmente importam para proteger as relações entre os seres humanos.

 

3 POSIÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 

Como é sabido, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem como finalidade aperfeiçoar o desempenho do judiciário, tornando transparente os atos administrativos e processuais.

Feito esta breve análise, no dia 26 de junho de 2018, o CNJ decidiu por 8 votos a 6 que todos os cartórios brasileiros estão impedidos de lavrarem qualquer espécie de documento declarando a união estável de mais de 2 indivíduos.

O Poliamor, mais precisamente a discussão sobre essa matéria, chegou ao CNJ através da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS) que requereu providências junto à Corregedoria vinculada ao CNJ. Para a ADFAS tal reconhecimento é ilegal. Eles defendem que o Poliamorismo é ilegal, pois para eles segundo a CRFB/88 e outras normas infraconstitucionais a monogamia é a condição primordial para que seja reconhecida a união estável.

Cabe obtemperar que já houveram casos onde foram reconhecidas a união entre três indivíduos. No ano de 2012 na cidade de Tapuã e, em 2016 na cidade de São Vicente, ambas situadas no estado de São Paulo. Ademais, no ano de 2015 no Rio de Janeiro também ocorreu um caso envolvendo o reconhecimento de três pessoas. Todavia, diante da decisão do CNJ tais escrituras perderam sua eficácia.

O relator João Otávio de Noronha argumentou dizendo que “é a cultura de um povo predominantemente cristão”. Noronha disse, ainda, que:

 

Não é falso moralismo, não é nada. Se as pessoas querem viver uma relação de poliamor, que vivam, é outra coisa. Mas a escritura pública está aqui para declarar a vontade jurídica das partes. Se a vontade é jurídica, [a união estável poliafetiva] reputa a vontade ilícita, a vontade não permitida pela lei.

 

Este tema tem gerado muita discussão/polêmica, sendo necessário a realização de três sessões até que fosse possível alcançar um resultado. Ademais, cabe obtemperar que votaram com o relator Fernando Mattos, Maria Iracema Martins do Vale, André Luiz Godinho, Márcio Schiefler, Valtércio Ronaldo de Oliveira, Maria Tereza Uille Gomes e Valdetário Monteiro.

 

4 CONCLUSÃO

 

O presente artigo científico visou elucidar pontos de suma relevância quanto ao poliamor, uma vez que este tem gerado inúmeros questionamentos no ordenamento jurídico pátrio brasileiro.

Para tanto, a fim de melhor entender a matéria em questão fora feito uma breve conceituação. Ademais, abordou-se a evolução histórica acerca das formas de vínculos afetivos, abordando a monogamia e o patriarquismo. Todavia, o poliamor ganhou força com o passar do tempo, tanto que como dito acima, existiram casos no Brasil de reconhecimento de união estável, sendo relevante ressaltar mesmo que tais reconhecimentos tenham perdido a eficácia após a decisão tomada pelo CNJ.

Abordou-se, ainda, o Poliamorismo face ao ordenamento jurídico, ou seja, diante do Código Civil, além explanar sobre os princípios que norteiam o direito familiar brasileiro. Ademais, fora abordado a jurisprudência no Brasil acerca da matéria e por fim o posicionamento do CNJ que decidiu por impedir o reconhecimento dos cartórios quanto a união estável entre três ou mais indivíduos.

Deste modo, pode-se concluir que o tema em examine é fruto de inúmeros questionamentos e apesar do CNJ se posicionar a respeito, deve-se ressaltar que o direito é mutativo, ou seja, ele se modifica com base nas transformações vivenciadas pela sociedade. Apesar do Brasil ser um país fortemente influenciado pelo Cristianismo, a ideia de que a monogamia deve ser perseguida como modelo ideal de vínculo afetivo pode sofrer mutação. Logo, o CNJ baseou sua decisão com base na doutrina cristã e nos costumes morais, deixando de analisar questões de suma importância como a mutação que a sociedade vem enfrentando. Assim, provavelmente, a tendência é que cedo ou tarde o poliamor possa ser reconhecido pelo ordenamento jurídico pátrio, podendo ser registrado a união estável de três ou mais indivíduos pelos cartórios.

 

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Data da conclusão/última revisão: 26/4/2019

 

Como citar o texto:

SILVA, Dayana Jéssica da..Poliamor a luz do ordenamento jurídico pátrio. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1618. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/4405/poliamor-luz-ordenamento-juridico-patrio. Acesso em 6 mai. 2019.

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As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.