RESUMO

O presente trabalho tem como finalidade analisar a responsabilidade civil do Estado ante a delonga na prestação judicial. Para tanto, fundamentou-se no que preceitua o artigo 5º, LXXVIII da Constituição Federal, o qual garante a todos a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Além disso, propõe-se a identificar, embasados no ordenamento jurídico brasileiro, sobre as possibilidades e os limites da responsabilidade civil estatal diante de atuações judiciais que promovam a lentidão e a ineficácia da prestação jurisdicional, ocasionando assim, a impunidade daqueles que se amparam na ausência de responsabilização. Os preceitos constitucionais, doutrinas, jurisprudências, além de artigos científicos relativos ao tema são a base fundamental da metodologia aplicada.

Palavras-chave: Morosidade; Prestação Jurisdicional; Responsabilidade Civil.

ABSTRACT

The present work has the purpose of analyzing the civil responsibility of the State before the deluge in the judicial provision. For that, it was based on what is stipulated in Article 5, LXXVIII of the Federal Constitution, which guarantees to all the reasonable length of the process and the means that guarantee the speed of its procedure. In addition, it proposes to identify, based on the Brazilian legal system, the possibilities and limits of state civil liability in the face of judicial proceedings that promote the slowness and inefficiency of the jurisdictional provision, thus causing impunity for those who rely on lack of accountability. Constitutional precepts, doctrines, jurisprudence, and scientific articles on the subject are the fundamental basis of the applied methodology.

Keywords: Slowness; Judicial action; Civil repairs.

 

INTRODUÇÃO

Em regra, a responsabilidade civil do Estado, prevista no ordenamento jurídico brasileiro, é objetiva, isto é, caso haja a prática advinda de um ato ilícito ou de uma violação ao direito de outrem não há a necessidade da aferição da culpa para que esta possa ser pleiteada em juízo. Entretanto, há que se questionar quanto à responsabilidade civil do Estado pelos atos jurisdicionais, será que ela deve ser objetiva? E quanto aos danos gerados aos litigantes em virtude da morosidade judicial, o Estado pode exonerar-se de tal responsabilidade? Qual tem sido o posicionamento dos tribunais superiores quanto a este tema?

A Constituição Federal dispõe em seu artigo 5º, LXXVIII que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, ou seja, o Estado-juiz deverá fornecer ao indivíduo a prestação da tutela jurisdicional de modo efetivo, tempestivo e adequado, satisfazendo assim as pretensões dos seus jurisdicionados.

Todavia, a aplicação desse princípio constitucional nem sempre tem sido efetiva, visto que, a insatisfação social a respeito do serviço prestado pelo Poder Judiciário tem tomado proporções significativas. Isto decorre de vários fatores, dentre eles o sistema moroso, ou seja, uma estrutura que não consegue atender às demandas da justiça dentro do ritmo necessário, gerando apenas descontentamento nos litigantes e consequentemente o descrédito em um dos Poderes do Estado.

Em virtude desse contexto social, esta pesquisa desenvolveu-se com a finalidade de analisar os aspectos pertinentes a tal comportamento, bem como, a responsabilidade civil estatal, visto que, tal delonga tem causado violações aos direitos fundamentais e ainda assim o Estado não tem se posicionado de modo proativo na solução desse imbróglio.

 

1. PRESTAÇÃO JURISDICIONAL COMO DIREITO FUNDAMENTAL

O artigo 5º, XXXV da Constituição Federal prevê que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, ou seja, todo indivíduo que julga ter o seu direito violado tem como garantia constitucional o acesso a justiça de forma ampla e justa.

A partir de tal garantia constitucional, constata-se, portanto, que sendo a jurisdição um direito subjetivo do indivíduo, é dever do Estado proporcionar esse acesso de modo efetivo e com eficiência, sob pena de ser responsabilizado pela sua displicência na função.

De acordo com Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco:

Acesso à justiça não se identifica, pois, com a mera admissão do processo, ou possibilidade de ingresso em juízo (...) para que haja o efetivo acesso à justiça é indispensável que o maior número possível de pessoas seja admitido a demandar e a defenderem-se adequadamente (inclusive em processo criminal), sendo também condenáveis as restrições quanto a determinadas causas (pequeno valor, interesses difusos); mas, para a integralidade do acesso à justiça, é preciso isso e muito mais (2013 p. 106).

Embora o acesso amplo à justiça seja uma garantia prevista na Constituição Federal, faz-se necessário que esta jurisdição seja ágil e efetiva, com enfoque na busca por cumprir integralmente toda a sua função social-política-jurídica, isto é, a efetivação do processo como meio de realização da justiça e o restabelecimento da paz social, promovendo o bem comum.

 

2. A GARANTIA CONSTITUCIONAL QUANTO A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO E A CELERIDADE PROCESSUAL

Influenciada pelo pacto europeu sobre os direitos fundamentais, a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) foi uma das primeiras convenções a estabelecer em suas resoluções acerca dessa garantia processual. Ao estabelecer seu Decreto nº 678/1992 evidenciou em seu artigo 8º que:

Art. 8º- Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

A temática em questão tem relevância e por esta razão tem sido debatida em diversos tribunais internacionais, dentre eles, o da Corte Americana dos Direitos Humanos. Segundo reportagens publicadas no site jurídico Jusbrasil, a referida Corte internacional condenou no ano de 2002, o Estado de Trinidad e Tobago por inúmeras transgressões ao Pacto de San José dentre eles a violação ao devido processo legal.

De acordo com o artigo 8º da Convenção “todo indivíduo tem direito de ser julgado dentro de um prazo razoável”, entretanto, não houve respeito a este dispositivo no caso supracitado, tendo em vista a demora injustificada em submeter os acusados a julgamento, encarcerados desde 1980 e julgado em meados de 1998.

No ano de 2012, a condenada a indenizar um inspetor de polícia foi a Itália. Neste caso, o agente teve que esperar dez anos para conclusão do processo contra ele. O motivo da condenação não foi em razão dos dez anos, mas a espera de cinco anos no litígio movido pelo agente contra o Estado justamente pela demora judicial. A Corte analisou a reclamação e julgou que a demora beneficiou o acusado, tendo em vista a prescrição processual. Em relação à espera de quase cinco anos no pedido de indenização foi considerado inaceitável pelos juízes, que decidiram reparação pela demora judicial deve ser concluído em dois anos e meio, no máximo.

Todo indivíduo tem direito a ser ouvido, com as devidas garantias impostas pela legislação e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, seja para apurar qualquer acusação, que porventura tenha sido formulada, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

Embora a Constituição Brasileira de 1988 não englobasse de forma expressa, em seu texto originário, acerca do que preceitua o artigo supracitado, já havia a previsão de aplicação desse princípio no ordenamento jurídico, visto que o Brasil já era signatário da Convenção Americana e o tratado proposto já previa e continua em vigência quanto a absorção e aplicação das resoluções ali estabelecidas.

O próprio artigo 5º, § 2º da Constituição Federal corrobora com tal entendimento, isto porque, dispõe que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".

A partir do que já previa o acordo internacional, a Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004 inseriu, de modo expresso, no rol do artigo 5º, o inciso LXXVIII determinando que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.  Tal inserção teve como objetivo principal a celeridade processual, além de ampliar rol dos dispositivos relativos aos direitos fundamentais.

Embora os princípios da celeridade processual e da duração razoável do processo tenham ampliado a listagem relativa às garantias constitucionais, os mesmos devem ser aplicados mediante a observação do que estabelece os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, assegurando que o processo não prolongue além do prazo razoável e sequer comprometa a plena defesa e o contraditório.

Tal equilíbrio visa preservar a harmonia existente entre os princípios constitucionais de modo que alcance a efetividade e celeridade sem prejuízo à segurança jurídica, isto porque, um processo que se estende por um lapso temporal além do normal provoca efeitos nocivos para pelo menos uma das partes.

Para o jurista Ricardo Quass Duarte:

O tempo realmente figura como um dos poderosos inimigos no processo, na medida em que, quando a demanda leva muito tempo para terminar, direitos são perecidos, acordos desfavoráveis são realizados, transações comerciais deixam de ser concretizadas, as angústias e frustrações das partes aumentam, assim como aumenta o descrédito da população na Justiça. (DUARTE, 2009, p.15).

O que se observa a partir dessa alusão, é que a morosidade processual apresenta-se como uma das principais causas de descrédito na justiça brasileira, visto que, muitos cidadãos que buscam a tutela jurisdicional aguardam, às vezes, por décadas, a resolução dos seus conflitos. Tal espera, não pacifica a sociedade, apenas estimula a crença de que suas mazelas não merecem o devido respeito e atenção estatal.

Segundo Alexandre Freitas Câmara:

É preciso ter claro, porém, que a mera afirmação constitucional de que todos têm direito a um processo com a razoável duração não resolve todos os problemas da morosidade processual, sendo necessário promover-se uma reforma estrutural no sistema judicial brasileiro. Fique registrado meu entendimento segundo o qual a crise do processo não é a crise das leis do processo. Não é reformando leis processuais que serão resolvidos os problemas da morosidade do Poder Judiciário. É preciso, isso sim, promover-se uma reforma estrutural, que dê ao Poder Judiciário meios efetivos para bem prestar a tutela jurisdicional, o que exige vontade política para mudar o atual estado das coisas. (CÂMARA, 2011 p.124)

Verifica-se, portanto, que há atualmente, uma crise não apenas em relação às leis processuais vigentes, mas agrega-se a isto a falta de uma estrutura organizacional efetiva do Poder Judiciário. Para muitos doutrinadores, após a consolidação da nova constituinte ocorrida em 1988, houve um aumento significativo das demandas judiciais, em contrapartida a isto, não houve qualquer reestruturação dos tribunais para garantir o bom andamento dessas ações. Assim, os números de recursos materiais e humanos tornaram-se insignificantes diante do excessivo número de ações em trâmite.

Esta percepção só é acentuada no instante em que fica evidenciado que a respeitabilidade e a confiabilidade na justiça estão ligadas a uma solução célere e eficaz em face das lides que são ajuizadas. Para Humberto Theodoro Júnior (2011, p. 62) “a primeira grande conquista do Estado democrático é justamente a de oferecer a todos uma justiça confiável, independente, imparcial e dotada de meios que a faça respeitada e acatada pela sociedade”.

Isto porque gera nos cidadãos a essência daquilo que se conceitua como segurança jurídica, ou seja, ao indivíduo é assegurada a estabilidade das relações já consolidadas ante a evolução do direito.

 

2.1. O prazo razoável e a celeridade processual

A Constituição Federal estabeleceu em seus dispositivos acerca das garantias individuas relativas ao acesso à justiça, bem como, a razoável duração do processo e sua celeridade. Todavia, não determinou de forma expressa qual seria exatamente esse prazo de duração processual.

Para alguns doutrinadores a duração razoável do processo é um conceito vago e para tanto, depende da análise de determinados critérios, tais como: a complexidade da causa; o comportamento das partes; a atuação dos órgãos jurisdicionados; além das próprias circunstâncias de cada caso concreto. Fabiano Carvalho preceitua que, “por ser um conceito jurídico indeterminado ou aberto, e de caráter dinâmico, o prazo razoável requer um processo intelectivo, individual, de acordo com a natureza de cada caso” (CARVALHO, 2012 p.218).

Em contrapartida a este, Danielle Annoni estabelece que:

A expressão prazo razoável, que visa regular a garantia do demandante de obter do Poder Judiciário uma resposta pronta e efetiva, ou seja, o direito de que seu processo termine logo e lhe forneça uma resposta condizente com o pedido formulado, encontra no direito internacional diversos sinônimos. A expressão prazo razoável tem origem na Convenção Europeia de Direitos Humanos (1950) que trata do tema no seu artigo 6º. A Convenção Americana (1969) reproduziu a expressão em seu artigo 8º também fazendo referência expressa ao prazo razoável (ANNONI, 2006 p.178).

Independente da estipulação expressa ou não acerca do prazo processual, o que se faz necessário evidenciar é que a razoável duração do processo deve ser pautada no tempo suficiente para que haja a instrução processual de modo adequado, proferindo sempre decisões seguras e eficazes.

Todavia, é necessário ressaltar que existem fatores que podem dificultar o atendimento da razoável duração do processo. Segundo Alessandra Spalding:

Diante do caso concreto, inúmeras variáveis externas podem contribuir para que tal prazo seja estendido, como a demora na publicação das intimações pela imprensa oficial, a necessidade de produção de prova pericial, a oitiva de diversas testemunhas domiciliadas em comarcas distintas daquela onde tramita o feito, a arguição de incidentes processuais com efeito suspensivo, a ocorrência de outras causas suspensivas do processo, a presença de mais de um réu com procuradores distintos, a presença num dos polos da ação da Fazenda Pública, dentre outros (SPALDING, 2010 p.38).

Para tanto, faz-se necessário que os responsáveis por dar prosseguimento ao processo, o conduzam da melhor forma, possibilitando um processamento ágil e eficaz, evitando que haja no procedimento submissões a institutos não compatíveis com a sistematização da lide, bem como, intervindo e preenchendo todas as obscuridades existentes no processo, impedindo assim, que a utilização de artifícios prejudiciais pelas partes gere ainda mais morosidade pelo excesso legal.

Importante salientar ainda, que as variáveis externas citadas acima existem para oportunizar o desfecho da lide de modo seguro, concedendo a possibilidade às partes de apresentarem todas as defesas e recursos previstos em lei, a fim de proteger os interesses mútuos.

Ademais, não é apenas uma prestação jurisdicional célere que vai fazer com que as necessidades do cidadão sejam supridas pelo Poder Judiciário, mas que sejam proferidas decisões céleres julgadas de modo condizente com os pedidos formulados.

 

3. MOROSIDADE PROCESSUAL

O Poder Judiciário é componente essencial do sistema político brasileiro. É ele o responsável por aplicar e julgar a partir das leis vigentes no país contribuindo com a promoção da paz social. Entretanto, esta importante instituição tem atravessado inúmeros obstáculos no exercício de suas atribuições, dentre eles, a morosidade processual.

Um dos grandes obstáculos a ser superado pelo Poder Judiciário Brasileiro, é o de promover um processo que tenha efetividade, seja célere e que não afaste a aplicação das garantias constitucionais inerentes ao devido processo legal, visto que, a presença de um judiciário sólido é critério essencial na formação de um Estado democrático.

A insatisfação social a respeito do serviço prestado pelo Poder Judiciário decorre de vários fatores, dentre eles, o sistema moroso, isto é, uma estrutura que não consegue atender às demandas da justiça dentro do ritmo necessário, gerando apenas descontentamento na vida do indivíduo.

A ampliação do problema enfrentado pelo Poder Judiciário e o anseio da sociedade por resultados céleres e eficazes foram reconhecidos pelo ministro Nelson Jobim em discurso de posse na presidência do Supremo Tribunal Federal no ano de 2004. Para ele:

A questão judiciária passou a ser tema urgente da nação. O tema foi arrancado do restrito círculo dos magistrados, promotores e advogados. Não mais se trata de discutir e resolver o conflito entre esses atores. Não mais se trata do espaço de cada um nesse poder da república. O tema chegou à rua. A cidadania quer resultados. Quer um sistema judiciário sem donos e feitores. Quer um sistema que sirva à nação e não a seus membros. A nação quer e precisa de um sistema judiciário que responda a três exigências: - acessibilidade a todos; - previsibilidade de suas decisões; - e decisões em tempo social e economicamente tolerável. Essa é a necessidade. Temos que atender a essas exigências. O poder judiciário não é fim em si mesmo. Não é espaço para biografias individuais. Não é uma academia para a afirmação de teses abstratas. É isto sim, um instrumento da nação. Tem papel a cumprir no desenvolvimento do país. Tem que ser parceiro dos demais poderes. Tem que prestar contas à nação. É tempo de transparência e de cobranças. (Artigos e Discursos do Supremo Tribunal Federal).

Os anos se passaram e os discursos advindos da Suprema Corte se intensificaram ainda mais acerca deste assunto. Em palestra ministrada no Fórum Nacional, no ano de 2016, acerca de como melhorar a governança no Poder Judiciário, a então ministra do Supremo Tribunal Federal, Carmen Lúcia foi enfática ao dizer que “a morosidade da justiça interessa a alguém, e por isso é um problema que vem de longa data”.

A ministra ainda criticou o fato de um recurso poder ser apresentado ao Supremo Tribunal diversas vezes, mesmo que a decisão do tribunal seja reiterada. Segundo ela:

Estamos maquiando um Estado que já morreu que não dá conta de responder a sociedade de maneira eficiente. Sem o Estado, no entanto, instala-se a barbárie. A morosidade custa caro ao Poder Judiciário, é preciso acabar com a hipocrisia. Um processo que tem oito recursos no Supremo vai ser demorado (O Estadão, 2015).

Todo esse contexto demonstra a importância das organizações, de uma maneira geral, no processo de mudanças sociais e evolução dessa sociedade. As organizações, além de se constituírem em instrumentos de controle social, também assumem o papel de agentes da sua modernização. Nesse sentido, o Poder Judiciário está interligado, pois, como instituição pública, sua missão constitucional torna evidente seu importante papel na construção do Estado, no que diz respeito à manutenção do Estado de Direito democrático.

A morosidade nas soluções das lides causa transtornos para o usuário da justiça, para o seu serventuário e ainda gera gasto demasiado para o Estado. Examinar a infinidade de processos que transborda o judiciário não é uma incumbência simples, e é exatamente por não ser um procedimento fácil, é que a cada dia aumenta o número de reclamações por parte dos litigantes, gerando descrédito no sistema e abalando consequentemente um dos Poderes do Estado.

De acordo com dados do CNJ, Conselho Nacional de Justiça, o número de processos sem solução em todo o judiciário brasileiro atingiu a marca de 80,1 milhões de casos, no ano de 2018. Segundo o conselho, o número exorbitante se deve ao fato de que vários processos que outrora tinham sido arquivados foram reativados e retornaram à tramitação.

Para o relatório Justiça em Números (CNJ), a despesa total que o Estado teve com o judiciário em 2018 foi de R$: 90,8 bilhões, desse total R$: 82,2 bilhões foi usado para pagamento dos servidores, incluindo neste valor os salários, encargos e benefícios. Necessário se faz ressaltar ainda, que a despesa média gasta pelo judiciário com os magistrados, de acordo com dados do mesmo relatório, chegando a aproximadamente R$: 48,5 mil. Tal quantia não inclui o salário do magistrado, apenas dispêndios com encargos sociais, previdenciários, viagens a serviço, entre outros.

Segundo Rui Stoco, outro motivo que gera a prestação jurisdicional intempestiva é o fato de que:

Inúmeras são as causas, em extremo, na legislação ultrapassada, anacrônica e extremamente formal; passando pela penúria imposta a este Poder, diante da quase inexistência de verba orçamentária para sua dinamização, modernização e crescimento; encontrando justificação no excessivo número de recursos previstos na legislação processual e nas inúmeras medidas protelatórias postas à disposição das partes e terminando no outro extremo, qual seja a conhecida inexistência de magistrados, membros do Ministério Público, Procuradores da República e do Estado para atender a enorme quantidade de feitos em andamento (STOCO, 2010 p.1080).

Embora este argumento para justificar a morosidade judicial seja plausível, ele já não encontra mais aceitação tácita por parte dos jurisdicionados, visto que, o Estado ao incumbir-se do poder/dever de jurisdição deve exercê-lo de forma efetiva, célere e eficiente, não podendo jamais eximir-se dos seus deveres.

Excesso de demandas, somado a má estruturação do Poder Judiciário, aumento dos processos em tramitação, número insuficiente de servidores para dar prosseguimento aos mesmos, corrobora com a ineficiência da prestação judicial. De acordo com Luiz Umpierre de Mello Serra:

Em princípio, as críticas relativas à morosidade formuladas ao Poder Judiciário pareciam injustas, se analisadas do ponto de vista do próprio Poder, pois tinham conhecimento das dificuldades encontradas por seus integrantes. A atuação do Judiciário como prestador de serviços era deficiente e deixava de apontar que não eram aplicadas técnicas de gestão. Destacava-se que a maior parte das serventias autuavam acima dos limites de suas capacidades produtivas, sofriam de uma sistemática carência de investimentos em organização, layout e de informática, e as estatísticas exibiam números grandiosos de demanda. Após alguma análise diagnóstica, pôde-se perceber que ocorria manifesta a ausência de uma política pública, clara, transparente, objetiva, de contratação e movimentação de pessoal, de treinamento específico dos servidores para o desempenho de suas atividades, de treinamento para o atendimento ao público, que levasse ao aprimoramento dos serviços prestados, visando torná-los mais simplificados, ao alcance e de fácil compreensão por aqueles de menor preparação técnica ou intelectual. (SERRA, 2013, p.7/8)

A prestação jurisdicional intempestiva que aflige a administração judicial evidencia a ineficiência do Estado brasileiro em concretizar uma das principais funções do Estado de Direito, o de proteger os litígios dos jurisdicionados e promover a ordem, mantendo a paz social.

De acordo com Nelson Nery Júnior:

A duração razoável do processo e a efetividade da prestação jurisdicional dependem não apenas do Poder Judiciário e de seus magistrados, mas sim, majoritariamente, dos Poderes Executivo e Legislativo, visto que, o cumprimento dos direitos garantidos na Constituição é capaz de evitar a judicialização de políticas públicas que tanto abarrotam e dificultam o trabalho dos juízes de primeira instância e os tribunais brasileiros. (NERY JÚNIOR, 2013 p.325).

O despreparo de magistrados e servidores para lidar com a sobrecarga de trabalho, a ineficácia por parte dos tribunais na distribuição e na utilização de recursos materiais, e a falta de cultura de gestão administrativa para enfrentar os desafios da modernidade, são fatores que direcionam o Poder Judiciário a uma lentidão na sua atuação, o que compromete sua participação na realização dos fins do Estado democrático preceituado pela Constituição Brasileira.

Objetivando auxiliar os mecanismos que promovam a desobstrução processual o novo Código de Processo Civil estabeleceu em seu artigo 3º, § 3º que:

A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial. (BRASIL, 2015, s.p.)

Estabeleceu ainda, na seção V do CPC, acerca dos aspectos procedimentais que envolvem os institutos da conciliação e mediação processual. Este incentivo a meios alternativos de solução de conflitos em qualquer momento processual tem a finalidade de proporcionar o acordo entre os litigantes na fase inicial do processo, possibilitando a resolução da lide de forma pacífica e consequentemente promovendo a antecipação do trânsito em julgado.

Para Fredie Didier Júnior:

O estímulo à autocomposição poder ser entendido como um reforço da participação popular no exercício do poder, no caso, o poder de solução de litígios. Tem, também por isso, forte caráter democrático. O propósito evidente é tentar dar início a uma transformação cultural da sentença para a cultura da paz (DIDIER JÚNIOR, 2018, p.319).

A mediação é uma forma de solução de conflitos na qual uma terceira pessoa, neutra e imparcial, facilita o diálogo entre as partes, para que elas construam, com autonomia e solidariedade, melhor solução para o problema. Em sua maioria, é utilizada em conflitos que possua maior complexidade. Esta é um procedimento estruturado, que não tem um prazo definido, e pode ensejar ou não em acordo, tendo em vista que, as partes possuem autonomia para perseguir soluções que compatibilizam seus interesses e necessidades.

Em contrapartida e esta, tem-se a conciliação, que é um instrumento de pacificação utilizado em conflitos mais simples, ou restritos, no qual o terceiro facilitador pode adotar uma posição mais ativa, porém neutra com relação ao conflito. Trata-se de um processo consensual, com breve duração, que busca uma efetiva harmonização social e restauração, dentro dos limites possíveis, da relação social das partes.

Corroborando ainda mais com tais preceitos, o artigo 6º do mesmo código estabelece que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”, determinando assim o poder e dever de todos em colaborar com a prestação jurisdicional célere e efetiva.

Além disso, a alteração na contagem dos prazos processuais é outro fator evidenciado pelo novo Código de Processo Civil que tem o propósito de estabelecer celeridade aos processos. O cômputo dos prazos anteriormente calculado de forma contínua é atualmente computado apenas os dias úteis, suspendendo o curso dos prazos processuais entre os dias 20 de dezembro e 20 de janeiro.

Outro aspecto relevante do novo Código de Processo Civil é o chamado Incidente de resolução de demandas repetitivas, previsto no artigo 976. Tal ferramenta objetiva conceder a mesma decisão a milhares de ações iguais, dando mais celeridade aos processos em primeira instância, além de amenizar os problemas decorrentes das burocracias desnecessárias, que por vezes ferem os preceitos constitucionais.

Notório se faz salientar, que há doutrinadores que asseguram que a disfunção da morosidade jurisdicional não é fator que possa ser solucionado apenas com alterações legislativas, pelo contrário, vai muito, além disso. Para Alexandre Freitas Câmara:

É preciso ter claro, porém, que a mera afirmação constitucional de que todos têm direito a um processo com a razoável duração não resolve todos os problemas da morosidade processual, sendo necessário promover-se uma reforma estrutural no sistema judicial brasileiro. Fique registrado meu entendimento segundo o qual a crise do processo não é a crise das leis do processo. Não é reformando leis processuais que serão resolvidos os problemas da morosidade do Poder Judiciário. É preciso, isso sim, promover-se uma reforma estrutural, que dê ao Poder Judiciário meios efetivos para bem prestar a tutela jurisdicional, o que exige vontade política para mudar o atual estado das coisas (CÂMARA, 2011 p.124).

Verifica-se, portanto, que há atualmente, uma crise não apenas em relação às leis processuais vigentes, mas agrega-se a isto a estrutura do Poder Judiciário.

Na busca por mecanismos que promova a celeridade do processo brasileiro, o Conselho Nacional de Justiça está desenvolvendo o sistema de mediação digital. O intuito é “desenvolver e apresentar um sistema de Mediação Digital para permitir a realização de acordos pré-processuais entre consumidores, empresas e instituições financeiras” (CNJ, 2016 s.p.). Tal instrumento visa retirar da tutela do Judiciário, conflito que podem ser resolvidos através do diálogo entre as partes, nesse caso seria efetuado de maneira virtual, sem que as partes necessitassem até mesmo sair de casa. Uma vez encontrada a solução da lide, o juiz apenas homologaria.

Este serviço seria ofertado ao público de forma gratuita, sendo um meio subjetivo de alcançar a celeridade processual, já que evitaria que o Poder Judiciário se ocupasse de pequenas causas, podendo dar atenção e efetividade àquelas que envolvam bens jurídicos mais consideráveis.

Embora as mudanças advindas do novo Código de Processo Civil sejam úteis, em se tratando da excedida duração do processo, estão longe de solucionar de imediato os problemas inerentes ao âmbito judicial. Mas há que considerar que o excesso de formalismo contido no código anterior foi amenizado com o novo Código de Processo Civil tornando a norma mais acessível, além de auxiliar na construção de decisões legítimas, em tempo razoável.

 

4. RESPONSABILIDADE CIVIL

Compreende-se como responsabilidade civil o dever que o indivíduo tem de reparar os danos, sejam eles morais ou materiais, causados a terceiros. Tais danos podem ser em decorrência de atos praticados por este indivíduo, por pessoas das quais ele seja responsável ou advindo da lei. De acordo com o artigo 186 do Código Civil Brasileiro, o agente que “por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, viola direito e causa dano a outrem, ainda que exclusivamente moral”, comete ato ilícito; além disso, “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” (art.187 Código Civil).

Para Sérgio Cavalieri Filho (2016, p. 2), responsabilidade civil é o “dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de outro dever jurídico.” Dessa forma, toda conduta humana violadora de dever jurídico originário, que causar prejuízo a outrem, é fonte geradora de responsabilidade civil.

O instituto da responsabilidade tem por elemento nuclear uma conduta voluntária violadora de um dever jurídico, este pode se configurar de forma direta, quando o dever de reparação do dano causado recai sobre quem efetivamente tenha praticado o ato, ou indireta, quando a responsabilidade recai sobre quem tenha o dever de guarda sobre o agente do ato danoso.

Será aplicado o instituto da responsabilidade civil subjetiva, sempre que houver a necessidade de comprovação da culpa do agente, isto é, deverá ser aferida a conduta culposa ou dolosa, em virtude de negligência, imprudência ou imperícia, para que a partir de tal constatação possa responsabilizar o agente causador.

Por outro lado, a responsabilidade civil objetiva será aplicada independente de aferição de culpa, visto que esta é presumida, ou seja, dispensa sua análise e demonstração. Esta é fundamentada na Teoria do Risco, a qual preceitua que aquele que por meio de sua atividade, criar certo risco de dano a terceiros, deve ser responsabilizado, respondendo pela reparação, ainda que isento de culpa. Para Hely Lopes Meirelles:

A teoria do risco administrativo faz surgir a obrigação de indenizar o dano só do ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração. Não se exige qualquer falta do serviço público, nem culpa de seus agentes. Basta a lesão, sem o concurso do lesado. Na teoria da culpa administrativa exige-se a falta do serviço; na teoria do risco administrativo exige-se, apenas, o fato do serviço. Naquela, a culpa é presumida da falta administrativa; nesta, é inferida do fato lesivo da Administração (MEIRELLES, 2016 p. 611).

Assim, percebe-se que tal teoria baseia-se no risco que a atividade pública gera para aqueles que são administrados, além da possibilidade de acarretar dano a certos indivíduos da sociedade, impondo assim um ônus, não suportado pelos demais.

 

4.1. Responsabilidade Civil do Estado

O ordenamento jurídico brasileiro estabelece em seus dispositivos, dentre outros aspectos, direitos e deveres pertinentes ao cidadão. Dentre esses, há o dever que o indivíduo tem de reparar prejuízo causado a outrem, decorrente da violação de um dever jurídico preexistente. Para tanto, faz-se necessário que haja a junção dos pressupostos que caracterizam a responsabilidade civil, dentre eles, tem-se o fato antijurídico causador do dano, isto é, fato contrário à lei e a seus princípios norteadores.

Nestes termos, a artigo 37, § 6º da Constituição Federal dispõe que:

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

O que se observa a partir do dispositivo supracitado, é que o Estado, enquanto ente constituído para disciplinar as condutas sociais, bem como, promover a harmonia na sociedade, também se submete às normas previstas no ordenamento jurídico, ou seja, o poder estatal pode ser responsabilizado nos casos em que lesar o particular.

De acordo com Hely Lopes Meirelles:

A responsabilidade civil da Administração Pública é, pois, a que impõe à Fazenda Pública a obrigação de compor o dano causado a terceiros por agentes públicos, no desempenho de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las (MEIRELLES, 2016 p. 656).

O desejo de compelir o causador do dano a repará-lo, é proveniente do elemento senso de justiça inerente ao indivíduo, por esta razão o Estado não pode negá-lo nem tampouco ignorá-lo. Assim, o dano provocado, seja por ato lícito ou ilícito, por um de seus agentes rompe o equilíbrio jurídico-econômico outrora existente, gerando a necessidade de restabelecê-lo. Este se fará, quando houver a fixação de um montante proporcional ao bem lesionado.

Configura-se como pressupostos da responsabilidade civil, o dano, a culpa do agente, e o nexo de causalidade existente entre o fato e dano. Dentre esses componentes caracterizadores, o sujeito é o elemento essencial para a aplicação da responsabilidade estatal, visto que, a conduta desempenhada pelo agente público no exercício do poder de Estado, gera a obrigação de reparar os danos causados a terceiros.

De acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, a responsabilidade civil do Estado é objetiva. Esta se fundamenta na Teoria do Risco Administrativo, isto é, a administração pública tem a obrigação de indenizar a vítima pelo ato sofrido, independente da aferição da culpa dos seus agentes ou pela falta de serviço, bastando apenas demonstração do dano sofrido e que este fora injusto. Todavia, se o Poder Público constatar a culpa do terceiro nesta relação, a indenização será amenizada ou até mesmo excluída.

Faz-se necessário ressaltar ainda que não haverá responsabilidade civil estatal quando se fizer presente hipóteses capazes de excluir o nexo causal entre a conduta do Estado e o dano causado ao terceiro, sendo estes institutos a força maior, o caso fortuito, o estado de necessidade e a culpa exclusiva da vítima.

De acordo com José dos Santos Carvalho Filho:

Há uma grande divergência doutrinária quanto à caracterização dos institutos caso fortuito e força maior. Alguns autores entendem que a força maior é o acontecimento originário da vontade do homem, como é o caso da greve, por exemplo, sendo o caso fortuito o evento produzido pela natureza, como os terremotos, as tempestades, os raios, e trovões (CARVALHO FILHO, 2011 p.514).

Em se tratando de responsabilidade civil estatal, há que se contestar se este era ou não responsável pela conservação, manutenção, ou segurança do fato ou serviço. Caso seja a administração pública a responsável, não haverá a aplicação de excludente de culpabilidade, isto é, o Estado será totalmente responsabilizado pelos danos sofridos pelos particulares provocados por eventos inevitáveis da natureza, desde que, haja a omissão ou deficiência em sua atuação.

Todavia, se o dano sofrido for decorrente de eventos inevitáveis, com ausência de participação concorrente da administração pública com o resultado lesivo, ou que este deveria ter utilizado mecanismos que pudessem evitar amenizar o prejuízo sofrido pelo particular, haverá a aplicação dos institutos supracitados, visto que, não haverá como exigir que tais procedimentos sejam serviços essenciais à função estatal.

Para Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho, o estado de necessidade:

Consiste na situação de agressão a um direito alheio, de valor jurídico igual ou inferior àquele que se pretende proteger, para remover perigo iminente, quando as circunstâncias do fato não autorize outra forma de atuação (STOLZE e PAMPLONA FILHO, 2017 p.913).

Tal instituto será aplicado sempre que as circunstâncias se tornarem absolutamente necessárias e indispensáveis para a remoção do perigo, ressaltando que caso haja excessos no proceder, o agente será responsabilizado.

O direito administrativo determina que a responsabilidade da Administração Pública seja embasada nos interesses coletivos em face dos interesses particulares, assim, o Estado não será responsabilizado pelos prejuízos decorrentes de atividade pública, desde que, esta seja executada visando a predominância de interesses gerais, em detrimentos de direito de particulares.

Compreende-se como culpa exclusiva da vítima quando somente esta der causa ao evento danoso, inexistindo assim, culpa estatal e consequentemente o dever de responsabilidade. Segundo Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho (2017, p. 920) isto ocorre porque “a exclusiva atuação culposa da vítima tem também o condão de quebrar o nexo de causalidade, eximindo o agente da responsabilidade civil”.

Convém destacar que, havendo casos em que se comprove a existência de concorrência de culpas ou causas, a indenização resultante do ajuizamento será mitigada, isto é, haverá a divisão na proporção da atuação de cada sujeito.

 

4.2. A Responsabilidade do Estado pelos Atos Jurisdicionais

Nas civilizações antigas, os indivíduos que porventura viessem a deflagrar conflito entre si eram eles mesmo os responsáveis pela resolução deste, inexistindo para tanto o poder de um ente estatal capaz de dirimir tais tensões.

Com a evolução histórica fez-se necessário à presença de um terceiro capaz de intermediar as relações conflitantes que surgiam no âmbito da sociedade. Este terceiro foi denominado Estado, detentor total da jurisdição com a prerrogativa de aplicação da lei nos litígios advindo da violação dos direitos previstos no ordenamento jurídico.

Compreende-se como atividade jurisdicional aquela realizada pelo Poder Judiciário, com a finalidade de aplicar a lei a uma hipótese controvertida. Esta se fará mediante processo regular, que produzirá ao final, uma decisão proveniente do poder estatal. Desse modo, ao proferir tal veredito, o magistrado age na função de agente público, gerando ao Estado o dever de reparar eventuais danos decorrentes da prestação do serviço judiciário.

Todavia, alguns doutrinadores não compactuam com a premissa de que há responsabilização civil objetiva do Estado por atos jurisdicionais. Para Hely Lopes Meirelles:

O ato judicial, que é a sentença ou decisão, enseja responsabilidade civil da Fazenda Pública, nas hipóteses do artigo 5º, LXXV, da CF/88. Nos demais casos ela não se aplica aos atos do Poder Judiciário e de que o erro judiciário não ocorre quando a decisão judicial está suficientemente fundamentada e obediente aos pressupostos que a autorizam (MEIRELLES, 2016 p.665).

Ao mencionar o artigo 5º, LXXV da Constituição Federal o autor faz referência ao argumento de que o Estado apenas indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença. Mas, em se tratando da responsabilidade civil objetiva do Estado ante a morosidade jurisdicional, será aplicada ou não a este caso?

 

4.3. A morosidade processual e a Responsabilidade do Estado

Embora o artigo 5º, LXXVIII da Constituição Federal assegure como direito fundamental “a duração razoável do processo”, bem como, a “celeridade de sua tramitação”, o que se observa é delonga na prestação jurisdicional, ocasionando consequentemente a insatisfação dos litigantes.

A morosidade processual tem se tornado um dos principais fatores que impedem a efetiva garantia dos direitos pleiteados pelos cidadãos. Fundamentado nesta conjuntura há questionamentos quanto à responsabilização do Estado pela ineficiência na prestação jurisdicional. Seria ou não o Poder Estatal responsabilizado no dever de recompor os prejuízos acarretados a terceiros, em virtude de condutas infringentes da lei?

De acordo com Marçal Justen Filho, “a responsabilidade civil do Estado depende de uma conduta estatal, que seja comissiva, seja omissiva, que produza efeito danoso à terceiro” (2016, p. 1196). Considera-se conduta comissiva aquela que o dever de diligência especial requer que o agente aja com cautela, evitando lesão a terceiros. Em contrapartida a esta conduta, ocorrerá ação omissiva sempre que o Estado deixar de atuar em situação que era juridicamente obrigado a fazer. Tais atos dividem-se em atos omissivos genéricos, que são aqueles em que é exigido prova de culpa da Administração Pública, e atos omissivos específicos, sendo aqueles em que há a violação de dever individualizado de agir.

Assim, se o indivíduo é furtado em uma praça deserta, o Estado não poderá ser responsabilizado objetivamente, ainda que tenha o dever de proporcionar segurança pública, tem-se, portanto, uma conduta omissiva genérica. Entretanto, se o indivíduo é furtado diante de um policial e este agente nada faz, incidirá a responsabilidade civil objetiva estatal, visto que se trata de uma conduta omissiva específica.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello:

A responsabilidade civil subjetiva incidirá sobre os atos omissivos genéricos do Estado, fundamentada na teoria da falta de serviço, a qual consiste na falha, seja porque não funcionou quando deveria normalmente funcionar, seja porque funcionou mal ou funcionou tardiamente” (MELLO, 2013 p.1024).

Ante a essa explicitação, o que se presume é que se a justiça funcionar tardiamente o litigante terá que provar a culpa dos agentes públicos causador do dano, para que haja a responsabilidade da Administração Pública.

Corroborando com esse entendimento a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é majoritária em considerar que para efeitos de responsabilização civil do Estado ante a morosidade do judiciário, necessário se faz evidenciar o dano sofrido, e a relação existente entre o prejuízo e a atuação estatal omissiva ou comissivamente, não bastando apenas, a mera alegação de delonga da lide.

O que se percebe, é que acarretar ao particular o ônus de provar o comportamento lesivo dos agentes públicos causadores da morosidade judicial é um tanto quanto desrespeitoso. A simples demonstração de que o Estado não proveu um processo em tempo razoável, descumprindo o dever imposto pela Constituição Federal, sendo esse descumprimento doloso ou não, ensejaria por si só o dever de indenizar do Estado.

Responsabilizá-lo objetivamente pelo dano decorrente da morosidade judicial é ato imprescindível para fazer com que as garantias constitucionais vigentes no país sejam respeitadas, além de pressionar o Estado de modo efetivo, para que promova melhorias na estrutura judiciária, bem como, na eficiência de seus serventuários. 

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo dessa pesquisa, demonstrou-se que a sociedade manifesta pleno inconformismo e incapacidade de continuar se sujeitando a uma prestação jurisdicional ineficiente. Há muito tempo esse tem sido o cenário exibido pelo Poder Judiciário, entretanto não é essa a sua atribuição, mas a de uma jurisdição capaz de dirimir conflitos alicerçados na aplicação dos direitos fundamentais presentes na Constituição Federal Brasileira.

Assim, assegurar a duração razoável do processo, além de cumprir um os requisitos pertinentes ao procedimento judicial, é, portanto, critério imprescindível para a preservação do Estado Democrático de Direito, isto é, um Estado pautado na proteção ao indivíduo. 

Nesse sentido, necessário se faz viabilizar a revisão/reformulação quanto aos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais daqueles que ainda se opõe quanto à responsabilização da Fazenda Pública pela morosidade judicial, visto que, ao litigante não pode ser imputado tal ineficiência.

Ressaltando ainda que de nada adianta ter um ordenamento jurídico repleto de normas que enalteça o bem-estar e a dignidade da pessoa humana, se o instrumento que proporciona o acesso a este, está viciado. A relevância do Direito Processual vai muito além do fim em si mesmo, visto que, ele é o alicerce de todo o ordenamento jurídico, é por intermédio dele que o Princípio do Devido Processo Legal se materializa, que o direito líquido cria seus efeitos e atribuições, estabelecendo diretrizes acerca do bem-estar social, além de possibilitar uma atuação íntegra e imparcial do Estado.

 

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Data da conclusão/última revisão: 25/4/2019

 

Como citar o texto:

ANGELINO, Kayo Ribeiro; MARQUES, Vinícius Pinheiro..A responsabilidade civil do Estado ante a morosidade da prestação jurisdicional. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1619. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil-responsabilidade-civil/4419/a-responsabilidade-civil-estado-ante-morosidade-prestacao-jurisdicional. Acesso em 7 mai. 2019.

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