RESUMO

O presente artigo propõe o estudo da figura do Amicus Curiae, tomando como ponto de partida o neoconstitucionalismo, sob a luz das teorias do professor e doutor Peter Häberle, em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), e como esse movimento influenciou o legislador que, ao reformular o Código de Processo Civil, incluiu tal instituto no capítulo que trata sobre as intervenções de terceiros, reconhecendo sua importância como instrumento de democratização do exercício da cidadania e garantia dos direitos sociais, especialmente os difusos, coletivos e individuais homogêneos. Por fim, o presente trabalho aborda as intervenções de terceiro elencadas no CPC/2015 com fim especial em diferenciá-las do amicus curiae.

Palavras-chave: Amicus Curiae; Neoconstitucionalismo; Novo Código de Processo Civil; Intervenção de terceiro.

ABSTRACT

This paper proposes the study about Amicus Curiae institute, taking as a starting point the neoconstitutionalism, in the light of the professor and PhD Peter Häberle’s theories, in the field of Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), and how this movement influenced the legislator who, when reformulating the Code of Civil Procedure, included this institute in the chapter about third-party interventions, recognizing its importance as a tool to democratizing the exercise of citizenship and guarantee of social rights, especially diffuse, collective and individual homogeneous. Finally, the present paper addresses the interventions of third-parties interventions listed in the CPC / 2015 with special purpose in differentiating them from the amicus curiae.

KEYWORDS: Amicus Curiae; Neo-constitutionalism; New Code of Civil Procedure; Third-party intervention.

SUMÁRIO: Introdução; 1 - Origem, evolução e conceituação do amicus curiae; 2. Amicus curiae no controle concentrado de constitucionalidade; 3 - Intervenções de terceiro – amicus curiae no processo civil; 4 – Amicus Curiae; Considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho é consubstanciado em pesquisa doutrinária conjunta ao entendimento da jurisprudência majoritária no STF e nos tribunais estaduais, estando presente especificamente a figura pouco perscrutada do amigo da corte, tema essencial ao instituto do controle de constitucionalidade brasileiro e, de maneira recente, ao processo civil. Fazendo-se presente o estudo do instituto amicus curiae (amigo da corte) como produtor de informações úteis ao aperfeiçoamento dos julgamentos, no primeiro momento em sede do controle de constitucionalidade pela corte julgadora, no caso brasileiro, o Supremo Tribunal Federal e, após o novo Código de Processo Civil de 2015 – CPC/15 nos tribunais.

Não se pretende alcançar uma teoria que embase a jurisdição. Porém, partindo das particularidades da sociedade fechada de intérpretes das normas à participação do cidadão comum, é pretendido evidenciar a relevância dos mecanismos de participação social na jurisdição abstrata, de forma que as cortes não se tornem tribunais ilhados, mas que estejam abertos ao debate com a sociedade e conexo com a atualidade, buscando reaproximar direito e moral, traduzindo-se no denominado neoconstitucionalismo e com o espírito do novo CPC/15.

Cumpre ressaltar, que este mecanismo objeto da corrente pesquisa, desenvolveu e destacou-se nas cortes julgadoras norte-americanas quanto ao controle de constitucionalidade de suas leis, tendo como leading-case a convocação do Sir George Treby para manifestar-se sobre o que havia decidido a respeito de um processo legislativo em 1686, e a partir daí expandindo-se para diversos ordenamentos jurídicos.

No Brasil, a figura do amigo da corte foi introduzida no regramento jurídico vigente pela Lei n.º 9.868 em seu artigo 7º, promulgada em 10 de novembro de 1999, e Lei n.º 9.882 no artigo 6º, § 2º, 03 de dezembro de 1999, as quais disciplinam o processo de julgamento das salutares: Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF).

À vista disso, o presente trabalho tem como intuito explorar o subsídio do amigo da corte para que a democracia se consume de forma constitucional e para seus devidos fins, visto que, há um novo cenário político, o do poder judiciário. Ressalta-se que a atuação política dos cidadãos na condução do Estado, não está mais restrito à participação dos cidadãos somente na escolha dos seus representantes, pelo voto direito, mas além da esfera do Executivo e do Legislativo, por intermédio do Judiciário.

Desta forma, por ser o amicus curiae instrumento de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, bem como busca conferir maior legitimidade a essa, resulta a importância no aprofundamento do estudo sobre o tema.

1. Origem, evolução e conceituação do amicus curiae

O Amicus Curiae é, de fato, uma figura antiga no direito, tendo para a maioria dos cientistas jurídicos iniciado no direito Inglês. Entretanto, há uma dificuldade em determinar a origem do instituto, ressalta-se que, do ponto de vista histórico não há uníssonidade, havendo também, relatos de suas raízes na Roma antiga.

Acerca disso, leciona Cássio Scarpinella Bueno:

“A origem do amicus curiae não é clara na história do direito. Há autores que afirmam estarem suas origens mais remotas no direito romano; outros, com base em ampla documentação, sustentam que a figura vem do direito inglês, com uso freqüente desde o século XVII de onde, gradativamente, passou a ter ampla atuação também no direito norte-americano. A doutrina norte-americana é a mais completa e desenvolvida sobre a figura (BUENO, 2008, p. 133).”

Não existe consonância quanto a uma definição do amicus curiae, além de existirem variações de suas funções a depender da legislação de cada Estado, inclusive aos pertencentes ao sistema common law, no qual a ferramenta foi criada e desenvolvida. E exatamente por essa carência de definição, o instituo tem um grande índice de adaptabilidade que, desde seu surgimento até os dias de hoje, sofreu relevantes transformações.

Pauliane do Socorro Lisboa Abraão conceitua como:

“O amicus curiae tem a finalidade de oferecer ao juízo sua perspectiva acerca da questão debatida, para oferecer informações técnicas acerca de questões complexas cujo domínio ultrapasse o discurso jurídico, e/ou defenderem os interesses dos grupos/pessoas por ele representados, no caso de serem, direta ou indiretamente, afetados pelo julgamento a ser realizado. (ABRAÃO, p. 78).”

Verdadeiramente, o conceito do amicus curiae, é uma questão controvertida, sendo uma ferramenta jurisdicional que atua como uma pessoa que não é parte no processo, mas peticiona à corte ou por ela é requisitada para a fim de apresentar um memorial no processo, por possuir grande interesse na matéria em discussão, enquanto que, por HABËRLE (1997, p. 48) entende-se, ser um instituto que procura através da abertura pluralística da jurisdição constitucional, atuar como ferramenta de legitimação democrática nas decisões das Cortes.

Nesse sentido, ilustra-se que a expressão latina “amigo da corte” é uma concepção de direito anglo-americano, em que é possibilitado que questões de fato ou direito sejam clarificadas ao tribunal com informações prestadas por uma pessoa ou órgão que não seja parte processual. E ainda, não haver, no âmbito do direito internacional, amplo conhecimento desse instituto.

Quanto às origens romanas do instituto, BISCH (2010, p. 80) descreve que o único paralelo admissível é a distante figura do consiliarius, um tipo de auxiliar do foro, que seria capaz de trabalhar sozinho, na condição de iuris peritus, ou em conjunto formando o consilium sapientis, uma espécie de órgão colegiado (constituído pela reunião de consiliarius). Tinha função orientativa em diferentes áreas de conhecimento, do qual poderia servir-se o juiz para complementar seu conhecimento jurídico.

A participação do consiliarius, de forma individual iuris peritus ou compondo como integrante do consilium tinha praticamente duas características primordiais: a intervenção condicionada à convocação do magistrado; e sua coadjuvação se dava em acordo com seus próprios convencimentos, desde que respeitados os princípios gerais do direito praticado à época.

Tendo como principal diferenciação entre os institutos do amigo da corte e do consiliarius, o fato de que a intervenção desse último estaria invariavelmente subordinada à provocação do juiz e sua atuação continha verdadeira neutralidade, visto que, tinha maior liberdade para articular suas teses, opiniões e oferecer seus pareceres.

Do outro lado, temos o desenvolvimento no sistema de common law anglo-saxão, e herdado pelos Estados Unidos da América, de uma figura que se identifica mais com o modelo contemporâneo. Segundo BUENO (2008, p. 91), em um primeiro momento o amicus curiae se apresentava perante a corte em lides sem interesses governamentais na qualidade de counsels ou de modo menos amplo, attorney general¹, atuando na correção de eventuais erros cometidos no curso do processo (daí a desnecessidade de aguardar a provocação da corte), prestando informações relevantes ao processo e sistematizando os precedentes (cases) e as leis (statutes), que por alguma razão supunha-se o desconhecimento por parte dos juízes. Já no século passado, a figura do cmigo da corte passa a ser admitida não só como um verdadeiro assessor do Poder Judiciário, mas também, a quem busque a tutela de interesses particulares, como nos exemplos doutrinários mais conhecidos: EEOC vs. Boeing Co. (1985) e United States vs. Michigan (1987).

A doutrina destaca que, no direito inglês não havia normatização quanto às hipóteses em que se admitia o amicus curiae e de seu real papel, ficando condicionado a opção do magistrado na admissão e na definição dos seus limites de atuações e possibilidades.

À vista disso, ainda que historicamente o instituto tenha surgido como forma de auxilio às cortes, esclarecendo questões técnicas, fáticas e jurídicas, sem que manifestasse interesse próprio, é fato que, com o decorrer do tempo, o instituto alcançou alto grau de desenvolvimento passando a constituir um importante instrumento de abertura dos sistemas jurídicos em que se adotam o common law, auxiliando as cortes seja com informações, participando em interesse próprio, ou mesmo, em favor de terceiros e de toda sociedade.

No Brasil, é clara a intenção do legislador em judicializar o controle de constitucionalidade, os primeiros sinais indutivos de tal intenção iniciam-se com a Carta Republicana de 1891, em seus artigos 59 e 60, inspirados na jurisdição difusa norte-americana (caso Marbury vs Madison), estabelecia ser função dos juízes ou tribunais federais processar e julgar as causas em que alguma das partes fundasse ação em face da Constituição Federal, existindo, portanto, raras exceções em que o Poder Judiciário não fosse o guardião da Constituição, como na Constituinte de 1824 em que essa atribuição era conferida ao Poder Legislativo e Moderador.

Ademais, ainda que a Constituição de 1891 tenha iniciado uma discussão sobre a possibilidade da criação de um sistema de representação interventiva, somente com a Carta-Magna de 1934, com previsão no artigo 12, foi positivado o referido instituto, introduzindo no sistema jurídico brasileiro a “ação declaratória interventiva”, uma forma de controle de constitucionalidade abstrata em que se reconhecia junto ao Supremo Tribunal Federal a capacidade de declarar a inconstitucionalidade de normas, nesse momento, assim como no inicio do mecanismo no ordenamento norte-americano, apenas o Procurador-Geral da República detinha legitimidade para propositura da ação.

Com a vigência da Carta Magna de 1946, porém somente em 1965, inserida pela Emenda Constitucional n.º 16 a ação genérica de inconstitucionalidade posta no artigo 101, I, K. Criando uma via concreta e abstrata de controle de constitucionalidade, que somente era prevista por representação interventiva, passando o Supremo Tribunal Federal, a partir dessa, ter a competência para declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato federal por meio de propositura do Procurador Geral da República. E, após esse surgimento, o controle de constitucionalidade brasileiro desenvolveu-se de forma a ajustar o controle concreto, abstrato e principal por via da ação direta, passando a ser um sistema misto ou híbrido.

E, fora do âmbito do controle de constitucionalidade houve momentos em que se pôde observar a figura do amigo da corte no direito pátrio, destacando-se, entre outras manifestações do instituto, as seguintes Leis.

A primeira aparição se dá com a intervenção do Conselho de Valores Mobiliários, nas matérias sobre a incidência e delimitação da competência de tal autarquia, por meio da Lei Federal n.º 6.385/76, em seu artigo 31, caput:

“Art. 31. Nos processos judiciários que tenham por objetivo matéria incluída na competência da Comissão de Valores Mobiliários, será esta sempre intimada para, querendo, oferecer parecer ou prestar esclarecimentos, no prazo de quinze dias a contar da intimação.”

Alguns anos depois é possível observar também o surgimento do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, por meio da Lei n.º 8.884/94 que em seu artigo 89, dispunha sobre obrigatoriedade a intimação do CADE nas ações em que se discutia o direito de concorrência. Entretanto, esta Lei foi revogada e atualmente encontra-se disposta com termos semelhantes à anterior, na Lei n.º 12.529/11 em seu artigo 118, caput:

“Art. 118. Nos processos judiciais em que se discuta a aplicação desta Lei, o Cade deverá ser intimado para, querendo, intervir no feito na qualidade de assistente.”

E a mais recente disposição, o novo Código de Processo Civil, Lei n.º 13.015/15, onde a intervenção do amicus curiae é prevista como uma das intervenções de terceiros no art. 138, caput:

“Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação.”

Assim, por todo o exposto, a figura do amicus curiae esta ligada diretamente aos ordenamentos jurídicos anglo-saxônicos, e por se tornar ferramenta jurídica inerente aos conceitos democráticos existentes expandiu de forma notória, tornando-se pouco a pouco um instrumento utilizado em sistemas jurídicos mundo a fora.

2. Amicus curiae no controle concentrado de constitucionalidade

Com a promulgação da Constituição de 1988, foi mantido o sistema misto/híbrido, entretanto, relevantes mudanças foram agregadas ao mecanismo de controle de constitucionalidade pátrio, como:

Em seu art. 102, inicialmente como parágrafo único e com a alteração da Emenda Constitucional n.º 3 de 17 de março de 1993 passando a estar disposta no § 1º tem-se uma das principais inovações, a argüição de descumprimento de preceito fundamental – ADPF:

“Art. 102. [...]. § 1.º A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei.”

No caput do art. 103, após as devidas alterações pela Emenda Constitucional n.º 45 de 2004, altera-se o rol de legitimados à propositura da ação direta de inconstitucionalidade, e atualmente da também prevista no artigo em comento, a ação declaratória de constitucionalidade, não mais sendo exclusividade do Procurador Geral da República a sua propositura:

“Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:

I - o Presidente da República;

II - a Mesa do Senado Federal;

III - a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;

V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;

VI - o Procurador-Geral da República;

VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;

IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.”

Além, do surgimento em seu segundo parágrafo, do controle de inconstitucionalidade por omissão (ADO). Recentemente modificado, pela lei de n.º 12.063/09, que incorpora na lei 9.868/99 o capitulo II-A. Tendo então previsão no art.103, § 2º, e no capitulo ll-A em seu art. 12-A:

“Art. 103. [...] § 2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

Art. 12-A. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade por omissão os legitimados à propositura da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade.”

No art. 125, segundo parágrafo, observando os princípios estabelecidos pela Lei maior, qual seja a Constituição Federal, mantem-se a ação direta de inconstitucionalidade no âmbito estadual.

“Art. 125. [...] § 2º Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão.”

E a lei 9.968/99, que em seu art. 7º, § 2º, descreve a participação da figura denominada pela jurisprudência e doutrina como amicus curiae:

“Art. 7° Art. 7o Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade.

§ 1° (...)

§ 2° O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgão ou entidades.”

De acordo com o artigo citado acima não se admite a intervenção de terceiros, na ação de declaração de inconstitucionalidade, conforme anteriormente já consagrado no Regimento Interno do STF. Entretanto, não se deve entender que a possibilidade de admissão da manifestação de outros órgãos ou entidades seja uma exceção à regra geral da vedação da intervenção de terceiros.

A intervenção do amicus curiae não pode ser considerada mera intervenção de terceiros, considerando-se a previsão desse instituto no Código de Processo Civil. A razão de ser da figura do amicus curiae é pluralizar o debate, colocar em prática a adoção do princípio democrático, de maneira a permitir que outros órgãos ou entidades possam exercer o seu papel de partícipes nas decisões que apresentam relevância para a toda a sociedade.

Na mesma esteira da previsão inserida no § 2º do art. 7º da Lei 9868/99, há outros dispositivos que ampliam a abertura da participação de outros órgãos no processo de controle objetivo de constitucionalidade, sem, contudo, autorizar a defesa de interesses subjetivos. São eles:

“Art. 6o O relator pedirá informações aos órgãos ou às autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado.

Parágrafo único. As informações serão prestadas no prazo de trinta dias contado do recebimento do pedido.

[...]

Art. 9o Vencidos os prazos do artigo anterior, o relator lançará o relatório, com cópia a todos os Ministros, e pedirá dia para julgamento.

§ 1o Em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos, poderá o relator requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria.

§ 2o O relator poderá, ainda, solicitar informações aos Tribunais Superiores, aos Tribunais federais e aos Tribunais estaduais acerca da aplicação da norma impugnada no âmbito de sua jurisdição.

§ 3o As informações, perícias e audiências a que se referem os parágrafos anteriores serão realizadas no prazo de trinta dias, contado da solicitação do relator.”

Cássio Scarpinella Bueno explica essa abertura do processo objetivo de controle de constitucionalidade:

“A “abertura” do processo da ação direta de inconstitucionalidade, ademais, deve ser entendida quase como uma saudável (e necessária) decorrência do caráter vinculante das decisões proferidas naquela sede e, também, como idéia de que o tão decantado “processo de caráter objetivo”, sem “lide”, sem interesses ou posições de vantagem individualmente analisáveis e capturáveis, que caracteriza esse tipo de ação, não pode significar, pura e simplesmente, a impossibilidade de maior (e necessário) debate sobre as questões que o Supremo Tribunal Federal está para decidir.

[...]

O “terceiro” a que se refere o art. 7º, § 2º, da Lei 9.868/99 não deve ser estudado em confronto com os “terceiros intervenientes”, assim entendidos aqueles que, em nome próprio e por “direito” próprio, que deriva, direta e indiretamente, do que se discute em juízo, buscam intervir em processos alheios. Mas, bem diferentemente, a partir de um contexto em que o que se busca é a produção de melhor decisão jurisdicional, realizada, na medida do necessário, uma instrução quanto à constitucionalidade ou inconstitucionalidade de dada norma. Uma intervenção que se preocupa mais com os efeitos externos e difusos do que for decidido do que, propriamente, com o atingimento desses mesmos efeitos na situação pessoal (na sua esfera jurídica individual) do interveniente.”

Percebe-se que o fundamento desses dispositivos reside em conferir à Corte Constitucional melhores informações para decidir. Nada mais são do que instrumentos que atribuem maior legitimidade às decisões do STF.

A este momento, todo o exposto, nos deixa claro que as normas jurídicas brasileiras estão em um processo de aperfeiçoamento de seus métodos de interpretação, buscando a facilitação na aplicação das leis em paralelo às necessidades decorrentes de uma sociedade de direito. É fato que a Constituição de um Estado, deve ser garantidora de princípios que norteiem a legislação infraconstitucional e os direitos fundamentais de cada cidadão, e para tanto, é necessária a existência da interpretação (hermenêutica) jurídica em sintonia com a sociedade, alcançando-se a mantença da democracia e de seus direitos conquistados.

Em Estados democráticos de direito, como o Brasil o é, a lei deve fluir dos interesses sociais dominantes por meio de seus legisladores (representantes) eleitos de forma direta e democrática, e consequentemente, valendo-se das alterações decorrentes dessa legislação, da hermenêutica constitucional mostrando-se atenta aos anseios oriundos da sociedade.

Afasta-se então, desse conceito, a interpretação positivista de Hans Kelsen na qual não há adequação das normas ao caso apresentado ou ao processo evolutivo inerente a toda e qualquer sociedade. Surgindo em contraponto, um modelo de hermenêutica constitucional por meio da teoria do constitucionalista alemão Peter Häberle, constituída pela ideia do Estado constitucional cooperativo, no qual se busca a proteção dos direitos fundamentais em condescendência as leis e aos interesses sociais, defendendo para isso, espaços no ordenamento jurídico aos tratados supranacionais.

“A teoria da interpretação constitucional esteve muito vinculada a um modelo de interpretação de uma ‘sociedade fechada’. Ela reduz, ainda, seu âmbito de investigação, na medida em que se concentra, primeiramente, na interpretação constitucional dos juízes e nos procedimentos formalizados (HÄBERLE, 1997, p. 12).”

Através do referido método, é prevista a participação de todos os atores políticos, em outras palavras, é dizer que toda e qualquer pessoa que possa ler de forma livre a Constituição acaba por co-interpretá-la, e não apenas o Estado. Para HÄBERLE (1997, p. 15) todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma e que vive com este contexto é, indireta ou, até mesmo diretamente, um intérprete dessa norma. Assim, os cidadãos tornam-se os responsáveis pela difusão cultural, passando de mero espectador à um contribuidor do processo interpretativo constitucional.

Em se tratando de Brasil, a importância do cientista-jurídico Peter Häberle transcende o meio teórico e doutrinário, sendo verificado tanto no contexto legislativo com as leis expostas anteriormente na pesquisa, quanto no Supremo Tribunal Federal em suas audiências públicas. Nesse ponto, o regimento interno da corte em seu artigo 13, XVII e XVIII, dispõe sobre a ideia do instituto do amigo da corte, ainda que não seja nominado de forma direta.

“Art. 13. [...] XVII – convocar audiência pública para ouvir o depoimento de pessoas com experiência e autoridade em determinada matéria, sempre que entender necessário o esclarecimento de questões ou circunstâncias de fato, com repercussão geral e de interesse público relevante, debatidas no âmbito doTribunal;

XVIII – decidir, de forma irrecorrível, sobre a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, em audiências públicas ou em qualquer processo em curso no âmbito da Presidência; [...].”

E antes dessas redações, houveram diversos julgamentos que serviram como fonte de precedentes no direito pátrio a figura do amigo da corte, destacando-se a ADI 748/RS em 1994,de relatoria do Min. Celso de Mello admitindo a presença do amicus curiae por juntada de memoriais, e posteriormente, o voto do mesmo Ministro na ADI n.º 2.777-8 em 2003, defendendo a admissão de terceiros para sustentação oral em processos de ADI na condição de amicus curiae, entre diversas decisões existentes.

Em suma, a teoria da hermenêutica constitucional apresenta prestabilidade junto a Constituição brasileira, entretanto, é perceptível a necessidade de regulamentação e ampliação das ferramentas disponíveis a fim de que se alcance maior efetividade, e com isso cumprir o seu propósito de democratização.

Häberle, ainda no século passado materializou e ampliou a ideia de pluralismo das interpretações em suas diversas obras. Sua proposição é de que a interpretação normativa da Constituição deve se empenhar em integrar-se ao tempo e realidade, não se tornando em algo definitivo, mas sim em uma constante construção. Tal pluralismo ser compreendido como tolerância, isto é, convivência pacífica, não apenas com as diversidades, mas também com as divergências.

Como antes dito, e agora de maneira simplória, com essa sociedade busca-se a interpretação pluralista e democrática, isto é, a interpretação feita por qualquer cidadão que a norma atinja tornando-se estes seus legítimos intérpretes, afastando- se do conceito ultrapassado nos Estados democráticos de direito do inicio do século passado em que apenas o poder judiciário ou órgãos estatais têm legitimidade para interpretar as normas Constitucionais. Não havendo dessa forma, que se falar em nocividade a prestação jurisdicional, dado que neste modelo apresentado e já utilizado pelo Brasil o Estado continuará com a decisão final quanto as possíveis interpretações, mas há de ser visto como um auxílio que assegure a retidão e coerência social dessas decisões.

As constituições imutáveis se tornam ultrapassadas, o direito constitucional contemporâneo mira a ampliação dos processos de efetivação das democracias, não apenas ao que diz respeito a legislação da norma, mas principalmente aos dispositivos que carecem de interpretação. Para HART (1994) nenhuma norma é capaz de ser tão completa a ponto de prescindir de posterior interpretação. Isto significa dizer que as normas podem ser falhas ao não acompanhar as evoluções das sociedades, a própria vida social produz diferentes significados mediante a abertura do texto daquelas normas anteriormente consideradas nítidas e com interpretações tidas como pacíficas.

É notório que mesmo a rigidez da Lei Maior brasileira não a impede de ser maleável e alcançar na prática a ideia da sociedade aberta, segundo apresentado por Härbele. Ao contrário disso, a CRFB/88 se adequa desde o principio aos moldes propostos pelo jurista alemão. À luz da teoria suscitada, é possível observar a aplicação do referido instituto nos julgamentos do Supremo Tribunal Federal, na qual, após admissão pelo tribunal os amigos da corte expressam suas opiniões sobre a matéria.

O que pode ser observado no julgamento ainda em andamento da ADPF 442 que versa sobre a descriminalização do aborto, no qual a ministra Rosa Weber admite mais de 40 terceiros entre pessoas físicas, instituições e organizações para prestarem auxílio a corte apresentando suas manifestações sejam contrarias, ou a favor do tema.

Sobre o tema a Ministra expôs:

“O propósito da audiência pública é incrementar, de forma dialógica e aberta aos atores externos da sociedade, o processo de coleta de informações técnicas, e das variadas abordagens que o problema constitucional pode implicar, bem como a formação ampla do contexto argumentativo do processo, como método efetivo de discussão e de construção da resposta jurisdicional. (Brasília. Supremo Tribunal Federal. ADPF – n.º 442. Rel. Min. ROSA WEBER, Julgado em 04 de junho de 2018).”

Nessa perspectiva, há claramente uma aproximação da ideia tema deste capítulo, observando-se uma verdadeira aproximação com o que é esperado de uma interpretação democrática e participativa social no processo constitucional.

Coadunando com a idéia de Peter Härbele:

“[...] uma Constituição que estrutura não apenas o Estado em sentido estrito, mas também a própria esfera pública, dispondo sobre organização da própria sociedade e, diretamente, sobre setores da vida privada, não pode tratar as forças sociais e privadas como meros objetos. Ela deve integrá-las ativamente enquanto sujeitos [...]. Limitar a hermenêutica constitucional aos intérpretes corporativos ou autorizados jurídica ou funcionalmente pelo Estado significaria um empobrecimento ou um autoengodo (HABERLE, 2002, p. 33-34).”

Assim, o que se coloca em desafio nessa concepção proposta pela sociedade aberta dos interpretes não é simples, todavia é o caminho para a efetivação da democracia contemporânea. É preciso que a co-interpretação constitucional seja ao norte das discussões, onde os destinatários das leis possam perseguir a justiça junto as cortes.

Conclui-se portanto, que os mecanismos de controle de constitucionalidade das leis brasileiras estão estruturados como controles difusos e incidentais, exercidos por magistrados e tribunais de justiça por meio da apreciação dos incidentes de constitucionalidade de normas em casos concretos, e o controle concentrado e abstrato, sendo exercido pelo Supremo Tribunal Federal nos casos das ações diretas de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos federais e estaduais em face da Carta Magna, e ainda, nas ações declaratórias de constitucionalidade podendo também, conforme visto anteriormente, ser exercido o controle pelos tribunais de justiça estaduais, desde que se trate de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos municipais ou estaduais em face da Constituição Estadual.

3. Intervenções de terceiro – amicus curiae no processo civil

Conforme dispõe o doutrinador Marcus Vinicius Rios Gonçalves (2014, p. 209), terceiros podem ser denominados aqueles que não se apresentam como partes da demanda processual, dentre os quais podem ser citados autores, desde que sejam as pessoas que formulem a pretensão em juízo, e réus, pessoas de quem a pretensão é formulada. Há de se ressaltar que existem casos em que aqueles que até então eram terceiros passam a ser consideradas partes pela força exercida por meio da intervenção. Independente da modalidade da intervenção apresentada, aquele que até então não figurava como parte do processo passa a figurar nesta condição.

Assim, a intervenção de terceiro nada mais é do que uma oportunidade legalmente concedida a aqueles que não fazem parte da relação processual, adentrar ao processo por meio de convocação ou requerimento, na defesa de interesses jurídicos próprios ou de uma coletividade.

Atua no processo de três formas diferentes: criando a iniciativa de ajuizá-lo; intervindo em uma ação já existente; e sendo chamado a juízo para ver-se processar. Entretanto, salienta-se que o CPC não obriga o terceiro adentrar a um processo, assim como o juiz não pode por ofício ofertar o terceiro a juízo. Portanto, a intervenção será sempre voluntária, podendo ocorrer apenas nas hipóteses previstas na norma processual cível, não sendo possível o interventor adentrar ao processo apenas por vontade própria, assim indispensável o controle judicial sobre seu ingresso à ação, cabendo ao magistrado deferir ou não sua intervenção ao processo de acordo com as exigências legais.

O ilustríssimo doutrinador Humberto Theodoro Júnior, ainda sobre a égide do Código de Processo Civil Brasileiro do ano de 1973, trazia como hipóteses de intervenção de terceiros a ser descritas:

“Classifica-se a intervenção segundo dois critérios diferentes: I-conforme o terceiro vise a ampliar ou modificar subjetivamente a relação processual, a intervenção pode ser: a) ad coadiuvandum - quando o terceiro procura prestar cooperação a uma das partes primitivas, como na assistência; b) ad excludendum - quando o terceiro procura excluir uma ou ambas as partes primitivas, como na oposição e na nomeação à autoria; II -conforme a iniciativa da medida, a intervenção pode ser: a)espontânea -quando a iniciativa é do terceiro, como geralmente ocorre na oposição e na assistência; b) provocada - quando, embora voluntária a medida adotada pelo terceiro, foi ela precedida por citação promovida pela parte primitiva (nomeação à autoria, denunciação da lide. chamamento ao processo). (THEODORO JÚNIOR, 2012, p.822)”

No Código de Processo Civil de 1973 a intervenção de terceiros encontra-se no Capítulo VI - Da Intervenção de Terceiros, do título II do livro I, tratando das partes e dos procuradores na fase de conhecimento processual. Há ainda outros tipos de intervenção de terceiros que não foram listadas no capítulo supracitado, mas nem por isso possuem natureza jurídica distinta. Assim, as modalidades de intervenção de terceiro do código de 1973 são: recurso de terceiro prejudicado; embargos de terceiros; assistência; denunciação a lide; chamamento ao processo; nomeação à autoria; oposição.

Enquanto que, no Código de Processo Civil de 2015 a intervenção de terceiros encontra-se na parte geral do código, no livro III, título III, no artigo 119 a 138, e tratam de inúmeras modalidades de intervenção, sendo: da assistência, da denunciação da lide, do chamamento ao processo, do incidente de desconsideração da personalidade jurídica e o amicus curiae, além dessas tipificadas como modalidades de intervenção de terceiros ainda há a oposição (arts. 682 a 686), recurso de terceiro prejudicado (art. 996) e os embargos de terceiros (arts. 674 a 681). Assim, a primeira mudança visível é inclusão do incidente de desconsideração da personalidade jurídica e o amicus curiae, assim como, a nomeação à autoria não se encontra tipificada no NCPC/15.

Desta forma, após destacar as principais alterações, os próximos tópicos destacarão cada modalidade prevista no novo Código de Processo Civil de forma individual.

No novo Código de Processo Civil - Lei 13.105/15, a assistência abre o capítulo das intervenções de terceiros. A Assistência é uma modalidade em que um terceiro estranho a relação processual asssita a parte tendo como pressuposto o interesse jurídico, o interessado juridicamente pode adentrar voluntariamente no processo, com desígnio de auxiliar uma das partes, pretendendo um resultado processual satisfatório para a parte que interveio.

Seguido pela denunciação à lide encontra-se normatizada nos arts. 125 a 129, e é modalidade de intervenção que pode ser provocada por qualquer das partes, sendo o denunciante, e um terceiro como denunciado, tendo por escopo o direito regressivo existente em face deste denunciado. Podendo, então, ser considerada uma nova demanda em um processo que já existente.

Adiante, regulamentada nos arts. 130 a 132, o chamamento ao processo é uma intervenção provocada pelo réu a fim de chamar ao processo os coobrigados pela dívida, fazendo-os também responsáveis. Deverá ser feito o chamamento no bojo da contestação, sob pena de preclusão, tem prazo de 30 dias para que impulsione o feito, e é contado a partir do despacho que deferir a citação dos corresponsáveis.

E por fim, antes de adentramos ao tema que interessa de fato, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica como intervenção de terceiro. Previsto nos arts. 133 a 137, e visa a permissão ao patrimônio particular dos sócios objetivando a ampliação das obrigações que esta sociedade assumi.

4. AMICUS CURIAE

Como antes visto, o amigo da corte que outrora era tido como uma modalidade anômala de intervenção ao processo, agora é devidamente regulado e classificado pelo CPC/15 como uma típica intervenção de terceiro.

O Supremo Tribunal Federal o define em seu glossário jurídico como:

“1. Expressão latina que significa "amigo da Corte". Plural: amici curiae. 2. Refere-se à intervenção assistencial em processo judicial por pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, que tenha representatividade adequada para se manifestar nos autos sobre questão pertinente à controvérsia, em casos de relevante interesse social ou que envolvam valores essenciais de grupos ou classes sociais. Embora não seja parte do processo, atuando apenas como terceiro interessado na causa, o amicus curiae possibilita a análise de informações importantes para a solução da controvérsia, permitindo que a Corte decida as causas com o máximo conhecimento possível acerca da matéria. Fundamentação Legal: Artigo 138 do CPC/2015.”

Apesar de estar previsto como intervenção de terceiros, o amicus curiae tem características e intuitos diferentes, porque ele participa do processo judicial com interesse diferente dos terceiros oriundos das outras intervenções. Pois estas, necessariamente manifestam alguma forma de interesse jurídico, enquanto o amicus curiae carece de tanto.

Destaca-se também que, via de regra, os efeitos da ação deveriam alcançar apenas as partes que integram a lide. Cuida-se da contenção da coisa julgada às partes que compõe o processo. Terceiro estranho ao processo, que não pode ser atingido por ele, juridicamente falando. Todavia, o amicus curiae não tem sua juridicidade prejudicada ou abalada de nenhuma forma caso não participe do processo. Pelo menos não necessariamente. Poderá ser atingido de alguma forma, levando-se em consideração toda decisão judicial ter efeito erga omnes, assim, criando de certa maneira um precedente que afetará as pessoas ingressarem em juízo com demandas semelhantes.

O amigo da corte não age com base no interesse de uma das partes, como fazem os assistentes elencados no tópico anterior, mas sim em benefício do direito de um indivíduo. Ele atua em proveito de um interesse, que pode, até mesmo, não ser evocado por ninguém, embora seja associado de forma difusa ou coletiva a um grupo de indivíduos e que pende a ser impactado pela decisão processual.

Seu interesse institucional permite o ingresso do amicus curiae em processo de outrem para que a decisão proferida tenha em consideração os esclarecimentos emitidos sobre a repercussão do que será decidido perante um determinado grupo da sociedade, que estão distantes do litígio e que, pela intervenção aqui discutida, conseguem mesmo que deforma indireta dele participar. Desta forma, não há como dispensar ao amigo da corte um papel de legitimação da própria prestação da tutela jurisdicional vez este apresenta-se ao Poder Judiciário como portador de vozes da coletividade e por vezes do próprio Estado que, sem sua intervenção processual, não seriam percebidas ou se o fossem o seriam de maneira insuficiente pelo juiz.

Assim, o amicus curiae, encontra-se previsto no art. 138 do CPC/2015, e passa a ser admitido no processo independente da natureza do pedido, sua admissão no processo pode se dar de forma espontânea, provocada pelas partes ou de ofício pelo magistrado, desde que presentes os já comentados requisitos de relevância da matéria, especificidade do tema em apreço ou repercussão social da contenda, e ainda, podem ser amici curiae tanto pessoas naturais quanto jurídicas – nestes casos, tanto entes públicos como privados. Para BUENO (2016, p.28), uma grande novidade trazida, é que a admissão da intervenção do amicus curiae não está mais limitada, como no direito anterior ao código de processo civil de 2015, aos casos repetitivos ou perante os Tribunais Superiores ou, ainda, em situações muito especificas da legislação esparsa.

Então, em tese, admite-se a figura do amicus curiae em todas as fases processuais ou grau de jurisdição. Não havendo norma que fixe limite temporal para a participação do amigo da corte, e sua admissão no processo é regrada em sua eficiência em contribuir. Desta forma, apenas como reflexão, a fase processual é relevante, de forma que, naquele momento processual no qual a apresentação de subsídios instrutórios fáticos ou jurídicos já não tiver mais nenhuma relevância, não há por que da admissão deste terceiro interventor.

Já com relação aos poderes processuais e limites da participação o Código não adota uma regra única e rígida, mas determina que deva o magistrado definir os poderes desse terceiro interveniente em consonância com as especificidades do caso concreto, fazendo uma verdadeira ponderação procedimental. Entretanto, há gama mínima de atribuições que lhe são permitidas, são os caso da possibilidade de se manifestar por escrito em quinze dias (art. 138, caput, CPC), e da limitação a interposição de recursos pelos amicus curiae (§§1º e 3º, do art. 138 do CPC), na qual terá legitimidade para propor apenas os embargos de declaração e o incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR.

Diante o exposto, é possível identificar com clareza um avanço positivo trazido pela normatização processual civilista da figura do amigo da corte, talvez esta não tenha sido utilizada em todos esses anos pela falta de enfrentamento legal, pois não parece que seja o caso de um instituto pouco prático. A sensação é justamente a oposta, trata-se de possibilidade grata. É inegável a colaboração desse interventor e que sem seu comparecimento, o processo possivelmente teria um final diferente. Ao que parece, até o momento, não se encontram críticas imperativas ou até mesmo confirmação de prejuízos ao utilizar esta modalidade de intervenção de terceiros.

Considerações Finais

Como visto neste trabalho, o amicus curiae ou amigo da corte encontra-se presente no ordenamento jurídico desde muito tempo atrás. Seja na figura do consilliarius, seja na figura do iuris peritus, sua resistência ao tempo é uma comprovação de sua importância e da necessidade de entendermos o seu papel nas disputas judiciais, de forma a aprimorar este valioso instituto.

Ao debater os diferentes posicionamentos dos doutrinadores e professores chega-se à conclusão de que a visão do amicus curiae como terceiro completamente sem interesse no processo já foi superada, pois ainda que existam casos nos quais irá intervir apenas como auxiliar do magistrado, ele carecerá de algum interesse, caso contrário sua intervenção não teria explicação. No entanto, constatou-se existirem diferentes formas de intervenções, quando o amicus curiae adentra no processo para socorrer um dos polos ou quando irá tão só por conter interesse na causa e independente da intenção de auxiliar quaisquer das partes.

Além disso, quanto a legitimação do direito, assentada no exercício da liberdade e proteção dos direitos individuais e coletivos, pode-se confirmar que o amicus curiae encarrega-se de papel fundamental na redemocratização do direito dando voz àqueles que não figuram de forma direta à lide mas que dela podem participar indiretamente, seja por interesse institucional ou por interesse jurídico. Corroborando à este entendimento, o Ministro Gilmar Mendes do Supremo Tribunal Federal, afirma em sua decisão da ADI 3842 MG que:

“Não há dúvida, outrossim, de que a participação de diferentes grupos em processos judiciais de grande significado para toda a sociedade cumpre uma função de integração extremamente relevante no Estado de Direito. A propósito, Peter Häberle defende a necessidade de que os instrumentos de informação dos juízes constitucionais sejam ampliados, especialmente no que se refere às audiências públicas e às "intervenções de eventuais interessados", assegurando-se novas formas de participação das potências públicas pluralistas enquanto intérpretes em sentido amplo da Constituição.”

Assim, a intervenção do amicus curiae, seja no âmbito constitucional ou processual civil, é mais um instrumento a fim de democratizar o processo judicial. Afinal de contas, não é mais admissível um processo dogmático, regido por um juiz como se só a este interessasse seus efeitos. É preciso que os atores processuais, de maneira coparticipativa, construam juntos o resultado do processo, exibindo-se um mecanismo de realização e preservação dos direitos assegurados pela Constituição da República Federativa do Brasil.

Dito isto, o que foi debatido ao longo deste artigo demonstra-se de grande valia, pois além do sentido democrático de sua integração ao processo, o amicus curiae aperfeiçoa o discurso/debate apresentando aos autos com informações e experiências políticas, jurídicas, sociais, culturais, técnicas e econômicas significantes, além de, sua admissão fortalecer o contraditório e a ampla defesa valoriza também o princípio da fundamentação racional das decisões.

REFERÊNCIAS

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Data da conclusão/última revisão: 2/5/2019

 

Como citar o texto:

MASCARENHAS, Lucas Resende Rocha; BARBOSA, Igor de Andrade..Amicus curiae: uma análise processual e democrática de sua intervenção. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1619. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-civil/4432/amicus-curiae-analise-processual-democratica-intervencao. Acesso em 8 mai. 2019.

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