Resumo: Esta pesquisa teve por objetivo compreender como os doutrinadores e a jurisprudência brasileira tem aplicado a responsabilidade civil aos negócios firmados no comércio eletrônico por meio de sites de intermediação de compra e venda. No comércio eletrônico os sites de intermediação de compra e venda de produtos e serviços facilitam e aproximam os consumidores e fornecedores, e assim, com o crescimento dos negócios virtuais, cabe distinguir as modalidades existentes. O Código Civil aborda as maneiras de responsabilização e reparação dos danos nos negócios jurídicos. O Código de Defesa do Consumidor regulamenta as relações consumerista e o Marco Civil da Internet é a lei que trouxe um enfoque quanto ao uso da internet no país. Porém, há uma ausência legislativa no que se refere a responsabilidade dos sites intermediadores, e a aplicação ou não do dispositivo ficou a cargo da doutrina e jurisprudência. Para o desenvolvimento da pesquisa a metodologia utilizada foi exploratória, bibliográfica e documental, aplicada, qualitativa, método dedutivo e comparativo.

Palavras-chave: E-commerce; Responsabilidade Civil; Sites de intermediação.

Abstract: The purpose of this research was to understand how Brazilian legal scholars, using the jurisprudence, have applied the civil responsibility to businesses transactions conducted over the internet, through e-commerce companies, that intermediate purchases and sales of products. In the internet, the e-commerce companies, intermediating these purchase and sale of products and services, not only facilitate the transactions, but help to bring together consumers and suppliers, contributing to the expansion and the growth of virtual businesses, hence the necessity to discuss and distinguish the existing modalities and their responsibilities. The Brazilian Civil Code addresses ways to determine the liability and compensation for damages in the legal business. The Brazilian Consumers Protection Defense Code regulates the market purchase and sales processes and the Brazilian Civil Rights Framework for the  Internet is the law that has brought a focus on the use of the Internet in the country. However, there is still a lack of legislation concerning the responsibility of these intermediary sites, and the decision whether to enforce or not the Brazilian Civil Rights Framework for the  Internet, on e-commerce related disputes, was left up to the use of the brazilian doctrines and jurisprudences. For the research development, the methodology used was exploratory, bibliographic and documentary. It was applied, qualitative, deductive and comparative methods.

Keywords: E-commerce; Civil Responsability; Intermediation sites.

INTRODUÇÃO

            A revolução da internet ampliou o conhecimento, propiciou a rapidez e facilidade no acesso a diversas informações e proporcionou novas formas de comunicação nas relações sociais, econômicas e etc. Assim, surgiu nas relações de consumo uma nova modalidade de comércio, o e-commerce. Nessa modalidade os negócios não são firmados presencialmente, ao contrário, utilizam das plataformas digitais, tais como os sites.

No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor é a lei principiológica que garante proteção aos consumidores. Proteção advinda da Carta Magna, visto que, estes são considerados vulneráveis e hipossuficientes diante dos vendedores. Uma vez que, em toda e qualquer relação consumerista as partes estarão sujeitas a problemas.

Quanto ao comércio eletrônico, outros dispositivos legais surgiram para suprir lacunas deixadas no CDC após a expansão das relações de consumo eletrônica. E muito se discute sobre problemas enfrentados pelos consumidores frente aos fornecedores de produtos ou prestadores de serviços virtuais. Aqueles recorrem ao judiciário a fim de solucionar as dificuldades que surgem do negócio.

A legislação consumerista brasileira garante a responsabilização dos vendedores, por exemplo, quando o produto apresentar vício ou defeito. Mas foi omisso no que tange a responsabilidade de sites intermediadores de compra e venda, como o Mercado livre. Portanto, até uma regulamentação legal, o objetivo da pesquisa foi compreender de que maneira os doutrinadores e a jurisprudência têm entendido a aplicação da responsabilidade civil aos sites de intermediação.

1. DO COMÉRCIO ELETRÔNICO

O considerável avanço tecnológico e científico vivenciado nas últimas décadas ocasionou o surgimento da internet, e por meio desta, vários negócios começaram a ser realizados no plano virtual. No que tange os negócios voltados para o comércio, estes obtiveram uma nova modalidade conhecida como comércio eletrônico.

Com finalidade de definir a expressão “comércio eletrônico” necessário se faz, em primeiro lugar, conceituar as palavras que a compõem.  “O comércio pode ser visto como o conjunto de trocas e compras e vendas objetivando ganhos e/ou satisfações” (TEIXEIRA, 2015, p. 21). Após um longo processo de evolução de regras, baseadas nos usos e costumes que acarretou a troca e a compra e venda de bens, produtos e serviços, a fim de obter lucro e satisfazer vontades, surgiu o comércio e consequentemente um ramo do Direito, o direito comercial.

Com relação à palavra eletrônico, derivada de “eletrônica”, consiste nos circuitos elétricos estudados pela física. A comunicação eletrônica, ou ainda, comunicação de dados via computador é feita através de impulsos elétricos. Portanto, o comércio efetuado por meio de uma comunicação provocada por impulsos elétricos utilizou-se do termo “eletrônico”. 

Também denominado de e-commerce ou comércio virtual, no comércio eletrônico são firmados negócios, habitualmente de compra e venda de produtos e serviços realizados por intermédio de meios digitais, vez que anterior à expansão da internet efetuavam-se presencialmente. Portanto, o e-commerce é

[...] uma extensão do comércio convencional, tratando-se de um ambiente digital em que as operações de troca, compra e venda e proteção de serviço ocorrem com suporte de equipamentos e programas de informática, por meio dos quais se possibilita realizar a negociação, a conclusão e até a execução do contrato, quando for o caso de bens intangíveis (TEIXEIRA, 2015, p. 25).

Numa definição mais objetiva, “a expressão ‘comércio eletrônico’ designa os negócios realizados por via eletrônica. Baseia-se no processamento e transmissão eletrônicas de dados, incluindo texto, som e imagem” (ROCHA, 2005, p. 38). 

O e-commerce tornou-se uma modalidade do comércio em que os negócios são concretizados a distância, através da rede mundial de computadores, e contemplam outros meios eletrônicos como o uso do cartão de crédito, as transferências bancárias, o telefone fixo, o celular e smartphone, tablet, a televisão entre outros. Com o advento da tecnologia os meios eletrônicos foram aprimorados e resultou na praticidade encontrada na atualidade.

1.1.            Evolução histórica do comércio

Outrora, os usos e costumes das antigas civilizações foram fundamentais para formação e consolidação de regras que resultou no comércio convencional. A origem manifestou-se com a permuta de produtos não industrializados, os in natura. Posteriormente, utilizava-se de produtos, por exemplo, o sal e o gado, como forma de pagamento para a aquisição de outros produtos. Conforme Teixeira dispõe (2015), no período medieval o comércio local deu espaço para as feiras, as expedições marítimas e as caravanas terrestres importantes para expansão da comercialização de diversos bens e de suas regras jurídicas, e a figura de um intermediário tornou-se visível, o comerciante estrangeiro.

A Revolução Industrial foi um marco histórico relevante do crescimento em massa da circulação de produtos o ritmo de produção das mercadorias acelerou e inevitavelmente o consumo aumento. No início do século XX, período da Segunda Guerra Mundial, a precisão dos militares de um instrumento destinado a facilitar a transmissão de mensagens criptografadas e também reconhecimento de outras, produziu o computador. No período de Guerra Fria, o aperfeiçoamento e eficiência em transmitir essa comunicação deu início ao processo de idealização da internet.

Em alguns anos, houve a criação de um programa capaz de enviar mensagens eletrônicas ou e-mails. Em 1987, o governo norte-americano liberou o uso comercial da internet. Portanto, toda a fase de evolução do comércio desde a antiguidade até a chamada “era da globalização”, o advento de novas tecnologias e o largo acesso à rede mundial de computadores influenciou tanto na origem do comércio virtual quanto em seu engrandecimento. As diversas maneiras de negociação, a agilidade dos serviços, o baixo custo da publicidade e vários outros fatores corroboram para o alargamento dos serviços comerciais.

1.2.            A aplicação do código de defesa do consumidor ao e-commerce

O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 garantiu a proteção do consumidor no que dispôs “Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor” (BRASIL, 1988, s/p). O artigo 5° da Carta Magna versa sobre o rol de direitos fundamentais do cidadão e tem incluído como cláusula pétrea a defesa do consumidor.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; (BRASIL, 1988, s/p).

Ainda na Constituição (1988), o artigo 170 do capítulo Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica prevê o Princípio da Defesa do Consumidor. Diante disso, em 11 de setembro de 1990 foi promulgada a Lei n° 8.078, isto é, o Código de Defesa do Consumidor e têm reflexos nas relações jurídicas que envolvam consumidores e fornecedores de produtos e serviços. Nunes (2018) destaca que o CDC como lei principiológica faz um recorte horizontal dos princípios e garantias constitucionais, com o intuito de tornar explícito e concretizar os comandos da Constituição nas relações de consumo.

Em relação à aplicação do CDC ao comércio eletrônico, este traz em seu texto princípios, regras e definições imprescindíveis nas relações consumeristas. Para compreender quem é consumidor e fornecedor, e o que são produtos e serviços na relação jurídica de consumo, os artigos 2° e 3° do CDC estabelecem que,

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

[...]

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista (BRASIL, 1990, s/p).

O CDC ainda apresenta figuras equiparadas ao conceito de consumidor nos art. 2° parágrafo único, arts. 17 e 29 e considera-se a coletividade de pessoas. Com o intuito de estabelecer a aplicabilidade da lei consumerista ao comércio virtual, importante mencionar os contratos de consumo, e consequentemente os contratos eletrônicos.

Para Martins (2016) o contrato de consumo é uma expressão empregada para abranger aquelas relações contratuais entre consumidores e fornecedores. Logo, o primeiro é o destinatário final do produto ou serviço oferecido pelo segundo. O contrato eletrônico é uma nova forma contratual efetuada por meio de computadores. Conclui-se que o contrato eletrônico nada mais é do que espécie de contrato de consumo de modo que far-se-á pela internet.

Somente com o Decreto n° 7.962 de 15 de março de 2013 ficou regulamentado o comércio eletrônico na legislação consumerista brasileira. Devido à expansão e a ausência de regras específicas do e-commerce, o decreto veio sanar o vazio legislativo sobre o tema,

[...] abrangendo na sua principiológica (art. 1°) os seguintes aspectos: (i) informações claras a respeito do produto, do serviço e do fornecedor; (ii) atendimento facilitado ao consumidor, e (iii) respeito ao direito de arrependimento (MARTINS, 2016, p. 215).

Pensa-se que o Decreto n° 7962/13 veio com especificações para resguardar a vulnerabilidade dos consumidores que fazem uso da internet e suprimir incertezas dessa modalidade de comércio, mesmo quando o próprio CDC já previa princípios e regras de proteção aos consumidores.

Nunes (2018) destaca aspectos pré-contratuais, contratuais e pós-contratuais implementados pela legislação, como os direitos básicos na contratação de compras pela internet. As informações necessárias para oferta ou conclusão de contrato de consumo eletrônico, também aplicadas aos sites de compras e vendas coletivas, além de outras. Os requisitos que o fornecedor tende a cumprir com propósito de facilitar o atendimento ao consumidor e o direito de arrependimento desse.

[...] O maior benefício trazido pelo decreto está no fato de que agora os sites e estabelecimentos virtuais de consumo devem dispor de forma clara e transparente diversas informações que anteriormente não eram facilmente encontradas e que permitem ao consumidor obter uma melhor contrapartida dos fornecedores (JENSEN, 2014, p. 29-30). 

Desse modo, aprimora as relações de consumo entre os envolvidos e, por conseguinte, oferece proteção e segurança jurídica aos usuários do comércio eletrônico, o que adquiriu maior concretude com o advento do Marco Civil da Internet em 2014.

1.3.            O marco civil da internet e o comércio eletrônico brasileiro

Marco Civil da Internet é a nomenclatura da Lei n° 12.965/2014 promulgada em 23 de abril de 2014 que de forma generalizada rege princípios, garantias, conceitos, direitos e deveres para o uso da internet no país. A facilidade e amplitude do acesso à internet agregou a legislação brasileira disposições quanto a provisão de conexão e de aplicações de internet e a atuação do Poder Público.

A lei regula as questões pertinentes, a título de exemplo, relacionadas ao respeito á liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento. Ao passo que garante proteção a privacidade e aos dados pessoais. Quanto ao comércio virtual propriamente dito tratou de maneira genérica, sem aprofundar nas diversas possibilidades de contratos de compra e venda de produtos e serviços prestados.

A grande problemática que envolve o comércio eletrônico e as contratações que advém dessa modalidade de consumo se encontra exatamente no meio em que as negociações se dão. Com a desterritorialização das transações e as novas tecnologias sendo aplicadas, os meios de segurança anteriormente utilizados e o aumento das possibilidades de fraudes que o consumidor fica sujeito, gera o anseio de ver regulamentada essa nova modalidade de consumo e a aplicação, até então inexiste, de uma legislação específica para o e-commerce (JENSEN, 2014, p. 39).

Assegura-se no capítulo dos direitos e garantias do usuário, artigo 7°, inciso XIII do MCI a “aplicação das normas de proteção e defesa do consumidor nas relações de consumo realizadas na internet” (BRASIL, 2014, s/p). Diante disso, a lei enfatizou previsões anteriores da Carta Magna e do CDC, e a aplicabilidade dessas leis as relações de consumo virtuais têm ocorrido na doutrina e jurisprudência brasileira.

O Marco Civil apresenta regras e princípios para a utilização da internet no Brasil, em consequência engloba o comércio eletrônico que faz parte do vasto mundo virtual. Traça diretrizes para os agentes que atuam na área, como os provedores de conexão e de aplicações de internet. Frisa-se que um dos princípios que resguardam o consumo no e-commerce, nos termos da lei, é a responsabilidade dos agentes de acordo com suas atividades.

2. DA RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade civil surge pelo descumprimento de uma obrigação. Logo, a obrigação decorre da vontade entre pessoas (partes) ou da legislação, e deve ser cumprida de forma espontânea. O descumprimento da obrigação incide na responsabilidade, “pela desobediência de uma regra estabelecida em um contrato, ou por deixar determinada pessoa de observar um preceito normativo que regula a vida” (TARTUCE, 2018, p. 515).

Para Azevedo (2011) o inadimplemento culposo de uma previsão legal, de uma obrigação legal ou contratual, ou de risco para os direitos de terceiro(s) acarreta na responsabilidade civil de indenizar o dano moral ou patrimonial.

De acordo com o Código Civil, a doutrina civilista subdivide a responsabilidade em contratual e extracontratual ou aquiliana. A primeira é regida pelos interesses particulares, por exemplo, a vontade das pessoas que firmam um contrato. A segunda é pautada na conduta de respeitar o direito de terceiros e obedecer às normas jurídicas. Ambas prezam pelo dever de indenizar em decorrência do dano patrimonial ou moral.

A responsabilidade extracontratual separa-se em objetiva e subjetiva. Esta se baseia na Teoria da culpa, regra geral no ordenamento jurídico brasileiro, “é necessário a comprovação da sua culpa genérica, que inclui o dolo (intenção de prejudicar) e a culpa em sentido restrito (imprudência, negligência ou imperícia)” (TARTUCE, 2018, p. 598). A teoria da Culpa para o Direito Civil pressupõe a culpa stricto sensu, isto é, negligência, imprudência ou imperícia. E o dolo que é a vontade de praticar um ato que descumpra a lei e ocasione prejuízo.

Na responsabilidade objetiva é dispensado o elemento culpa e a teoria adotada é a do risco, o parágrafo único do artigo 927, do CC prevê que

[...] haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem (BRASIL, 2002, s/p).

As hipóteses de incidência da responsabilidade objetiva são previstas em lei, e baseada em várias modalidades de riscos. Diante do exposto, a responsabilidade é um dos institutos do ramo do Direito Civil, mas surge em diversos ramos da ciência jurídica, o que se verá nas relações consumeristas.

O CDC trouxe uma inovação na questão de responsabilidade civil na codificação brasileira, qual seja, unificou a subdivisão que o CC de 2002 trouxe do anterior. Entendeu-se que

[...] representa uma superação desse modelo dual anterior, unificando a responsabilidade civil. Na verdade, pela Lei Consumerista, pouco importa se a responsabilidade civil decorre de um contrato ou não, pois o tratamento diferenciado se refere apenas aos produtos e serviços (TARTUCE, NEVES, 2018, p. 156).

A lei consumerista não adotou o modelo dualista de responsabilidade extracontratual e contratual, e devido à proteção e defesa do consumidor prevê que esse não tem o ônus de provar a culpa dos fornecedores de produtos ou prestadores de serviços. “Essa responsabilidade objetiva gera uma inversão automática e legal do ônus da prova, não havendo necessidade de o consumidor demonstrar o dolo ou a culpa do fornecedor ou prestador” (TARTUCE, NEVES, 2018, p. 159).

Como regra, foi adotada a responsabilidade objetiva do parágrafo único do art. 927, do CC, que independe de culpa e possui previsão expressa em lei, em oposição ao CC. Porém, há uma exceção em que se aplica a responsabilidade subjetiva nas relações de consumo, tratam-se dos profissionais liberais prestadores de serviço do art. 14, § 4º, do CDC

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

[...]

§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa (BRASIL, 1990, s/p).

De acordo com Nunes (2015), os profissionais liberais são caracterizados pela não subordinação, sendo pessoal a prestação de serviços, o atendimento profissional é feito segundo regras próprias, tudo em conformidade com leis, principalmente as que regem a categoria profissional de cada um deles. Portanto, a própria denominação sugere que são possuidores de certa liberdade, nos limites da legislação e difere das outras categorias. Esses ficam em posição de vulnerabilidade por prestarem serviços de caráter pessoal, e deve ser provada a culpa para ensejar a responsabilidade, neste caso, subjetiva.

O parágrafo único do art. 7° do CDC dispõe que “tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo” (BRASIL, 1990, s/p). Logo, nas relações consumeristas, regra geral, é adotada a solidariedade entre os fornecedores de produtos ou se for o caso, os prestadores de serviços.

A responsabilidade pelo fato do produto (defeito) é a exceção, e ocorre que o fabricante possui responsabilidade imediata, enquanto a do comerciante é mediata ou subsidiária. Estabelece o art. 12 do CDC,

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos (BRASIL, 1990, s/p).

Portanto, no artigo seguinte da referida lei estão previstas as três hipóteses de subsidiariedade do comerciante: quando não for possível a identificação de um dos sujeitos referidos no artigo citado acima; ou a ausência de identificação clara desses sujeitos no produto; e ainda, quando o comerciante não conservar os produtos perecíveis adequadamente.

Outro ponto importante se refere às hipóteses de excludentes de responsabilidade civil nas relações de consumo. A culpa exclusiva da vítima, isto é, do próprio consumidor ou de terceiro são hipóteses de responsabilidade objetiva. O caso fortuito e força maior são foram previstas no CDC como excludentes, conforme se observa no art. 14, §3°.

Em linhas gerais, o código consumerista brasileiro regulamentou vários dispositivos para garantir a proteção dos consumidores, haja vista, que são hipossuficientes e vulneráveis. Com base em princípios advindos da Constituição Federal de 1988 trouxe direito e deveres aos consumidores, fornecedores e prestadores, a responsabilidade civil e suas excludentes. Esses institutos também são aplicados ao comércio realizado pela internet por ser uma modalidade das relações de consumo regidas pelo CDC.

2.1.            A responsabilidade civil e sua relação com o e-commerce

Nas relações de consumo realizadas pela forma virtual, a responsabilidade é tratada pela lei do MCI aos provedores. Teixeira (2015) emprega nomenclatura diferente da legislação, aos provedores de conexão trata de provedores de acesso, enquanto os de aplicações de internet de provedores de conteúdo.

“Os provedores de acesso, aqueles que oferecem o serviço de conexão à rede, não serão responsabilizados pelos atos danosos de seus usuários” (TEIXEIRA, 2015, p. 93). Esses oferecem acesso à internet aos computadores e demais dispositivos que necessitem, portanto a responsabilidade ocasionada por dano dos usuários do serviço não atinge os provedores de acesso.

Quanto aos provedores de conteúdo também não serão responsabilizados a menos que descumpram ordem judicial de remoção do conteúdo.

Já os provedores de conteúdo, os que disponibilizam e armazenam informações criadas por terceiros ou meios próprios (sites, blogs, redes sociais), não poderão ser responsabilizados pelo teor do que armazenados pelos seus usuários (terceiros), exceto se não houver a remoção, no prazo fixado, por determinação judicial (TEIXEIRA, 2015, p. 93).

Teixeira (2015) explica que como regra a lei do MCI não estabeleceu a responsabilidade civil objetiva ao comércio eletrônico, ao contrário, do CDC nas relações de consumo em geral. Para aplicar a responsabilidade objetiva é necessário previsão em lei, e neste caso, a falta de previsão legal aos provedores afasta a responsabilidade objetiva e remete-se a aplicação como regra geral da subjetiva.

Sem dúvida aplicam-se as normas do CDC às relações firmadas na internet (incluindo as que são objeto de regulamentação pelo Marco Civil). Contudo, a responsabilização objetiva [...] tem cabimento nas hipóteses previstas em lei. E, em se tratando de internet, o Marco Civil é uma lei especial em relação à generalidade do CDC. Assim sendo, não tendo a Lei n. 12.965/2014 estabelecido responsabilidade aos provedores, a estes caberá a regra da responsabilidade subjetiva (TEIXEIRA, 2015, p. 98).

Salienta-se que, a lei n° 12.965/2014 estabeleceu a responsabilidade dos provedores de conexão e de aplicações de internet, respectivamente nos arts. 18 e 19. E colocou um ponto final, nas divergências jurisprudenciais e doutrinárias quanto à aplicação ou não da responsabilidade do provedor por dano causado por terceiro. Com exceção da responsabilização do provedor de aplicações de internet que não retirar o conteúdo após ordem judicial.

Conclui-se que, a lei adotou a responsabilidade subjetiva tendo em vista a ausência da previsão legal que independa de culpa. Porém, não há definição em relação aos sites de intermediação de compra e venda, e por vezes os entendimentos da doutrina e jurisprudência se divergem.

3. DOS SITES DE INTERMEDIAÇÃO DE COMPRA E VENDA NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

A ascensão da internet trouxe uma nova modalidade de comércio, o e-commerce, que cada vez mais, ganha adeptos pela facilidade de acesso, a rapidez em comparar preços e a ampliação da circulação de mercadorias e serviços que se tornou praticamente sem fronteiras no mundo. Através de ferramentas digitais, como os sites, são divulgados produtos e serviços online, e alguns deles fazem a intermediação dos negócios entre fabricantes e consumidores.

O comércio eletrônico tem se desenvolvido em larga escala, por meio da utilização de sites especializados em promover a aproximação de vendedores e compradores. Esses sites têm como atividade comercial a intermediação dos negócios entre as partes. Embora existam diversos empreendedores que ofertam produtos e serviços na Internet em nome próprio, merece especial atenção os sites que se apresentam como um mero local de encontro (PEREIRA, 2017, p. 43).

O intermediário é aquele que estabelece um vínculo entre partes, no caso, entre comprador e vendedor primário, isto é, aquele que produziu a mercadoria. “Trata-se de uma expressão genérica que contempla qualquer pessoa que esteja na cadeia distributiva de um bem ou serviço; qualquer pessoa que esteja entre o fabricante e o destinatário final do bem” (TEIXEIRA, 2015, p. 103).

No comércio eletrônico as relações de consumo envolvem consumidores, fornecedores de produtos ou prestadores de serviço, dentre estes os sites intermediários de compra e venda virtuais. Estes ganharam espaço devido à diversidade de bens, consumidores e fornecedores divulgados.

Estes sites oferecem na verdade um espaço onde outros fornecedores anunciam seus produtos a título oneroso e que tem por escopo facilitar e aproximar as partes contratantes do e-commerce, intermediando ainda a negociação por meio de mecanismos próprios, a exemplo do Mercado Livre.

[...]

Existem ainda os sites de comércio eletrônico que se originam de lojas físicas que, buscando aumentar sua abrangência de vendas, cria seu próprio sítio eletrônico a fim de anunciar e vender seus produtos (JENSEN, 2014, p.48-49).

Os sites de intermediação de compra e venda de produtos ou serviços pela internet desenvolvem papel de revender, ou ainda, aproximar os polos da negociação. Tanto é que Teixeira (2015) ao abordar as modalidades de negócio pela internet classifica as operações de compras virtuais em estabelecimentos virtuais, compras coletivas, classificados, comparadores de preços e intermediários, e mais, divide os últimos em revendedores e aproximadores. Expõe que a lei do MCI, ao definir o que vem a ser provedor de aplicações na internet inclui os intermediários no conceito. A remuneração far-se-á baseada no valor anunciado da mercadoria. 

No âmbito jurídico surgem vários fatores que acarretam danos aos consumidores de sites de intermediação de compra e venda. Tendo em conta, ausência de lei disciplinadora sobre o tema, no que tange essa modalidade de comércio eletrônico far-se-á pela doutrina e jurisprudência.

3.1. Aplicação da responsabilidade civil aos negócios de intermediação pela internet

O comércio realizado pela via eletrônica está sujeito há litígios, na medida em que, as partes firmam negócios sem um contato presencial, e isto, gera insegurança e facilita a ocorrência de fraudes. Com a facilidade de acesso e a ampla variedade de contratos eletrônicos implicou no crescimento de demandas judiciais por consequência das celebrações de negócios virtuais.

Problemas com os produtos e serviços como vício ou defeito, a entrega do bem em endereço distinto do informado pelo consumidor, a ausência no cumprimento do prazo de entrega ou até a não entrega, ou ainda o recebimento de objeto distinto do comercializado, são exemplos corriqueiros enfrentados pelos consumidores virtuais.

Com a expansão dessa modalidade de comércio surgiram sites especializados em auxiliar na negociação entre comprador e fornecedor, denominados sites de intermediação de compra e venda virtuais. 

Essa nova rede de encontro e distribuição está cada dia maior e mais complexa, exigindo uma regulação jurídica. Um dos pontos identificáveis nessa rede é justamente a figura do intermediador, que geralmente é acionado quando a relação virtual necessita da tutela jurisdicional para solucionar litígios (PEREIRA, 2017, p. 43).

Antes de mais nada, a ausência de legislação que especifica o instituto da responsabilização das páginas de intermediários de compra e venda na internet poderia gerar certa insegurança jurídica, devido a existência de posicionamentos divergentes no âmbito jurídico. De tal forma que,

[...] a doutrina restringe o estudo sobre a responsabilidade dos provedores de conteúdo aos que hospedam vídeos e mensagens de cunho não comercial, não alcançando os provedores de conteúdo com o viés de intermediação em compras pela internet (TEIXEIRA, 2015, p. 283).

Além disso, os sítios eletrônicos com finalidade de intermediar compras utilizam de variadas estratégias publicitárias a fim de chamar a atenção dos consumidores

[...] para estimular a adesão aos contratos com os promitentes vendedores. Isso porque sua remuneração advém tanto da publicidade veiculada em seu sítio eletrônico, quanto nas porcentagens das vendas realizadas (PEREIRA, 2017, p. 44).

Por esses motivos, faz-se necessário compreender a aplicação da responsabilidade civil da doutrina e jurisprudência brasileira aos intermediadores de negócios na internet. Teixeira (2015) aborda que a inclinação da doutrina é pela não responsabilização, e estabelece um paralelo com os provedores de conteúdo. Seguindo os preceitos legais são condenados apenas em caso de descumprimento de determinação judicial para retirada de informações ilegais da página da internet cometidos por ato ilícito de terceiro.

O mencionado autor chega a conclusão

[...] que as atividades de intermediação realizadas na internet têm enquadramentos jurídicos distintos. [...] Para fins de relação de consumo, como comerciante que opera eletronicamente, sua responsabilidade é objetiva (teoria do risco), porém, subsidiária, pois é cabível tão somente nos casos de má conservação do produto perecível ou não identificação adequada do fornecedor antecedente (fabricante, produtor, construtor ou importador), de acordo com o art. 13 do Código de Defesa do Consumidor. Trata-se de situações em que o comerciante, por sua negligência, é equiparado a produtor. Nos demais casos, será́ aplicado o regime ordinário da responsabilidade subjetiva aos intermediários do comércio eletrônico no Brasil (TEIXEIRA, 2015, p. 312).

Para Jensen (2014) também se aplica a teoria do risco à atuação dos sites de intermediação. Com base na dificuldade em averiguar e comprovar culpa, a responsabilidade seria objetiva,

[...] face à impossibilidade técnica de apurar a culpa a cada nova modalidade de consumo inserida no mercado, buscou-se a distribuição do ônus dos riscos sociais pela imputação objetiva de responsabilidade entre os fornecedores que lucram diretamente com a atividade danosa (JENSEN, 2014, p. 49).

Portanto, entende-se caber aos fornecedores que auferem lucro responderem pela responsabilidade objetiva, devido ao risco da atividade que exercem, sem necessidade da comprovação de culpa. Essa teoria do risco da atividade foi adotada pelo Código de Defesa do Consumidor, na medida em que, o fornecedor que obtiver lucro ou vantagem com sua atividade deverá então assumir o risco decorrente dessa.

Devido à lacuna na legislação brasileira em não abordar pontualmente a imputação da responsabilidade civil aos sites de intermediação de compra e venda no comércio eletrônico brasileiro, ficou a cargo da doutrina e da jurisprudência o enfoque. O dissentimento de doutrinadores e de decisões dos tribunais gera incerteza e propicia o julgamento de lides semelhantes de maneiras diferentes. Importante constatar as situações envolvendo os sites intermediadores e as partes, as informações prestadas na plataforma virtual dos provedores, as pertinentes aos produtos ou serviços e aos vendedores, a fim de concluir pela aplicação ou não do instituto.

No que se refere às decisões do judiciário brasileiro depara-se com divergências em relação à reparação de eventuais danos ocasionados aos consumidores. Num primeiro viés “algumas decisões judiciais, que impõem responsabilidade aos intermediários de compra pela internet, fundamentam-se no fato de o consumidor ser atraído pelo site intermediário em razão da confiança nele depositada” (TEIXEIRA, 2015, p. 306). Defende-se que, incide a responsabilidade do intermediário, além da do vendedor, pela falha na prestação do serviço decorrente do site em não garantir segurança e proteção ao consumidor que depositou expressiva confiança nele.

No segundo viés, considera-se a não aplicabilidade da responsabilidade, na medida em que, os negócios são livremente firmados entre comprador e vendedor. Tomado como exemplo, o caso do produto não ser recebido pelo consumidor, quem detinha o bem era o vendedor e este era obrigado a cumprir com o objetivo do negócio. Sendo o papel do intermediário somente de aproximar as partes através de sua ferramenta virtual, tanto é que, não participa das operações financeiras efetuadas durante a negociação.

O Superior Tribunal de Justiça possui em sua jurisprudência teses firmadas por seus órgãos julgadores em acórdãos que se tornaram informativos referentes à problemática.  No que tange a responsabilidade civil dos provedores de busca ou pesquisa, de acordo com a doutrina e jurisprudência, são considerados espécies de provedores de conteúdo, inseridos no que a legislação denominou de provedores de aplicações, reconhecido pela lei do Marco Civil da Internet. Sendo feita uma ponderação para cada modelo de negócios virtuais, a exemplo do julgado que chegou ao Tribunal Superior através de recurso especial em 2016.

CIVIL E CONSUMIDOR. INTERNET. RELAÇÃO DE CONSUMO. INCIDÊNCIA DO CDC.GRATUIDADE DO SERVIÇO. INDIFERENÇA. PROVEDOR DE PESQUISA VOLTADA AO COMÉRCIO ELETRÔNICO.   INTERMEDIAÇÃO.  AUSÊNCIA.  FORNECEDOR.  NÃO CONFIGURADO. 1.  Ação ajuizada em 17/09/2007. Recurso especial interposto em 28/10/2013 e distribuído a este Gabinete em 26/08/2016.2. A exploração comercial da Internet sujeita as relações de consumo daí advindas à Lei nº 8.078/90.3. O fato de o serviço prestado pelo provedor de serviço de Internet ser gratuito não desvirtua a relação de consumo.4. Existência de múltiplas formas de atuação no comércio eletrônico.5.  O provedor de buscas de produtos que não realiza qualquer intermediação entre consumidor e vendedor não pode ser responsabilizado por qualquer vício da mercadoria ou inadimplemento contratual (STJ –REsp n° 1444008 – RS(2014/0064646-0), Relatora: Ministra Nancy Andrighi, Data e Julgamento: 25/10/2016, Terceira Turma, Data da Publicação: 09/11/2016).

O voto da ministra relatora em sede de recurso especial foi acolhido com unanimidade pelos demais ministros que compuseram a turma julgadora. Em suma, entende pela aplicabilidade do CDC aos negócios feitos em ambiente virtual, até aos provedores que prestam serviço de maneira gratuito, posto que há uma contraprestação indireta, por meio dos espaços publicitários disponibilizado pelos sites. Também discorre sobre os contratos eletrônicos, cujo quais não possuem as peculiaridades e formalidades presentes nos contratos comuns elaborados presencialmente.

Diferencia os serviços de busca na internet entre sites onde encontram os produtos e serviços ofertados de forma intermediária, daqueles com finalidade de comparar preços, e que de modo algum realizam intermediação entre consumidores e fornecedores. Ao tratar da responsabilidade, diante dos diferentes modelos de negócios existentes na esfera virtual, o entendimento da Turma é pela não responsabilização dos provedores de busca virtuais, do tipo comparadores de preços. Portanto, os comparadores de preço não realizam intermediação, pois não participam e nem lucram com os negócios firmados entre consumidor e fornecedor, apenas, com as publicidades disponíveis em sua página da internet.

Outro julgado de 2013, também em sede de Recurso Especial, trata do assunto com uma interpretação semelhante.

CIVIL E COMERCIAL. COMÉRCIO ELETRÔNICO. SITE VOLTADO PARA A INTERMEDIAÇÃO DE VENDA E COMPRA DE PRODUTOS. VIOLAÇÃO DE MARCA. INEXISTÊNCIA. PRINCÍPIO DO EXAURIMENTO DA MARCA. APLICABILIDADE. NATUREZA DO SERVIÇO. PROVEDORIA DE CONTEÚDO. PRÉVIA FISCALIZAÇÃO DA ORIGEM DOS PRODUTOS ANUNCIADOS. DESNECESSIDADE. RISCO NÃO INERENTE AO NEGÓCIO. CIÊNCIA DA EXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL. REMOÇÃO IMEDIATA DO ANÚNCIO. DEVER. DISPONIBILIZAÇÃO DE MEIOS PARA IDENTIFICAÇÃO DE CADA USUÁRIO. DEVER. 1. O art. 132, III, da Lei nº 9.279/96 consagra o princípio do exaurimento da marca, com base no qual fica o titular da marca impossibilitado de impedir a circulação (revenda) do produto, inclusive por meios virtuais, após este haver sido regularmente introduzido no mercado nacional. 2. O serviço de intermediação virtual de venda e compra de produtos caracteriza uma espécie do gênero provedoria de conteúdo, pois não há edição, organização ou qualquer outra forma de gerenciamento das informações relativas às mercadorias inseridas pelos usuários. 3. Não se pode impor aos sites de intermediação de venda e compra a prévia fiscalização sobre a origem de todos os produtos anunciados, na medida em que não constitui atividade intrínseca ao serviço prestado. 4. Não se pode, sob o pretexto de dificultar a propagação de conteúdo ilícito ou ofensivo na web, reprimir o direito da coletividade à informação. Sopesados os direitos envolvidos e o risco potencial de violação de cada um deles, o fiel da balança deve pender para a garantia da liberdade de informação assegurada pelo art. 220, § 1º, da CF/88, sobretudo considerando que a Internet representa, hoje, importante veículo de comunicação social de massa. 5. Ao ser comunicado da existência de oferta de produtos com violação de propriedade industrial, deve o intermediador virtual de venda e compra agir de forma enérgica, removendo o anúncio do site imediatamente, sob pena de responder solidariamente com o autor direto do dano, em virtude da omissão praticada. 6. Ao oferecer um serviço virtual por meio do qual se possibilita o anúncio para venda dos mais variados produtos, deve o intermediador ter o cuidado de propiciar meios para que se possa identificar cada um dos usuários, a fim de que eventuais ilícitos não caiam no anonimato. Sob a ótica da diligência média que se espera desse intermediador virtual, deve este adotar as providências que, conforme as circunstâncias específicas de cada caso, estiverem ao seu alcance para a individualização dos usuários do site, sob pena de responsabilização subjetiva por culpa in omittendo(STJ – REspn° 1383354 –SP(2013/0074298-9), Relatora: Ministra Nancy Andrighi, Data e Julgamento: 27/08/2013, Terceira Turma, Data da Publicação: 26/09/2013).

O acórdão também foi unânime e o voto pondera sobre as páginas on-line que exercem função de intermediadoras, não terem o dever de fiscalizar a procedência lícita de produtos e serviços ofertados por terceiro, caso contrário, atingiria o direito à informação de toda coletividade. Visto que, o serviço é direcionado para facilitar e aproximar as partes interessadas no negócio, além de informar. Por vezes os próprios sites colocam disponível ao consumidor ou terceiro ferramenta gratuita para denunciar a ilegalidade de algum anúncio, fornecedor, produto ou serviço. E somente ao receber essas informações, tomar conhecimento de alguma irregularidade ou ilegalidade e não providenciar a remoção da sua página, responderia subjetivamente por culpa omissiva, também chamada de culpain omittendo.

De maneira geral, não estão sujeitos à responsabilização, devido ausência de controle do conteúdo disponibilizado pelos usuários. Sendo assim, o STJ, em 2016, publicou o informativo n° 0593 que tratou da responsabilidade dos provedores de busca de produtos à venda on-line baseado no recurso especial nº 1.444.008-RS, julgado em 25/10/2016 e mencionado anteriormente. “O provedor de buscas de produtos à venda on-line que não realiza qualquer intermediação entre consumidor e vendedor não pode ser responsabilizado por qualquer vício da mercadoria ou inadimplemento contratual (STJ – REsp n° 1444008 – RS (2014/0064646-0), Relatora: Ministra Nancy Andrighi, Data e Julgamento: 25/10/2016, Terceira Turma, Data da Publicação: 09/11/2016).

O informativo estabelece que por existirem vários modelos de negócios virtuais, em cada situação é importante identificar as hipóteses de responsabilização do provedor de busca de produtos. Esses fornecem os resultados, os preços e não participam do aperfeiçoamento do contrato eletrônico, isto é, não cobram comissão das vendas, apenas do espaço para publicidade, portanto não serão responsabilizados. No teor do informativo, o STJ conclui que não encontra respaldo em sua jurisprudência responsabilizar os provedores de busca pelos negócios danosos resultantes das buscas feitas em suas plataformas, pois tornaria uma obrigação averiguar a ausência de fraude de cada loja virtual.

Quanto aos provedores que intermedeiam a relação entre consumidor e vendedor,

[...] além de oferecerem a busca de mercadorias ao consumidor, disponibilizam toda a estrutura virtual para que a venda seja realizada. A operação é realizada inteiramente no site desse prestador. Normalmente é cobrada uma comissão sobre as vendas. Prevalece que pode ser responsabilizado por vícios da mercadoria ou inadimplemento contratual do vendedor (CAVALCANTE, 2017, p. 15-16).

Por fim, os contratos virtuais feitos em sites voltados para intermediar a relação entre consumidor e vendedor são considerados pelo STJ como integrantes da cadeia de fornecimento, de acordo com o art. 7º do CDC. Esses recebem uma parte do lucro das vendas e disponibilizam a própria plataforma para finalização do negócio. Não tendo como afastar a incidência da responsabilidade solidária pela reparação de eventuais danos das relações consumeristas virtuais.

CONCLUSÃO

Diante da omissão legislativa quanto à aplicação do instituto da responsabilidade civil aos sites de intermediação de compra e venda no comércio eletrônico brasileiro, o entendimento doutrinário e a consolidação da jurisprudência são fundamentais para aplicação aos processos distribuídos por todo o país.

Há diferentes modalidades de negócios nas relações consumeristas virtuais, chamados legalmente como provedores de conexão e provedores de aplicações da internet. Aqueles disponibilizam acesso à internet aos dispositivos eletrônicos e não são responsabilizados por eventual dano ocasionado pelos usuários do serviço. Aos provedores de aplicações na internet incide a responsabilidade, apenas em caso de descumprimento de ordem judicial para remoção de conteúdo que esteja disponível e armazenado em suas plataformas digitais.

Coube enquadrar os intermediadores virtuais de compra e venda em uma subdivisão dos provedores de aplicações da internet, qual seja, os de busca ou pesquisa. Após alguns julgados pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso especial, em 2016, foi disponibilizado um informativo com entendimento unânime.

O que vigora para o STJ é que os sites que buscam e comparam preços daquilo que é pesquisado pelo consumidor não responde por qualquer dano, ou serão teriam de manter uma fiscalização das informações que serão apresentadas, dando óbice ao direito de informação da coletividade. Aos sites de intermediação, propriamente dito, que fornecem o espaço virtual para facilitar e aproximar consumidor e fornecedor foi considerado como integrante da cadeia de fornecimento e eventualmente poderá incidir a responsabilidade civil.

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Data da conclusão/última revisão: 16/4/2019

 

Como citar o texto:

OLIVEIRA, Maria Gabriela Pequeno; MOTA, Karine Alves Gonçalves..A responsabilidade civil dos sites de intermediação de compra e venda virtual no comércio eletrônico brasileiro. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1619. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-consumidor/4440/a-responsabilidade-civil-sites-intermediacao-compra-venda-virtual-comercio-eletronico-brasileiro. Acesso em 9 mai. 2019.

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