Não é de hoje que a classe médica encontra-se em desconfortável situação diante da remuneração pouco satisfatória de seus serviços, especialmente aqueles pagos por empresas de plano de saúde. O mesmo reclamo é observado quanto à contraprestação oferecida por entes públicos e instituições filantrópicas subvencionadas, como as Santas Casas. E, embora pareça não ser o meio mais usual atualmente, o contrato de prestação de serviços firmado diretamente pelo paciente com o médico ainda é o instrumento de que dispõe este profissional para ver-se remunerado de acordo com a sua especialização, notoriedade e complexidade do tratamento indicado. Cabe ressaltar ainda a proximidade que tal contrato possui com a figura do médico da família, além de expressar, inequivocamente, direitos e obrigações para ambas as partes, nele incidindo regras de cunho consumerista, na forma da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor).

Mostra a realidade também que, na grande maioria dos casos, a convenção estabelecida entre médico e hospital e/ou clínica está baseada em regras de direito privado, tal como uma locação de serviços, consoante dispunha o antigo Código Civil de 1.916 em seus artigos 1.216 e seguintes, tendo sua nomenclatura transformada em prestação de serviços pelo novo estatuto civil (Novo Código Civil, artigos 593 e seguintes).

Na presente exposição, há que se atentar especificamente para o modo como o legislador tratou o prazo prescricional no tocante à pretensão do médico de cobrar seus honorários contratados diretamente com o paciente, e aqueles firmados com hospitais e/ou clínicas como contraprestação de seus serviços.

Preambularmente, é preciso analisar a matéria sob o enfoque da legislação revogada. Dizia o artigo 178, § 6º, IX, do Código de 1.916:

§ 6º. Prescreve em 1 (um) ano:

(...).

IX - a ação dos médicos, cirurgiões ou farmacêuticos, por suas visitas, operações ou medicamentos; contado o prazo da data do último serviço prestado.

A redação desse dispositivo encontra-se em consonância com a realidade social do início do século passado, pois, no mais das vezes, o mister do médico era ir até a casa do paciente, cobrando, então, por sua visita.

Na análise do dispositivo em comento, não resta dúvida de que o prazo prescricional de 1 (um) ano está direcionado ao médico, cirurgião ou não, para a cobrança de seus honorários em face do cliente. Aliás, o exíguo prazo assim ficou estabelecido em vista da fraqueza de uma das partes, qual seja, o paciente contratante.

Todavia, ainda sob a égide do Código Civil de 1.916, como seria colocado o problema da prescrição quando o contratante fosse um hospital, clínica ou empresa de plano de saúde? Aplicar-se-ia à hipótese a mesma regra prevista para cobrança frente ao paciente?

Vale lembrar que se deve interpretar as disposições acerca da prescrição de maneira restrita, procurando-se focalizar a regra na pessoa que, teoricamente, apresenta-se mais fraca na relação jurídica. Daí o caráter protetivo ao paciente contido no artigo 178, § 6º, IX, do Código de 1.916.

Confrontando-se o profissional da medicina e uma empresa hospitalar, ou de convênio-saúde, verificar-se-á um desequilíbrio. De um lado, um simples profissional autônomo; de outro, uma empresa que, sendo de serviços médicos, possui na maioria das vezes grande ou médio porte. Conclui-se, assim, que a parte mais vulnerável nessa relação é o profissional, o próprio médico.

Levando-se em consideração que as normas prescricionais buscam a segurança das relações jurídicas e sociais, o prazo ânuo do Código Civil revogado não poderia ser aplicado ao médico em face do hospital onde prestava serviços, pois o pequeno lapso temporal extintivo de sua pretensão contrapunha-se ao espírito da lei.

Ademais, o legislador de 1.916 não previu a hipótese acima suscitada, cuidando apenas da relação jurídica médico-paciente, conforme os ditames sociais da época, não chegando a estabelecer regra específica para as convenções entre médico e empresa hospitalar.

Ante tais circunstâncias, não seria lógico aplicar-se à relação jurídica médico-hospital a regra peculiar do artigo 178, § 6º, IX, do Diploma Civil de 1.916. Restou, por isso, a aplicação da regra geral segundo a qual as ações de pessoais prescrevem em 20 (vinte anos).

Nesse sentir:

Civil. Processual Civil. Ação Sumária de cobrança de honorários profissionais, intentada por médico em face da dita entidade fundacional privada que o credenciou, increpando valores diversos impagos. Suscitação pela Ré de preliminar de prescrição, esta indeferida pelo Juízo com base na preclusão. Agravo de Instrumento, provido em parte por esta Câmara, afastando tal preclusão e diferindo o apreciar em primeiro grau. Sentença de procedência, aditada em sede de Embargos Declaratórios, para desacolher a preliminar meritória em berlinda. Apelação. Preliminar suscitada em reiteração. Não sendo a relação jurídica das partes inserida no quadro médico paciente, nem havendo natureza consumeira, a prescrição não seria ânua, porém vintenária, nos encerros do artigo 177 do Código Civil de 1916. Logo, a preliminar de mérito não se sustenta. No mérito sobejante, verificando-se a percuciência do laudo pericial contábil, em que se baseou o julgado singular, não elidido no todo ou em parte, é de ser prestigiada de pleno a Sentença guerreada. Recurso conhecido. Preliminar meritória de prescrição, no mesmo contida, que se rejeita. Apelo improvido. (TJRJ - Ap. cív. nº 2002.001.12417 - 3ª Câm. Cív. - Rel. Des. Ronaldo Rocha Passos - j. 13.05.03).

HONORÁRIOS PROFISSIONAIS - Médico - Cobrança - Prescrição.

A prescrição de um ano para o médico haver seus honorários profissionais (artigo 178, § 6º, inciso IX, do Código Civil) só é aplicável aos casos em que exista relação entre o facultativo e seu paciente, não às hipóteses de vínculo entre ele, médico, e outra entidade - na espécie uma seguradora - para prestação de serviços a ela. (2º TACivSP - Ap. 549.370-00/6 - 4ª Câm. - Rel. Juiz Rodrigues da Silva - j. 16.03.99 - v.u.) Lex, JTACSP 178/253.

 

Há quem possa julgar obsoleta a análise deste trabalho, visto que a disposição legal em apreço encontra-se revogada pelo Novo Código Civil. Contudo, a matéria ganha relevância quando se tem em conta que muitos contratos de prestação de serviços médicos foram celebrados sob a égide do antigo estatuto civil, tendo sua execução se prolongado após o advento do Código Civil de 2.002. Assim sendo, a depender de cada caso em concreto, a prescrição da hipótese contratual poderá vir regida pelo antigo Código, na forma do artigo 2.028 do Código de 2.002, verbis:

Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

Veja-se que, nos termos dos preceitos do Código Civil de 1.916, há grande diferença de prazo prescricional no que tange aos contratos que abrangem prestação de serviços pelo médico. Se firmado com o paciente, o prazo é de 1 (um) ano. Se pactuado com empresa hospitalar, o prazo é de 20 (vinte) anos, temperado pela regra de direito intertemporal do artigo 2.028 do novel Código.

O atual Diploma Civil, ao regular a matéria, parece ter findado a discussão a respeito do prazo prescricional a ser aplicado às convenções cuja prestação se atribui a um médico, independentemente de ser o contratante um paciente ou uma empresa hospitalar. Ficou estabelecida no artigo 206, §5º, II, regra geral para os profissionais liberais, o que abarca as relações contratuais médico-paciente e médico-hospital. Segundo a nova regra, prescreve em 5 (cinco) anos a pretensão dos profissionais liberais em geral.

Não se deve olvidar, finalmente, que grande parte dos médicos firma contratos com hospitais e clínicas apenas de maneira verbal, descurando-se das conseqüências que poderão advir do inadimplemento da avença, em especial a falta de remuneração. Para tanto, faz-se necessário criar em toda classe médica a consciência de que seu trabalho merece ser valorizado, não se prestando a contratar sem um mínimo de formalidade que lhe garanta ao menos a prova da existência da relação jurídica.

(Concluído em fevereiro de 2.005)

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Como citar o texto:

LEAL, Carlos Renato Cotrim..Honorários profissionais do médico e prazo prescricional. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 114. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/491/honorarios-profissionais-medico-prazo-prescricional. Acesso em 14 fev. 2005.

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