A usucapião é forma originária de aquisição da propriedade móvel ou imóvel.

Este aspecto, vem sendo repisado pelos tribunais brasileiros, como podemos constatar da análise do seguinte aresto: "USUCAPIÃO - AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA DA PROPRIEDADE POR UM DOS HERDEIROS - ESCOADO, SEM PARTILHA DE BENS, O PRAZO DE VINTE ANOS INICIADO APÓS O FALECIMENTO DO ANTIGO PROPRIETÁRIO DO BEM" (Juiz de Direito Paulo de Carvalho Balbino, da 1ª Vara Cível da Comarca de São João Del-Rei) (TAMG - AP 0340781-8 - São João Del-rei - 4ª C.Cív. - Relª Juíza Maria Elza - J. 28.11.2001)JCCB.1772).

Trata-se de uma das espécies de prescrição. Com efeito, há a extintiva, prevista na Parte Geral do Código Civil e a aquisitiva, da qual a usucapião está incluída, e tratada na Parte Especial, mais propriamente no tocante aos direitos reais.

O novo Código Civil tratou da matéria em consonância com os ditames constitucionais de 1988, artigos 5º, XXIII e 170, III, pautando-se basicamente pelos princípios da eticidade, operabilidade e socialidade. Pode-se falar inclusive, no aparecimento de um direito civil constitucional, haja vista que a Constituição Federal de um país, encontra-se no topo da pirâmide das leis, devendo todas as outras, como a lei ordinária nº 10.406, de 10.01.2002, observar os seus preceitos, sob pena de sofrerem com o vício da inconstitucionalidade.

Nessa esteira, comentando o princípio da socialidade, vem Carlos Roberto Gonçalves(1) , afirmando: "Com efeito, o sentido social é uma das características mais marcantes do novo diploma, em contraste com o sentido individualista que condiciona o Código Beviláqua. Há uma convergência para a realidade contemporânea, com a revisão dos direitos e deveres dos cinco principais personagens do direito privado tradicional, como enfatiza Miguel Reale: o proprietário, o contratante, o empresário, o pai de família e o testador".

A título de argumentação, vale a pena mencionar o artigo 1228, parágrafo primeiro do novo estatuto civil, onde está exposto: "o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas". E no parágrafo segundo: "são defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem".

A jurisprudência brasileira, em termos de propriedade, vem se inclinando para esta diretriz, como podemos denotar através dos julgados abaixo colacionados:

"REEXAME NECESSÁRIO - REINTEGRAÇÃO DE POSSE JULGADA IMPROCEDENTE - FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE - Necessidade de cumprimento da Lei, criação resultante da estruturação do Estado, visando sair do estado de natureza. A Constituição Federal, mesmo tendo explicitado a função social da propriedade, coexiste harmonicamente com o Código Civil e Código de Processo Civil. Falta de pagamento das prestações gera a perda do imóvel e leva a procedência da ação reintegratória. Sentença modificada. Ações de reintegração de posse julgadas procedentes. (TJRS - REN 70004617148 - 2ª C.Esp.Cív. - Rel. Juiz Ney Wiedemann Neto - DJRS 14.11.2002)"

"ATÉ A PROMULGAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 29, A ÚNICA HIPÓTESE NA QUAL A CONSTITUIÇÃO ADMITIA A PROGRESSIVIDADE DAS ALÍQUOTAS DO IPTU ERA A DO ART. 182, § 4º, II, DESTINADA A ASSEGURAR O CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE URBANA, E QUE SÓ FOI REGULAMENTADA EM JULHO DE 2001, ATRAVÉS DA LEI Nº 10.257 (ESTATUTO DA CIDADE), QUE DISCIPLINOU A PROGRESSIVIDADE NO TEMPO - A taxa de iluminação pública, nos moldes dados pelo Município de Belo Horizonte, carece de fundamento de validade, porque o serviço público de iluminação prestado não tem o caráter da especificidade e divisibilidade necessários à configuração da taxa, infringindo os arts. 77 e 79 do CTN e 145, II, da Constituição da República. (TJMG - APCV 000.295.061-6/00 - 4ª C.Cív. - Rel. Des. Carreira Machado - J. 19.12.2002)."

"AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CÓDIGO FLORESTAL - DANO AO MEIO AMBIENTE - RESERVA LEGAL - FLORESTA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - PRINCÍPIOS ELENCADOS NA CONSTITUIÇÃO - O PROPRIETÁRIO TEM OBRIGAÇÃO DE REFLORESTAR 20% DA ÁREA DE SUAS TERRAS É FATO INCONTROVERSO NOS AUTOS, QUE O PROPRIETÁRIO UTILIZOU INTEGRALMENTE A ÁREA - INTELIGÊNCIA DO PARÁGRAFO 2º, DO ARTIGO 16, DO CÓDIGO FLORESTAL (LEI Nº 4.771, DE 15 DE SETEMBRO DE 1965) - CONSIDERANDO-SE A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PRIVADA, O RESPEITO ÀS NORMAS ERIGIDAS PARA A DEFESA DO MEIO AMBIENTE NÃO FERE O DIREITO DE PROPRIEDADE - O INSTRUMENTO DE QUE SE VALE O PODER PÚBLICO PARA ALCANÇAR O BEM COMUM É O DIREITO, E A PROTEÇÃO SÓ É POSSÍVEL COM A RELATIVA LIMITAÇÃO DA PROPRIEDADE PARTICULAR, CONCILIANDO O DIREITO REAL E ABSOLUTO DE LIVREMENTE USAR E GOZAR, COM O DE PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE E À SADIA QUALIDADE DE VIDA - APELO IMPROVIDO - I. O atual proprietário, embora não seja o responsável pelo desmatamento, não pode se subtrair à exigência legal, que é dirigida a todos indistintamente, máxime se continuou a explorar a integralidade da área com a atividade pecuária, ocasionando o mesmo dano. II. O Código Florestal instituiu a chamada reserva florestal legal, assim entendida a área de no mínimo 20% de cada propriedade rural, onde não é permitido o corte raso, sendo vedada a alteração de sua destinação nos casos de transmissão a qualquer título, ou de desmembramento da área (art. 16, § 2º, da Lei nº 4.771/65). (TJPR - ApCiv 0118454-5 - (21062) - Nova Esperança - 2ª C.Cív. - Rel. Des. Hirosê Zeni - DJPR 17.06.2002)".

"AGRAVO REGIMENTAL - APELAÇÃO CÍVEL - ARTIGO 557, § 1º-A DO CPC - PROGRESSIVIDADE - FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE - EMENDA CONSTITUCIONAL N. 29/2000 QUE AUTORIZA A COBRANÇA DE ALÍQUOTAS DIFERENCIADAS OU PROPORCIONAIS DO IPTU - DECISÃO MANTIDA - RECURSO IMPROVIDO - O artigo 156, § 1º, inciso I, da Constituição Federal, com a nova redação da Emenda Constitucional 20/2000, permite que as alíquotas variem para menos ou para mais, dependendo da forma como o imóvel urbano preencha sua função social, razão pela qual deve ser ratificada a decisão que deu provimento ao recurso, na forma do artigo 557, § 1º-a, do Código de Processo Civil. (TJMS - AgRg-AC 2002.008841-2/0001-00 - 3ª T.Cív. - Rel. Des. Claudionor Miguel Abss Duarte - J. 14.10.2002) (Ementas no mesmo sentido)".

"TRIBUTÁRIO - IPTU, TIP, TCLLP E TCDL - MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO - ILEGALIDADE DO IPTU, TIP E TCLLP - LEGALIDADE DA TCDL - 1 - O STF, PELO VOTO ORIENTADOR DO MIN. JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES, JÁ ADOTOU A POSIÇÃO SEGUNDA A QUAL O ARTIGO 156, 1, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO SÓ PERMITO A PROGRESSIVIDADE DO IPTU PARA O FIM EXTRAFISCAL DE ASSEGURAR O CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE, NOS TERMOS DO § 4º, INCISO II DO ART. 182, DA CARTA MAGNA, CONFORME DECIDIDO NO REXTR Nº 153.771/MG - Assim, se dá provimento ao apelo para declarar ilegal a cobrança do IPTU na dicção do art. 67 do CTM, devendo o Município rever o seu cálculo, aplicando-se a menor alíquota. (TJRJ - AC 3109/2001 - (2001.001.03109) - 2ª C.Cív. - Rel. Des. Gustavo Kuhl Leite - J. 09.10.2001)".

"CONSTITUCIONAL - DESAPROPRIAÇÃO - DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA - COISA JULGADA - FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE - INDENIZAÇÃO JUSTA - CF, ARTIGO 5º, XXIII, XXIV E XXXVI - I. A alegação de ofensa a coisa julgada, no caso, demanda exame da prova, incomportável na via extraordinária, certo que o acórdão recorrido decidiu a questão, no ponto, mediante o exame de títulos de propriedade. II. O reconhecimento da ocorrência de desapropriação indireta e a fixação do quantum da indenização assentam-se na prova dos autos. Impossibilidade de a questão ser rediscutida, por isso mesmo, em sede de recurso extraordinário. (STF - RE 149.788 - SP - 2ª T. - Rel. Min. Carlos Velloso - DJU 30.09.1994)".

Mas além do que já vinha sendo compreendida nesta temática, relativa à função social da propriedade, que entendemos aquela conforme os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, ressalta Carlos Roberto Gonçalves(2) : "O referido diploma criou uma nova espécie de desapropriação determinada pelo Poder Judiciário na hipótese de "o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse interrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante"(§4º). Nesse caso, "o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário " (§5º). Trata-se de inovação de alto alcance, inspirada no sentido social do direito de propriedade e também no novo conceito de posse, qualificada por Miguel reale como posse-trabalho".

Nessa linha de raciocínio, Maria Helena Diniz(3) , dedica o seguinte pensamento: "Trata-se, como nos ensina Miguel Reale, de uma inovação substancial do Código Civil, fundada na função social da propriedade, que dá proteção especial à posse-trabalho, isto é, à posse traduzida em trabalho criador, quer se concretize na construção de uma morada, quer se manifeste em investimentos de caráter produtivo ou cultural. Essa posse qualificada é enriquecida pelo valor laborativo, pela realização de obras ou serviços produtivos e pela construção de uma residência. Deveras, o que se poderia fazer nas extensas, loteando-as, nelas instalando sua residência ou empresa ou nelas investindo economicamente? Poder-se-ia destruir suas vidas e uma economia familiar? O proprietário, vencedor da demanda, não receberá de volta o bem de raiz, mas sim o justo preço do imóvel, sem nele computar o valor das benfeitorias, por serem produto do trabalho alheio. Justifica-se, dada a relevância dos interesses sociais em jogo, que a restituição da coisa seja convertida pelo órgão judicante em justa indenização. De modo que o proprietário reivindicante, em vez de reaver a coisa, diante do interesse social, receberá em dinheiro, o seu justo valor. Pago o preço, a sentença valerá como título para a transcrição do imóvel. Hipótese em que se dá ao Poder Judiciário o exercício do poder expropriatório em casos concretos".

E tudo isto refletiu na usucapião em todas as suas espécies, seja a extraordinário ou a ordinária.

A usucapião extraordinária, vem tratada no artigo 1238, da nova lei: "Aquele que, por 15 (quinze) anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título pra o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a 10 (dez) anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo". (grifo nosso)

Neste caso os requisitos continuam os mesmos, ou seja, prescindindo do justo título e da boa-fé, desde que agora preenchido o prazo de quinze anos, e não mais o de 20 anos estabelecido pela lei de 1916. Outrossim, há redução para apenas dez anos na hipótese que especifica.

No artigo 1.242, vem previsto a usucapião ordinária, nos seguintes termos: "Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.

Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico".

Não houve alteração quanto ao tempo para usucapir, nem de seus requisitos imprescindíveis: justo título e boa-fé. Porém, será reduzido para cinco anos no caso do parágrafo único acima transcrito, atendendo-se a função social da propriedade.

Ademais, o novo código civil estampa no artigo 1.239, a usucapião pro labore, que já vinha prevista no texto constitucional em seu artigo 191, consoante podemos verificar do texto a seguir: "Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade".

E, por fim, o Estatuto da Cidade, também dispondo sobre usucapião, traz uma nova modalidade, qual seja: usucapião especial de imóvel urbano, em seus artigos 9º a 14.

Pode ser sintetizado pelo artigo 10, onde: "As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural".

Régis Fernandes de Oliveira(4) , assevera que: "Inúmeras serão as dúvidas processuais e de substância que surgirão na aplicação dos artigos ora comentados. Dificuldades de ordem processual nascerão, tais como a legitimidade ativa, o litisconsórcio, a prova da posse etc., tudo a ensejar problemas na aplicação do direito. Em verdade, o que importa é que nasce uma solução ao angustiante problema da moradia. O que o ocupante ou o possuidor pretende à obtenção de um papel que lhe dê dignidade. Logo, não poderão os juízes ser formalista a ponto de exigirem de pessoas de pouca capacidade e nenhuma situação financeira a demonstração de rigores processuais. Devem agir, no caso, como atores sociais, equilibrando o prato da balança da Justiça com suas próprias mãos. Não podem ser jacobinos no detectar nugas processuais. Devem supera-las em benefício da sociedade e dando eficácia ao preceito que consagra e materializa o fundamento social da propriedade".

Em suma, pretendemos expor um panorama da situação da usucapião diante da transformação da sociedade, e como esta regrada na legislação brasileira, diante inclusive da principal conseqüência da função social da propriedade cujo principal viés é o econômico, o que implica no fato de conceder à propriedade e a posse, principais aspectos dos direitos reais, um enfoque produtivo. Sem dúvida, muitas questões ainda surgirão, as quais deverão ser resolvidas pelo juiz, diante do surgimento dos conflitos de interesses levados pelas partes.

NOTAS:

(1) GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral: v.1. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 24 e 25

(2) GONÇALVES, Carlos Roberto. Principais inovações no código civil de 2002: breves comentários. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 63

(3) DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 4: direito das coisas. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 178.

(4) OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Comentários ao estatuto da cidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 59

BIBLIOGRAFIA

 

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral: v.1. São Paulo: Saraiva, 2003.

____________. Principais inovações no código civil de 2002: breves comentários. São Paulo: Saraiva, 2002.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 4: direito das coisas. São Paulo: Saraiva, 2002.

OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Comentários ao estatuto da cidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

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Como citar o texto:

LAWAND, Jorge José..A evolução da usucapião. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 114. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/494/a-evolucao-usucapiao. Acesso em 14 fev. 2005.

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