1    EMBASAMENTO TEÓRICO

1.1    O SURGIMENTO DO COMÉRCIO ELETRÔNICO NO BRASIL

Com a evolução das tecnologias surge o Comércio Eletrônico na Internet, com objetivo de complementar o processo de vendas e eliminar intermediários da cadeia de suprimento, a fim de auxiliar na globalização da economia através da parceria e negócios e diminuição de limites geográficos. Ele não é só pela internet através de conexão com computadores, mas por meio de anúncios na televisão e principalmente o uso de aparelhos celulares e outros equipamentos eletrônicos.

No Brasil, foi o Magazine Luiza quem produziu em 1992 (dois anos após o lançamento da World Wide Web) um dos primeiros modelos de negócios de lojas eletrônicas, o qual funcionava em terminais. Com o passar do tempo, esse modelo foi otimizado até ser transformado na atual loja virtual do grupo. Apesar dessa experiência pioneira com terminais, as lojas eletrônicas do Magazine Luiza não possuíam conexão com a internet, que só foi liberada para fins comercias no Brasil em 1995 pelo Ministério das Comunicações.

Logo, dentro do universo da internet, a primeira loja virtual oficial em território nacional foi a Brasoftware, a qual foi desenvolvida em 1996 pelo fundador e editor do blog Biz Revolution, Ricardo Jordão Magalhães.

Sua tendência é crescer a cada dia, pois a Internet nunca deixará de evoluir, e hoje o comércio em geral está partindo para a rede, acredita-se que é uma das melhores fases de mudança estrutural na sociedade, na verdade é a formação de uma nova sociedade: a Sociedade da Informação, a Era da Digitalização, cujos processos fazem parte de quase todas as atividades do dia a dia de pessoas e profissionais em geral. Pode-se perceber facilmente essa evolução, pois deixamos de escrever cartas, utilizar agendas papel e caneta para anotações, dinheiro para transacionar mercadorias foi substituído por informações de débito e crédito em contas e cartões.

Através do contato entre diferentes pessoas e diferentes locais, o tempo e a distância tornaram-se fatores insignificantes, pois além de trabalhar na empresa, é possível trabalhar em casa, bastando para tal ter acesso à rede da empresa. A forma de atendimento ao cliente também foi revolucionada, pois a internet está 24 horas no ar, a  alcance  global,  sempre  disponível  para  trocar informações, a um custo baixo, com um mercado mundial crescente. Os mesmos podem fazer suas compras a qualquer hora, sem precisar enfrentar condições adversas de horários, trânsito e ainda evitar ser mal atendido.

1.2     O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E ABORDAGEM ACERCA DO DIREITO AO ARREPENDIMENTO PREVISTO NO ARTIGO 49

O Código de Defesa do Consumidor permite a desistência da compra efetuada fora do estabelecimento comercial em até 7 dias, concedendo ao consumidor o direito de arrependimento , garantindo-se a este o que se chama prazo de reflexão.

Fazer compras fora do estabelecimento convencional significa realizá- las pela internet, telefone, domicílio, enfim, todas aquelas situações  de  compra (contrato) que não se realizem dentro do estabelecimento físico do vendedor. Vejamos o artigo 49, do CDC:

Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento  comercial,  especialmente por telefone ou a domicílio.

Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.

Essa norma efetiva o direito à informação pelo consumidor (direito básico previsto no CDC), de sorte que possibilita que este avalie, a seu juízo, se aquele produto atende as suas necessidades, podendo, por isso mesmo, desistir de eventual compra realizada sem mesmo haver uma motivação para isso.

O Superior Tribunal de Justiça (REsp 1340604), já reconheceu  que essa norma dá ao consumidor o direito de uma compra consciente, concede notadamente visando equilibrar a relação de consumo:

O art. 49 do Código de Defesa do Consumidor dispõe que, quando o contrato de consumo for concluído fora do estabelecimento comercial, o consumidor tem  o  direito de desistir do negócio em 7 dias ("período de reflexão"), sem qualquer motivação. Trata-se do direito de arrependimento, que assegura o consumidor  a  realização de uma compra consciente, equilibrando as relações de consumo.

O direito de arrependimento também conceituado como (prazo de reflexão) assegura ao consumidor a realização de uma compra consciente, equilibrando as relações de consumo. Caso se arrependa, o consumidor terá de volta, imediatamente e monetariamente atualizados, todos os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, entendendo-se incluídos nestes valores todas as despesas com o serviço postal para a devolução do produto, quantia esta que não pode ser repassada ao consumidor.

1.3    AS IMPLICAÇÕES TRAZIDAS PELO INCISO 5º DO DECRETO Nº 7.962, 15      DE     MARÇO     DE     2013  REFERENTES     AO     DIREITO           AO ARREPENDIMENTO

O Código de Defesa do Consumidor, apesar de abordar o direito de arrependimento, não o fez de forma ampliada, deixando algumas lacunas, precisando para tal a emissão do decreto nº 7.962/2013, que entrou em vigor no dia 13/05/2013. Em tal texto ficou explicitado que o direito de arrependimento previsto no CDC pode ser exercitado pela mesma ferramenta que o consumidor utilizou para efetuar a compra do bem. Para, além disso, esclareceu que uma vez rescindida a compra, também a estarão os contratos acessórios, como p.ex. seguro e garantia estendida.

O fornecedor ficou obrigado a comunicar de forma imediata o cancelamento à instituição financeira ou a administradora do cartão de crédito, a fim de cancelar o lançamento correspondente. Vejamos:

Art. 5o O fornecedor deve informar, de forma clara e ostensiva, os meios adequados e eficazes para o exercício do direito de arrependimento pelo consumidor.

§ 1o O consumidor poderá exercer seu direito de arrependimento pela mesma ferramenta utilizada para a contratação, sem prejuízo de outros meios disponibilizados.

§ 2o O exercício do direito de arrependimento implica a rescisão dos contratos acessórios, sem qualquer ônus para o consumidor.

§ 3o O exercício do direito de arrependimento será comunicado imediatamente pelo fornecedor à instituição financeira ou à administradora do cartão de crédito ou similar, para que:

I  - a transação não seja lançada na fatura do consumidor;ou

II  - seja efetivado o estorno do valor, caso o lançamento na fatura já tenha sido realizado.

§ 4o O fornecedor deve enviar ao consumidor confirmação imediata do recebimento da manifestação de arrependimento.

Art. 6o As contratações no comércio eletrônico deverão observar o cumprimento das condições da oferta, com a entrega dos produtos e serviços contratados, observados prazos, quantidade, qualidade e adequação.

Assim sendo, as empresas que praticam comércio eletrônico devem estar preparadas para o atendimento legal das normas de proteção ao consumidor, colocando em funcionamento mecanismos tecnológicos aptos a promover a efetiva defesa dos direitos dos usuários no ambiente eletrônico, dando ao consumidor a efetividade Decreto nº 7.962/2013 que como vimos foi criados para regulamentar a Lei no 8.078/1990 no que tange à contratação no comércio eletrônico. Assim, o consumidor se torna menos vulnerável. Todavia, vale lembrar que cabe também aos consumidores concorrerem para a prática de um consumo consciente e adequado, não podendo se atribuir aos fornecedores a exclusiva responsabilidade por eventuais problemas.

1.4    O PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR

O princípio da vulnerabilidade  é aquele que define  o consumidor como a parte mais fraca da relação, determinando que este sempre se encontra em situação desfavorável perante a outra parte, pelo fato de não dispor de conhecimentos técnicos necessários para avaliar a qualidade e complexidade dos produtos e serviços que venha a adquirir . A vulnerabilidade sempre será presumida.

Do mesmo modo, a vulnerabilidade está presente no comércio eletrônico, de forma mais intensa que nas relações tradicionais, já que, uma série de fatores são acrescentados nessa dinâmica e ainda tem-se em algumas áreas a falta de normatização para tais relações. Esse novo conceito de vulnerabilidade eletrônica visa reequilibrar essa balança das relações de consumo via comércio eletrônico que atualmente pende para o lado dos fornecedores, trazendo uma reinterpretação do modelo tradicional, de modo a suprir de forma mais abrangente as necessidades do consumidor virtual. Algumas características peculiares do comércio eletrônico induzem inovação quanto à maneira de encarar a vulnerabilidade.

Uma das mais marcantes é no tocante ao elemento volitivo do contrato, que é relativizado nesse tipo de contratação, tendo em vista suas peculiaridades, a exemplo da desterritorialização (falta de territorialidade definida) e da despersonalização da relação jurídica, ao passo que não se tem qualquer contato com quem se negocia, sendo um negócio onde não há meio físico ou material.

É mister mencionar que o consumidor não tem voz ativa no cenário digital, pois que, ocorre desenfreada mitigação do princípio da autonomia da vontade, ao passo que os contratos de adesão são praticamente  a  única forma de celebração pela internet. Dessa forma, o consumidor se torna um mero aceitante daquilo imposto no contrato virtual, permitindo o aumento exponencial de práticas abusivas. Logo, é plausível afirmar que o advento do comércio eletrônico trouxe uma nova realidade, ou e por consequência desse tipo de relação surgiu também sem uma nova espécie  de  vulnerabilidade, qual seja a eletrônica, devendo-se lançar mão de medidas capazes de  proteger o consumidor de modo mais abrangente.

1.5       O PRINCÍPIO DA HARMONIA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

O princípio da harmonia das relações de consumo encontra-se previsto no Código de Defesa do Consumidor no artigo 4º, caput e inciso III. Ele é informativo da relação de consumo que possui por fundamento a justiça distributiva (LISBOA. 2001, p. 108) e tem por objetivo equilibrar os interesses envolvidos nesta relação jurídica.

Na satisfação de suas necessidades, acaba por se submeter aos sortilégios dos fornecedores de produtos e serviços, gerando um desequilíbrio na relação jurídica. Essa situação de desequilíbrio é prejudicial para o convívio dos atores sociais, motivo pelo qual, a busca da harmonia visa assegurar a igualdade no seio do mercado de consumo. (SOARES, Ricardo. Op. cit., p. 94)

Almeja-se acabar com a separação perniciosa que colocava o consumidor de um lado e o fornecedor de outro, como se fossem litigantes sociais e estivessem eternamente em situações antagônicas. Isso porque os objetivos maiores do princípio da harmonia das relações de consumo são a paz e o desenvolvimento sem traumas.

Sintetiza Roberto Senise Lisboa (2001, p. 108) que:

“A relação de consumo deve ser harmônica e justa, a fim de que o vínculo entre o fornecedor e o consumidor seja constituído de maneira tal que se estabeleça o equilíbrio econômico da equação financeira e das obrigações jurídicas pactuadas ou contraídas pelos interessados.”

Nos dias de hoje, um empresário ou sociedade empresária não sobrevive se sua imagem encontrar-se abalada e sem credibilidade no mercado de consumo. Como a credibilidade só é alcançada ou mantida através da colocação, no mercado, de produtos e serviços de qualidade, bem como através de um serviço de pós-vendas capaz de atender a todas as demandas de forma rápida, prática e eficaz, de forma que o consumidor fique sempre satisfeito, os fabricantes de produtos e prestadores de serviço  acabam tendo de cumprir, por necessidade de sobrevivência, a regra da excelência na qualidade do produto ou serviço e no atendimento ao consumidor.

Embora atualmente ainda não haja um Rol  exemplificativo  de  limitações ao direito de arrependimento, o nosso ordenamento jurídico têm apreciado as particularidades de cada caso, utilizando-se dos princípios da razoabilidade e da boa-fé para conciliar a proteção do consumidor com o desenvolvimento econômico e tecnológico. Em outras palavras, impedir a prática abusiva do direito ao arrependimento é estimular o equilíbrio e a harmonização das relações entre consumidores e fornecedores (art. 4º inciso III).

1.6    LIMITAÇÕES AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE ARREPENDIMENTO

Em linhas gerais o consumidor possui o direito de se arrepender de  suas   compras   realizadas   em   ambiente   virtual   (Art. 49 do CDC e  Decreto 7962/13), respeitando o prazo de reflexão de sete dias a serem contados da data da assinatura do contrato ou do recebimento do produto.

Fala-se “em linhas gerais”, pois, haverá ocasiões onde o  arrependimento se tornará inviável em virtude da natureza do produto. Tomemos como exemplo assim a aquisição de bens de consumo  não  duráveis (alimentos por exemplo) e demais produtos de consumo imediato como os filmes, vídeos, aquisição de imagens e livros virtuais.  Nestes casos   e em outros verifica- se uma  instabilidade na  relação ficando o  fornecedor  em uma situação de desiguale material perante o consumidor.

É sabido que o nosso Código de Defesa do Consumidor deixou de  trazer limites ao exercício do direito ao  arrependimento,  tornando  possível que a interpretação do artigo 49 se dê de dois modos: a) interpretação literal;   e b) interpretação teleológica.

Interpretação Literal: Ao interpretar o art. 49 de forma literal, o exercício do direito ao arrependimento será sempre possível, independentemente da natureza do produto. Interpretar deste modo significa dizer que o fornecedor suportará todos os riscos inerentes às vendas em plataformas virtuais (extravios, reembolsos, arrependimento etc).

Interpretação Teleológica: Do outro lado, têm-se a interpretação teleológica, sugerindo a aplicação mais branda do direito ao arrependimento. Aqui, deve-se refletir na subjetividade de cada caso para aplicação ou não desse direito. Nesse sentido Marcel Leonardi, explica:

De fato, defender o caráter absoluto do direito de arrependimento, sem levar em consideração sua inaplicabilidade e sua inadequação em determinadas relações de consumo – decorrentes tanto da natureza dos produtos ou serviços ou das circunstâncias de contratação e de utilização desses produtos ou serviços – pode levar a graves distorções  e possibilitar a prática de abusos por parte do consumidor.

Apesar do Código de Defesa do Consumidor não ilustrar nenhuma hipótese limitante ao direito ao arrependimento,  o  fornecedor  encontra amparo na figura do Abuso de Direito, presente no art. 187 do Código Civil de 2002, assim: “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê- lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

Na definição de Rizzato Nunes, o abuso de direito será (2012, p.188):

(...) resultado do excesso de exercício de um direito, capaz de causar dano a outrem. Ou, em outras palavras, o abuso do direito se caracteriza pelo uso irregular e desviante do direito em seu exercício, por parte do titular.

Sendo assim, o abuso de direito ocorrerá sempre que o  exercício  de um “direito” ultrapassa a barreira da conduta justa, aplicá-lo ao direito de arrependimento significa frear a prática de condutas eivadas de má-fé que privilegiam os consumidores. Observamos que a norma consumerista ao possibilitar o direito ao arrependimento as compras online quer permitir que o consumidor reflita sobre o que está comprando ou contratando.

Logo, a legislação estará forçando que o consumidor reflita sobre a contratação pelos sete dias que lhe foram concedidos. Isso se dá, justamente, porque o direito ao arrependimento deve ser exercício em cima do contrato firmado entre as partes e não sobre a efetiva prestação do serviço.

2       REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível                                                                                                                                        em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>. Acesso em 30 de maio de 2018.

BRASIL. Código Civil. Lei n° 10406, de 10 de janeiro de 2002.

BRASIL. Decreto n. 7.962 de 15 de março de 2013. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/decreto/d7962.htm.

Acesso em 05 de junho de 2018.

FIGUEIREDO, Ivanildo. A expansão do comércio eletrônico. Disponível em:

<http://desafio21.informazione2.com.br/cms/export/sites/default/desafio21/vers aopdf/pdf/495.pdf. Acesso em 26 de maio de 2018.

GOMIDE, Alexandre Junqueira. Direito de Arrependimento nos contratos de consumo. São Paulo. Almedina, 2014.

GRINOVER, Ada Pellegrini [et al.]. Código de Defesa do Consumidor: Comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.

LEONARDI, Marcel. Produtos e serviços digitais e direito de arrependimento. Disponível                                             em: http://leonardi.adv.br/2011/02/produtoseservicos- digitaisedireito-de-arrependimento/. Acesso em 07 de junho de 2018.

LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

Data da conclusão/última revisão: 22/11/2018

 

Como citar o texto:

SILCA, Verônica Maria Félix da..O comércio eletrônico no Brasil e o direito de arrependimento. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1647. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-consumidor/4510/o-comercio-eletronico-brasil-direito-arrependimento. Acesso em 27 ago. 2019.

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