1. O Princípio do Contraditório

Para conceituar o contraditório Edna Galvão (1999) transcreve Mendes de Almeida: "a ciência bilateral dos atos e termos processuais e possibilidade de contrariá-los".

Ada Pellegrini Grinover, citada por Edna Galvão (1999), entende indispensável o contraditório, como método de busca da verdade baseado na contraposição dialética. Segundo Grinover é do contraditório que brota a própria defesa, através da informação e possibilidade de reação.

Elio Fazzalari (1994) afirma que só há processo quando em uma ou mais fases do iter de formação de um ato é observada a participação tanto do autor quanto do réu, em contraditório.

Deduzir ação em juízo, alegar e provar fatos constitutivos de seu direito, bem como ser informado sobre o conteúdo do processo e poder reagir é a forma de manifestação do contraditório, o qual se efetiva com a garantia da igualdade entre as partes, dispondo estas dos mesmos instrumentos processuais (Néri Jr. e Maria de Andrade Néri, 2002).

A ampla defesa e a bilateralidade do processo são fundamentos lógicos do contraditório.

O contraditório abrange não só as garantias processuais, mas também o respeito, dentro do processo, aos direitos fundamentais de cidadania, religião, liberdade sexual, etc. A garantia do contraditório é que permite ao juiz depurar a ação dos elementos danosos no acervo de fatos apresentados pelas partes. A parte, por ser o órgão mais imediato na transmissão do fato ao juiz é o órgão mais perigoso. O contraditório visa elidir esse perigo, o perigo de se fazer injustiça por meio da tutela jurisdicional (Galvão, 1999).

2. O contraditório no processo de execução

Dúvida inexiste que após a Constituição de 1988 o dogma quase sacramentado de que no processo de execução só cabem embargos e após seguro o juízo não encontra respaldo nas garantias fundamentais positivadas naquela carta política.

É certo que em se tratando de execução por título judicial, o contraditório deve restringir-se às hipóteses elencadas no art. 741 do CPC, justamente porque a constituição do título presume a garantia efetiva do contraditório na fase de conhecimento. Não assim com relação a execução por título extra-judicial. Tanto o art. 745 admite que o executado possa levantar qualquer matéria de conhecimento, quanto o art. 5º, ambos do CPC, informa da possibilidade de ajuizamento de ação incidental sobre aquele processo principal, de execução. E essa ação incidental tanto poderá ser os embargos, quanto a anulatória ou mesmo uma ação cautelar.

Lembra Gomes da Cruz (Estudos sobre o processo e a Constituição de 1988; 1993) que a antiga ação executiva fundada em títulos extrajudiciais (art. 298 do CPC de 1939) não passava de "um processo de conhecimento".

Execução é processo, diz Gomes da Cruz, "o que abrange o procedimento com participação de todos os sujeitos principais em relação jurídica processual, com todas as faculdades, poderes, deveres, sujeição, ônus que a compõem"(p.266). Daí que são inaceitáveis propostas que visem reduzir a execução a meros atos de procedimentos satisfativos do suposto credor.

Humberto Theodoro Júnior (Curso de direito Processual Civil, v.II, 2002, p. 253) afirma categoricamente " o juízo da ação de embargos, que é feito incidental, é o mesmo da execução (arts. 108 e 109)".

O mesmo Theodoro Jr. cita Carnelluti: " o processo de cognição de impugnação do título é prejudicial à execução forçada, posto que se a impugnação vem a ser acolhida e o título fica sem efeito, a execução não se pode realizar" (Instituciones Del Processo civil, 1973). Daí que "a autonomia da ação de execução, diante da ação de cognição, é apenas formal e relativa, porque jamais poderá excluir o nexo lógico entre o título executivo e as questões tratadas na ação de conhecimento..." Desse modo, " a suspensão da execução decorre, em nosso Código, da regra geral que manda suspender o processo sempre que o provimento jurisdicional de mérito depender do julgamento de outra causa" (causa prejudicial). (Humberto Theodoro Jr., op.cit).

Tatiana Lima (2002) chega a afirmar que se não obedecidos os princípios da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, LV, CF) não há processo de execução válido.

Em obediência a tais princípios é que se admite hoje a defesa dentro do processo via exceção de pré-executividade, a qual consiste em simples petição sem previsão legal no CPC. É certo que na exceção de pré-executividade ou objeção à execução só se admite argüir matéria de ordem pública. Mas, isso porque há na previsão dos embargos a possibilidade de se argüir toda matéria de conhecimento, a menos que se trate de título judicial, reitere-se.

A vigência da garantia no processo executivo tem por fundamentos, dentre outros, as normas constitucionais que consagram o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa em todas as formas processuais (art. 5º, LIV e LV, CF).(WAMBIER, 2002).

Os embargos, em que pese o caráter incidental, têm a função - e isso é inegável - de preservar o direito de defesa.

No caso de execução fundada em título extrajudicial, não tendo havido oportunidade de exercício de contraditório em juízo, antes da formação do título, seria inconstitucional qualquer limitação à matéria argüível (WAMBIER, 2002). Exemplo disso é a Lei 5.741/71, art. 5º:

Art . 5º O executado poderá opor embargos no prazo de 10 (dez) dias contados da penhora que serão recebidos com efeito suspensivo, desde que alegue e prove:

I - que depositou, por inteiro a importância reclamada na inicial.

II - que pagou a dívida, apresentando desde logo a prova da quitação.

§ 1º Da decisão do juiz que rejeitar os embargos caberá agravo de instrumento.

§ 2º Os demais fundamentos de embargos, previstos no art. 1.010 do Código de Processo Civil (de 1939, revogado), incisos I e III, não suspendem a execução.

Referida lei dispõe sobre a proteção aos imóveis vinculados ao Sistema Financeiro de Habitação

Com base na reforma processual de 1994 o STJ decidiu [REsp Nº 354.768 - SE (2001/0117493-5) ]:

"I. Em face da alteração procedida pela Lei n. 8.953/94, que acrescentou o parágrafo 1º ao art. 739 do CPC, os embargos do devedor gozam de efeito suspensivo, mesmo em relação às execuções regidas pela Lei n. 5.741/71.

II. Precedentes do STJ.

III. Recurso especial não conhecido. "

Nesse mesmo Acórdão o Ministro Relator Aldir Passarinho Junior afirma:

"Atente-se que exatamente em tal comando a Lei Processual

Civil ora vigente se distinguiu de todo o procedimento de execução

antes vigente no País e tal modificação, em sua "ratio essendi",

nasceu exatamente da necessidade de adaptar-se o procedimento de

execução ao comando constitucional vigente, que em seu artigo 5°,

ao cuidar dos direitos e deveres individuais e coletivos, consagra, em

seu inciso LV, aos litigantes, quer administrativa quer judicialmente,

e aos acusados em geral, a segurança do contraditório e da ampla

defesa, com os meios e recursos a ela inerentes."

 

 

3. Ação anulatória incidental

No caso de ação anulatória, entendemos que se o executado não opôs os embargos, cabe efeito suspensivo do processo de execução e, por conseguinte, há litispendência entre o processo de execução e a ação anulatória que tem caráter incidental. Além de se atender ao princípio do contraditório é providência que atende à economia processual.

Theotônio Negrão ensina que inexistindo sentença, decisão terminativa no processo de execução, a forma de rescindir o título executivo após o prazo embargável é a prevista no art. 486. A ação anulatória, prevista no art. 486 do Código Processual, dá ao autor (devedor) a possibilidade de alegar toda a matéria que poderia ter aduzido nos embargos.

Art. 486. Os atos judiciais, que não dependem de sentença, ou em que esta for meramente homologatória, podem ser rescindidos, como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil.

Essa tese tem respaldo na Jurisprudência do STJ (Resp 9.401-0, 08/09/93; Ag 8.089-=SP-AgRg, 23/04/91):

EMENTA

Inocorre preclusão, e portanto a validade e eficácia do tÍtulo executivo extrajudicial podem ser objeto de posterior ação de conhecimento, quando na execução não forem opostos embargos do devedor, e igualmente quando tais embargos, embora opostos, não foram recebidos ou apreciados em seu mérito. Inexistência de coisa julgada material, e da imutabilidade dela decorrente.

Agravo regimental rejeitado.

 

 

 

Colacionamos jurisprudência (RESP 279.684) que demonstra a competência do juízo da execução para julgar a ação anulatória:

"Processual Civil. Ação Anulatória de Débito Fiscal. Execução Fiscal.

Conexão. Continência. Reunião dos Processos. CPC, artigos 102, 103,

105, 106 e 585, § 1º. Lei 6.830/80 art. 38. Súmula 112/STJ.

1. Concomitantes as ações anulatórias e de execução fiscal, seja à

força da conexão ou da continência, devem ser reunidas para

apreciação simultânea, evitando-se composições judiciais

contraditórias. A direção única do processo é via favorecedora.

2. Precedentes jurisprudenciais.

3. Recurso provido.

 

 

O citado Recurso Especial tem precedentes: RESp 64.276/SC, REsp 157.675/SP, REsp 58.408/SP.

No RESp 64.276/SC, relatado pela Ministra Eliana Calmon, esta reconhece que não obstante inexistir conexão entre execução e ação anulatória, "não se pode ignorar a existência de prejudicialidade entre os litígios, o que aconselha sejam ambos decididos pelo mesmo julgador, ainda que ajuizados em comarcas distintas."

O dogma de que a ação anulatória não pode ser proposta incidentalmente nos autos da execução não encontra guarida nos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. É bom que se tenha em mente, o CPC data de 1973, anterior à Constituição.

Lembra Calmon de Passos que o juiz não pode ficar amarrado ao modismo do instrumentalismo processual.

É certo que em se tratando de execução por título judicial, o contraditório deve restringir-se às hipóteses elencadas no art. 741 do CPC, justamente porque a constituição do título presume a garantia efetiva do contraditório na fase de conhecimento. Não assim com relação à execução por título extra-judicial. Tanto o art. 745 admite que o executado possa levantar qualquer matéria de conhecimento, quanto o art. 5º, ambos do CPC, informa da possibilidade de ajuizamento de ação incidental sobre aquele processo principal, de execução. E essa ação incidental tanto poderá ser os embargos, quanto a anulatória ou mesmo uma ação cautelar.

José da Silva Pacheco chega a defender que a defesa do executado não se esgota nos embargos.

A ampla defesa, diz Rui Portanova (Princípios dos Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do advogado, 1997; p. 125), implica que "o cidadão tem plena liberdade de, em defesa de seus interesses, alegar fatos e propor provas".

Do exposto, conclui-se: apenas o apego formalista à letra da lei impede o processamento de ação anulatória incidental com efeito suspensivo no processo de execução fundado em título extra-judicial.

 

 

 

5. BIBLIOGRAFIA

FAZZALARI, Elio. Istituzioni di Diritto Processuale, 7.ed., Padova, Cedam, 1994.

CRUZ, Raimundo Gomes da. Estudos sobre o processo e a Constituição de 1988; 1993

GALVÃO, Edna Luiza Nobre. Princípio do contraditório. Jus Navigandi, Teresina, a.4, n. 36, nov. 1999. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=819.

LIMA, Tatiana Maria Silva Mello de. O contraditório no processo de execução . Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 55, mar. 2002. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2739

NERI JR., Nelson, NERI, Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 6. ed.São Paulo: RT, 2002.

PORTANOVA, Rui. Princípios dos Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do advogado, 1997; p. 125. Citado por LIMA (2002).

THEODORO JR., Humberto. Curso de direito Processual Civil, v.II, 2002

WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil, v. 2: processo de execução. 5 ed. São Paulo: RT, 2002. 430 p.

 

Como citar o texto:

FORTE, Alexandre.O princípio do contraditório no processo de execução fundado em título executivo extrajudicial e cabimento da ação anulatória incidental. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-civil/50/o-principio-contraditorio-processo-execucao-fundado-titulo-executivo-extrajudicial-cabimento-acao-anulatoria-incidental. Acesso em 10 mar. 2001.

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