RESUMO: As medidas protetivas são ferramentas jurídicas que objetivam impedir que um indivíduo esteja em situação de risco. Em realidade estas medidas no contexto que o artigo aqui se propõe, e na perspectiva da violência doméstica objetivam protegerem as mulheres de potenciais ações do agressor. Tais sanções são muito comuns quando da aplicação da Lei Maria da Penha(Lei 11.340/2006) que emitem um aviso ao agressor que o mesmo não pode se aproximar da vítima. Em muitos casos estas sanções se aplicam também a prole. O problema está no fato de que mesmo com a emissão de tais medidas, diariamente muitas mulheres vem sendo agredidas e mortas no Brasil. Sob estes fatos apresenta-se neste artigo argumentativas que reforçam ainda mais a ineficácia das medidas protetivas no caso de violência doméstica e violência contra a mulher. Estas medidas protetivas podem ser solicitadas em qualquer delegacia, contudo, antes a vítima deve registrar um boletim de ocorrência, e solicitar a autoridade policial a medida protetiva. O que ocorre na maioria dos casos é que mesmo com a medida protetiva o agressor continua a re-incidir, em muitos casos até matando a vítima posteriormente. Com todos estes argumentos, verifica-se que é necessário a revisão da Lei, aplicando penas ainda mais duras nos casos de violência doméstica. Além disso é preciso a implantação de campanhas de conscientização sobre a violência doméstica entre a população, principalmente entre os jovens e adolescentes.

Palavras-chave: Medidas Protetivas. Risco. Agressor. Ineficácia.

THE INEFFICACY OF PROTECTIVE MEASURES AGAINST WOMEN

ABSTRACT: Protective measures are legal tools that aim to prevent an individual from being at risk. In fact these measures in the context that the article proposes here, and from the perspective of domestic violence aim to protect women from potential actions of the aggressor. Such sanctions are very common when applying the Maria da Penha Law (Law 11.340 / 2006) that issue a warning to the aggressor that he cannot approach the victim. In many cases these penalties also apply to offspring. The problem is that even with such measures, many women are being beaten and killed daily in Brazil. Under these facts, this article presents arguments that further reinforce the ineffectiveness of protective measures in the case of domestic violence and violence against women. These protective measures can be requested at any police station, however, the victim must first file a police report and ask the police authority for the protective measure. What happens in most cases is that even with the protective measure the perpetrator continues to re-focus, in many cases even killing the victim later. With all these arguments, it is verified that the Law is revised, applying even harsher penalties in cases of domestic violence. In addition, it is necessary to implement awareness campaigns on domestic violence among the population, especially among young people and adolescents.

Keywords:Protective Measures. Risk. Aggressor. Ineffectiveness.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Referencial Teórico. 2.1. O papel da mulher na sociedade patriarcal. 2.2. A violência desde os primórdios da civilização. 2.3. As alterações da Lei Maria da Penha e suas nuances: aspectos introdutórios. 2.4. Violência Doméstica e Violência contra a mulher. 2.5. Principais Legislações que Protegem a Mulher. 2.6. As medidas protetivas. 2.7. Inovações trazidas pela legislação. 2.8. A Ineficácia das Medidas Protetivas em casos de violência doméstica e violência contra a mulher: possíveis soluções. 3. Conclusão. 4. Referências.

 

1.    INTRODUÇÃO

O artigo aqui apresentado discorre sobre a ineficácia das medidas protetivas no caso de violência contra a mulher e violência doméstica. Primeiramente traça-se um processo histórico evolutivo sobre a mulher no tempo e no espaço, onde apresenta-se o papel da mulher na sociedade patriarcal, com olhares da mulher em cada época, com destaque para a sociedade grega, romana, hebreus, babilônicos, egípcios, idade média, e idade contemporânea.

Entre gregos, romanos, hebreus a mulher não apresentava muitos direitos, estava submetida a afazeres domésticos, educação dos filhos, e atividades consideradas de menor valor para a época, ainda que hajam entre os hebreus (Bíblia) relatos de mulheres que tiveram cargos de altos escalões.

Já entre os babilônicos a mulher apresentava funções um pouco mais diferenciadas, e sofisticadas para a época. O Homem Babilônico diferente do homem grego, romano tinha uma postura voltada mais ao heterosexualismo, e considerava a mulher além de simples ferramenta de procriação, como uma conselheira, uma companheira que cuidava dos afazeres domésticos, das propriedades, dos escravos, da educação dos filhos.

Diferentemente da mulher egípcia. A mulher egípcia detinha muitos direitos. Dentre eles o de ser possuidora de bens. Além de possuir cargos de alto escalão. Assim pode-se concluir que ainda que tivessem funções domésticas, de criação dos filhos, no Egito, as mulheres detinham muitos direitos, que na civilização ocidental somente vieram ocorrer séculos depois.

Na Idade Média a mulher não apresentava ainda funções de destaque. Somente após as idéias iluministas, e das revoluções feministas, direitos sociais, entre outros movimentos que a mulher foi de fato adquirir direitos, inclusive de não ser agredida pelo próprio marido.

A violência sempre existiu. Inclusive como uma ferramenta de auto afirmação. Um exemplo era o poder que o homem romano detinha sob sua família, podendo até mesmo vendê-la como escravo. Atualmente é comum ver em países orientais, como Irã, Iraque, Arábia Saudita mulheres sendo submetidas a cenas de violência pelos próprios maridos.

Enfim, esta era uma realidade bastante comum no Brasil, podendo-se afirmar até a década de 90. Era um assunto velado, mas ocorriam muitas agressões, além de mortes. Muitas mulheres mesmo agredidas, quando chegavam na delegacia para denunciar o cônjuge ou companheiro era desencorajada pela autoridade policial.

As coisas começaram a mudar a partir da instalação de delegacias de proteção a mulher e de legislações que protegem as mulheres. Com destaque inigualável a “Lei Maria da Penha”.

Foi a partir da Lei Maria da Penha que as mulheres começaram a ter de fato direitos contra agressões de cônjuges e companheiros, além da proteção dada a família contra a violência doméstica (geralmente contra os filhos, enteados, etc).

Contudo mesmo após a Lei Maria da Penha nota-se um grande número de mulheres sendo agredidas, espancadas e até mortas pelos seus cônjuges, companheiros, namorados, entre outros.

O Atlas da Violência (2019) demonstrou que entre (2007-2017) houve aumento no número de mortes de mulheres em todo Brasil. Evidenciando que desde a Edição da Lei Maria da Penha ainda existe uma cultura machista na sociedade que encoraja o homem a proceder dessa maneira.

É neste sentido que se apresenta dados, argumentos, números que comprovam que mesmo após a Lei Nº 13.827, de 13 de maio de 2019 (BRASIL, 2019), que traz modificações na Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006) (BRASIL, 2006) principalmente no contexto das medidas protetivas de urgência, ainda é alto o número de homicídios e de casos de violência contra a mulher no Brasil, havendo necessidade de novas soluções para o problema, apresentadas no final deste artigo. 

 

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 O papel da mulher na sociedade patriarcal

Não existe de fato uma origem nas relações humanas. Não existe um livro específico que aborde como se deram as primeiras famílias, as primeiras relações etc. Existem correntes como a criacionista, a que eu defendo de que Deus criou o homem e a mulher, e a partir daí desenvolveram-se as famílias na terra. Uma segunda corrente afirma que o homem evolui de um primata, parecido com o macaco, e partir de estar ereto começou a acasalar-se e formar clãs.

 A literatura tem apresentado alguns olhares da mulher em cada época, com destaque para a sociedade grega, romana, hebreus, babilônicos, egípcios, idade média, e idade contemporânea.

 A mulher na sociedade grega não tinha muitos direitos. Era vista na grande maioria das vezes como um objeto de procriação. É sabido que os Gregos (do sexo masculino) não apresentavam muitas restrições sexuais, muitos sendo até mesmo bi-sexuais, homosexuais, ainda que fossem casados. O lugar da mulher era em casa prestando satisfação ao seu casamento, ao seu marido, ao cuidar da prole. Segundo Cecília Caballero,

1. O lugar da mulher: a casa como intransponível, o casamento como dignidade. Partindo do pressuposto que a história que se conhece é a história da vida pública e esta sempre foi indiferente à presença da mulher, é preciso procurá-la no seu confinamento privado.[...] Na Grécia Antiga, este espaço resumia-se a casa, a oikia, que na antiguidade clássica distinguia-se da polis. A casa, conceito amplo que reúne a mulher, os filhos, a terra e os escravos, era o lugar onde o homem desenvolvia todas as atividades visando unicamente a sua conservação. Para isto, o patriarca estabelecia, neste local. [...] Era o local de relações desiguais e de sujeição para com os seus, relações das quais nem mesmo ele estava liberto a necessidade de sobrevivência submetia até mesmo o chefe ao seu jugo. Enquanto a oikia era o lugar sujeição, a polis era o espaço dos cidadãos, dos iguais. A participação na cidade exigia autonomia de ação e interação com outros homens igualmente livres com amplas condições para governar. (2010, p. 126)

 Percebe-se claramente que a posição da mulher entre os gregos era de submissão total. A mesma estava responsabilizada por afazeres domésticos, educação dos filhos, gerencia da propriedade, dos escravos, e outras questões consideradas como para indivíduos de segunda classe (CABALLERO,2015).

 A sociedade grega privilegiava o pensamento, o saber, a filosofia, as artes, e estas funções estavam sob o domínio dos homens, que eram considerados seres superiores, cidadãos livres, que tinham poder de filosofar, de criar respostas aos problemas humanos, enquanto a fêmea, a mulher, era apenas um ser ou objeto, utilizado para a reprodução, para a procriação.

 Abordando agora a mulher entre os hebreus, arremete-se a bíblia sagrada. A bíblia sagrada apresenta inúmeros momentos onde as mulheres estão presentes. Sendo que um dos pontos principais, a que dava destaque as mulheres entre os Hebreus era a possibilidade da mesma ter filhos. Tanto é que um dos primeiros casais relatados pela Bíblia, Abraão tinha como um de seus entraves/desafios a não possibilidade de ter filhos, e somente após uma promessa divina, os mesmos já idosos, tiveram um filho chamado Isaque (GONÇALVES, 2015).

 Ainda assim, a bíblia apresenta relatos de mulheres que tiveram destaque entre os Hebreus, sendo profetizas, juízas, ente outras funções importantes. Não há muitos relatos sobre a convivência marital entre os hebreus. O que se sabe era que por influência da religião a mulher não era um ser no mesmo patamar do homem. Tinha funções domésticas, e de educação dos filhos, nos plantios, na criação de ovelhas, entre outras. As decisões mais importantes eram tomadas pela figura masculina, e a mulher estava enquanto casada sob o jugo do homem, e quando solteira sob o jugo do pai.

 Segundo Gonçalves (2015, p. 1),

No início da Civilização Hebraica as mulheres dos Patriarcas  eram as Matriarcas, mulheres ouvidas, respeitadas e admiradas. Havia mulheres profetisas e juízas. As mulheres estavam presentes no Monte Sinai no momento em que Deus falou a Moisés e tornou o povo de Israel o povo eleito. Eram activas nas celebrações religiosas e sociais, dos atos políticos. Atuavam no plano económico. Tinham voz, tanto no campo privado como no público. A palavra hebraica para mulher (ishshah) significa “ser macia, delicada” e é um contraste com a palavra homem (ish) que significa, pela variante da raiz, “ser forte”. Para os hebreus o homem era a cabeça da mulher, mas só porque esta foi criada em segundo lugar, não significando de facto uma inferioridade da mulher. Na bíblia encontra-se expresso que  a mulher, como o homem foram feitos a é “imagem e semelhança de Deus”. Com o passar do tempo e por força das influências estrangeiras foram excluídas da actividade pública e passaram a ficar limitadas ao lar. Passaram a ser definidas no aspecto biológico, como mães procriadoras sendo dependentes, primeiro do pai e depois do marido. Sob o ponto de vista psicológico passou a considerar-se  que eram incapazes de dedicar-se a temas tidos sérios ou importantes, exclusivos dos homens. A inferioridade da mulher passa a ser apresentada como resultado do pecado original e alguns rabinos chegavam ao extremo de considerar “que a mulher não possuía alma e que era preferível queimar a Lei do que ensiná-la a uma mulher”.

 Assim pode-se notar o quão preconceituoso, e quão inferior era o papel da mulher entre os hebreus. Ainda que segundo as ordens divinas a mulher e o homem compunham uma só carne, mas na realidade, sabe-se que entre os povos primitivos, praticamente todos tinham a mulher como um cidadão de segunda classe.

     Entre os Babilônicos o papel da mulher se colocava um pouquinho mais avançado com relação a Direitos. O Homem Babilônico diferente do homem grego tinha uma postura voltada mais ao heterosexualismo, e considerava a mulher além de simples ferramenta de procriação mas como uma conselheira, uma companheira que cuidava dos afazeres domésticos, das propriedades, dos escravos, da educação dos filhos. Segundo Santos (2008, p. 47),

Para além destas mulheres célebres, a situação da mulher mesopotâmica comum era determinada, como dissemos, pelo enquadramento das leis vigentes, e pela própria concepção de matrimónio. A finalidade do casamento estava muito ligada à manutenção da casa, do marido, e ao aumento do número de mão-de-obra através dos filhos. O matrimónio mesopotâmico fundamentava-se no princípio da monogamia e do patriarcado. Segundo circunstâncias determinadas, o homem podia manter uma concubina ou uma escrava, embora nenhuma destas mulheres desfrutasse de uma posição comparável à da mulher legítima. A situação jurídica e social da mulher, sobretudo das mulheres sumérias e da época peleobabilónica, era muito mais livre do que a das mulheres assírias. Por seu lado, genericamente, a mulher babilónica podia fechar contratos e apresentar-se diante dos tribunais, como parte ou como testemunha. Estava autorizada a ocupar certos cargos da administração – escriba ou membro do colégio jurídico. Encontrava-se legalmente protegida contra a violência ou contra a difamação, mantendo-se contudo o carácter patriarcal do matrimónio mesopotâmico. O marido podia entregar a sua mulher a um credor como fiança ou para pagar as dívidas com o seu trabalho. Todavia, a mulher não podia fazer o mesmo com o marido. Este não era responsável pelas suas dívidas antes do matrimónio. A mulher podia livrar-se das dívidas do marido apenas mediante a sua ilibação por escrito, por parte do marido. O divórcio era também mais difícil para a esposa, como no caso de uma mulher com filhos menores de idade que não poderia contrair novo matrimónio sem a devida aprovação jurídica.

      Assim, percebe-se que entre os Babilônicos a mulher admitia certos tipos de regalias e luxos que não era admita aos hebreus e aos gregos, mas a posição inferior ao homem ainda era mantida. Entre os babilônicos a mulher apresentava proteção contra a violência e a difamação, o que ao ver deste estudo era um avanço bastante significativo.

        A mulher na sociedade romana apresentava ainda muita submissão. Segundo Mongelos et al. (2011, 2),

A mulher na sociedade romana possui mais considerações e valor que se comparada à mulher nas sociedades helênicas. Como funções domésticas era a mulher responsável por cuidar da casa e dos escravos (governando-os). Ao contrário, por exemplo, das atenienses, era permitido à mulher casada romana sair de casa, desde que vestida adequadamente, freqüentar teatros, feiras e tribunais e sendo respeitada. O casamento era uma cerimônia solene, onde estava representada a passagem da tutela do pai sobre a filha para o marido. Com o desenvolver da cidade romana, a mulher passou a adquiri mais direitos. Um grande avanço em termos direito de sucessão se da em torno das mesmas poderem tomar parte da herança paterna, estando constado em documentos históricos que em torno do século III a.C, já havia mulheres que gozavam das fortunas herdadas. Muita destas transformações sociais que culminou com certa liberdade para as mulheres é conseqüência do expansionismo romano, datados entre os séculos V a III a.C, se deve as freqüentes guerras, que tinham por resultado a ausência dos homens por longos períodos.

Parecido com as demais funções das sociedades gregas e hebréias a sociedade romana apresentava a figura feminina como responsável das atividades domésticas, com funções específicas em cuidar da casa e dos escravos (dando-lhe atribuições).

Distinta da mulher ateniense a mulher casada romana podia sair de casa, contudo que estivesse vestida de forma adequada, além de poder frequentar teatros, feiras e tribunais e sendo respeitada pela sociedade romana. Com o tempo a mulher romana adquiriu ainda mais direitos, principalmente voltadas aos direitos de sucessão, podendo tomar parte na herança paterna. Estas transformações trouxeram novos direitos as mulheres romanas. Acredita-se que tais direitos estejam intimamente ligados ao expansionismo romano ocorrido entre os séculos V a III a.C (MONGELOS et al., 2011).

Passando para a Mulher na sociedade egípcia verifica-se uma alteração bastante grande. A mulher egípcia detinha muitos direitos. Dentre eles o de ser possuidora de bens. Além de possuir cargos de alto escalão. Unanimidade nas outras civilizações antes apresentadas.

Segundo Michel (2014, p. 3),

Na sociedade egípcia as mulheres tinham a função de gerar, cuidar e curar, podendo ter posse de terras e possuir bens próprios. No antigo Egito a esposa era quem cuidava de todos ao seu redor, incluindo filhos e servos. Segundo documentos da III e V Dinastia, as mulheres podiam administrar a herança dos filhos caso fossem menores, sendo que em alguns documentos são mostrados que tanto os filhos, quanto às filhas, recebia de forma igual à divisão da herança. Há vários registros de mulheres fazendo serviços domésticos, como a tecelagem e a preparação de cerveja e pães para a distribuição em todo o Estado. Na ausência dos maridos elas tomavam conta das tarefas deles Durante o Reino Médio, as mulheres podiam atuar na justiça como testemunhas e defensoras e em pé de igualdade no trabalho de corveia (Sistema de trabalho compulsório no Egito Antigo).As mulheres também tinham praticamente os mesmos direitos dos homens, o que não ocorria em outras civilizações da mesma época. Chegando a postos que só foram alcançados por mulheres somente na sociedade atual. Havia muitos postos de trabalho e de destaque para as mulheres egípcias.

Os ensinos de Morley, Salariya (1999, p. 34) destacam que:

As mulheres eram bem tratadas no Antigo Egito. Elas podiam receber uma remuneração e ter propriedades. A lei egípcia reconhecia seus direitos e elas podiam ir aos tribunais reclamá-los, se sentissem que estavam sendo tratadas de forma injusta. Era esperado que os maridos permitissem as suas esposas irem aonde quisessem e fazer o que desejassem. As mulheres nas famílias mais pobres tinham de trabalhar em casa, nos campos, ou ajudando no ofício de seus maridos. A função de uma sacerdotisa era considerada uma honra e não um trabalho. Uma mulher poderia se tornar faraó mais isso era extremamente raro.

Assim pode-se concluir que ainda que tivessem funções domésticas, de criação dos filhos, no Egito, as mulheres detinham muitos direitos, que na civilização ocidental somente vieram ocorrer séculos depois.

Pode-se perceber portanto que nas civilizações antigas, praticamente todas, a mulher tinha um lugar coadjuvante, quase que sem direito algum. Exceto os egípcios os romanos, hebreus, gregos tinham na mulher uma reprodutora, uma cuidadora da casa e da propriedade, da educação dos filhos, entre ações consideradas na época de segunda importância. 

Verifica-se portanto que as mulheres sofreram muito para começar a ter direitos, e que de fato só surgiram após a revolução francesa, e no século XX. E com relação a violência apresenta-se a seguir alguns posicionamentos da doutrina que abordam a violência sofrida contra a mulher.

 

2.2 A violência desde os primórdios da civilização

O conceito de violência é algo bastante amplo, havendo até mesmo vários tipos de classificações, como física, moral, simbólica, racial, e etc. Mas especificamente contra as mulheres não é novidade a violência, principalmente partindo muitas vezes daqueles que a deveriam proteger, como esposos, pais, irmãos, tios, etc.

Com base no entendimento de que o homem evoluiu existem relatos de estudiosos que apontam que a revolução neolítica (4000 A.C.), onde houve a domesticação de animais e o domínio da agricultura. A partir daí a mulher teve um papel muito mais ligado as tarefas domésticas, a reprodução e criação da prole, e o homem como protetor e provedor de caça, carne, alimentos, entre outros (VICENTINO, 1997).

Pode-se perceber que o matriarcado foi privilegiado. Enquanto que o homem teria de se aventurar para buscar a subsistência, a mulher tinha funções um tanto quanto mais privilegiadas, no abrigo, na segurança da habitação. Não que sua função fosse um tanto quanto privilegiada, mas era ao ver daquele modelo, mais benéfica, até mesmo pela estrutura física feminina, e as características das crianças (OSÓRIO, 2002).

Entre os povos primitivos a mulher tinha uma função importantíssima, principalmente voltada a cultura de plantas, e domesticação de animais, tanto para consumo, como para facilitar a vida cotidiana daquele tempo. Não havia de fato neste tempo uma monogamia, além de não haver um conceito de propriedade emocional, sendo que havia relação entre uma mulher e distintos homens, geralmente em grupos consanguíneos (OSÓRIO, 2002).

Já entre o período de 2000 a 1400 a.C. começa a surgir o conceito de que o casamento entre familiares não é tão interessante, e os membros começam a casar entre famílias, este movimento é chamado de família punaluana. Vicentino (1997) ressalta que a mulher em Creta, neste mesmo período gozava de direitos bastante peculiares, de modo que, se destacavam por posições como sacerdotisas, fiandeiras, pugilistas, caçadoras ou toureiras.

Já em Esparta, Vicentino (1997) ressalta que as mesmas tinham a liberdade de praticar esportes, e promover uma maternidade sadia. Na Grécia a mulher estava sob o jugo do marido, e se fosse rica, não sairia de casa, caso pobre poderia trabalhar nos bosques ou no mercado. Tinha uma função basicamente de reprodução e criação dos filhos, gerência da propriedade.

Após apresentar algumas características da forma com que as distintas sociedades tratavam as mulheres é imperativo afirmar que sempre houve violência contra as mulheres. Não se trata de um fenômeno atual. Podendo-se até mesmo afirmar que as mulheres em algumas civilizações eram quase objetos reprodutivos.

Achados de Leite (1994), e Vicentino (1997) apontam que o Direito Sumério, em cerca de 2000 a.C. a mulher quando casada era comprada pelo marido, e se acaso, promovesse alguma ação contrária ao mesmo, o mesmo poderia mata-la, inclusive, sob afogamento, ou fogo.

No Direito Romano, Vicentino (1997) afirma que a punição as mulheres cabia ao Estado. Leite (1994) ressalta a violência cometida contra as mulheres na Idade Média, nas fogueiras da inquisição, cometendo atrocidades terríveis. O entendimento das ordenações filipinas é que se o marido fosse traído poderia matar tanto o amante, quanto a mulher. Caso o amante possuísse uma condição melhor do que a do marido poderia buscar a resolução do caso na justiça régia.

No século XIX a mulher deveria ter uma posição de recatada, de tímida, e o homem de fogoso, de ansioso sexualmente, de caçador. Osório (2002) afirma que a fidelidade conjugal era um dos requisitos para o reconhecimento dos filhos como legítimos.

Osório (2002) ensina que a monogamia era o padrão dominante nas relações, além disso, o casamento só era reconhecido a partir do matrimonio, que compunha civil e religioso.

Durante o século XIX e o Século XX praticamente inteiro, o conceito de violenta emoção foi bastante aceito no caso de traição, principalmente quando o marido pegava a mulher no ato. Grande parte dos tribunais admitia-se ser permitido que o homem matasse sua esposa/companheira (ELUF, 2003).

Segundo o Código Penal de 1940 houve a eliminação da licitude relativa à “perturbação dos sentidos e da inteligência”, fazendo com que ficasse sem punição assassinos passionais, considerando como “homicídio privilegiado”, de modo que o criminoso teria uma pena menor do que o homicídio simples (6 anos), não ficando mais impune (ELUF, 2003).

A justificativa está na violenta emoção, contudo, atualmente a jurisprudência não mais tem se posicionado nesse sentido. Havendo casos muito esparsos de homens que chegaram a matar sua companheira, e que tiveram o convencimento do tribunal do júri. Mas normalmente, o judiciário entende que o “homem médio” contemporâneo, já tem discernimento, e não há necessidade mais na sociedade moderna de cumprir com sua honra.

Durante muitos anos, no Brasil, foi bastante comum a violência doméstica e contra a mulher. Havendo relatos de muitas mulheres que eram desde agredidas fisicamente, verbalmente, e etc. Contudo a partir de campanhas de mobilização, além de ação do legislador a realidade começou a mudar, mas ainda na atualidade muitas mulheres são vítimas de violência e feminicídio, nesta perspectiva apresenta-se a seguir alguns comentários da doutrina sobre a Lei considerada mais importante no contexto das medidas protetivas e da violência contra a mulher, Lei Maria da Penha.

 

2.3 As alterações da Lei Maria da penha e suas nuances: aspectos introdutórios

A Lei nº 13.827/2019 trouxe alterações a Lei Maria da Penha. Segundo o Capítulo III no artigo 10 da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) quando pelo atendimento da autoridade policial verifique-se iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento do fato adotará, de imediato, as providências legais cabíveis, dentre elas a medida protetiva. Também o artigo 12-C da mesma Lei, mais especificamente no parágrafo 2º o legislador apresenta punição ao agressor, sendo que, se houver risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida protetiva de urgência, não será concedida liberdade provisória ao preso. Esta mudança foi realizada pela Lei nº 13.827, de 2019 apresentada no parágrafo anterior (BRASIL, 2019).

A Lei 13.827/19 é considerada recente, e entrou em vigor meses atrás, trazendo em seu escopo a alteração da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha). Mais especificamente buscou alterar quanto as autorizações das medidas protetivas de urgência, sendo admitido tanto pela autoridade judicial, como pela autoridade policial, em situações onde haja violência doméstica e familiar, ou até mesmo aos dependentes. Além disso, a alteração autorizou o registro da medida protetiva de urgência em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (BRASIL, 2019).

As principais mudanças se deram nos artigos 12-C e 38-A. Isso é uma clara percepção da ineficácia das medidas protetivas no cenário nacional. Tais medidas não tem surtido o efeito desejado, fazendo com que haja um endurecimento por parte do legislador frente as pressões sociais. Criando assim novas alternativas legais que possam punir mais severamente os agressores (BRASIL, 2019).

Em realidade a violência contra mulher vem aumentando assustadoramente nos últimos anos. Em 2018 09 mulheres foram vítimas de violência por minuto no Brasil. De cada dez estupros cometidos em 2018, 8 foram praticados em casa. A taxa de mortes de mulheres por armas de fogo aumentaram mais de 30% entre os anos de 2006 a 2016 (AGÊNCIA PATRÍCIA GALVÃO, 2019).

Segundo o Datafolha, em 2018, 1,6 milhão de mulheres foram espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento no Brasil. Outro número espantoso foi o de assédio, atingindo cerca de 22 milhões (37,1%) de brasileiras. Entre os casos de violência, 42% ocorreram no ambiente doméstico. E destas, cerca de 52% após sofrer uma violência procuraram ajuda, ou denunciaram o agressor.

    Fundamentado nessas pesquisas percebe-se inicialmente que as medidas apresentadas pelo legislador até o momento não coibiram a prática criminosa  havendo necessidade de um estudo mais aprofundado da questão, e verificação se de fato as medidas protetivas estão atingindo ao fim a que se propõe. E se, não está na hora de endurecer a Lei com relação aos crimes de violência contra a mulher, e violência doméstica, no sentido de buscar coibir ao máximo tais práticas.

   Nesse sentido apresenta-se alguns conceitos sobre a eficácia das medidas protetivas contra a mulher, abordagens sobre a violência contra mulher e a violência doméstica, legislações que tratam sobre estes tipos de violência e suas respectivas penas, posicionamentos da doutrina sobre violência contra a mulher, medidas protetivas, e demais ferramentas de contenção a agressão familiar, e soluções a problemática com base em inovações legislativas a respeito da Lei Maria da Penha e as medidas protetivas de modo a fazer uma análise sobre a eficácia dessas medidas e propor soluções cabíveis.

2.4 Violência Doméstica e Violência contra a mulher

Infelizmente a violência doméstica é um fenômeno que sempre existiu, e atualmente em alguns países de origem árabe, ainda é uma realidade. No Brasil sempre foi bastante comum, mas antes era um assunto velado. Todavia após os anos 50 e 60 juntamente com as revoluções feministas tomou corpo, e é fonte de inúmeros debates, inclusive no campo Legal/Jurídico.

Segundo Guimarães e Pedrosa,

A violência doméstica contra a mulher é um fenômeno múltiplo e complexo que tem destacado importantes discussões teórico-filosóficas e questionamentos ético-políticos.(...) A violência doméstica contra a mulher tem sido um problema cada vez mais em pauta nas discussões e preocupações da sociedade brasileira. Apesar de sabermos que tal violência não é um fenômeno exclusivamente contemporâneo, o que se percebe é que a visibilidade política e social desta problemática tem um caráter recente, dado que apenas nos últimos 50 anos é que tem se destacado a gravidade e seriedade das situações de violências sofridas pelas mulheres em suas relações de afeto. As trajetórias históricas dos movimentos feministas e de mulheres demonstram uma diversidade de pautas discutidas e de lutas empreendidas por elas, sobretudo, a partir do século XVIII. No século XX, a partir da década de 60, essas mobilizações enfocaram, principalmente, as denúncias das violências cometidas contra mulheres no âmbito doméstico(2015, p. 256-257).

Até há pouco tempo, era um problema cultural. Era comum que homens agredissem suas esposas. Trata-se de um tema velado. “Entre homem e mulher não se mete a colher”(SAFFIOTI,1999). Contudo a violência contra a mulher, e violência doméstica foi tomando proporções tão grandes que houve a necessidade do posicionamento do Legislador.

Uma das mais importantes Leis criadas com objetivo de parametrizar a violência contra mulher e violência doméstica foi a Lei Maria da Penha. A lei cria mecanismos no sentido de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. A lei foi embasada nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, que afirma que a família, sendo considerado como base da sociedade, tem especial proteção do Estado, sendo que este mesmo Estado deverá assegurar a assistência à família, na pessoa de todos os seus componentes, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

Ainda Guimarães e Pedrosa advogam,

Diversos estudos têm demonstrado o quanto, de fato, os valores culturais machistas e patriarcais (ainda) estruturantes em nossa sociedade estão associados grave recorrência das violências cometidas contra as mulheres e às sérias desigualdades de poder e de direitos (ainda) enfrentados por elas em nossa sociedade. Por essa dimensão de gênero, perpassa ainda um panorama de incremento ou intensificação da violência, de um modo geral, em nossa realidade. Tais constatações exigem compreensões teórico filosóficas acerca do fenômeno da violência contra a mulher que resgatem também um olhar ético-político frente a essa problemática (2015, p. 257).

Atualmente tanto a Constituição Federal (lei maior de nosso país), como também as leis específicas, como é o caso da Lei Maria da Penha, buscam balizar a questão e propor penas àqueles que ainda insistirem em agirem violentamente contra a mulher, e contra a prole.

A violência tem aumentado nos últimos anos de modo que os números nacionais de violência tem demonstrado que as medidas aplicadas não tem surtido o efeito desejado. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2014), no Brasil se registra 01 estupro a cada 11 minutos, isso em números oficiais, fora o que ocorre e não é registrado, de modo que especialistas no assunto afirmam que há um aumento de mais de 50%. Dados chegam a apresentar o número de meio milhão de estupros por ano (FORUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÙBLICA, 2015).

Segundo Guimarães e Pedrosa,

A percepção da violência está associada com uma identificação do excesso da ação, ou seja, ela é sentida quando se ultrapassa limites, estabelecidos pelo social, cultural, histórico e/ou subjetivo. Seu fundamento é manifestar-se como excesso na afirmação do “um, todo poderoso” que nega a alteridade. O outro é negado como semelhante e como diferente, por uma inadequação ou não aceitação de seu desejo. É nesse sentido que ela é a objetificação do outro, negando-lhe subjetividade e desejo(2015, p. 259).

De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no Brasil são registrados uma média de 135 estupros por dia (2017), e 12 assassinatos. Tais números foram 4,3% superiores a dados de 2016 (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2017).

Existem 536 casos de violência por hora no Brasil. Esta mesma proporção se enquadra na quantidade de mulheres que dizem ter sido vítima de algum tipo de violência sexual. Já no caso do espancamento, 1,6 milhão afirmaram já haver alguma ocorrência. Todos esses dados indicam sem sombra de dúvidas que alguma medida deve ser tomada. Além disso, nota-se que as ferramentas apresentadas pelo legislador não vem surtindo o efeito desejado. Com relação à violência doméstica: 76,4% das mulheres conheciam o autor da violência, a maior parte aconteceu dentro da própria residência (FRANCO, 2019).

 Dados do Instituto Maria da Penha (2015) sobre a violência doméstica e o feminicídio, apontam que na pesquisa Relógios da Violência verificou-se que a cada 7.2 segundos uma mulher é vítima de violência na cidade de São Paulo.

 O Mapa da Violência (2015) registrou em 2013 o número alarmante de 13 mulheres mortas todos os dias vítimas de feminicídio, isto é, assassinato em função de seu gênero, de ser mulher. Dentre estas, um terço foram mortas pelo próprio  parceiro ou ex-parceiro. Mais uma vez os números demonstram que as ferramentas apresentadas pelo legislador não estão surtindo o efeito desejado visto que o mesmo estudo demonstrou que, houve um aumento de 21% com relação aos anos 2000 a 2010. Demonstrando-se a partir destas percepções que a violência contra a mulher vem aumentando em nosso país.

 Na região Norte do país, onde o Estado de Rondônia está inserido, foi realizado um estudo em Roraima que evidenciou que metade das acusações de violência doméstica prescrevem antes de alguém ser acusado. Outro número alarmante é de que no Estado não foi conduzida nenhuma investigação nos 8.400 boletins de ocorrência acumulados sobre violência contra a mulher e violência doméstica (HUMAN RIGHTS WATCH, 2017).

 O Instituto Locomotiva em um estudo na área evidenciou que quase 96% da população acha que é preciso ensinar os homens a respeitar as mulheres, e não as mulheres a terem medo. Além disso cerca de 54% dos entrevistados conhecem uma mulher que já foi agredida pelo parceiro. Este estudo mostrou que a violência não está confinada a classe sociais mais baixas. Além disso, dos entrevistados 85% acreditam que mulheres que denunciam seus parceiros correm mais riscos de sofrer assassinato.

 A Lei Maria da Penha também objetivou a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres buscando prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher. Uma das inovações foram as medidas protetivas.

 Trata-se de mecanismos criados por lei com objetivo de coibir e prevenir a violência doméstica e familiar. Tais mecanismos asseguram que todas as mulheres independentemente de qualquer característica, (raça, cor, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, entre outros) esteja protegida pelo Estado e goze das suas garantias fundamentais (inerentes à pessoa humana). Estas mulheres também devem ter oportunidades e facilidades para viver num ambiente sem violência, preservando sua saúde física e mental, além de possibilitar seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

 O que ocorre é que os números de violência contra a mulher e violência doméstica tem demonstrado o contrário. No Brasil as mulheres tem a cada dia sido vítimas de violência, seja dentro de casa ou fora dela.

 No campo jurídico os crimes mais comuns cometidos no contexto da violência contra a mulher e violência doméstica é a agressão, física e verbal, e os próprios feminicídios. Geralmente enquadra-se estas agressões como lesões corporais.

 O Crime de Lesão Corporal está descrito no artigo 129 do Código Penal e é descrito como o fato de ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem. Apresenta pena de detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano. Quanto ao feminício seria o crime executado em virtude da vítima ser mulher. Com pena de 12 a 30 anos de reclusão.

 Uma importante definição no contexto de violência contra a mulher e violência doméstica é dado por Maria Berenice Dias (2007) que afirma que o conceito legal de violência recebeu ultimamente algumas críticas da doutrina. Uma delas está associada a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), pois se esta fora interpretada literalmente, entende-se como qualquer crime contra a mulher seria violência doméstica e familiar, por causar o mínimo de sofrimento psicológico. Neste contexto é importante ressaltar que o Código Penal Brasileiro (Lei nº 2.848/40), no artigo 61, II, letra f, traz uma agravante, limitando o campo de abrangência, restringindo a violência contra a mulher na Lei específica. No entendimento deste artigo somente seria a violência praticada contra a mulher em razão do convívio familiar ou afetivo é que aumenta a pena (agravante),

Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

[...] II - ter o agente cometido o crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

[...] f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica; (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006).

 Com o entendimento que o Direito Penal atua com base nos princípios da taxatividade e legalidade, e também com base no que preceitua a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06) a violência doméstica e familiar contra a mulher seria a violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.

 Entende-se portanto que segundo preceitua o artigo 61, II, f do Código Penal Brasileiro o réu estará sujeito a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06) pois é a que trata sobre estas questões. A lei será melhor tratada nos subcapítulos a seguir.

 

2.5 Principais Legislações que Protegem a Mulher

Pode-se afirmar que foi somente nos últimos trinta anos que os legisladores começaram a desenvolver legislações que protegessem de fato, ou dessem iguais condições as mulheres. Exemplo disso são as mudanças que ocorreram em jornadas de trabalho, trabalho de grávidas, aposentadorias, leis de proteção a mulher com relação a violência doméstica, e por fim ao feminicídio.

Tais avanços foram obtidos sem dúvidas em virtude de lutas, principalmente dos movimentos feministas. Segundo o STF (2019, p. 9),

O longo itinerário histórico percorrido pelo movimento feminista, seja em nosso País, seja no âmbito da comunidade internacional, revela trajetória impregnada de notáveis avanços, cuja significação teve o elevado propósito de repudiar práticas sociais que injustamente subjugavam a mulher, suprimindo-lhe direitos e impedindo lhe o pleno exercício dos múltiplos papéis que a moderna  sociedade, hoje, lhe atribui, por legítimo direito de conquista. O movimento feminista – que fez instaurar um processo de inegável transformação de nossas instituições sociais – buscou, na perspectiva concreta de seus grandes objetivos, estabelecer um novo paradigma cultural, caracterizado pelo reconhecimento e pela afirmação, em favor das mulheres, da posse de direitos básicos fundados na essencial igualdade entre os gêneros.

É importante levar em conta que o texto constitucional trouxe importantes considerações no que diz respeito a mulher, visto que confere alguns dispositivos, um tratamento diferenciado, podendo até mesmo ser considerado protetivo, isso porque historicamente temos conhecimento que a mulher sempre esteve subjulgado ao homem e em um desfavorecimento em outros campos, como o mercado de trabalho onde o legislador constituinte,no art. 7º, XX, competiu ao legislador em elaborar mecanismos jurídicos de incentivos específicos para a proteção do mercado de trabalho da mulher.

Outro favorecimento é com relação a constituição assegurar à mulher segundo preceitua o artigo 201, § 7°, I e II, uma aposentadoria com menor tempo de contribuição e menos idade, quando comparado ao homem.

Cite-se também as licenças maternidades e paternidades e suas diferenças. Segundo o art. 10, § 1°, do ADCT, disciplina de forma provisória a licença-paternidade prevista no art. 7°, XIX, da CF, fixando-lhe a duração em 5 dias, enquanto que a licença à gestante, nos termos do art. 7°, XVIII, não inferior a 120 dias.

São alguns dos temas que demonstram haver uma distinção entre homens e mulheres, havendo a chamada igualdade substantiva de proteção jurídica da mulher, no contexto de atos de violência baseada em gênero exigindo atuação positiva do legislador, superando qualquer concepção meramente formal de igualdade, de modo a eliminar os obstáculos, sejam eles físicos, econômicos, sociais ou culturais, que impedem a sua concretização.

Sem dúvidas nos últimos anos as legislações que protegem as mulheres sofreram avanços, principalmente na área do nos últimos anos, principalmente com relação a criminalização do assédio sexual e a tipificação do feminicídio como homicídio qualificado.

Sem dúvidas Lei Maria da Penha (11.340/06) é a principal legislação do Brasil de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica, é um dos principais objetos de pesquisa deste artigo.

Além disso, cite-se a Lei da Importunação Sexual (13.718/2018) que entrou em vigor definindo como crime a realização de ato libidinoso na presença de alguém e sem seu consentimento, como toques inapropriados ou beijos “roubados”. Fato muito comum em coletivos, e espaços confinados.

 

2.6 As Medidas Protetivas

Segundo o que preceitua a Lei nº. 11.340, popularmente chamada como Lei Maria da Penha, em vigor a partir de 2006, trouxe significativas mudanças quanto a violência contra a mulher.

Anterior a Lei nº 13.827/2019 a Lei Maria da Penha trazia as medidas protetivas como uma das mais eficazes formas de coibir a violência e proteger a vítima, através de medidas protetivas. Até 2018, comente ao Juiz cabia a execução desse mecanismo em até 48 horas após o recebimento do pedido da vítima ou do Ministério Público (CNJ, 2015).

A partir do novo entendimento as chamadas Medidas Protetivas poderão ser autorizadas pela autoridade judicial ou policial, para aquelas vítimas que estejam em situação de violência doméstica e familiar, ou a seus dependentes, e para determinar o registro da medida protetiva de urgência em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (FOREAUX, 2019).

Segundo o que preceitua o Capítulo III que trata do atendimento a autoridade policial da Lei 11.340,

CAPÍTULO III

DO ATENDIMENTO PELA AUTORIDADE POLICIAL

Art. 10.  Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis.

Parágrafo único.  Aplica-se o disposto no caput deste artigo ao descumprimento de medida protetiva de urgência deferida.

       Trata-se de uma das medidas tomadas pelo legislador de buscar impedir a prática da violência doméstica e contra a mulher, ficando a critério da autoridade policial ao tomar conhecimento do fato de tomar as medidas cabíveis.

        A partir de 13 de maio de 2019 através da Lei 13.827/19 houveram modificações as medidas protetivas de urgência. Com modificações nos artigos 12-C e 38-A, apresentados a seguir:

LEI Nº 13.827, DE 13 DE MAIO DE 2019

Altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para autorizar, nas hipóteses que especifica, a aplicação de medida protetiva de urgência, pela autoridade judicial ou policial, à mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou a seus dependentes, e para determinar o registro da medida protetiva de urgência em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º  Esta Lei altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para autorizar, nas hipóteses que especifica, a aplicação de medida protetiva de urgência, pela autoridade judicial ou policial, à mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou a seus dependentes, e para determinar o registro da medida protetiva de urgência em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça.

(...)

Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida:

I - pela autoridade judicial;

II - pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca; ou

III - pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia.

§ 1º  Nas hipóteses dos incisos II e III do caput deste artigo, o juiz será comunicado no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas e decidirá, em igual prazo, sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada, devendo dar ciência ao Ministério Público concomitantemente.

§ 2º  Nos casos de risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida protetiva de urgência, não será concedida liberdade provisória ao preso.”

Art. 38-A.  O juiz competente providenciará o registro da medida protetiva de urgência.

Parágrafo único.  As medidas protetivas de urgência serão registradas em banco de dados mantido e regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça, garantido o acesso do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos órgãos de segurança pública e de assistência social, com vistas à fiscalização e à efetividade das medidas protetivas.

Os artigos trouxeram inovações a questões. Para melhor explanar estas, apresente-se o fato que houve inclusão do artigo 12 C necessita que seja verificada que há existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher que sofre violência doméstica e familiar, ou até mesmo da prole. A autoridade judiciária emitirá um ato que afastará imediatamente o acusado do lar. Podendo ser a autoridade judicial, delegado de polícia, policial.

Segundo Foreaux (2019, p.1-2),

A Lei n. 13.827, de 13 de maio de 2019, prevê em seu artigo 1º que a alteração da Lei Maria da Penha visa autorizar a concessão de medida protetiva de urgência pela autoridade policial, sendo acrescido na Lei n. 11.340/06 o art. 12-C, II e III, que o delegado de polícia e policial são legitimados para concederem as medidas protetivas. Nota-se, portanto, que o legislador referiu-se à autoridade policial como gênero, dos quais são espécies os policiais civis e militares. O art. 12-C da Lei Maria da Penha traz requisitos para que a autoridade policial conceda medidas protetivas de urgências, consistentes em risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes. Em se tratando de delegado de polícia, para que possa conceder a medida protetiva, o município em que atua não pode ser sede de comarca. Caso se trate de outro policial (civil ou militar), é necessário que além do município não ser sede de comarca, não haja delegado disponível no momento da denúncia, por qualquer motivo (férias, licença, dificuldades de contatar o delegado plantonista etc). Destaco que a autoridade policial legitimada a conceder a medida protetiva de urgência pode ser o Escrivão, o Agente de Polícia e do Soldado ao Coronel da Polícia Militar. Trata-se o que podemos chamar de legitimidade condicionada.

Além disso, há segundo a lei a necessidade de comunicação do Juiz competente no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas, onde o mesmo decidirá, em igual prazo, sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada. Além disso, o ministério público deverá ser notificado o mais breve possível.

Lembrando que caso verifique que existe perigo a integridade física da ofendida, ou até mesmo sobre a efetividade da medida protetiva de urgência, não será concedida liberdade provisória ao preso.

Segundo Foreaux (2019, p. 2) existem alguns requisitos que devem ser cumpridos para a concessão de medida protetiva por policiais:

Assim, tem-se os seguintes pressupostos para a concessão da medida protetiva pelos policiais:

a)Risco atual ou iminente à vida ou à integridade física;

b)Vítima mulher ou seus dependentes;

c)Situação de violência doméstica e familiar;

d)Legitimidade condicionada da autoridade policial.

Presentes os pressupostos mencionados a autoridade policial deverá determinar o afastamento imediato do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida.Trata-se de um poder-dever. A autoridade policial não tem discricionariedade. Sempre que presentes os pressupostos deverá determinar o afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida.

É bastante oportuno deixar claro que segundo o artigo 12 C da resta claro o entendimento que “Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida” (FOREAUX, 2018).

Percebe-se portanto que a medida protetiva de urgência a que as autoridades policiais possuem aplicação é o afastamento imediato do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima ofendida. Outras medidas, como proibição de manter contato com a vítima, possibilidade de se aproximar da vítima é de responsabilidade e exclusividade do Magistrado (FOREAUX, 2018).

Já as mudanças trazidas pelo artigo 38-A trouxeram entendimentos que o juiz competente providenciará o registro da medida protetiva de urgência. Estas medidas serão registradas num banco de dados que será mantido e regulamentado pelo CNJ - Conselho Nacional de Justiça. Terá acesso o Ministério Público a estes dados, como também da Defensoria Pública e dos órgãos de segurança pública, além da assistência social. Este banco de dados estes órgãos institucionais poderão verificara efetividade das medidas protetivas.

Estas medidas são formas de coibir a violência e proteger a vítima contra potenciais atos futuros de violência. Normalmente são aplicadas após denúncia de agressão feita pela vítima à Delegacia de Polícia. Com o novo entendimento tanto o policial, quanto o delegado de polícia, quanto o juiz poderão determinar a execução desse mecanismo. Havendo também necessidade de comunicação do Juiz em 24 horas e concomitantemente o Ministério Público.

Trata-se de uma ferramenta que o legislador instituiu com objetivo de coibir e prevenir a violência doméstica e familiar. Assegura a todas as mulheres independente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, assegurar direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, além disso que a mesma tenha oportunidades e facilidades para viver em um ambiente de paz, preservando assim sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social (CNJ, 2019).

Acredita-se que tais medidas já são respostas para a ineficácia das medidas protetivas frente aos números grandiosos de casos de violência contra a mulher, e violência doméstica.

 

2.7 Inovações trazidas pela legislação

Foi publicada no Diário Oficial da União do dia 14 de maio de 2019 a Lei 13.827, de 2019, que trouxe grandes inovações quanto a possibilidade de emissão de medidas protetivas de urgência para mulheres ou até mesmo para seus dependentes, nos casos de violência doméstica ou familiar.

É importantíssimo ressaltar que o texto altera diretamente a Lei Maria da Penha (Lei 11.340, de 2006), e é advinda de um Projeto de Lei da Câmara (PLC) 94/2018, aprovado no Senado no mês anterior. A principal alteração talvez esteja no fato que policiais podem aplicar imediatamente para garantir a integridade da vítima de violência doméstica ou familiar.

Em verdade a Lei nº 13.827, de 13 de maio de 2019 veio para alterar a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha). Em resumo trouxe a possibilidade de autorizar em casos, circunstancias específica a chamada medida protetiva de urgência, tanto pela autoridade judicial, ou até mesmo a autoridade policial, para a vítima que estiver em situação de violência doméstica e familiar, como também para a prole, para os dependentes. Além disso é preciso registrar a medida protetiva de urgência no banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça.

O artigo 1º da lei em estudo já traz a alteração da Lei Maria da Penha (11.340, de 7 de agosto de 2006). Além disso, autoriza a denominada medida protetiva de urgência.

 Segundo Cardoso,

Esse é um dos mecanismos criados pela lei para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar, assegurando que toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goze dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana e tenha oportunidades e facilidades para viver sem violência, com a preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social. Pela lei, a violência doméstica e familiar contra a mulher é configurada como qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. Diante de um quadro como esse, as medidas protetivas podem ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e da manifestação do Ministério Público, ainda que o Ministério Público deva ser prontamente comunicado (2017, p. 2).

 Deste modo a Lei nº 13.827, de 13 de maio de 2019, aumentou a possibilidade de emissão da medida protetiva de urgência. Podendo ser feita tanto pela autoridade judicial ou policial, à mulher/vítima que esteja em situação de violência doméstica e familiar, ou a seus dependentes, e para determinar o registro da medida protetiva de urgência em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça.

 A segunda mudança trazida a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006), foi um novo entendimento do Capítulo III do Título III, onde foi acrescido o artigo 12-C que traz algumas modificações.

 Primeiramente deverá ser verificada a existência de risco atual ou iminente. Como também a vida ou até mesmo a integridade física da vítima/mulher deve estar em risco, já sendo sabido que a mesma está em situação de violência doméstica e familiar, e até mesmo a prole.

 A primeira ação modificatória diz respeito ao fato do agressor precisar ser afastado do domicílio imediatamente, ou seja, deve sair da convivência da vítima agredida. Além disso a medida protetiva de urgência poderá ser emitido a partir dessa nova mudança trazida pela Lei 13.827/19 por:

     I - pela autoridade judicial;

     II - pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca; ou

     III - pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia.

 Os § 1º e 2ºafirmam ainda que quando a mesma for emitida pelo delegado de polícia, ou por policial há a necessidade de comunicação do juiz será num prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas, sendo que o mesmo (juiz) irá decidir nas mesmas 24 horas, se manterá a medida protetiva de urgência ou se revogará a mesma, devendo dar ciência ao Ministério Público sobre a decisão. Já o § 2º ensina que a liberdade provisória não será concedida ao preso caso haja de fato risco à integridade física da ofendida, ou até mesmo que não haja efetividade na medida protetiva de urgência.

 Outra mudança trazida pela Lei 13.827/19 foi o artigo 38-A que, agora vigora o entendimento que,

Art. 38-A.  O juiz competente providenciará o registro da medida protetiva de urgência. Parágrafo único.  As medidas protetivas de urgência serão registradas em banco de dados mantido e regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça, garantido o acesso do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos órgãos de segurança pública e de assistência social, com vistas à fiscalização e à efetividade das medidas protetivas.

 Esta mudança visou desenvolver um cadastro nacional, gerenciado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com acesso para o Ministério Público, e a Defensoria Pública, além de demais órgãos de assistência social. Esta ação busca fiscalizar e tornar eficaz estas medidas protetivas.

 

2.8 A Ineficácia das Medidas Protetivas em casos de violência doméstica e violência contra a mulher: possíveis soluções

Ainda que tenha sido comemorada por muitos a Lei 13.827/19, ao ver deste estudo não houve muita evolução. Isso porque o Atlas da Violência recém lançado em 2019, afirma que “A presente edição do Atlas da Violência indica que houve um crescimento dos homicídios femininos no Brasil em 2017, com cerca de 13 assassinatos por dia. Ao todo, 4.936 mulheres foram mortas, o maior número registrado desde 2007.”

Quando são estudados dados de 2007 a 2017 percebeu-se que houve um crescimento expressivo de 30,7% no número de homicídios de mulheres no país. Além disso, em 2017 houve um aumento de 6,3% segundo o próprio Atlas da Violência (2019).

Estes números refletem que mesmo após a edição da Lei Maria da Penha e de outras mudanças legislativas, aprimoramentos ainda é altíssimo o número de mortes femininas em nosso país. A taxa nacional de homicídios passou de 3,9 para 4,7 mulheres entre os anos de 2007 a 2017. Além disso, houve aumento de 20,7% na taxa nacional de homicídios de mulheres, quando a mesma passou de 3,9 para 4,7 mulheres assassinadas por grupo de100 mil mulheres (ATLAS DA VIOLÊNCIA, 2019).

Houve crescimento no período estudado em 17 unidades da federação da violência contra a mulher com destaque ao homicídio. Além disso o Estado do Rio Grande do Norte apresentou os maiores índices de crescimento com variação de 214,4% entre 2007 e 2017, seguido por Ceará (176,9%) e Sergipe (107,0%) (ATLAS DA VIOLÊNCIA, 2019).

Estes números demonstram claramente que a ação do legislador não coibiu a violência contra a mulher. E podemos conjecturar que as medidas protetivas, inclusive aquelas emitidas durante a vigência da Lei Maria da Penha (antes das modificações, do artigo 12-C e artigo 38), não impediram os agressores de desenvolverem seus atos bárbaros.

A primeira solução plausível após essa grande quantidade de argumentos é que o arcabouço jurídico brasileiro é bem robusto, contudo mal aplicado, com muitas benesses, como bom comportamento, primariedade, entre outros requisitos que favorecem a sensação de impunidade. Além disso não há de fato condições do Estado enquanto entidade protetora do cidadão, de colocar um oficial, um agente 24 horas com a vítima, havendo portanto a necessidade de se criar leis que sejam mais rígidas com indivíduos que praticam violência contra a mulher e violência doméstica.

A pena deve ser aplicada integralmente, além disso, após ser penalizado o mesmo deve contribuir com a sociedade para evitar que outros casos similares ocorram. Auxiliando a construção de centros de amparo a mulher, hospitais que prestem assessoria a mulheres que sofreram violência, inclusive crianças também, além de passar por um tratamento psicológico, e ter somente sua liberdade vinculada ao laudo psicológico que o mesmo está capaz de retornar a sociedade.

A segunda solução para o problema é a educação da população. Neste quesito aborda-se educação de uma forma geral. Nas escolas, igrejas, centros comunitários, mídia, e todo meio de comunicação, com campanhas de alerta a violência contra a mulher e violência doméstica. Incentivando a população a denunciar, além de apresentar ao provável infrator as consequências do ato, inclusive apresentando os anos de enclausuramento.

É preciso que o indivíduo tenha consciência de seus atos, inclusive, seja desencorajado de praticá-los. A medida que uma nova geração que passou por inúmeras campanhas, e tem a real consciência do problema, certamente os números cairão significativamente, e inúmeras vidas serão poupadas.

Um outro ponto que pode ser uma solução para o problema seria a aplicação de multas e indisponibilidade de bens do infrator. Havendo até mesmo a possibilidade de transferência de todos os seus bens para a vítima, quando comprovadamente a violência contra a mulher e violência doméstica. E caso houvesse feminicídio, os bens do assassino passariam para a família da vítima, e caso não houvesse família ao Estado, no sentido de priorizar projetos de proteção a mulher e proteção a família, criança e adolescente.

Estas três medidas ainda que possam parecer um tanto quanto duras a alguns são medidas que possivelmente diminuiriam e coibiriam a prática delituosa. O indivíduo ao perceber que se matar sua cônjuge, ou sua companheira, ou se cometer atos de violência contra seus filhos, enteados, sua família, ficará de fato preso, e indisponibilizado de seus recursos, pensará duas vezes antes de cometer qualquer ato neste sentido.

É sabido que o Estado ainda que tente, não possui um quadro de recursos humanos que possa fiscalizar (os infratores 24 horas por dia) e dar a todas as vítimas de violência proteção integral, além da própria medida protetiva. Neste sentido é preciso que haja uma coação ao indivíduo, e um encorajamento a não prática criminosa, tanto em função da perca da liberdade como da indisponibilidade de bens.

 

3. CONCLUSÃO

Desde os primórdios até a idade pós moderna temos evidenciado uma evolução de Direitos das mulheres. Foi muito comum entre os gregos, romanos e hebreus as mulheres serem submetidas a atividades consideradas inferiores, dentre elas cite-se a educação da prole, e cuidado com escravos, pastoreio de animais, preparação de alimentos, e atividades correlatas.

Viu-se alguma modificação com as mulheres egípcias e entre as babilônicas. Estas tinham mais direitos do que as anteriormente mencionadas. Em verdade na Idade Média não se viu qualquer mudança de paradigma, frente ao decorrer da história, de domínio e influência romana.

Percebeu-se algum tipo de evolução de direitos somente após as idéias francesas durante o movimento iluminista, e após as revoluções feministas do final do século XIX e começo do século XX.

Em realidade até a década de 90, era muito comum em nosso país, haver o conhecimento de agressão entre o cônjuge e o companheiro com a sua cônjuge e companheira. Trata-se de um assunto velado. De conhecimento de todos mas velado. A mulher ainda apresentava papeis inferiores na sociedade. Inclusive na sociedade Brasileira.

As realidades somente começaram a mudar a partir da Constituição Federal de 1988, que igualou os homens e mulheres em direitos e obrigações. Trazendo as mulheres a possibilidade de denunciar os agressores nos casos de violência contra a mulher e violência doméstica.

A principal legislação que protegeu as mulheres de fato foi a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006). Todavia, como foi apresentado acima, o Atlas da Violência publicado em 2019, evidenciou que entre os anos de 2007 a 2017 houve aumento tanto nos atos de violência como nos homicídios contra mulheres.

Isso evidencia que mesmo diante da vontade do legislador em coibir a violência, tais ações não tem surtido o efeito desejado, havendo em verdade a mudança de abordagem com estes indivíduos que insistem em burlar as leis.

A proposta deste artigo paira em três hipotéses: na primeira o endurecimento das leis e das penas aos indivíduos que praticam crimes desta modalidade; a segunda políticas de educação que abordem a população em geral (escolas, igrejas, entidades, ONGS, etc); e a terceira a indisponibilidade de bens e transferência de valores dos agressores as vítimas, inclusive em casos de homicídio, os valores pertencentes (bens, e todo tipo de item que possa se transformar em capital) sejam transferidos a família da vítima.

É obvio que o Estado não possui condições de vigiar um provável infrator 24 horas por dia, garantindo a segurança da vítima. Contudo estas medidas que foram implementadas a partir da Lei Nº 13.827, de 13 de Maio de 2019 são válidas, contudo não atingiram a eficácia desejada conforme pode-se evidenciar no Atlas da Violência publicado em 2019.

Por fim, acredita-se que somente a partir da mobilização e da adoção das medidas acima descritas que esta realidade poderá mudar, e muitas vidas poderão ser poupadas.

 

4. REFERÊNCIAS

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Data da conclusão/última revisão: 29/10/2019

 

Como citar o texto:

TOBAR, Daniele Lopes; CRUZ, Francieli Borchartt da..A ineficácia das medidas protetivas contra a mulher. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1664. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/4603/a-ineficacia-medidas-protetivas-contra-mulher. Acesso em 4 nov. 2019.

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