RESUMO: O presente trabalho analisa o direito de propriedade como direito humano fundamental, a propriedade imobiliária rural e sua função social, e uma perspectiva histórica no Brasil. Os conflitos resultantes do processo histórico brasileiro, a evolução sistemática do controle estatal sobre as propriedades privadas e públicas e as recentes tendências de aperfeiçoamento no Brasil. As novas normas jurídicas e a tecnologia de georreferenciamento, com reflexos sobre os direitos humanos fundamentais.

 

PALAVRAS-CHAVE: Registros Públicos - Registro Imobiliário - Regularização Fundiária - Georreferenciamento - Direitos Humanos.

 

1. Introdução:

Objeto de satisfação das necessidades humanas, a propriedade apresenta-se, ao longo da existência humana, como fator de motivação de interesses e conflitos.

O direito de propriedade, por sua vez, é uma das bases da estrutura social capitalista, consagrado como um dos direitos humanos fundamentais, desde a Revolução Francesa.

Ao longo da história, acompanhando a evolução dos movimentos sociais, as regras de controle e proteção da propriedade transformaram-se, desde o uso da força física imediata, até o aparecimento e desenvolvimento dos sistemas de registro, com controle pelo Estado, de grande relevância para a segurança jurídica nos dias atuais.

Os sistemas de registros atuais têm no regime feudal seu marco histórico. Naqueles regimes, os senhores feudais, proprietários das terras, criaram formas de registros para controle de distribuição de suas propriedades para exploração pelos vassalos. As evoluções posteriores levaram à criação dos sistemas públicos de registros atuais, com a possibilidade de proteção e controle do Estado sobre as propriedades.

No Brasil, acompanhando as tendências mundiais, os sistemas vêm sofrendo evoluções. Até o presente momento, no entanto, por problemas de eficácia, os sistemas mostraram-se incapazes para solucionar os problemas e conflitos existentes, especialmente no meio rural.

Novas perspectivas, entretanto, aparecem no cenário nacional, com a edição, pelos legisladores, de novas e evoluídas normas legislativas, afinadas às novas realidades tecnológicas de levantamentos e gerenciamento de dados, capazes de revolucionar os sistemas de registros e controle de dados imobiliários do País.

2. Evolução do Sistema Brasileiro:

No Brasil, o direito de propriedade tem proteção constitucional, amparado no artigo 5º caput e artigo 170 da Constituição Federal. Também o sistema de registros públicos tem amparo no artigo 236 da referida constituição.

A opção pela proteção da propriedade privada, a nível constitucional, é uma clara evidência da opção soberana da sociedade brasileira pelo sistema capitalista. Porém, a própria Constituição condiciona a legitimidade do direito de propriedade ao cumprimento da função social, com aproveitamento racional, utilização adequada dos recursos naturais e preservação do meio ambiente, observância das disposições que regulam as relações de trabalho, exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e trabalhadores.

Peculiaridades do país, no entanto, fazem com que as opções soberanas de nossa sociedade encontrem sérios problemas de implementação.

A dimensão continental, com imensas áreas com potencial para exploração agropecuária, aliada à existência de parte da população com vocação para o trabalho rural, faz da propriedade imobiliária rural objeto grande cobiça, gerando grandes conflitos sociais, desafiando o controle do Estado.

Além disso, o país é marcado por um processo histórico peculiar de ocupação, que também contribui para a existência dos problemas fundiários. O processo iniciou-se com o Tratado de Tordesilhas, onde as nações dominadoras da época, desrespeitando o direito natural das populações que por milhares de anos foram possuidoras das terras descobertas, outorgaram à Coroa Portuguesa a propriedade de um imenso latifúndio continental.

Passando posteriormente às Sesmarias, a Coroa Portuguesa realizou o primeiro processo de reforma agrária conhecido em nossa história. Entretanto, as famílias aquinhoadas com as doações da Coroa, desmotivadas pelos autos custos de investimento e com as dificuldades para iniciarem as explorações, devolveram os lotes recebidos, dando origem a um processo cuja denominação perdura até nossos dias: as chamadas terras devolutas.

Ao longo do tempo, os processos naturais de desenvolvimento demográfico, em conjunto com os incentivos de integração do país, geraram uma ocupação desordenada das terras. Os ineficazes mecanismos de controle, nos períodos da Colônia, do Império e da República, acabaram por gerar um complexo e irregular mosaico de ocupação de terras no Brasil, em especial em algumas regiões promissoras para as explorações rurais, motivos de grandes conflitos sociais, com profundas marcas na história do País.

Acompanham, portanto, nossa evolução, desde as suas origens, a irregularidade na distribuição fundiária, e os conflitos pela posse e propriedade das terras.

Procura-se, desde as origens, normas de distribuição, proteção e controle da propriedade, para solucionar os graves problemas sociais, adaptando-se à nossa realidade, em alguns momentos, sistemas de outros países, especialmente no que diz respeito ao registro imobiliário.

Iniciamos, no período colonial, com as Ordenações do Reino.

No período do Império, com a Lei Orçamentária nº. 317/1843, regulamentada pelo Decreto nº. 482/1846, criou-se o primeiro registro geral de hipotecas. Depois, com a Lei nº 601/1850, chamada Primeira Lei de Terras, ocorreu a discriminação entre o domínio público e o particular, criando-se o registro paroquial das terras possuídas, no Império.

Com a proclamação da república veio o Decreto nº. 169-A/1890, que consagrou o Princípio da Especialização, embora a publicidade fosse defeituosa. Surgiu ainda, nesse período, o Decreto 451-B, que instituiu o Registro Torrens.

Com a Constituição de 1891, as terras devolutas passaram ao domínio dos Estados, com exceção das faixas de fronteira e das zonas de segurança nacional, que continuaram sob o domínio da União.

O Código Civil de 1917, por sua vez, trouxe o sistema de transmissão da propriedade imóvel pelo regime do registro imobiliário.

Contribuíram ainda, para a evolução do sistema, a Lei nº. 4.827/1924, o Decreto nº. 18.532/1928 e o Decreto nº. 4.857/1939.

Atualmente os registros públicos estão regulamentados pela Lei nº. 6.015/1973, com alterações posteriores. Seguindo parcialmente o sistema germânico, a chamada Lei dos Registros Públicos trouxe importante evolução ao registro imobiliário.

No entanto, apesar da franca evolução histórica na legislação, os aprimoramentos não foram suficientes para eliminar os conflitos, que ainda hoje são bastante comuns.

Recentemente surgiu a Lei nº. 10.267/2001, já regulamentada pelo Decreto 4.449/2002, que trouxe novas normas, visando dar maior aprimoramento ao sistema. Vale ressaltar, dentre as inovações, a instituição do Cadastro Nacional de Imóveis Rurais e, especialmente, a previsão para implementação gradativa de moderna tecnologia de precisão com georreferenciamento, para levantamento e registro das delimitações e contornos dos imóveis rurais, no referido cadastro e nos registros imobiliários das propriedades rurais do País.

3. Perspectivas:

O novo sistema deverá contribuir muito para a solução de antigos problemas do País. Não só no que diz respeito à melhor delimitação cadastral e de registro das propriedades privadas, com melhor proteção e controle da propriedade pelo Estado, mas também possibilitará avanços na área ambiental, permitindo aos entes públicos responsáveis, o gerenciamento das áreas de reserva legal e preservação permanente dos imóveis rurais.

Possibilitará ainda melhor proteção do patrimônio público, delimitando as terras públicas, possibilitando a regularização de ocupações, especialmente das terras devolutas, permitindo também, havendo vontade política, significativas melhoras nas políticas de colonização e fomento, com melhor aproveitamento do potencial produtivo do país, ao mesmo tempo aliviando as tensões sociais agrárias.

Não resta a menor dúvida que as inovações trazidas pela Lei nº. 10.267/2001 são compatíveis com uma das grandes carências da realidade do Brasil, que o acompanha por toda a sua história.

As implementações das inovações normativas devem ser viabilizadas com a urgência que exige a realidade, especialmente em função dos recentes e violentos conflitos que mancham nossa imagem social.

Profissionais estão se habilitando, viabilizando seus instrumentos para dar eficácia aos dispositivos legais.

Resta aos entes públicos, com a máxima urgência, estabelecer as últimas normas de regulamentação, para que profundos aperfeiçoamentos, proporcionados pelas novas tecnologias, sejam levados ao Cadastro Nacional de Imóveis Rurais e aos registradores imobiliários. Desta forma, as descrições dos contornos e delimitações dos imóveis rurais, que deram origem às conflituosas confusões fundiárias do País, poderão ser gradativamente aprimoradas por novos dados de precisão.

Certamente haverá um expressivo aumento da segurança jurídica no campo.

Frise-se: não se trata apenas de proteção da propriedade, mas também da possibilidade de melhor gestão dos recursos ambientais pelo Estado e particulares, bem como da melhor gestão dos fatores de produção, com melhor valorização do trabalho e da livre iniciativa, além de, em especial, proteger-se a vida humana, tantas vezes comprometida nos conflitos de terras do País.

Trata-se, como se percebe, de uma evolução em prol da proteção de Direitos Humanos, de primeira, segunda e terceira geração.

Investindo na implementação urgente do novo sistema, com apoio da iniciativa privada, estará o estado efetivamente cumprindo seu papel social.

 

 

Referências:

DINIZ, Maria Helena. Sistemas de Registros de Imóveis. São Paulo: Saraiva, 1992. 537 p.

BUENO, R.F. Normas para Georreferenciamento. In Infogps: Revista de Posicionamento por Satélite. Curitiba: Espaço GEO, mai/jun 2004.p. 34-36.

CENEVIVA, Walter. Lei dos registros públicos comentada. 13. ed. São Paulo : Saraiva, 1999.

GRAZIANO, X. Insegurança Fundiária. In FAEP/SENAR. Boletim Informativo nº. 854, Curitiba: FAEP e SENAR-PR. 7 a 13 de março de 2005. p. 10.

(Elaborado em 26 de março de 2005)

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Como citar o texto:

ANGIEUSKI, Plínio Neves..Evolução da propriedade imobiliária rural no Brasil, regularização fundiária, registro imobiliário e georreferenciamento: questões de Direitos Humanos. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 121. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-notarial-e-registral/547/evolucao-propriedade-imobiliaria-rural-brasil-regularizacao-fundiaria-registro-imobiliario-georreferenciamento-questoes-direitos-humanos. Acesso em 4 abr. 2005.

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