Buscamos tratar, no presente artigo, sobre a proposta de diminuição da maioridade penal para 14 anos de idade (Projeto de Emenda Constitucional nº 301/1996 – Deputado Sr. Jair Bolsonaro e outros), a qual vem sendo apregoada pelos meios de comunicação como importante mecanismo de combate à criminalidade.

Sem entrar na discussão sobre a necessidade ou não dessa medida, ou sobre as suas possíveis conseqüências, queremos chamar a atenção, sobretudo dos estudantes de Direito, para duas questões que julgamos de suma importância na análise deste tema:

a)até que ponto se pode atribuir ao Direito Penal o papel de pacificador

social, ou de controlador da criminalidade?

b) em que medida as reformas de cunho meramente legislativo contribuem para a melhoria das condições de vida do cidadão, sobretudo no que se refere às medidas que visam dar rigidez à sanção penal?

Refletindo sobre estas questões, chegamos à conclusão de que o Congresso Nacional tem sido palco de um infindável marouço de erros lamentáveis, dos quais muitos são movidos pelos clamores afoitos de uma sociedade marcada pela desigualdade social e uma peculiar onda de criminalidade, o que tem refletido numa crise legiferante sem qualquer resultado positivo sustentável.

A proposta de diminuição da maioridade penal para 14 (ou 12) anos de idade, a nosso ver, representa o ápice de tremendos equívocos extraídos do Congresso Nacional.

Propostas como esta são lançadas na mídia como a salvação da sociedade brasileira, quando, na verdade, se não associadas a uma profunda mudança de postura do Poder Público, não passam de medidas sem qualquer efeito prático, seja no combate à criminalidade, seja na garantia da paz social.

Arriscamos dizer, inclusive, que o objetivo dessas reformas resume-se em maquiar a lastimável crise da política criminal vigente somada ao profundo caos do sistema penitenciário brasileiros.

A morte de presidiários nas dependências de grandes penitenciárias, rebeliões por superlotação, profissionais descomprometidos, péssimas condições de trabalho, entre outras mazelas, são as marcas do sistema penal brasileiro.

Busca-se, dessa forma, compensar todo esse caos estrutural com medidas que, ao contrário de alcançar as pretensões do legislador, acabam por aumentar ainda mais o descrédito do Poder Judiciário, quando, na verdade, a solução para todos esses problemas passa por caminhos que, por razões que, por hora, não nos cabe discutir, têm sido, lamentavelmente, ignorados até o momento.

Referimo-nos a redirecionar os esforços para uma reforma estrutural do sistema penitenciário atrelada a uma minuciosa releitura dos princípios que orientam a política criminal brasileira, no sentido de garantir a certeza da punição e não meramente a agravação hipotética da reprimenda judicial.

Não que sejamos sobremodo radicais, ou que tenhamos sido contagiados pelo sensacionalismo dos programas de televisão, mas, desde já, queremos fixar a nossa opinião de que pouco ou nada contribuem as reformas de cunho meramente legislativo se o aparato estrutural do sistema penal brasileiro não está preparado para tornar concretas as pretensões do legislador e os reais anseios da sociedade.

Providências normativas como esta serão tomadas em vão até o momento em que a política criminal e o suporte físico-estrutural penitenciário realmente forem adaptados para efetivar essas mudanças.

Aliás, a própria História institucional brasileira tem sido testemunha de que reformismos textuais no ordenamento jurídico em poucos momentos representaram avanços positivos.

A mudança de postura (ideologia) do Poder Público, por outro lado, foi (nos grandes momentos de nossa história) e será (sempre) peça fundamental para se garantir a efetivação das reformas textuais.

Seja nos momentos em que o cidadão viu totalmente afrontados seus direitos, durante o Período de Ferro, seja quando os viu exaustivamente alargados, com a Constituição de 1988, não foi por mera introdução ou modificação de texto legal, antes por mudanças radicais na postura do Poder Público, sobretudo daqueles que detém (ou detiveram) o comando político do País.

Não que defendamos a manutenção, por exemplo, de um Código Penal ultrapassado, como o que vige hoje, preso a nomenclaturas antiquadas e tipificações de condutas já “descriminalizadas” pela sociedade moderna.

Certamente é de fundamental importância que o ordenamento jurídico (textual) acompanhe as mudanças sociais do meio em que está inserido. Contudo, não bastam mudanças de cunho meramente literal; essas mudanças devem ser incorporadas pelo Poder Público de forma que não se restrinjam a garantir beleza e atualização dos Códigos, antes também reflitam em garantia de melhores condições de vida aos destinatários de tais providências. Afinal, ao cidadão comum de poucos conhecimentos muito mais importa a certeza de que as leis estão sendo cumpridas do que a mera atualidade de seus textos.

 

Como citar o texto:

SANTOS, Luciana das Graças dos..O Direito e o Poder das Reformas: Abordagem do papel das reformas textuais no combate à criminalidade. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 122. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/560/o-direito-poder-reformas-abordagem-papel-reformas-textuais-combate-criminalidade. Acesso em 12 abr. 2005.

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