A partir do advento da Emenda Constitucional 45, conhecida como Reforma do Judiciário, torna-se acrítico que a sociedade brasileira conhecerá um novo quadro de Justiça. As mudanças sensíveis das normas constitucionais tencionam impor celeridade na prestação jurisdicional, bem como, tornar o Poder Judiciário um poder mais seguro, democrático e servil à cidadania.

Sem abono às mudanças efetuadas, nota-se que a inserção no ordenamento pátrio do instituto da súmula vinculante, a criação do Conselho Nacional de Justiça e, até mesmo, o alargamento da competência da Justiça Laboral, demonstram um novo azimute traçado pelo constituinte ao Poder Judiciário. Norte que tem por finalidade aproximar o Estado da sociedade e que faz do próprio Poder Judiciário o ponto inicial de contato.

É certo que os novos mandamentos assimilados na Carta são, sem exclusão, merecedores de críticas violentas, entretanto, ao passarem a compor a realidade jurisdicional, devem ser potencializados a fim de atuarem de forma eficaz à sociedade.

Nisto se insere a participação ativa, esclarecedora e combatente de entidades de classe, associações profissionais, sindicatos, operadores do direito, enfim, da sociedade civil organizada, para que a súmula vinculante não venha a institucionalizar uma ditadura legal da toga; para que as ouvidorias do Conselho de Justiça não se transformem em mais tantas salas subservientes ao despropósito e a inépcia administrativa, esta que historicamente é meridiana em nosso país; que os direitos sociais tanto do homem trabalhador como consumidor não sejam mais e mais relegados ao alvedrio do liberalismo que se em termos econômicos se demonstra hegemônico, pode ter seus malefícios minorados a partir do implemento de políticas públicas voltadas a prover infra-estrutura social e da prevalência de um princípio soberano que não afaste o país do quadro global, mas que seja uma válvula de segurança à dignidade, à cidadania e aos objetivos esculpidos na Carta.

Em tempos atuais que países ditos em desenvolvimento contam com parlamentos que mais se assemelham - na expressão de Bobbio - a verdadeiras caixas de ressonância, no qual vivenciamos uma concentração de poder incontestável nas mãos do Executivo e da União, com um enfraquecimento descomunal da representação democrática, do pacto federativo e uma crescente “desideologização” do cidadão, o ativismo político e o apego aos valores da democracia são via obrigatória traçando, sobretudo, ao advogado e à advocacia papel preponderante para dar seguimento ao processo democrático.

O democrata, pacifista, sabedor das diferenças inerentes a qualquer grupamento social, que inibe os apontamentos e que preza por ideais libertários ao tempo que preserva a edificação de um igualitarismo pautado na inclusão social e no desenvolvimento, é a figura pujante requerida pela sociedade.

Requer-se, de igual modo, que as imperfeições da democracia vista e sentida não sejam confundidas com a ausência da democracia e do democrata. Inclusive, temas quase que execrados, ora pela prevalência de conceitos antigos, desalinhados com a realidade social, ora por puro elitismo, devem ser trazidos à discussão fervente, como os da fidelidade partidária, do mandato imperativo, da regionalização material da federação, do “recall”, do “referendum”, e todos aqueles instrumentos que sejam hábeis não só a amenizar o quadro social, mas que possam dar um passo avante a uma participação efetiva do cidadão na limitação do poder e nas ações governamentais.

É indubitável que os laços que prendem os países a uma economia crescente mundializada, torna inafastável um movimento positivo do Estado frente à concretização da dignidade da pessoa humana, porém, se esta hodiernamente reside na garantia dos direitos de igualdade, e - é absoluto - numa legislação trabalhista conducente a Justiça Social, não se pode negar que num sistema de produção capitalista, os direitos sociais são distribuídos não pelo Estado, mas quase que invariavelmente pela iniciativa privada e a atividade empresarial.

O mero reativismo a mudanças muitas vezes é sobrepujado pela força, principalmente quando o favorecimento do capital em prejuízo do trabalho ameaça ser resolvido pelo implemento de uma doutrina econômica desumana e apátrida. Mais que isto, a desigualdade se vê manifesta no próprio regime concorrencial, darwiniano, imposto aos organismos econômicos nacionais que via de regra são totalizados em micros e pequenas empresas. A desregulamentação e a flexibilização da legislação social não pode, desta forma, ser combatida à base de um negativismo irredutível, mas, sim, na apresentação de propostas que compatibilizem à salvaguarda do mercado nacional, à inserção planificada na economia global e à inclusão social, como numa simplificação da legislação trabalhista para setores e elementos pouco aquinhoados no processo econômico, acompanhado da criação de um fundo social, este, sem sombra de dúvida, que já pode ser orçado sobre a carga tributária que avilta a sociedade brasileira e que não traz qualquer contrapartida em serviços públicos condignos.

Uma outra adequação que é primordial para o recrudescimento do ideal democrático, passa pelo resgate da federação e o retorno, ou talvez a ida, ao encontro do municipalismo, posto que é nessa célula que prevalece a vida política, econômica, jurídica e social do cidadão, sem prejuízo, da valoração contumaz das regiões, tal qual previsto na Constituição Federal.

Por fim, diante de tantos temas relevantes e prementes, a Reforma do Judiciário no seu substrato formal não inculca tantos prejuízos como aqueles propalados durante o seu vernissage, entretanto, vista como parte de uma Constituição que precisa materializar-se a cada dia, transformando-se - sem pejorativo - numa Lei da Rua, da Vida e do Cotidiano, acena, diante à multiface política, jurídica e econômica, como momento carente de atenção, de ativismo e reivindicações, pois a folha de papel nada resolve e a juridicidade se constrói à base da Democracia.

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Como citar o texto:

GOMES, Emerson Souza..Reforma do Judiciário e democracia. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 122. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-constitucional/562/reforma-judiciario-democracia. Acesso em 12 abr. 2005.

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