Com a publicação da Lei de Falências (n.º 11.101/2005) e a, creiam, "Lei de Gérson"[1] (n.º 10.931/2004), está completo o círculo apresentado pelos bancos para que se inicie a redução dos "spreads", das taxas de juros. Mas será isso mesmo ? Em primeiro, há de se observar os requisitos do Sistema Financeiro para a mobilização do crédito, ou seja, crédito mais farto e barato. Assim, há de se observar, no início, que a democratização do crédito se processou após o advento da Lei da Reforma Bancária (L. 4.595/64) e com os diplomas legislativos que lhe seguiram, tais como o DL 70/67 (crédito imobiliário), DL 167/67 (crédito rural), o DL 413/69 (crédito industrial), o DL 911/69 (alienação fiduciária), a Lei 6.313/75 (crédito à exportação), 6.840/80 (crédito comercial), entre outros.

Em todos estes normativos se assentam fundamentos básicos que, sob a ótica do Sistema Financeiro, permitem a mobilização do crédito (legalidade, contratualidade, etc.). Contudo, dentre estes fundamentos um surge como fator determinante: A possibilidade de, em caso de inadimplência, expedida recuperação do crédito.

O ilustre advogado THOMAS FELSBERG na obra "II Ciclo de Estudos de Direito Econômico" (IBCB/FEBRABAN - 1994, p. 10), corroborando o acima exposto, aponta que: "Os quatro princípios básicos para que o leasing possa realmente se manter e desenvolver são os seguintes: O primeiro, o respeito à propriedade, ou seja, o arrendador sendo o dono do bem, precisa, caso haja inadimplência, ter a possibilidade imediata de se reintegrar na posse do bem arrendado e, em caso de falência, precisa obter a restituição desse bem. Isso é fundamental: é a propriedade indisputada do bem arrendado por parte do arrendador que permite que esse bem seja financiado".

Este entendimento sobre o leasing pode, perfeitamente, ser transposto a qualquer contrato bancário e se centra na possibilidade, drástica e expedita, de realizar o crédito, independentemente, é claro, de qualquer discussão quanto a eventual Direito do devedor. E esta foi, sem dúvida, a idéia de gestação da Lei n.º 10.931/04, a "Lei de Gérson".

Para melhor exemplificar, abstraindo a heresia jurídica de dizer-se devedor quem assim não o é no contrato de abertura de crédito, para validá-lo como título executivo, importa apenas verificar a pedra de toque do Sistema Financeiro, que diz respeito à prática de juros capitalizados. Tal modalidade de cálculo financeiro, vedada no Decreto 22.626/33 e em consonância aos precedentes dos Tribunais superiores, somente é possível se materializar onde há autorização legal expressa e, desde e somente se, houver pacto expresso a tanto. Repise-se a Súmula/STJ n.º 93: ... a legislação sobre cédulas de credito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros (DJU 03/11/1993, p. 23.187).

Assim, diga-se que de forma a tentar burlar a proibição legal, em inescondível "lobby" junto ao Poder Executivo para sacramentar a "Lei de Gérson", em uma Medida Provisória (1.925, de 14 de outubro de 1999) foi determinada a criação da "Cédula de Crédito Bancário", que era e é absolutamente desnecessária e sem utilidade. Aliás, vendo-se vergonhosamente pegos na prática do "jeitinho", os bancos procuraram remendar e acabaram por piorar as coisas, pois lá pela reedição n.º 17 (sim, DEZESSETE) da Medida Provisória 1.963, em 30 de março de 2000, a qual tratava ... sobre a administração dos recursos de caixa do Tesouro Nacional, consolida e atualiza a legislação pertinente ao assunto e dá outras providências, o fortíssimo "lobby" obteve a inclusão no art. 5º de ser ... admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.

Sendo o defeito flagrante, seja porque o texto assim redigido vai de encontro ao art. 7º da Lei Complementar nº 95/98, devidamente regulamentado pelo Decreto n.º 2.954/99 (lei somente pode tratar do que se diz afim, e a administração dos recursos de caixa do Tesouro Nacional nada tem a ver com as operações ativas dos bancos); seja porque, foram os próprios bancos que sempre se insurgiram quanto a somente ser possível regular o Sistema Financeiro por Lei Complementar (v.g. 12% do art. 192, § 3º da CF) e, por óbvio, Medida Provisória não é Lei Complementar, é que se pode divisar, sem sombra de dúvidas, que a esperteza foi muitíssimo mal utilizada.

Aliás, são raros os bancos que, questionados quanto à prática da capitalização dos juros, tem o descaramento de se socorrer em alguma das Medidas Provisórias acima referidas. De qualquer forma, sabendo-se que ... a lei posterior revoga a anterior quando ... regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior (Lei de Introdução ao Código Civil, art. 2º, § 1º) e, dispondo o art. 591 do novo Código Civil da taxa legal dos juros e regime de capitalização, que somente pode ser anual, verifica-se ser sem sentido qualquer discussão sobre as Medidas Provisórias acima enunciadas e o revogado Decreto 22.626/33.

Infelizmente, a partir de 03 de agosto de 2004, em pleno chamado "Governo Popular" do Presidente Luiz Inácio "Lula" da Silva, foi editada e aprovada a Lei Federal 10.931/04 que, por absurdo, diz que tudo aquilo que era antes considerado ilegal e abusivo, segundo a jurisprudência das duas mais altas Cortes de Justiça do país, passou a ser legal e válido, em fantástico prêmio às instituições financeiras que, em contrapartida, afirmaram que haveriam de reduzir as taxas de juros. Promessa esta que S.Exa., num misto de ingenuidade e incompetência, acreditou.

Em síntese, havia até 03/08/2004 próximo passado proibição legal de capitalização dos juros em períodos inferiores a um ano, o que se harmonizava com o entendimento sumular das duas mais altas Cortes de Justiça do País, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (Súmula n.º 121) e o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Súmula n.º 93) e, a partir daí, os juros podem ser capitalizados, no percentual que os bancos bem entenderam e, basta acompanhar os jornais, está num ritmo ascendente de fazer corar o mais empedernido agiota. Por isso que se diz que a Lei n.º 10.931/04 deve ser havida como a Lei de que "O certo é levar vantagem em tudo. Certo?".

Mas se a democratização do crédito, as reduções das taxas, são provenientes de instrumentos jurídicos que possibilitem a mais rápida recuperação em caso de inadimplemento, tal Lei, conjuntamente com a Lei de Falências e Recuperação das Empresas, haverá de reduzir o custo do crédito? Francamente entendo que não. E digo isso com a serenidade de quem presenciou, sim, a democratização do crédito, a ampliação da base de concessão, mas jamais, noutra vereda, viu as taxas caírem.

Ao contrário, desde 1994, com a drástica redução do "spread" inflacionário, com o fim do efeito de "floating"[2], as taxas de juros apesar de nominalmente mais baixas são, efetivamente, estratosféricas, sendo transferidas todas as margens às taxas. Em síntese e em conclusão, imaginar-se que os juros irão despencar por conta da "nova legislação" é imaginar que quem está ganhando, e ganhando muito, poderá querer deixar de ganhar, o que é contra a própria natureza humana. Afinal, já quando da fundação do "Instituto Liberal" em São Paulo, nos idos de 1987, Roberto Bornhausen apontava que era necessário vencer o "egoísmo humano", para que se efetivasse um melhor entrosamento entre os agentes econômicos. Até hoje o "egoísmo humano" continua o mesmo e o lucro da especulação, em detrimento da produção, não foi ou será refreado.

Notas:

[1] Diz-se a propósito de uma infeliz veiculação publicitária, estrelada pelo jogador de futebol tri-campeão "Gérson de Oliveira Nunes" para uma conhecida marca de cigarros, em que o mesmo dizia que "O certo é levar vantagem em tudo, certo?", o que o estigmatizou como protagonista do "jeitinho brasileiro", a esperteza mal engendrada.

[2] Apropriação do efeito inflacionário sobre recursos de terceiros, transitórios.

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Como citar o texto:

MOTTA, João Antônio César da..A Legislação e o Crédito: a facilidade em recuperar créditos é, ou não, um redutor nas taxas de juros?. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 126. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-economico/601/a-legislacao-credito-facilidade-recuperar-creditos-ou-nao-redutor-nas-taxas-juros. Acesso em 19 mai. 2005.

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