Resumo:

Os princípios são pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito. Indicam o alicerce do Direito e dos seus ramos, como por exemplo, a base em que está calcado o Direito Notarial. Revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixam para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando, assim, a  conduta a ser tida em qualquer operação jurídica. Nem sempre os princípios se inscrevem nas leis, mas porque servem de base ao Direito, são tidos como preceitos fundamentais para a sua prática e proteção aos direitos. Neste artigo , buscaremos expor a cerca desses elementos vitais, com enfoque para a área notarial.

Palavras-chave: princípios; princípios notariais; autoria e responsabilidade; fé pública; controle da legalidade; imparcialidade e independência; unicidade do ato; conservação; dever de exercício; forma de ser.

1. Da Introdução

Os princípios são pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito. Indicam o alicerce do Direito e dos seus ramos, como por exemplo, a base em que está calcado o Direito Notarial.

Princípio, derivado do latim principium (origem, começo), em sentido vulgar quer exprimir o começo de vida ou o primeiro instante em que as pessoas ou as coisas começam a existir. É, amplamente indicativo do começo ou da origem de qualquer coisa.

Princípios, notadamente no plural, segundo Plácido e Silva, são “as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa. Revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixam para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando, assim, a  conduta a ser tida em qualquer operação jurídica. Desse modo, exprimem sentido mais relevante que  o da própria norma ou regra jurídica. Mostram-se a própria razão fundamental de ser das coisas jurídicas”.

Nem sempre os princípios se inscrevem na leis, mas porque servem de base ao Direito, são tidos como preceitos fundamentais para a sua prática e proteção aos direitos.

2.  Princípio da Fé Pública

O Estado, no desenvolvimento de sua atividade pluralista, como representante dogmático do povo, atribui constitucionalmente à determinadas pessoas, o direito de representação para determinadas tarefas, e eles  contribuem para a paz social que todo o Estado de Direito Democrático procura. Entre esses indivíduos estão inseridos os notários, os serventuários da justiça, o escrivão, entre outros.

A fé pública atribuída aos notários se dá em decorrência de um mandamento legal, em cumprimento de algumas e sérias formalidades, bem como de especificidades naturais que regram o acolhimento do indivíduo como representante formal desse Estado para determinado labor, assim como o Estado recebeu de seu povo, mas restrita a garantir e certificar uma segurança nas relações sociais (atos jurídicos), que todos desejam como princípio de justeza e certeza daquilo quanto ao efetivamente ajustado, escriturado e trasladado.

A fé pública individualizada na figura do notário é uma das mais amplas já conhecidas, pois ao detentor dessa atribuição, cabe a expressão da verdade, ou seja, vige a crença popular de ser correto e autêntico em tudo aquilo que dita e escreve, salvo incontestável prova em contrário, já que a sociedade não pode ser traída em nenhuma hipótese. Não há eleição de absolutismo nas suas ações. Permanece adstrito às investigações sociais, admite-se a possibilidade de erros ou lapsos. Contudo, a crença nesses atos do notário constitui-se no primeiro grau de hierarquia do saber e do conhecer social. Assim, ele é depositário da fé pública.

3. Princípio da Autoria e Responsabilidade

O notário é o autor e responsável pelo documento, uma vez que este contém declarações dele e das partes.

Esse princípio supõe um dever de colaboração técnico-jurídica do notário para com os particulares e a obrigação de assessorar e aconselhar os meios jurídicos mais adequados para lograr fins lícitos, pois sua função é garantir a publicidade, conferir autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos, inerentes à confiança depositada tanto pelo Poder Público, como pelos particulares que confiam nos seus serviços.

A conseqüência da violação desses deveres é a responsabilização civil do notário, por danos e prejuízos causados por atuação em que  exista dolo, culpa ou ignorância. A ignorância, aqui, trata-se de desconhecimento dos preceitos legais necessários à elaboração do instrumento notarial.

Logo, o ato notarial, quando praticado irregularmente pode acarretar dano a alguém. Essa irregularidade pode ser do próprio titular da serventia ou de um de seus prepostos.

A responsabilidade por esse dano, desde que resulte de ato próprio da serventia, independentemente de praticado pelo titular ou por qualquer um de seus prepostos, acarreta na responsabilização exclusiva do notário. Tal responsabilização advém do disposto no Artigo 22, da Lei 8.935/94.

Décio Antonio Erpen, ressalta que “se o Notário ou o Registrador forem fiéis ao sistema jurídico (cumprimento das leis e das normas superiores) e sua atividade vier a causar dano, à evidência que estarão isentos de responsabilização”.

Assim, não há supedâneo jurídico para responsabilizar o notário que age rigorosamente dentro do estrito dever legal, mesmo que seu ato tenha causado prejuízo a outrem.

3. Princípio do Controle da Legalidade

O notário deve adequar a vontade das partes ao ordenamento jurídico, controlando a legalidade do negócio.

Em sua vertente negativa, o juízo da legalidade impõe ao notário o dever de examinar os requisitos legais nos atos que venha a intervir, negando autorização quando existam, a seu juízo, defeitos ou faltas de cumprimento dos requisitos legais.

O notário não é apenas, e tão somente, um documentador que dá forma ao negócio jurídico, mas também um intérprete que tem o dever de saber o que é que as partes desejam, adequando a vontade em função da finalidade perseguida.

A Lei Notarial conserva função de assessoramento jurídico profissional dos notários, como sendo distinta da delegação, mas isso é de menos importância. O certo é que esse consenso de imparcialidade sobre os meios jurídicos mais adequados, para que venham lograr êxito nos fins lícitos que a sociedade alcançar, é de  fundamental importância na qualificação notarial, quando o notário procurar fazer o  controle da legalidade dos atos ao mesmo solicitados.

O dever de informação e o dever de dar conselhos são tão necessários, quanto o de recomendação na elaboração do negócio jurídico formal a ele solicitado, devendo, no exercício de seu ministério, tomar todos os cuidados no aconselhamento, sem infringir o segredo profissional por qualquer das partes confiado.

Dar informações é advertir sobre as conseqüências jurídicas e o alcance da relação negocial solicitada.

4. Princípio da Imparcialidade e Independência

Este princípio trata do dever de assessorar ambas as partes e refletir a vontade das mesmas. Essa garantia vem assegurar os princípios de rogação  e da liberdade de eleição, sem dependência hierárquica na prestação de sua função. A posição de imparcialidade do notário, ante um eventual conflito entre as partes, é que será um terceiro estranho na relação negocial, em quem as partes podem confiar, permitindo uma segurança quanto ao equilíbrio e garantia.

O notário não pode, sob pena de responsabilidade, tomar para si o interesse de uma das partes. Os mesmos cuidados que venha a ter com uma, terá que ter com a outra, devendo sempre esclarecer, para ambas as partes, a melhor forma de negócio, as garantias do negócio, deixando para as partes  o direito de opção; tem como função a imparcialidade.

Esse princípio é exercido sempre em consonância com o princípio da legalidade, tanto objetiva como subjetiva.

Quando o notário submete-se à vontade exclusiva de uma das partes, em detrimento das demais, estará ele ofendendo o mais sublime de seus princípios, o qual gera segurança social, razão de sua existência.

5. Princípio da Unicidade do Ato

Esse princípio notarial não trata da unidade como princípio formal, mas sim como princípio instrumental. O documento notarial deve ser elaborado, sem interrupção. Esse princípio estaria mais preciso se fosse declarado como princípio da unidade instrumental, pois como princípio da unicidade do ato, entende-se como a sua elaboração, leitura, assinaturas e encerramento, sem solução de continuidade.

Como dito anteriormente, nos negócios jurídicos formais do direito romano clássico, era necessário que toda a cerimônia se celebrasse sem solução de continuidade, com unidade de tempo e lugar, em um só ato, sob pena de nulidade. Esse, sim, é o princípio da unidade do ato. A aplicação desse princípio, encontra-se elencada no ordenamento positivo vigente, como por exemplo, na elaboração do testamento, que é um dos atos mais solenes que existe na atividade notarial, não admitindo interferências e interrupções de quem quer que seja na sua lavratura.

Pela evolução dos negócios jurídicos, pela necessidade mais  veemente de contratar negócios, temos que admitir a contratação entre ausentes, de forma que a existência da unicidade do ato negocial está sendo atenuada, reduzindo a necessidade elementar de que qualquer ato reúna, pelo menos, os requisitos necessários para que o ordenamento jurídico lhe conceda certo valor.

A perda do princípio da unidade do ato, própria dos antigos negócios jurídicos, solenes, sucede como herdeira da unidade contextual nas escrituras públicas, versão escrita dos fatos, e que se caracteriza em virtude de as partes, imediatamente após sua leitura consentirem com o texto clausulado e autônomo, produzindo um renovatio contractus.

A exigência, em virtude da unicidade do ato ser instrumental, é que cada texto autorizado pelo notário, ou seja, um ato ou uma série de atos, seja produzido sucessivamente, sem interrupção, ou melhor, o instrumento feito e lido, sendo impossível acréscimo de disposições contratuais após sua assinatura do mesmo, sendo que a tal respeito dispõe o Art. 215, parágrafo 1o , incisos IV, VI e VII do Código Civil Brasileiro.

Como se vê, o princípio da unicidade do ato é instrumental, e ele, após sua elaboração e leitura, não é assinado por qualquer dos interessados, não pode ser alterado, sob alegação qualquer, do outro interessado. Não deve, nem mesmo com o consentimento do outro – obviamente que verbal – sofrer modificações.

Essa unicidade é necessária e eficaz. Ora a assinatura de uma escritura é apenas a confirmação do que foi requerido ao notário, portanto, há uma retroatividade, prevalecendo aquela data, ou seja, do requerimento. Quando da assinatura a posteriori, as partes estarão produzindo um renovatio contractus, não se admitindo nulidade, face essa alegação. O mesmo ocorre quanto ao lugar da assinatura, a mesma deve prevalecer onde os primeiros outorgantes assinaram, os demais ratificam o lugar como sendo próprio, inclusive assumindo como se presentes naquele local estivessem.

6. Princípio da Conservação

Os notários devem conservar todos os documentos, livros e papéis que lhe foram confiados, constituindo, dessa forma um sistema seguro frente às perdas e deteriorações. Tem-se aí, que muitas doutrinas chamam-nos de depositários de instrumentos públicos, como características da função notarial o que também deriva da função certificante. Mas não é só isso, eles são também depositários públicos, de documentos a eles confiados. O Estado, no ato de delegação, atribui ao notário o dever de conservar tudo aquilo que lhe é confiado como de documento.

O notário não é dono dos livros e papéis, os quais estejam sob sua guarda, mas apenas depositário. Esses livros e papéis são do Estado. Deve o notário conservá-los, como se fosse o próprio Estado, sob pena de responsabilidade. A conservação deverá ser feita de forma que impeça sua destruição. A defesa exercida pelo notário, quanto aos documentos por ele conservados, deve ser interpretada como defesa do próprio Estado, pois, a segurança dos negócios jurídicos imposta pelo Estado está em suas mãos.

7. Princípio do Dever de Exercício

O notário não pode negar-se a realizar atos de sua função, devido ao caráter jurídico necessário, próprio desse mesmo público.

Dessa forma, o notário é obrigado a praticar todos os atos que a ele sejam requeridos. A recusa somente poderá ocorrer, se para o exercício, tiver que ferir qualquer dos princípios de sua função e os princípios do direito.

Ao ser requerido, o ato notarial deverá ter seu curso normal, cuja elaboração deverá se efetivar de acordo com o mandamento legal existente, cumprindo a exigência formal, verificando a capacidade de contratar, e se o objeto é lícito.

Portanto, o exercício notarial tem o caráter obrigatório. A recusa importa em responsabilidade administrativa e civil.

8. Princípio da Forma de Ser

Esse princípio, também chamado de forma dat esse rei, proclama que, todo o ato jurídico, para que possa ser conhecido e produzir efeitos, necessita de uma forma, de uma exteriorização.

Diante da grande variedade de formas, previstas no direito positivo vigente, há liberdade de escolha, porém, segue como sendo necessária, para determinados negócios, que a lei exige uma forma determinada e especial, ou seja, “a forma de ser”, esta é necessária  para a sua existência.

Existem, as formas particulares que são criadas na esfera privada, pelos particulares, sem a intervenção estatal na sua confecção.

Por outro lado, existem as formas públicas, mais solenes e que recebem a intervenção de um oficial público, a quem a lei confere autoridade e poderes para tanto. São as formas outorgadas com a intervenção de um oficial público.

Dentre as formas públicas, encontram-se as notariais, ou seja, as formas nas quais o oficial público que intervém é o notário.

As formas notariais são eminentemente documentais, pois perpetuam os atos no tempo, face ao princípio da certeza e segurança jurídica. O notário realiza seu mister documentalmente e, mesmo quando não seja ele o redator do ato, sua intervenção, ainda que em instrumentos privados, se reveste de formas documentais.

As escrituras públicas, evidentemente, são constitutivas, quando a lei exige essa solenidade. Ser convencional quando as partes acordem que o negócio jurídico se tem por perfeito, quando elaborado por instrumento público. Portanto, conclui-se que os documentos públicos ou privados, são constitutivos e probatórios. Os primeiros dão vida ao negócio jurídico, os segundos provam um negócio jurídico anterior, mas não o modificam. Havendo divergência, sempre prevalecerá o primeiro (instrumento público).

Assim, quando é criado um documento, sob a forma pública, consubstanciado em outro privado, aquele é que dá vida ao negócio jurídico, enquanto o último apenas prova. O que não quer dizer que o documento público tem o direito de modificar negócio anterior realizado por meio de documento particular, mas apenas que traz esse negócio ao mundo jurídico, dando-lhe eficácia, força executiva e prevalência sobre os demais e, principalmente, faz prova incontestável contra terceiros interessados.

9. Da conclusão

Diante do exposto, procurou-se estabelecer uma relação direta entre os princípios norteadores da função notarial.

Procurou-se indicar o alicerce do Direito e dos seus ramos, como por exemplo, a base em que está calcado o Direito Notarial. Revelando, assim, o conjunto de regras ou preceitos, que se fixam para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando, também, a  conduta a ser tida em qualquer operação jurídica.

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Como citar o texto:

SANDER, Tatiana..Princípios Norteadores da Função Notarial. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 133. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-notarial-e-registral/665/principios-norteadores-funcao-notarial. Acesso em 4 jul. 2005.

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