A conduta humana orienta-se por princípios atinentes aos seus resultados imediatos e mediatos. Os resultados imediatos de uma determinada conduta são o propósito da conduta, o objeto a que esta se dirige ou seu fim.

Os resultados mediatos são resultados indiretos ou meta-resultados, que podem estar compreendidos na esfera de interesses do agente, ou podem transcender a esfera de interesses do agente , repercutindo sobre muitos outros indivíduos, sobre uma categoria de indivíduos ou mesmo sobre toda uma comunidade, historica e temporalmente classificada.

A conduta orientada por princípios condicionantes dos resultados imediatos pode ser vista como uma conduta técnica. Quando se levam em conta os princípios da ação voltada para resultados ou interesses mediatos, ingressa-se no que se pode denomina conduta ética. (Assim, pode-se até admitir que existe uma técnica para a ética).

A prática científica tem por objetivo a ampliação do conhecimento a respeito do mundo interior e do mundo fenomenológico externo ao indivíduo. A prática científica é, portanto, uma forma de conduta humana orientada para um determinado resultado: a ampliação do universo dos fatos conhecidos pela razão e o intelecto humanos.

Como conduta técnica , orienta-se por princípios próprios, entre eles o método científico, um conjunto de regras pelas quais vão-se desenvolver ações materiais e intelectuais, todas direcionadas para estabelecer e delimitar novo ou mais profundo conhecimento a respeito de coisas novas (descobertas recentes) ou não (fatos da realidade ou apreensões intelectuais sobre a realidade das coisas) .

Coisas novas podem consistir em descobertas científicas; ou coisas já conhecidas, sobre as quais acrescentam-se mais fatos conhecidos e acertados modificando a forma pelas quais eram vistas ou o nível de compreensão dos fenômenos até então identificados. Esse é o campo mais vasto da prática científica, representando paulatinos avanços e substituição de teses conhecidas por teses inovadoras ou que lançam luzes sobre aspectos obscuros do conhecimento estabelecido. O método científico por excelência envolve um processo cumulativo de conhecimentos. Não se desconhece, com isso, que as descobertas estrito senso, e mesmo as chamadas descobertas revolucionárias, que possibilitam desenvolvimento significativo do conhecimento estabelecido, possam decorrer de alterações radicais na forma de apreciar e estudar os objetos ou mesmo da alteração dos objetos sob análise e estudo. Seriam as chamadas mudanças de paradigmas. As mudanças de paradigma passaram a ser mais discutidas a partir da publicação de A Estrutura das Revoluções Científicas, de Khün, T.

Enquanto conduta ética, a prática científica, como outras formas de comportamento humano, individual ou coletivo, pautar-se-ia por princípios orientadores, que , de forma muito genérica, poderiam ser classificados como " fazer o bem " , ou , na formulação inversa , " não fazer o mal ao próximo ", ou " observar as regras da conduta moral mais elevada a distinguir o homem ", etc. Mas , até mesmo em face da generalidade e ambigüidade dessas fórmulas elas pouco explicitam o que se poderia identificar como ética científica.

Haveria, ainda, em uma apreensão mais atual, de buscar evitar o antropocentrismo na concepção da ética da conduta , ou mesmo deformações culturais na concepção ética (racismo, preconceitos religiosos e culturais, etc.). Obviamente, haverá fácil compreensão, hoje - e à distância - a respeito do possível dilema ético em que deveriam ter-se encontrado os cientistas envolvidos no Projeto Manhattan (o desenvolvimento da bomba A, ao final da 2ª. Guerra Mundial, nos EEUU). Da mesma forma, caberia indagar qual a ética antropológica que orientaria a ação jesuítica , no Brasil Colônia, quando em defesa dos ameríndios, Vieira , Anchieta e Manoel da Nóbrega , sugeriam a escravidão dos negros africanos.

A constatação acima conduz a admitir-se haver , na definição de padrões éticos, fortes componentes culturais, embora possa-se identificar certas condutas generalizadas que estariam à raiz de certos padrões éticos, por ex., a solidariedade entre membros de uma comunidade, que, idealmente, estender-se-ia à toda a comunidade dos povos.

Método científico e ética científica

A ética científica sobre a qual interessa aqui discorrer é aquela que guarda íntima relação ao método científico, ao mesmo tempo em que se embebe de princípios de respeito à propriedade, o que demonstra , claramente, a matriz cultural de onde provêm seus princípios orientadores.

Supondo que possa existir uma verdade a ser identificada ou exposta, ou, em uma dada situação temporal e material, um conhecimento novo a ser identificado, ou obtido - e consequentemente , visto como antes inexistente, ou oculto -, tudo aquilo que favorecer essa obtenção será, digamos " bom ". Em contrário, tudo o que prejudicar a realização desses esforços para se lograr, com o menor dispêndio de energia e recursos materiais, o novo conhecimento, será, assim dizendo , " mal " .

E se, culturalmente, valoriza-se a propriedade individual, ou individualizada, ou há grande valorização social do indivíduo, o criador ou autor, será bom tudo o que se fizer para preservar essa possibilidade de identificação desse indivíduo de maior valor. E mal, tudo o que dificultar essa identificação.

Não há dúvida que o método científico pressupõe, assim, uma ética científica, como não se duvida essa ética será , ainda, influenciada pelas condições em que se desenvolver a aplicação desse método que ela informa.

23 de outubro de 1997

 

Como citar o texto:

LUNA FILHO, Eury Pereira..A ética científica. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/teoria-geral-do-direito/72/a-etica-cientifica. Acesso em 23 out. 1998.

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