SUMÁRIO: 1 Introdução - 2 Da prescrição do crédito tributário - 3 O despacho citatório do executado como termo a quo da prescrição intercorrente - 4 A inconstitucionalidade do parágrafo 4º do artigo 40 da Lei nº 6.830/80 - Impossibilidade de decretação ex officio da prescrição intercorrente - 5 A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - 6 Conclusão – Bibliografia.

1 INTRODUÇÃO

Em 29 de dezembro de 2004 foi editada a Lei ordinária de nº 11.051, dispondo sobre o desconto de crédito na apuração da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL e da Contribuição para o PIS/Pasep e Cofins não cumulativas. Contudo, dentre outras providências, em seu artigo 6º foi estabelecido, in verbis:

"Art. 6º O art. 40 da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 40. (...)

(...)

§ 4º Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato."

Como se verifica da literalidade do dispositivo legal acima transcrito, foi acrescentado um parágrafo 4º ao artigo 40 da Lei de Execução Fiscal - LEF (Lei nº. 6.830/80), que passou a conceder ao julgador poderes para decretar ex officio a prescrição intercorrente do crédito tributário executado. Nota-se, ainda, que tal decretação está condicionada meramente à prévia intimação da Fazenda Pública, permitindo à mesma que suscite eventuais causas suspensivas ou interruptivas do prazo prescricional.

Diante disso, o objetivo deste trabalho é analisar as implicações introduzidas pela recente reforma legislativa e perquirir sobre sua constitucionalidade.

2 DA PRESCRIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

Ao normatizar o Sistema Tributário Nacional, a Constituição da República de 1988 distribuiu entre as pessoas políticas as competências para instituição dos tributos, e, visando a condicionar o exercício de tais competências, estabeleceu "balizamentos prévios" a serem veiculados pela legislação complementar, como afirmado por Werther Botelho Spagnol (SPAGNOL, 2004, p. 92). Vejamos o texto constitucional:

“Art. 146. Cabe à lei complementar:

I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre União, os Estados, o distrito Federal e os Municípios;

II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas. (...)”

Nota-se que o constituinte foi expresso ao atribuir ao legislador complementar a competência para estabelecer normas a respeito da prescrição do crédito tributário.

Cumprindo tal desiderato, o Código Tribunal Nacional, Lei nº 5.172/66, recepcionado com status de lei complementar pela ordem constitucional vigente, ao tratar das modalidades de extinção do crédito tributário, arrolou a prescrição em seu artigo 156, inciso V. Mais adiante, regulamentou o mencionado instituto nos termos do artigo 174 , in verbis:

"Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva."

Portanto, realizado o lançamento (de ofício, mediante declaração ou por homologação) e constatada a mora do devedor, a Fazenda Pública dispõe do prazo prescricional de 5 (cinco) anos para cobrar judicialmente o crédito tributário.

A respeito, esclarece Hugo de Brito Machado:

"Dizer que a ação para cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos significa dizer que a Fazenda Pública tem o prazo de cinco anos para cobrar judicialmente, para propor a execução do crédito tributário. Tal prazo é contado da constituição definitiva do crédito, isto é, da data em que não mais admita a Fazenda Pública discutir a seu respeito, em procedimento administrativo. Se não efetua a cobrança no prazo de cinco anos, não poderá mais fazê-lo." (MACHADO, 2003, p. 195)

Portanto, uma vez decorrido o prazo legal, ocorrerá a extinção do crédito tributário, e, consequentemente, não será juridicamente viável à Fazenda Pública a dedução de sua prentensão em juízo, posto que esta também estará extinta, conforme terminologia acertadamente incorporada ao artigo 189 do Código Civil.

3 O DESPACHO CITATÓRIO DO EXECUTADO COMO TERMO A QUO DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE

Ocorre que, como se extrai do parágrafo único do artigo 174 do Código Tributário Nacional, o lapso temporal de 5 (cinco) anos para que o sujeito ativo possa exigir a sua satisfação, contados da constituição definitiva do crédito, está sujeito a causas interrruptivas, in verbis:

"Art. 174 (...)

Parágrafo único. A prescrição se interrompe: I - pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; (Redação dada pela LC nº 118/05) II - pelo protesto judicial; III - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor; IV - por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor."

Das hipóteses de interrupção do prazo prescricional acima arroladas, exsurge com maior destaque a do inciso I, visto que alterada recentemente pela Lei Complementar nº 118, de 9 de fevereiro de 2005, cujo escopo era adaptar a legislação tributária à nova Lei de Falências (Lei nº. 11.101, também de 09 de fevereiro de 2005). Fixou o inciso I do artigo 174 do CTN , com sua nova redação, que o despacho do juiz ordenando a citação em execução fiscal é o marco interruptivo da prescrição.

Assim, a redação atual do citado dispositivo não mais exige a efetiva citação pessoal do devedor, forma clássica de interrrupção da prescrição, há muito consagrada pela processualista civil e inserida no artigo 219, caput, do Código de Processo Civil, contentando-se com o despacho que ordena tal citação.

Ademais, com tal alteração legislativa, foi sanada a antinomia existente entre o que dispunha a revogada redação do inciso I do artigo 174 do CTN e a regra do artigo 8º, § 2º, da Lei de Execução Fiscal que, desde 1980, estipulava ser o despacho do juiz, que ordena a citação, o marco temporal apto a interromper a prescrição.

Contudo, a nova redação do inciso I do artigo 174 do Código Tributário Nacional contraria a jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, que negava aplicação ao artigo 8º, § 2º, da Lei de Execução Fiscal, sob o fundamento de que "só a citação regular tem o condão de interromper a prescrição" (STJ. S1. 1ª Seção. REsp 327268/PE Rel. Min. Eliana Calmon. DJ 26.05.2003, p. 254)

Contudo, inexiste óbice jurídico a macular a opção do legislador complementar em estipular o despacho ordenador da citação como apto a interromper a prescrição. Acredita-se, inclusive, que será revista a citada tese do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, à medida que a mesma é fundamentada exatamente na redação revogada do inciso I do artigo 174 do Código Tributário Nacional.

Interessa notar que, com a aludida reforma do artigo 174 do Código Tributário Nacional, agora acorde com a Lei de Execução Fiscal, será juridicamente irrelevante que os executados utilizem-se de artifícios para se furtarem ao ato citatório, posto que esse deixou de figurar como marco interruptivo da prescrição, interessando para tal fim apenas o despacho ordenador da citação.

Nesse contexto importa que, uma vez interrompida a prescrição pelo despacho do juiz que ordenar a citação do sujeito passivo da obrigação tributária, executado na ação fiscal, será totalmente desconsiderado o prazo transcorrido, o qual iniciará novo curso por mais 5 (cinco) anos, como registra Hugo de Brito Machado. (MACHADO, 2003, p. 196)

E, como salienta Sacha Calmon Navarro Coêlho, uma vez interrompida a prescrição e reiniciado o prazo prescricional, pode-se, inclusive, "dar-se a chamada prescrição intercorrente", para aqueles que a admitem. (COÊLHO, 2001, p. 477)

Sobre o tema, entende-se que na Ação de Execução Fiscal ocorre a prescrição intercorrente quando, uma vez iniciado o processo, não sendo encontrado o devedor ou bens penhoráveis, a Fazenda Pública deixar de movimentar o processo, de modo injustificável, por prazo superior ao estabelecido no artigo 174 do CTN. Portanto, a prescrição intercorrente somente pode ser reconhecida se houver desídia da Fazenda Pública em movimentar o processo por mais de 05 (cinco) anos.

4 A INCONSTITUCIONALIDADE DO PARÁGRAFO 4º DO ARTIGO 40 DA LEI 6.830/80 - IMPOSSIBILIDADE DE DECRETAÇÃO EX OFFICIO DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE

Ante o exposto, impende analisar a constitucionalidade do parágrafo 4º do artigo 40 da Lei nº 6.830/80, introduzido pela Lei Federal nº 11.051/2004, a fim de se responder à seguinte questão: é juridicamente legítima a decisão do julgador de decretar ex officio a prescrição intercorrente dos créditos tributários, quando em curso uma Ação de Execução Fiscal?

A resposta deve ser negativa, pois se trata de dispositivo manifestamente inconstitucional, por não se adequar formalmente às normas da Constituição da República de 1988. Cuida-se de incompatibilidade vertical no tocante à forma de veiculação da norma infraconstitucional.

Isso pois, como visto, o constituinte determinou que cabe apenas à lei complementar dispor sobre normas gerais em matéria tributária, incluindo-se nessa seara a prescrição. Nesse sentido é o disposto no citado artigo 146, inciso III, alínea b, da Constituição da República, não se admitindo qualquer inovação por meio de lei ordinária.

Com efeito, trata-se de uma inconstitucionalidade formal objetiva, pois a norma em exame foi elaborada em desacordo com as diretrizes estabelecidas pela Constituição da República de 1988. Ora, quando a Constituição reserva uma determinada matéria à lei complementar, nenhum outro ato normativo hierarquicamente poderá realizar tais disposições.

Impende esclarecer que a referida inconstitucionalidade não decorre da hierarquia entre leis complementares e leis ordinárias, pois, a despeito de entendimentos diversos, entende-se que inexiste tal hierarquia, sendo insuficientes para defender a sua existência os argumentos com base na posição topográfica na Constituição (CR, artigo 59) ou apoiados no quórum qualificado de aprovação das leis complementares (CR, artigo 69).

Na verdade, entende-se pela inconstitucionalidade do parágrafo 4º do artigo 40 da Lei nº 6.830/80, pois sua introdução no ordenamento se deu por meio de lei ordinária (Lei nº 11.051/04), invadindo o campo material de uma lei complementar. A Lei Maior define expressamente o campo material reservado às leis complementares, cabendo às leis ordinárias cuidar tão somente da matéria residual. Em síntese, apenas o que não estiver expressamente reservado à lei complementar poderá ser regulado mediante lei ordinária.

Desta forma, caracterizado o dispositivo legal como inconstitucional, cabe ao Poder Judiciário declarar sua inconstitucionalidade, seja pela via concentrada ou difusa, negando-lhe aplicação e, assim, deixando de decretar, de ofício, a prescrição intercorrente do crédito tributário.

Logo, deve o juiz aguardar que a prescrição seja suscitada pela parte interessada, a quem aproveita, porque se trata de questão patrimonial, aplicando, supletivamente, a norma do artigo 219, §5º, do Código de Processo Civil, in verbis: "Art. 219 (...) § 5º Não se tratando de direitos patrimoniais, o juiz poderá, de ofício, conhecer da prescrição e decretá-la de imediato."

De mais a mais, ainda cabe ao julgador observar o disposto no artigo 194 do Código Civil, no sentido de que "o juiz não pode suprir de ofício, a alegação de prescrição ...", em conformidade com os artigos 109 e 110 do Código Tribunal Nacional.

Conclui-se que a prescrição intercorrente somente poderá ser suscitada pelo executado, e seu exame pelo julgador deverá ocorrer após a realização do devido contraditório.

5 A JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

No mesmo sentido da tese ora sustentada, ou seja, entendendo pela impossibilidade de decretação de ofício da prescrição intercorrente do crédito tributário, encontramos a consolidada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXE-CUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. DECRETAÇÃO EX OFFICIO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A decretação da prescrição intercorrente nos processos executivos fiscais não pode ser feita de ofício pelo juiz, ante a vedação expressa prevista no art. 219, § 5º, do Código de Processo Civil. Precedentes. 2. Agravo provido. Recurso especial provido. (STJ. 2ª. T. Rel. Min. CASTRO MEIRA. AGRG no AI nº 524.651/PE. DJ de 18.03.2004)

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. DECRETAÇÃO DE OFÍCIO. DIREITO PATRIMONIAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. Em se tratando de direito patrimonial, o nosso ordenamento jurídico não ampara a decretação da prescrição de ofício, pelo juiz. 2. Diversidade de precedentes. 3. Recurso especial provido". (STJ. 1ª T., REsp. n.º 513.348/ES, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ 17.11.2003)

"PROCESSO CIVIL - EXECUÇÃO FISCAL - ART. 40 DA LEF - SUSPENSÃO - PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE - DECRETAÇÃO DE OFÍCIO - IMPOSSIBILIDADE. (...) 3. Enquanto não forem encontrados bens para a satisfação do crédito tributário, a execução deve permanecer arquivada provisoriamente (arquivo sem baixa). 4. Mesmo ocorrida a prescrição intercorrente, esta não pode ser decretada de ofício. 5. Recurso especial provido" (STJ. 1ª T., REsp. nº 432.586, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ 13.05.2003).

Por fim, acrescente-se que, após diversos precedentes no mesmo sentido, como acima verificado, a 1ª Seção, em decisão já citada, estabeleceu que a prescrição, quanto aos direitos patrimoniais, não pode ser decretada de ofício, conforme ementa do acórdão proferido no julgamento do REsp nº 327268/PE, Rel. Ministra ELIANA CALMON, DJ 26.05.2003, p. 254.

Tendo em vista que se trata de matéria há muito debatida e pacificada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em ambas as Turmas julgadoras, inclusive em conjunto, por meio da primeira Seção, espera-se que não haja mudança de interpretação jurisprudencial, mesmo com a entrada em vigor do parágrafo 4º do artigo 40 da Lei 6.830/80, por se tratar de dispositivo que contraria diretamente o ordenamento jurídico brasileiro.

6 CONCLUSÃO

Pelo exposto pode-se concluir que, mesmo após a introdução do parágrafo 4º no artigo 40 da Lei nº 6.830/80, por meio da Lei nº 11.051/04, continua sendo vedado ao juiz decretar de ofício a prescrição intercorrente do crédito tributário, visto que a matéria deduzida no execução fiscal é de direito patrimonial. Caso contrário, a decisão estará violando o artigo 146, inciso III, alínea b, da Constituição da República de 1988 e os artigos 219, § 5º do Código de Processo Civil e 194 Código Civil. Logo, somente quando suscitada pela parte a prescrição pela interessada e, após a oitiva da Fazenda Pública, poderá o magistrado decidir validamente.

BIBLIOGRAFIA

BRASIL. STJ. S1. 1ª Seção. REsp 327268/PE Rel. Min. Eliana Calmon. DJ 26.05.2003. BRASIL. STJ. 2ª. T. Rel. Min. CASTRO MEIRA. AGRG no AI nº 524.651/PE. DJ de 18.03.2004. BRASIL. STJ. 1ª T. REsp. n.º 513.348/ES, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ 17.11.2003. BRASIL. STJ. 1ª T., REsp. nº 432.586, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ 13.05.2003. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Manual de direito tributário. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 22. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. SPAGNOL, Werther Botelho. Curso de direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. (texto elaborado em fev/2005)

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Como citar o texto:

RODRIGUES, Vinícius Magno Duarte..A inconstitucionalidade da decretação ex officio da prescrição intercorrente do crédito tributário. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 138. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-tributario/730/a-inconstitucionalidade-decretacao-ex-officio-prescricao-intercorrente-credito-tributario. Acesso em 12 ago. 2005.

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