A mídia apregoou que a Reforma do Judiciário traria uma melhora significativa para a população, principalmente no tocante ao tempo para que sejam resolvidas as lides. Após a promulgação da reforma já surgem discussões sobre seus efeitos e até mesmo grandes doutrinadores opinam pela piora na prestação jurisdicional, notadamente a trabalhista, que sempre foi vista como célere, agora com competência ampliada significativamente, talvez fique assoberbada e perca sua prestabilidade enquanto instância para discussão de créditos de natureza alimentar.

A prática e as conseqüências da reforma serão sofridas principalmente pelo jurisdicionado, que pode ficar muito frustrado diante da súmula vinculante, porque para ele será sempre um absurdo existir decisão para seu caso, sem ao menos ouvi-lo antes. Esta situação advém do simples fato, diga-se aqui corriqueiro, de não haver discussão nacional e ampla sobre nada neste país e não fazer parte de nossa cultura o hábito de recorrer ao Judiciário, haja vista que ínfima parcela da população recorre às instancias jurisdicionais. As leis surgem e são extintas a revelia do povo, notadamente seu destinatário e, ao menos deveria ser, o maior interessado nelas.

Num imenso país de excluídos como o nosso, falar em democracia e participação popular irá soar, durante muito tempo ainda, como piegas, populista, demagógico e até falacioso. A distância entre a vontade do destinatário final das leis e dos legisladores tem sido um grande desafio para a filosofia e o direito. Não são poucos os filósofos que morreram buscando uma forma de reaver o que perdemos na Grécia, onde a democracia direta propiciava a identificação entre governante e governado.

Como bem disse MAGALHÃES (2004):

A democracia não é um lugar onde se chega. Não é algo que se possa alcançar e depois se acomodar pois é caminho e não chegada. É processo e não resultado. Desta forma a democracia existe em permanente tensão com forças que desejam manter interesses, os mais diversos, manter ou chegar ao poder para conquistar interesses de grupos específicos, sendo que muitas vezes estas forças se desequilibram, principalmente com a acomodação da participação popular dialógica, essência da democracia que defendemos, e o desinteresse de participação no processo da democracia representativa, pela percepção da ausência de representatividade e pelo desencanto com os resultados apresentados.

A complexidade do mundo e das relações humanas têm marcado este século, a imensa massa de informações e a falta de seletividade, confunde e cria paradoxos valorativos, muitas vezes fruto de manipulações da mídia. Tudo parece um reality show(1), haja vista as Comissões Parlamentares de Inquérito - CPI, que mais parecem um palanque eleitoral onde os parlamentares se engalfinham por espaço, preocupados apenas em aparecer e gravar os melhores flashs(2) de participação para serem transmitidos em campanhas eleitorais futuras.

O Congresso Nacional, local onde deveria haver uma discussão minuciosa sobre as leis, é alvo de denúncias de favorecimentos, corrupção, propinas, licitações irregulares, enfim todo tipo de mazela. Neste contexto, a população descrente da lisura de seus representantes protesta com votos de repúdio, elegendo macacos, cabras, ou políticos esdrúxulos com votação recorde. A prostituição infantil, o trabalho escravo e o tráfico de drogas se torna uma opção diante do desemprego e ausência de perspectiva dos jovens. E todo cuidado é pouco, porque são nestas horas que surgem os líderes como Hitler, porque a desilusão e o desespero é uma armadilha para que os valores sejam distorcidos.

ALMEIDA (2004) já advertia para a falência do processo de elaboração das leis e sobre a necessidade de resgatar o conteúdo democrático e participativo do mesmo.

Não se pode aceitar o que está hoje como democracia e é este o grande foco de discussão, a pseudo-democracia que vivemos encobre o grande furto de liberdade e de participação popular. O poderio econômico e a manipulação através dos meios de comunicação criam todo um aparato de veracidade e de confiabilidade, na verdade inexistente. Este não aparece na forma em que as coisas são feitas, pois todo o processo legislativo (enquanto procedimento) é observado, mas no resultado que surge, é de forma símile ao sofisma, onde se parte de premissas verdadeiras, mas a conclusão é totalmente esdrúxula e inaceitável.

O plebiscito do estatuto do desarmamento é um lampejo de democracia, mas somente poderá assim ser entendido se a população for devidamente esclarecida sobre o que está votando, com amplo debate social e acesso a informações sobre as posições objeto de escolha. Diferentemente do que ocorreu com o plebiscito para escolher a forma de governo, onde seria possível existir regime de governo e forma de governo incompatíveis, de acordo com as cédulas de votação colocadas à disposição da população.

Ainda podemos resgatar o nosso direito, como cidadãos, de co-autoria no processo de formação das leis, participando e cobrando de nossos representantes o respeito ao processo legislativo e o cumprimento real da fase discursiva das leis, real debate, real convencimento, o que culminará em leis mais adequadas ao nosso Estado Democrático e uma sociedade mais justa e igualitária.

Ao falar em Reforma do Judiciário e CPI, na verdade, é tratar do mesmo assunto: a crise de representatividade e de suas conseqüências. O que conduz ao entendimento de que ao resolver ou pelo menos melhorar a nossa representatividade no regime democrático estar-se-á fazendo uma reforma em toda a estrutura pública do país (Executivo, Legislativo e Judiciário).

Referências Bibliográficas

ALMEIDA, Dayse Coelho de. Devido processo legislativo: instrumento de participação popular. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 100. Disponível em: Acesso em 17/1/2005.

FURTADO, Celso. O longo amanhecer: reflexões sobre a formação do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.

MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. A crise da democracia representativa. O paradoxo do fim da modernidade. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 223, 16 fev. 2004. Disponível em: . Acesso em: 02 jul. 2004.

Notas:

(1)A tradução seria um show real, do tipo BIG BROTHER BRASIL, exibido pela mídia televisionada explorando fatos que ocorrem decorrentes de situações de confinamento e de disputa de altos valores financeiros. Geralmente neste tipo de espetáculo os participantes se submetem a tudo e demonstram seu lado obscuro, falta de caráter, mentiras, traições e sexualidade, obviamente explorados em razão da audiência.

(2)Há notícia de parlamentares que chegam muito cedo para ocupar os melhores lugares para as filmagens e fotografias dos jornais. Não haveria necessidade de se chegar tão cedo, haja vista que os chefes de bancada, independentemente da hora que cheguem, tem prioridade nas inquirições e que tanto faz o assento ocupado para o desempenho do parlamentar.

 

Como citar o texto:

ALMEIDA, Dayse Coelho de..Reforma do judiciário, CPI e a crise de representatividade: algumas reflexões. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 140. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/pratica-forense-e-advogados/737/reforma-judiciario-cpi-crise-representatividade-algumas-reflexoes. Acesso em 24 ago. 2005.

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