Sumário: 1 – Introdução – 2 – Atribuições do Farmacêutico – 3 – Outras legislações aplicáveis - 4 - O Farmacêutico como auxiliar do médico e executor de suas prescrições – 5 – O Farmacêutico como comerciante – 6 – O Farmacêutico como fornecedor: CDC – 7 – O fornecimento de medicamentos genéricos – 8 – Excludentes de Responsabilidade – 9 – Bibliografia

1 - INTRODUÇÃO

Farmacêutico, a grosso modo, é o profissional que realiza, através de fórmulas pré-estabelecidas e com o uso de técnicas e aparelhos especializados, trabalhos ligados à composição e fornecimento de medicamentos e outras substâncias análogas, objetivando as receitas médicas, veterinárias e odontológicas.

Entretanto, o exercício desta profissão não se restringe apenas ao responsável pela elaboração de produtos farmacêuticos comercializados pelos laboratórios. Na verdade, engloba também o responsável técnico atuante em ponto comercial (drogarias e farmácias), que promove a fiel execução das prescrições médicas, atendimento adequado aos consumidores e esclarecimentos acerca dos produtos expostos.

Desta forma, o farmacêutico, no laboratório, é o responsável pela qualidade, eficácia e segurança do produto, e no estabelecimento comercial, o principal responsável pelo funcionamento deste, vez que assume a qualidade de diretor técnico.

2 – ATRIBUIÇÕES DO FARMACÊUTICO

Nas duas situações acima expostas, percebe-se a importância do profissional de farmácia na composição e comercialização de produtos, que resultam em atribuições de caráter personalíssimo, não podendo ser delegadas a outrem, como definido pelos Conselhos de Farmácia, pois em caso contrário, responderá pelos seus atos e também pelos atos de terceiros sob sua responsabilidade.

Em virtude desta importância, os órgãos responsáveis – Conselhos Federal e Regionais de Farmácia – regulamentam a profissão através de Resoluções Normativas, como a de nº 357/2001-CFF, que relaciona as atribuições dadas aos profissionais que respondem pela direção técnica da farmácia ou drogaria, de tal forma, que a não observância delas remete a uma série de implicações éticas, civis e criminais.

Dentre outras atribuições, podem-se citar as seguintes: a) assumir a responsabilidade de todos os atos farmacêuticos praticados no estabelecimento (entenda-se aqui o laboratório e o estabelecimento comercial); b) esclarecer ao público o modo de utilização de medicamentos e seus possíveis efeitos colaterais; c) manter os medicamentos em bom estado de conservação, garantindo qualidade, eficácia e segurança do produto bem como a conservação e limpeza do próprio estabelecimento; d) colaborar com os Conselhos de Farmácia e autoridades sanitárias sobre irregularidades detectadas em medicamentos no estabelecimento sob sua direção técnica; e) preparar e fornecer medicamentos conforme prescrições médicas; f) aprontar produtos farmacêuticos conforme fórmulas estabelecidas; g) compor estudos, análises e testes com plantas medicinais para extrair seus princípios ativos e matérias primas; h) controlar entorpecentes e produtos similares, registrando a venda em guias e livros, conforme receituários, atendendo aos dispositivos legais.

3 - OUTRAS LEGISLAÇÕES APLICÁVEIS

Eticamente é regulamentada pelo código profissional, no cumprimento de deveres e exercício de direitos nas relações com a sociedade, cabendo ao CRF fiscalizar suas atividades. Com referência à indelegabilidade de atribuições exclusivamente suas (v.g., manipulação de remédios), em caso de desobediência, acarretará na perda do registro profissional.

O farmacêutico também poderá responder civil e criminalmente, quando seus atos ou atos de terceiros sob sua responsabilidade, proporcionarem prejuízos ao cliente, seja pela não observância da prescrição médica, seja pela indicação de remédios (exercício ilegal da profissão médica), por exemplo.

Destarte, além das Resoluções oriundas dos Conselhos Regionais e Federal, existem outras legislações que incidem sobre a atividade farmacêutica:

-         LEI Nº 5.991/73 – controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos;

-         DECRETO Nº 74.170/74 – regulamenta a Lei nº 5.991/73;

-         LEI Nº 6.368/76 – medidas de prevenção e repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica;

-         DECRETO Nº 78.992/76 – regulamenta a Lei nº 6.368/76;

-         CLT – artigos nºs 910 e 352, §1º, incisos “e”, “g” e “h”;

-         CÓDIGO CIVIL DE 1916 – artigos 1545, 1546, 1521, III, 896 e 915;

-         CÓDIGO CIVIL DE 2002 – artigos 931, 932, 933, 948, 949, 950 e 951;

-         CÓDIGO PENAL – artigos 268 e § único, 282, 283, 284, I, II, III e § único e 258;

-         LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS – pelo exercício ilegal de profissão ou atividade;

-         CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – artigos 6, 8, 12, 13 e 14 (fornecedor); e,

-         LEI Nº 9.787/99 – dispõe sobre vigilância sanitária, estabelece o medicamento genérico, dispõe sobre a utilização de nomes genéricos e produtos farmacêuticos.

4 - O FARMACÊUTICO COMO AUXILIAR DO MÉDICO E EXECUTOR DE SUAS PRESCRIÇÕES

Sobre esse prisma, a responsabilidade do farmacêutico decorre da desobediência às prescrições médicas, de sua errada execução ou do exercício ilegal da arte médica. A este rol, pode-se acrescentar a responsabilidade pela venda de substâncias proibidas, venda de drogas vencidas ou deterioradas, venda de medicamentos sem receita médica ou da troca do produto receitado pelo médico por outro, ainda quando ignorar a composição do remédio vendido ou as incompatibilidades dele com o organismo do cliente.

Quanto à responsabilidade pessoal do farmacêutico, por ato próprio, requer-se atuação culposa. Neste sentido, dispõe o artigo 951 do Código Civil quanto ao disposto nos artigos 948, 949 e 950, que disciplinam a liquidação do dano em caso de homicídio e de lesão corporal, aplicando-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia causar morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão ou inabilitá-lo para trabalho.

Tais dispositivos já eram abarcados no Código Civil de 1916 sob égide do artigo 1545, que previa, restritivamente, quais profissionais estavam sujeitos a tal regime (profissionais da área de saúde). Assim no Código Civil de 2002, o tratamento estendeu-se a todos os profissionais liberais, de forma genérica, consoante o art. 14, §4º do CDC.

E quanto à prática de receitar ou sugerir, este ou aquele medicamento por parte do farmacêutico, ou sua aplicação no paciente por qualquer via de ingresso no organismo (oral, nasal, muscular, venosa e etc.) além de caracterizar infração prevista na lei penal – Código Penal, artigo 282,  Exercício Ilegal da Medicina, pena de detenção de 06(seis) meses a 02(dois) anos, e se praticado com o fim de lucro, será aplicada multa – poderá acarretar responsabilidade civil, se dessa prática resultar danos à pessoa.

Cumpre ainda salientar, com relação aos profissionais da área de saúde, que a responsabilidade civil com origem contratual, refere-se a uma obrigação de meio, o que se presume, na maiorias das vezes, a responsabilidade subjetiva, em que é necessária a comprovação da culpa (negligência, imprudência ou imperícia).

5 - O FARMACÊUTICO COMO COMERCIANTE

O farmacêutico atua como comerciante quando dedica-se a venda de medicamentos pré-fabricados submetendo-se assim, às normas respectivas, principalmente no que concerne a concorrência desleal.

Neste caso, verifica-se também a sua subordinação ao Código de Defesa do Consumidor, uma vez que ele deve ser tratado não como profissional liberal, mas como fornecedor de produtos.

Para alguns doutrinadores, porém, o profissional, mesmo que exercendo o comércio como responsável por farmácia ou drogaria, manipulando ou não remédios, deve ser considerado profissional liberal, tendo em vista a formação específica (nível universitário) que dele se exige.

Todavia, o farmacêutico no Código Civil de 1916 era contemplado com artigo específico (1546) que previa uma responsabilidade agravada, de forma presumida e solidária deste com relação aos erros e enganos praticados pelos seus prepostos.

Com o advento do Código de Defesa do Consumidor e a posterior entrada em vigor da Lei nº 10.406 (Novo Código Civil) a responsabilidade civil, de forma geral, passou a ser caracterizada objetivamente, independentemente de culpa (artigos 34, CDC e 933, CC) pelos empregadores em geral, o que possibilitou a supressão do art. 1546.

Assim, considerando o farmacêutico apenas como profissional liberal, cria-se problemas com relação à sua responsabilização: se visto apenas como profissional liberal, poderia apenas imputar-se a responsabilidade subjetiva, exlcuindo-se a possibilidade de enxergá-lo como comerciante, na qual poderia ser responsabilizado subjetivamente, quando agisse com culpa e objetivamente pelos atos dos seus prepostos.

6 - FARMACÊUTICO COMO FORNECEDOR: CDC

A tutela de segurança nas relações de consumo de medicamentos, pressupõe a idéia de legitimidade do profissional farmacêutico no exercício de suas atribuições.

Com efeito os medicamentos são produtos naturalmente perigosos, não se admitindo defeitos esperados. Assim como no caso de um medicamento com a data de validade vencida, e que continua exposto à venda.

Desta feita, o fornecedor, no caso o farmacêutico, tem o dever de informar o consumidor consoante o artigo 8º, § único e 12 do Código de Defesa do Consumidor, sendo um direito básico conforme o art. 6º do mesmo diploma legal.

Por exemplo, o fato de um farmacêutico comercializar medicamentos, que após a venda, foram considerados nocivos à saúde, muito embora o negócio mercantil tenha sido realizado antes da notícia, é inafastável o dever pós contratual, como o da colocação de cartazes informativos no estabelecimento farmacêutico.

Neste sentido, tem o farmacêutico, como fornecedor direto, obrigação de identificar os produtos distribuídos, bem como conservá-los adequadamente, evitando o perecimento, sob pena de responsabilização subsidiária ao fornecedor indireto. Sendo assim, o direito de regresso frente a este lhe é garantido pelo parágrafo único do art. 13 do CDC.

Ainda deve ser observada a divergência existente quanto à caracterização da responsabilidade do farmacêutico. Isso se deve ao fato deste profissional se colocar em várias posições na relação jurídica. No caso supracitado atuar apenas como profissional liberal acarretará em responsabilidade subjetiva, porém, na atuação do preposto, na comercialização do medicamento, indicará a responsabilidade objetiva.

7 - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS GENÉRICOS

A Lei nº 9.787/99, que alterou a Lei nº 6.360/76, dispõe sobre a vigilância sanitária, estabelece o medicamento genérico, dispõe sobre a utilização de nomes genéricos em produtos farmacêuticos, e editou, ainda, normas regulamentadoras a respeito dos medicamentos que poderiam ser substituídos por equivalentes (intercambialidade), desde que não houvesse veto do profissional prescritor.

Para que exista a intercambialidade é necessária a equivalência terapêutica entre os medicamentos, servindo o produto indicado pelo profissional como referência. O medicamento que substituirá o indicado pelo profissional é o que mormente se denomina genérico.

Entretanto, caso seja proibida expressamente na prescrição médica a intercambialidade do produto, mesmo que a pedido do consumidor, o farmacêutico estará proibido de aviar a receita, senão com o medicamento indicado. Sendo fornecido outro medicamento, mesmo que similar, o farmacêutico será responsabilizado em caso de dano causado ao consumidor.

8 - EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE

Há casos em que o profissional farmacêutico fica isento de responsabilidade, em homenagem à distribuição correta da justiça, mitigando a teoria do risco.

Assim, tanto o farmacêutico, na qualidade de comerciante, ou seja, mero fornecedor de produtos, quanto na qualidade de profissional liberal, atuando como auxiliar do médico ou executor de prescrições médicas, exonera-se da obrigação de indenizar nos seguintes casos:

a)      o comerciante/fornecedor provar que o defeito não existe (art. 12, §3°, II, CDC);

b)      o comerciante/fornecedor provar que não colocou o medicamento em circulação no mercado (art. 12, § 3°, I, CDC), não tendo nenhuma responsabilidade pelo medicamento.

c)      de culpa exclusiva da vítima ou de terceiros ou inexistência de nexo de causalidade.

Por exemplo, quando o profissional liberal provar que não se houve com culpa, nos casos de delegação de responsabilidade subjetiva, quando há inversão do ônus da prova, quando a vítima ministra por sua vontade e risco quantidade excessiva de medicamentos ou não adota as orientações do profissional.

BIBLIOGRAFIA

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PEDROTTI, Irineu Antonio. Responsabilidade Civil. 2ª ed. rev. atual. Ampl.. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda, 1995. Vol. 2.

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VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. São Paulo: Atlas, 2001. Vol. IV: Responsabilidade Civil.

(Elaborado em janeiro de 2005)

 

Como citar o texto:

COSTA, Ricardo O.; GAMA, Kelly G. S.; GARRETA, Thaís; MADUREIRA, Juliana S. R.; LOPES, Paulo A.; NOZIMA, Cecília L. e MOURA, GIlberto F; PEREIRA, Fábio C..Responsabilidade Civil do Farmacêutico. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 142. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil-responsabilidade-civil/777/responsabilidade-civil-farmaceutico. Acesso em 9 set. 2005.

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