No último sábado, 24 de setembro de 2005, à sociedade brasileira foi surpreendida com mais uma notícia de corrupção, que infelizmente, parece ser a tônica desse início de milênio. Desta vez foi a suposta manipulação de resultados de partidas de futebol para beneficiar algumas pessoas em sites de apostas existentes na Internet.

            Por mais particular que o assunto pareça, ou seja, que diga respeito apenas aos amantes do futebol, fato é que por pronunciamentos dos Presidentes do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, da Confederação Brasileira de Futebol e da Federação Paulista de Futebol, o caso ganha uma importância maior na medida em que o que está em discussão não é apenas um escândalo ou assunto futebolístico, mas sim a interpretação do Princípio da Boa-Fé que mais que mero princípio presente em nosso ordenamento jurídico, ele é um balizamento de conduta de toda a sociedade brasileira. 

            O Princípio da Boa-Fé diz respeito à intenção das partes na prática de seus atos, fazendo com que, o ser humano esteja sempre embuído de boa-fé para que tal ato seja convalidado. No entanto, por simples analogia podemos afirmar que as partidas arbitradas pelo Sr. Edílson Pereira de Carvalho, principal protagonista da notícia, haja vista ter sido acusado e preso pela suposta manipulação de resultados de partidas do Campeonato Brasileiro, Paulista e até da Copa Libertadores da América, estão contaminadas pela má-fé.

            No entanto, por mais simples que pareça a analogia esposada, na realidade a boa-fé é que se presume e a má-fé deve ser provada. Sendo assim, inverte-se o raciocínio anteriormente perpetrado, fazendo com que, apenas as partidas em que se comprove a má-fé do Sr. Edílson Pereira de Carvalho tenham seus resultados contaminados.

            Ocorre, porém, que o Superior Tribunal de Justiça Desportiva se pronunciou no mesmo final de semana esclarecendo que com base no depoimento do acusado, apenas sete de onze partidas serão investigadas, visto que em outras quatro, o próprio depoente diz que não conseguiu interferir no resultado.

            Ora, vamos considerar que o parâmetro usado pelo STJD é o do depoimento do principal acusado, e que baseado no mesmo Princípio da Boa-Fé que fez crer que se ele afirmou não ter manipulado quatro jogos, são eles válidos por presunção da boa-fé do depoente.

            Parece simples a conclusão da cúpula do STJD, se não fosse o fato de tal boa-fé estar sendo presumida a partir do depoimento de uma pessoa cuja conduta foi objeto de investigação durante seis meses pela Polícia Federal e que comprovadamente através de escutas telefônicas devidamente autorizadas pela Justiça Federal, era a de envolvimento com um esquema de favorecimento ilícito através da manipulação de resultados de partidas de futebol arbitradas pelo próprio indiciado. 

            Se assim o é, como pode o STJD vir a público e afirmar que quatro das partidas terão seus resultados mantidos porque o indiciado afirmou não ter manipulado os respectivos resultados ? Qual é a credibilidade que o acusado possui neste aspecto para permitir que o STJD conclua pela aplicação do Princípio da Boa-Fé no caso em discussão.

            A situação é exatamente oposta, pois com a atitude do Sr. Edílson Pereira de Carvalho toda a sociedade brasileira foi atingida, seja pelo ultraje a crença, seja por mais este ato público de escarnecimento a qualquer princípio ético que possa existir.

            Sendo assim, outra alternativa não restaria senão a de anulação de todas as partidas apitadas por tal cidadão por estarem no mínimo, suspeitas de contaminação pelo vício que mais afeta a sociedade brasileira: a corrupção, sob pena de estarmos sendo coniventes com mais uma bandalheira.

            O STJD que deveria estar praticando neste momento atitude exemplar, anulando qualquer possibilidade de contaminação de resultados e extirpando assim qualquer possibilidade de prevalecência do mau sobre o bem, faz exatamente o contrário, convalida atos praticados por esse cidadão, apenas para não ter que rever o campeonato e realizar novamente partidas de futebol anteriormente já realizadas, até porque, por direito, deveriam ser partidas com portões abertos, haja vista a responsabilidade da CBF em relação à organização do evento que parece, pelos fatos noticiados, estar sendo administrado de forma frágil e temerária.

            E acrescente-se aqui o tamanho da violação de direitos praticados em único ato, pois feriu-se através desse esquema: a fé dos torcedores de futebol; a fé dos consumidores brasileiros; a fé dos apostadores (embora nem sempre tal conduta seja aprovável diante da prática de jogos de azar, e bota azar nisso !); e principalmente feriu-se a esperança do povo brasileiro que sonha todos os dias para ver a ética voltar a reinar entre nós como a prática do bem comum.

            Infelizmente, esse episódio nos faz mais uma vez buscar um questionamento que não quer se calar: até quando a fé da sociedade brasileira continuará a ser objeto de constantes atos de violação?  Quem sabe por ser o futebol uma paixão nacional, permita-se a partir daí uma reflexão para que se busque cobrar de cada cidadão o seu próprio papel, afinal de contas, o problema é nosso!

(Elaborado em 26 de setembro de 2005)

 

Como citar o texto:

GABRIEL, Sérgio..A Interpretação do Princípio da Boa-Fé pelo STJD e a fé da Sociedade brasileira. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 146. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-desportivo/812/a-interpretacao-principio-boa-fe-pelo-stjd-fe-sociedade-brasileira. Acesso em 3 out. 2005.

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