I – Da diferenciação entre a prova ilícita e a prova ilegítima:

Faz-se mister a diferenciação entre a prova ilícita e a prova ilegítima, tendo em vista serem institutos de direito processual distintos, porém que, erroneamente, leigos acreditam tratarem-se de sinônimos.

Assim, a prova ilícita é aquela que viola normas de natureza material (penal ou constitucional), em sentido estrito. É a prova colhida infringindo-se normas ou princípios colocados pela Constituição e pelas leis, freqüentemente para proteção das liberdades públicas e especialmente dos direitos de personalidade e daquela sua manifestação que é o direito à intimidade.

Na prova ilícita a violação ocorre no momento da colheita da prova, podendo ser anterior ou concomitante ao processo, mas externamente a este.

Em suma, é a prova colhida com violação às normas constitucionais que tutelam o direito à intimidade (inc. X da CF/88) assim como o direito ao sigilo das comunicações telefônicas (inc. XII da CF/88) configura, inequivocamente, prova “ilícita” e, por isso mesmo, inadmissível (inc. LVI da CF/88). E prova ilícita não resulta ilegitimidade por lei posterior.

 

A prova ilegítima conflita com normas de caráter processual. É aquela cuja colheita estaria ferindo normas de direito processual. Alguns dispositivos da lei processual penal contem regras de exclusão de determinadas provas, como, por exemplo, a proibição de depor em relação a fatos que envolvam o sigilo profissional (art. 207 CPP); ou a recusa de depor por parte de parentes e afins (art. 206 CPP).

A sanção para o descumprimento dessas normas encontra-se na própria lei processual. Então, tudo se resolve dentro do processo, segundo os esquemas processuais que determinam as formas e as modalidades de produção da prova, com a sanção correspondente a cada transgressão, que pode ser sanção ou nulidade.

Na prova ilegítima a ilegalidade ocorre no momento de sua produção no processo.

II – Da não admissibilidade das provas ilícitas no Direito Processual Penal:

 

A maior parte da doutrina mundial não admite que a prova ilícita seja apreciada no processo. Entendo que, coexistem outros interesses que, em certas ocasiões, são de maior valor, levando a impedir essa busca absoluta da verdade.

A jurisprudência brasileira, vem se firmando no sentido da inadmissibilidade da prova ilícita, as quais só serão conhecidas excepcionalmente. Embora, em decisões mais antigas, tenha acatado provas ilícitas, como a confissão extorquida ou as gravações telefônicas clandestinas.

Nos julgados anteriores à Constituição Federal de 1988 era comum a admissão de confissão policial, mesmo viciada, se confirmada por outras provas. No entanto, sabe-se de uma série de decisões que já repudiam o resultado das buscas e apreensões ilegais. Mesmo antes do advento da nova constituição, o Supremo Tribunal Federal vinha se posicionando quanto a inadmissibilidade de interceptações telefônicas clandestinas, tanto em matéria civil como em matéria penal.

A Constituição Brasileira atual refuta, totalmente, a utilização da prova obtida por meio ilícitos quando preleciona no art. 5º, LVI, “que são inadmissíveis no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”, inferindo-se que se refere a todo o tipo de processo (civil, penal ou administrativo), mas não estabelece a conseqüência que adviria no caso de essa prova vir a figurar nos autos. As provas ilícitas estão sendo consideradas inadmissíveis pela Lei Maior, não podendo, portanto, ser tidas por elas como provas, pois são totalmente ineficazes, não têm existência jurídica, reduzindo-se à categorias de não-ato, de não-prova.

Conclui-se que, no Direito brasileiro atual, são provas ilícitas, dentre outras, as que forem hauridas com violação do domicílio (CF/88, art. 5º, XI), ou obtidas mediante tortura e maus-tratos (CF/88, art. 5º, X), ou que violem o sigilo das correspondências e comunicações (CF/88, art. 5º, XII), mais especificamente, as interceptações telefônicas e gravações clandestinas, salvo nos casos permitidos pela Constituição Federal.

III – Do princípio da proporcionalidade em relação à prova ilícita:

A idéia de proporcionalidade pode ser identificada no antigo Direito romano, quer nas regras empregadas pelo pretor quando admitia parcela de débito ou indenização acarretada por um mesmo infrator, quer no princípio da Lei do Talião.

O princípio da proporcionalidade ascende no Direito Constitucional juntamente com a incrementação do moderno Estado de Direito.

O princípio da proporcionalidade contribui para conciliar o direito formal com o direito material, produzindo uma controvertida ascendência do Juiz (executor da justiça material) sobre o legislador, sem chegar todavia a corroer ou abalar o princípio da separação de poderes, atuando o magistrado com mais liberdade ao poder utilizar o referido princípio.

No Brasil, embora Guerra Filho tenha afirmado que o princípio da proporcionalidade ainda não mereceu acesso ao Direito Constitucional e Administrativo, Avólio lembra que os administrativistas têm admitido o princípio da proporcionalidade, trazendo a lume entendimento de Maria Zanella de Pietro, quando trata dos limites do poder de polícia pelo Poder Público, que não pode ir além do necessário para a satisfação do interesse público que visa proteger; a sua finalidade não é destruir os direitos individuais, mas, ao contrário, assegurar o seu exercício, condicionando-os ao bem-estar social; só poderá reduzi-los quando em conflito com interesses maiores da coletividade e na medida estritamente necessária à consecução dos fins estatais.

As competências administrativas só podem ser validamente exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que seja realmente demandado para cumprimento da finalidade de interesse público a que estão atreladas.

O princípio da proporcionalidade não existe como norma geral de Direito escrito, mas como norma esparsa no texto constitucional. Bonavides, diz, que ele flui do § 2º do art. 5º da Constituição Federal, o qual abrange a parte não escrita ou não expressa dos direitos e garantias.

IV – Da prova ilícita e sua admissibilidade no Direito Processual:

A regra da inadmissibilidade da prova ilícita (art. 5º, inc. LVI da CF/88) encontra uma única exceção no âmbito do processo penal: pode ser produzida e é válida, se em favor do acusado, porque agora interessa mais a proclamação da inocência que a preservação da intimidade ou privacidade.

Uma vez mais verifica-se a colidência de direitos fundamentais: e no confronto prevalece o do acusado, no caso, conforme o tão difundido princípio da proporcionalidade.

Nenhuma gravação clandestina pode servir de prova “contra” qualquer pessoa. Não serve para incriminar (exatamente por se tratar de prova ilícita), só para absolver.

Nelson Nery Junior, cita um exemplo esclarecedor sobre o tema: Diz ele que, “mesmo não havendo a Lei 9296/96 se ocupado de estabelecer princípios mitigadores da interceptação telefônica, é perfeitamente possível haver prova colhida, a princípio, ilicitamente, mas que pelo princípio da proporcionalidade possa vir a ser admitida como válida e eficaz no processo”. Concordamos integralmente que se trata de utilizar prova “ilícita” em favor do acusado, porque em jogo está a sua inocência. Contra o acusado não pode ser produzida “prova ilícita”. Por ser ofensivo ao princípio da legalidade, não serve para afetar (“enervar”) o princípio da presunção de inocência.

Jamais uma prova “ilícita”, que é inadmissível, pode servir para comprovar a culpabilidade de qualquer pessoa. A Convenção Americana sobre direitos Humanos, explicitando o princípio constitucional da presunção da inocência, exige que tal comprovação seja feita “legalmente” (art. 8º).

V – Da prova ilícita por derivação:

São aquelas que, mesmo lícitas, chegaram ao processo através de uma prova obtida ilicitamente, como é o caso da confissão mediante tortura, em que o acusado revela onde se encontra o produto do crime (que vem a ser legalmente apreendido) ou mesmo quando se descobre, através de uma interceptação, quem foi o autor do delito.

A questão fundamental a ser analisada é saber se há ou não valor uma segunda prova obtida licitamente, mas em virtude de informação contida na primeira, alcançada de forma ilícita.

Para elucidar a presente questão, mister se faz a análise do seguinte exemplo: numa interceptação telefônica ilícita (autorizada antes da Lei 9296/96) soube-se da existência de uma grande quantidade de droga num determinado local; em seguida é feita a apreensão dessa droga. Essa apreensão, como prova derivada que é, só se tornou possível em virtude de informação anterior.

 

No Brasil o STF adotou uma clara posição: as provas ilícitas por derivação resultam contaminadas e, portanto, também ilícitas e inadmissíveis. Já que a moderna concepção de processo penal, voltada à tutela da liberdade dos acusados, não como retirar-lhe os direitos inerentes à cidadania.

Quando no processo só existe provas ilícitas, originais ou derivadas, é o caso de se decretar a nulidade do feito.

É preciso muito cuidado ao tratar-se desse tema, porque muitas vezes pode-se burlar facilmente a proibição da prova derivada, salientando tratar-se de fonte independente. Para a teoria da fonte independente tenha correta aplicação fática inequívoca de que a prova valorada pelo Juiz efetivamente nasceu de fonte autônoma, isto é, não está na mesma linha de desdobramento das informações colhidas com a prova ilícita. Se não se demonstra, com clareza meridiana, a autonomia ou independência da fonte, vale a doutrina da prova derivada inadmissível. Havendo dúvida, tudo se resolve em favor do réu.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LUIZ FLÁVIO GOMES e RAÚL CERVINI, Interceptação Telefônica Lei 9296/96, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1997.

MARIA GILMAISE DE OLIVEIRA MENDES, Direito à Intimidade e Interceptações Telefônicas, Editora Mandamentos, Belo Horizonte, 1999.

 

Como citar o texto:

COSTA, Gabriel Diniz da..Da (In)constitucionalidade das provas ilícitas e das provas ilegítimas. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 147. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-civil/821/da-in-constitucionalidade-provas-ilicitas-provas-ilegitimas. Acesso em 10 out. 2005.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.