1. Natureza humana, cultura e direito

            Que as ciências sociais ( e especialmente o direito) têm vivido os últimos decênios de costas aos espetaculares logros dos recentes estudos provenientes da psicologia evolucionista, da antropologia e biologia evolutiva, da primatologia,  da neurociência, entre outras , é algo tão óbvio, que somente a prova  do contrário resultaria relevante. Ainda surpreende a muitos que alguém pretenda estabelecer algum vínculo forte entre as ciências sociais normativas, a psicologia evolucionista, a antropologia e biologia evolutiva, a primatologia e a neurociência,  sendo tão comum como é a aceitação de que na Ciência  o social  o natural  percorrem por caminhos de desencontro, mais ainda se cabe em uma era  de perversa (super) especialização que aparentemente  torna impossível não já salvar o hiato entre âmbitos tão distintos senão inclusive a tentativa de evitar a crescente compartimentalização em ilhas autárquicas de disciplinas tradicionalmente unificadas.

            Não é menor a influência que exerceu sobre essa concepção separatista da ciência o auge insólito do chamado pós-modernismo e do construtivismo social. Hoje em dia, a defesa teórica de que aquilo que é o conhecimento – e nomeadamente o conhecimento propriamente científico – é uma representação que não provém diretamente da realidade, nem corresponde necessariamente com esta, senão que está socialmente construído , se atreveu a transpassar  os âmbitos da sociologia, do direito e da psicologia  para adentrar-se sem cuidados, e com não pouca arrogância,  nos da física, da química e da biologia.

            Assim, não  só a autoridade, a segurança, a hermenêutica, a enfermidade, o incesto, a desigualdade social , a pobreza ou a escolarização urbana  estão socialmente construídos, senão que também o são a realidade, as emoções, os fatos, o gênero, o conhecimento, a natureza e a própria natureza humana. O que não deveriam ser mais que propostas marginais, ao menos por sua inconsistência lógica,  transformaram-se em um  mainstream do pensamento  (pseudo) científico atual.

            Não obstante, a extraordinária proliferação de investigações e publicações que nas duas últimas décadas dirigem seus interesses a reflexionar sobre as relações entre a ciência cognitiva e a sociologia, a ciência cognitiva e a filosofia social normativa, a ciência cognitiva e a evolução cultural, ou a biologia evolutiva com todas elas[3] ,  tem posto em um sério aperto a defesa teórica de uma inexorável fragmentação do território da  Ciência e de que não existe uma realidade independente de causas sociais, senão que toda ela está socialmente construída .  

            E sob essa perspectiva, o que pretendemos demonstrar é que esta nova realidade inter e multidisciplinar – a qual, dito seja de passo, permanecem, em sua miopia, inadvertidamente  alheios uma boa parte dos cientistas sociais e, em especial, em sua quase totalidade, os operadores do direito -  não só põe em cheque uma grande porção  dos logros teóricos tradicionais das ciências sociais normativas – nestas incluída, claro está, a ciência jurídica -, como , e muito particularmente, possibilita a proposição de novos critérios de controle de racionalidade da tarefa hermenêutica e argumentativa por parte dos operadores jurídicos.

            Mas,  qual a relação  dos resultados da  psicologia evolucionista, da biologia evolutiva, da primatologia e da neurociência com as pesquisas teóricas da antropologia, do direito, da sociologia, da teoria econômica ou da história? Em que aspecto  podem enlaçar de um modo presumidamente tão decisivo para que as primeiras  ponham em questão os resultados dessas últimas ?

            O ponto poderia resumir-se assim: por décadas, as ciências sociais normativas fundaram as noções de cultura, crenças , relações de poder,  direito, justiça,  interpretação jurídica e estrutura jurídica e social no suposto implícito de que os humanos  aprendemos a adaptar-nos culturalmente no meio social em que crescemos porque estamos  cognitivamente dotados da capacidade para processar  de forma geral  a informação de nosso ambiente. Assim, a linguagem, as noções éticas , as representações religiosas, jurídicas e culturais ou a concepção do poder são entendidas como socialmente adquiridas[4].

            Pois bem, o núcleo argumentativo deste artigo reside, precisamente, no objetivo de demostrar de que modo a psicologia evolucionista, a antropologia e biologia evolutiva, a primatologia e a neurociência  oferecem razões poderosas que dão conta da falsidade desta concepção comum da psicologia ( e da racionalidade) humana e que alcance pode isso chegar a ter para o atual edifício teórico e metodológico da hermenêutica jurídica e, consequentemente, para a tarefa do jurista-intérprete de dar “vida hermenêutica” ao direito positivo.        

2. A  hermenêutica jurídica e a realização do direito

A hermenêutica contemporânea já vê como  possível apresentar, com acentuado grau de precisão,  um esquema de realização do direito que funcione como  modelo de superação dos esquemas clássicos propostos  pelas teorias tradicionais. A “alternativa” assenta em dois pontos fundamentais: a unidade (dialética) da realização do direito e a natureza constituinte-conformadora da decisão.

Particularmente focada é a unidade entre interpretação e aplicação ; o caso passa a ser parte de um  “todo vivo”,  onde o interpretar é conhecer e decidir[5] :  a compreensão é experiência e compreender é aplicar (Gadamer,1977). Com efeito, a própria ontologia do direito foi fixada por Arthur Kaufmann, em uma última revisão do seu pensamento, na relação entre o caso e a norma.

Para essa concepção ontológica, o direito[6] não surge nem de uma  “natureza” considerada sempre igual, nem tão pouco simplesmente da lei formulada como abstrata e geral. Estes são, em certa medida, somente materiais  “em bruto” dos que em um  ato de conformação  posterior  ( em geral, o prudente  “obrar justo”) tem que sair o direito concreto, isto é ,  de que apenas  na solução concreta  há direito.

Sob essa perspectiva, se considerará doravante, como exemplar   “função” metodológica, a natureza medularmente normativo-constitutiva constituída pelas interpretações operativas (Ferrajoli, 1996) que, como relevante instrumento no processo de realização do direito, se caracterizam como a  interpretação de textos legais  em contextos decisórios para produzir uma solução normativa/vinculante: na interpretação operativa, o órgão que aplica o direito interpreta as regras utilizadas no processo de sua aplicação (vinculante) ao caso concreto.

Centrando-se no fundamental, recordar-se-á que a matriz  prático-metodológica da interpretação operativa reside no fato de que, nesta , ante as limitações das regras metodológicas da interpretação e da argumentação jurídica, está sempre imanente um momento criativo e que , ao radicar em um hermenêutico  “realizar” , não  se manifesta sem a mediação  de  “pré-juízos”  que a densificam e  afinam. Significa dizer , de uma perspectiva  prático-filosófica, que a interposição de pré-juízos ( ou  de  pré-compreensão [7], para usar a terminologia empregada por Esser )  identifica uma   “condição necessária de todo o compreender” que, por sua vez, condiciona todo o processo de realizar em termos metodologicamente adequado a sua relação com o fazer valer uma norma jurídica na prática.

Quanto a esta questão , não seria demasiado lembrar que o  reconhecimento da  relevância  da  tarefa hermenêutica postula tanto ( e não somente) a compreensão  da insuficiência das normas legais no quadro do problema da concreta  realização do direito como, e muito particularmente, a correlativa  aceitação de um (incessante) desenvolvimento  da normatividade vigente por parte do intérprete.

E  para o que aqui interessa , entendemos a tarefa interpretativa como um verdadeiro exercício prático-normativo, uma praxis social baseada na irremissível dimensão “circular” e argumentativa do discurso jurídico  e projetada em várias disposições  do direito positivo . Acresce-se que sem uma adequada relevância  desta tarefa ou praxis social estaríamos   amputando  a hermenêutica e a metodologia jurídica de um seu vetor nuclear, transformando-as em um dessorado  exercício  “acadêmico” e puramente dogmático. 

Com efeito, os  diversos planos constitutivos do sistema jurídico e o modo como se articulam, impõem a sua consideração e permitem compreender  a  ratio  decidendi   como o polo da respectiva  significação normativa; o mérito jurídico autonomamente  reconhecido à   quaestio disputata  e a sua conformação aos  “pré-juizos” circunstancialmente adequados, viabiliza uma sua prudencial interferência no processo judicativo. E o  abandono da impostação mecânica da interpretação jurídica ( com o inaceitável  “redutivismo exegético”- isto é, com a recusa do problematicamente novo e do intencionalmente inovador – que a singulariza)  concorre para recuperar a  “razão prática” como um dos alicerces da normatividade e (co)responsabiliza o operador do direito na tarefa da contínua  reconstituição  do conjunto que conforma.

A participação do pensamento jurídico que assim se convoca, entretece o processo de realização do direito ; o desenvolvimento da normatividade que se lhe deve, permite qualificar seu caráter como essencialmente evolutivo ; e as novas experiências proporcionadas pela prática estão na base da (permanentemente atuada) recomposição  dialética, dialógica e   problemática da juridicidade vigente.

Todas estas dimensões ubicam no e irradiam do caráter prático-normativo e constitutivo da interpretação jurídica  e  nos  desvelam  o modelo metodológico  (concreto-prudencialmente ancorado e  hermenêutico-sistematicamente  cunhado) que nela se enclausura – e é este, se bem observado, o aspecto nuclear do contributo das mais recentes teorias hermenêuticas e de argumentação jurídica.

De nossa parte , pretendemos apenas rematar as observações acima elaboradas chamando  a atenção para aquilo que se nos afigura decisivo: visando todos  estes estratos constitutivos do sistema jurídico a decisão de casos concretamente problemáticos,  apresentando-se esta última como o  “resultado de uma fundamentação” intersubjetivo-argumentativamente convincente, normativo-judicativamente adequada e objetivo-dogmaticamente sintetizada em uma  ratio  decidendi, e projetando-se tudo isto em um  “pano de fundo”  dialógico e dialeticamente entretecido, que por sua interferência  se reconstitui, resulta óbvio que apenas uma reflexão problematizante e interdisciplinar em que se pondere o significado  desta  tarefa ou praxis social permitirá apurar se uma norma (ou um princípio, ou um  “precedente” judicial , ou um critério excogitado pela  dogmática...) é ou não mobilizável para orientar a solução da controvérsia circunstancialmente em causa.

Depois , uma vez tolerada  e permitida  a utilização da  tarefa interpretativa como mecanismo constitutivo e conformador da solução da controvérsia em causa, importa considerar que a sequência da decisão – domínio, em princípio , fora  da esfera do julgador -  pode vir a sufragar o princípio de que todo o processo de realização do direito tem de estar orientado para a capacidade de consenso, entendido este como critério necessário para a correção do discurso jurídico, cuja qualidade será medida por sua humanidade, pela precisão de sua adesão com as funções próprias de nossas intuições e emoções morais relativamente aos objetivos da norma e do próprio sistema jurídico.

Se ignorar este princípio  enfraquece a mensagem  normativa , incluí-lo no próprio modelo de interpretação e argumentação jurídica permite, em definitivo, superar estádios meramente formais no domínio da aplicação do direito. É nessa linha que  surge a – igualmente relevante -   preocupação de habilitar o intérprete-aplicador a  “pensar em consequências”, permitindo-lhe o conhecimento , a ponderação e a responsabilidade pelos  efeitos de suas  decisões.

            Com efeito, o que importa guardar  é que a vontade do legislador não produz  , em definitivo, o conteúdo material da  norma e que o direito já não é algo que  nos vem dado senão algo que há  que ir constituindo incessantemente através da aplicação de suas normas, entendidas estas como pautas que tornam possível esta busca (López Moreno, 1999)[8]. Pode-se dizer, assim, que a compreensão jurídica é nova cada vez porque é distinta a situação do intérprete: por isso no processo de realização do direito é absolutamente central o papel do sujeito-intérprete que seleciona ativamente os materiais jurídico que se lhe hão confiado e verifica em cada caso concreto sua significação normativa para a vida jurídica. A justiça não pode estar preconstituída, como se fôra uma “coisa”, senão que há de ser “encontrada”  e  “consumada” graças a uma mediação: desde este ponto de vista o direito sempre é hermenêutica porque necessita uma mediação, já que carece de imediatez.

            Esta mediação, por outro lado, é o lugar autêntico da hermenêutica. A experiência do intérprete está viva porque é essencialmente valorativa e seletiva. O ato hermenêutico, profundamente unido à tradição é, por outro lado,  custódia de valores humanos, de intuições e emoções morais e de modelos de comportamento que contribuiram à formação e à consolidação institucional da tradição jurídica; por outro, constitui seu desenvolvimento contínuo como momento de um processo ativo de autoregulação e de re-articulação da ordem jurídica. Tudo isto confere ao direito características próprias de um âmbito marcado por incessantes processos de mutação e evolução, e pelo carater imprevisível das soluções que há que aplicar, isto é, de que o direito não é  “coisa” , não é uma entidade que existe uma vez e para sempre e que se possa usar como um objeto: mais bem, seu sentido  acontece contínuamente.

            Significa dizer, em síntese, que também nós não escapamos ao envolvimento da teia cujo sentido acima se decifrou: o direito radica na prática , apresentando, como esta ,  uma incontornável historicidade que define o caráter nuclearmente  circular, dialético, dialógico e problemático da reconstituição de qualquer de seus horizontes ; e  as  “funções próprias de nossas intuições morais”[9]  representam – tanto no âmbito do “ser” , como na esfera do  “dever ser” – referentes circunstancialmente  mobilizáveis que a traduzem , onerando ainda mais o sujeito-intérprete e concorrendo para garantir (através da série de recorrências que conformam[10]) a  “racionalidade” da  tarefa do seu experiencial  enriquecimento.

3. A  “racionalidade” hermenêutica  e o equilíbrio reflexivo

            Contudo , toda essa construção hermenêutica  e a própria unidade da realização do direito pressupõem , na atualidade, o modo de explicação dominante da  teoria da eleição racional.

Concebida primeiro em economia, passou logo a ciência política, ao direito e a outras disciplinas; seu conceito fundamental é que, por encima de tudo, os seres humanos são racionais em suas ações. Examinam tão bem como podem todos os fatores pertinentes e ponderam o resultado provável de seguir a cada uma das eleições potenciais. Acrescentam os custos e benefícios antes de decidir-se; a opção preferida é aquela que maximiza a utilidade. Pois bem, o maior problema deste tipo de formulação consiste no fato (empiricamente já demonstrado) de que não toma em consideração a importância dos fatores emotivos (irracionais) nos processos de toma de decisões, seja de que natureza for.

            Depois, por não ser a mente humana[11] ( as propriedades do cérebro real, que é um órgão do Pleistoceno desenvolvido durante milênios e que só recentemente se viu imerso ao estranho ambiente  das sociedades modernas, democráticas e industrializadas[12]) um processador de informações muito veloz e  considerando o fato de que a maioria de decisões são tomadas com bastante rapidez, em cenários complexos e com informação incompleta[13] - mediante uma interação de fatores hereditários e ambientais -, qualquer  construção de uma teoria interpretativa deve ( ou pelo menos deveria, coerente e razoavelmente) implicar um redimensionamento da compreensão psico-biológica do próprio acesso da razão[14] e sobretudo da idéia de racionalidade[15].

Por outro lado, e com a mesma intensidade,  está ainda o problema da co-evolução entre o natural e o cultural , ou seja , os meios pelos quais a evolução biológica influi sobre a cultura , e vice-versa, o qual requer a travessia completa desde as ciências sociais normativas à psicologia, e desde aí  às ciências do cérebro e à própria genética.

            Significa dizer, em síntese, que uma inarredável questão pendente está ainda por definir : a de  saber de que maneira a natureza e a cultura interagem e, em particular,  como o fazem através de todas as sociedades para criar os traços comuns da natureza humana [16].

            E desde este “provocativo” e ainda não (totalmente) tolerado e resolvido ponto de vista, se nos afigura importante sugerir um cenário ( tão propício às  investigações científicas e/ou acadêmicas)  completo para uma nova postura  jurídica, inevitavelmente multidisciplinar . Trata-se , antes, de uma visão prospectiva, do que está por vir  ou do que vislumbramos esboçar-se no horizonte anunciador do futuro, mas que nem por essa razão é menos do nossos tempo. Afinal, se são as coordenadas da nossa vivência atual  a possibilidade do futuro, só a assumida intencionalidade antecipante dá sentido e direção ao nosso caminhar.

Destarte,  parece-nos razoável pensar que já é chegado o momento de que os operadores do direito  compreendam muito bem  como surge o comportamento social a partir do sumo da emoção e intenção individuais dentro de ambientes determinados e, ao mesmo tempo,  de saber que o comportamento individual se origina   a partir da intercessão de nosso sofisticado programa ontogenético cognitivo e do entorno sócio-cultural em que movemos nossa existência – aliás, não é outra a razão pela qual cada época histórica dá ao problema do direito, que a si mesma se põe, uma resposta que é sua.

E assim entendido, a compreensão acerca do  jurídico e do cultural  seguramente  ver-se-á  aumentada por traços procedentes da psicologia evolucionista, da antropologia e biologia evolutiva, da primatologia,  da neurociência, entre outras, que interpretam as propriedades específicas do comportamento humano como produtos de um largo  processo biológico de hominização (pelo qual o Homo sapiens se distingue progressivamente das espécies de que descende :mutações e seleção natural) assim como de um processo histórico de humanização (pelo qual ele se destaca pouco a pouco da natureza : regras, moral, linguagem, cultura, civilização...) - esses dois processos existem evidentemente ; não obstante,  compartimos da idéia de que  a  hominização é primeira: a humanização, sem ser um simples resultado (os indivíduos também têm seu papel, com o que isso supoe de contigência  e criatividade), depende dela; de início, é afinal a natureza humana unificada e fundamentada na herança o que faz a diferença.

Contudo , será igualmente importante que esses operadores tenham cuidado na hora de expressar tal idéia, evitando a assunção de que os genes prescrevem o comportamento humano de uma maneira simples, de um sobre o outro. Oxalá fossem as coisas tão simples. Quem pensa que a natureza é tudo esquece que, a esta altura da história, o conceito de natureza resulta muito complicado, porque os humanos somos não somente o resultado de uma mescla complicadíssima de genes e de neurônios senão também de experiências, valores, aprendizagens, e influências procedentes de nossa igualmente embaraçada realidade sócio-cultural. Dito de outro modo, devem estar aptos  a utilizar uma fórmula mais elaborada que transmite o mesmo significado de uma maneira mais precisa: o comportamento moral e social está guiado, fundamentalmente, por nossa arquitetura cognitiva inata, que tem uma estrutura homogênea e funcionalmente integrada, a par de regimentada em módulos ou domínios específicos[17]. 

E uma vez que o direito vive em representações e significados que se passam na mente, isto é, em nossas estruturas cerebrais, que estas estruturas processam informações através de um mecanismo localizado no sistema nervoso e que o direito ocorre em estruturas neurais preexistentes ( que se desenvolveram como adaptações, resultantes de um processo de seleção natural, através do tempo, em ambientes ancestrais) , a busca de um adequado critério de realização do direito pode considerar-se como a arqueologia dessas estruturas cerebrais,  que parece estar destinada a ser uma parte vital de futuras pesquisas sobre a interpretação e aplicação jurídica . Daí porque , hoje, estabelecer as funções próprias de nossa arquitetura cognitiva e moral constitui uma das mais fascinantes e buscadas empresas  para a psicologia e para a ciência social normativa . Abre, sem dúvida, vias muito potentes e férteis de explicação da conduta social  humana e, em particular, de um amplo abanico de condutas mal adaptadas às circunstâncias atuais.

Por certo que se poderia argumentar que, diferentemente do que ocorre com as ciências positivas – que se contrastam com os fatos , os quais, por sua vez, contribuem para determinar seus respectivos espaços teóricos -, as teorias normativas não podem contrastar-se com os fatos (sustentar o contrário, sem maiores qualificações, seria cometer a denominada falácia naturalista). E parece que o espaço conceitual das teorias  sociais normativas, como o das teorias positivas, necessita determinação: como, senão, eleger - por exemplo - entre soluções ou interpretações normativas em conflito? A negativa a determinar o espaço teórico-normativo equivale a abandonar por completo e sem restos toda a possibilidade de discussão racional em assuntos de justiça ou de moral, e ainda de ética  tout court: seria reconhecer como um  factum  trágico a existência de um  “politeísmo ético” irredutível à argumentação e deliberação racional (no melhor estilo kelseniano), para dizê-lo com a celebrada expressão de Max Weber[18].

Se a contrastação com os fatos empíricos é, quando menos, uma fonte importante de determinação das teorias positivas, e se aparentemente as teorias normativas não podem contrastar-se com os fatos, em contraste com que haveríamos de começar a determinar e a restringir o espaço de possibilidades , por exemplo, da soluçao ou do resultado normativo das interpretações levadas a cabo pelos operadores do direito?

Pois bem, o critério do  equilíbrio reflexivo , popularizado por John Rawls ( com  interessante antecedente de Nelson Goodman  (1965), que formulou este critério para justificar as regras básicas de inferência dedutiva e indutiva) , sustenta que as teorias normativas e, em particular, as teorias sociais normativas, são suscetíveis de contrastação  com uma peculiaríssima  classe de fatos : a de nossas intuições e emoções morais. Na mesma medida,  se poderia argumentar que também o resultado de uma interpretação jurídica é suscetível de ser contrastado com essa mesma classe de fatos.    

Assim que  para o que aqui efetivamente importa, se pode dizer duas coisas :  é fundamental que no operar  do direito  o jurista-intérprete procure desenhos normativos e institucionais (no caso específico, discursos jurídicos) os mais amigáveis possíveis para com as funções próprias de nossas intuições morais ; e, em segundo lugar, quando isso não seja inteiramente possível, que procure desenhos institucionais que evitem a sempre possível e perversa manipulação dessas  intuições [19].

Em outras palavras, trata-se de buscar um critério de  equilíbrio reflexivo entre nossas interpretações e nossas intuições morais, isto é, um equilíbrio com  ida volta. Nossas  tarefas interpretativas  devem ser ( e visar) a satisfação  de nossas intuições  ( é mais : em boa medida, o que  deveriam  tratar  de fazer as interpretações – em especial as  operativas -  é captar adequadamente o núcleo de nossas intuições) , mas tão pouco há que descartar  que, uma vez ordenadas e sistematizadas nossas intuições morais por uma  interpretação (fundamentação e argumentação jurídica) racional , consistente e informativa, esta nos ajude a ver as limitações ou as incoerências dessas intuições, cominando-nos a emendá-las  e ainda  a  podá-las. O equilíbrio reflexivo se alcançaria idealmente quando o resultado de nossa interpretação acabasse casando com nossas intuições, após um período mais ou menos dilatado ( e circular) de reflexão e emenda mútua ( e aqui residiria, em última análise, o problema relativo à uniformidade da jurisprudência).

Claro está que , assim como há que admitir com Quine que os fatos empiricamente brutos sub-determinam o espaço das teorias positivas, com maior motivo ainda  há que admitir que nossas intuições e emoções morais sub-determinam  espaço de nossas teorias interpretativas. Assim como a prova dos fatos não é  a última palavra, o critério  definitivo, na avaliação das teorias positivas, ainda temos razões de mais peso  para afirmar que o equilíbrio reflexivo não é a última palavra, o critério definitivo, na avaliação  metodológica da tarefa interpretativa.

Não obstante, trata-se de um critério que parece permitir manter , em última análise, um certo  sistema social com um grau razoável de justiça, sendo certo que esta  deve ser assumida prioritariamente com relação a liberdade, a igualdade, a fratenidade e a segurança ou certeza jurídica  , isto é,  como possibilidade de uma digna convivência (republicano-democrática) ética, em tudo compatível com uma de nossas intuições morais mais fortes e expressivas . Com efeito, se a segurança ou certeza jurídica é a resposta a algo, esse algo deve ter sido  um desafio biológico e sócio-adaptativo que talvez só os seres humanos tiveram que afrontar : um desafio que nasceu da necessidade  humana de entender  o comportamento de outros seres humanos, de responder a ele , de predizê-lo, de controlá-lo e de manipulá-lo , e, a partir daí, estabelecer as bases normativas das mais complexas relações da vida social .

Neste particular, um modelo institucional  desenhado a partir de uma concepção republicana democrática parece ser o mais adequado, não somente pelo fato de que a tradição republicana seja capaz de reconhecer a pluralidade das motivações da vida social humana – o que seguramente já constitui uma gigantesca vantagem de partida com relação ao monismo motivacional da tradição liberal -, mas principalmente porque seu peculiar talante de modelo ético-político aberto aporta valores de cidadania e de metodologia jurídico-política essencialmente úteis para tomar o direito como um instrumento de construção social e, muito particularmente, para assimilar os câmbios formais e materiais no processo de toma de decisões ante a dinâmica fluída ( e por vezes enlouquecida) do “mundo da vida” cotidiana.

E uma vez entendida que a expectativa de segurança e certeza jurídica  ( aqui entendida como a expressão sócio-cultural de um problema adaptativo  relativo a conata necessidade de predizer a conduta – e antecipar suas consequências- de nossos congêneres  ou, se se prefere, como a amplificação  pela elaboração cultural de uma função própria de nosso desenvolvimento neocortical ou de uma intuição moral de origem biológica ) é um  fenômeno  cultural – e como tal implica que o direito não só produza previsibilidade , senão também decisões  “culturalmente” aceitáveis nos termos de uma comum e intuitiva concepção  de justiça[20] - ,  este critério do equilíbrio reflexivo, que deve ser próprio da tarefa interpretativa , mínimo para quem crê em valores “plurais” ou  absolutos, se afigurará máximo para quem sabe que toda a decisão está sempre circunstancialmente condicionada à maneira como os juízes , ao realizarem o direito, fazem “ justiça”.

 Assim, o objetivo final do intérprete é corresponder às expectativas razoáveis e plausíveis de quantos compõem o conjunto de um determinado sistema jurídico em que o operador do direito igualmente se situa  e do qual  “não pode sair”, sem poder tão pouco ignorar,  por outro lado,  as expectativas (culturais e biológicas) de uma comunidade de indivíduos ante a qual seu discurso deve  apresentar-se  legitimamente justificado.

E as relações que o operador do direito ( e nomeadamento o juiz, enquanto ser humano e, em si mesmo, produto de processos evolutivos ) mantêm  com  a comunidade são iniludíveis : quem carece delas , padece de um vazio  impreenchível em sua vida. Conscientes ou não, todos os homens necessitamos pertencer a alguma(s) comunidade(s). O mesmo que, segundo a feliz expressão de Ortega, ocorre com as tradições - a saber: que não se  “tem”, senão que  “se está” nelas -, ocorre também que não se   “tem” vínculos comunitários, senão que, em geral, se  “está” neles. Não podemos, pois,  “eleger” ou  “renegar” esses vínculos  facilmente; e  tentar , pode ter conseqüências  nada  agradáveis[21].     

Essa, aliás , a razão pela qual se deve admitir com muita reserva os discursos jurídicos e as decisões judiciais que agora primam  pela diversidade cultural e pelo multiculturalismo, desprezando a evidência de que se nossa mente está modelada através da seleção natural e com uma arquitetura domínio-específica  homogênea  para todos os seres humanos, ela impõe constrições fortes para a percepção , armazenamento e transmissão cultural , do que resulta , necessariamente, que a diversidade cultural não pode ser indefinida, senão diversa  até certo ponto.  E  isso significa, sem mais, que se pode defender o multiculturalismo não para combinar e integrar o culturalmente díspare , senão para fazer compreender o comum que já existe de raiz nas culturas. Claro que isso é uma mensagem devastadora para os que nos querem fazer parecer  desiguais !

O relevante para o que aqui nos interessa é a hipótese de que deve haver  constrições inatas  no pensamento moral  que restringem - de forma similar às constrições inatas de aprendizagem que permitem a aquisição da linguagem - o conjunto dos sistemas  morais  humanamente possíveis  a  um  subconjunto relativamente  pequeno  de sistemas lógicos possíveis e de vínculos sociais relacionais entabulados pelo homem ao longo de sua existência[22] -  ou seja , de que  é a mente humana  a que impõe constrições  significativas para a percepção e armazenamento  discriminatório de representações culturais .

Afinal, o fato é, e é um fato biológico ( os filósofos, cientistas sociais e os operadores jurídicos deveriam prestar mais atenção à biologia do que fazem), que os seres humanos são todos membros da mesma espécie : descendentes todos de uma mesma linha dentro da história recente, todos compartem mais de 999.000 genes, e todos possuem cérebros que, pelos menos ao nascer,  poderiam ser intercambiados sem que ninguém o notara.

Estamos firmemente convencidos de que chegou o momento de transladar o  problema a um plano distinto e mais frutífero. E ainda que uma perspectiva evolucionista e funcionalista  não dita se o câmbio é adequado nem que medidas  devem adotar-se para criar um  desejado câmbio, seguramente poderá servir para informar sobre a seguinte questão : quem “decide” pode procurar atuar em consonância com a natureza humana ou bem em contra a mesma; mas é mais provável que alcancem soluções eficazes modificando  o ambiente em que se desenvolve a natureza humana  do que empenhando-se na impossível tarefa de alterar a própria natureza humana.

Depois, aos destinatários das normas jurídicas não lhes interessa as opiniões pessoais dos que atuam como operadores do direito, senão somente as suas respectivas capacidades para expressar as normas que a sociedade a si mesma se pôs e pelas quais ilumina e fundamenta a solidariedade de sua ética convivência, depurando e afinando o seu sentido e alcance relativamente aos valores culturalmente compartidos e, em última análise, às funções próprias de nossas intuições morais[23].

Daí a extrema relevância de se atentar ao fato de  que,  como  nos casos elementares da linguagem , do incesto e do vocabulário de cores e do  instinto diádico  ou binário[24] , a cultura surgiu da natureza humana  e leva sempre seu selo. E embora com a invenção da metáfora e do novo significado, a cultura tenha adquirido , ao mesmo tempo, uma “vida própria”, não é possível compreendê-la sem compreender a complexidade de nossa mente – neste caso, de sua organização domínio-específica[25].

Para entender a condição humana  – e o direito é parte dessa condição e a sua idéia (idéia de direito) é o resultado da idéia do homem – há de compreender ao mesmo tempo os genes, a mente e a cultura, e não por separado a maneira tradicional da ciência e as humanidades, senão conjuntamente, em reconhecimento da realidade e funcionamento de nossa complicada arquitetura cognitiva inata  e das vicissitudes de nossas fabulosas intuições e emoções morais[26].

Com efeito, se o direito é originalmente constituído pela polaridade (natureza humana/cultura) acima mencionada, e se a pessoa ( nesse campo e pelas razões apontadas, especialmente o “jurista pessoa”) é a única instância  que as pode compreender e relacionar criticamente, parece razoável  concluir que  na medida em que a psicologia evolucionista, a biologia evolutiva, a antropologia, a primatologia e a neurociência permitem um entendimento cada vez mais sofisticado do cérebro e da mente humana , as possíveis implicações  morais , jurídicas e sociais destes avanços no conhecimento da natureza humana e de nosso sofisticado programa ontogenético cognitivo deveriam começar  a  ser seriamente  considerados pelos estudiosos do direito sob uma ótica muito mais empírica e respeituosa com os métodos científicos.

4. Conclusão

Por conseguinte, ao reconhecer que  o direito não é mais nem menos que uma estratégia sócio-adaptativa – cada vez mais complexa, mas sempre notavelmente deficiente  - empregada para articular argumentativamente  -  de fato, nem sempre com justiça - , por meio da virtude da prudência , os vínculos sociais relacionais  elementares através dos quais os homens contróem estilos aprovados de interação e estrutura social,  estamos, do mesmo modo e com igual intensidade, admitindo que um modelo darwiniano sensato sobre a natureza humana deve subjacer a toda e qualquer teoria social normativa (ou jurídica) que, na atualidade, pretenda ser digna de algum crédito (Rose,   2000).

Um artefato cultural que deveria ser manipulado para desenhar um modelo normativo e institucional que evite, em um entorno social prenhado de assimetrias  e desigualdades, a dominação e a interferência arbitrária recíprocas e, na mesma medida, garantindo uma certa igualdade  material , permita, estimule e assegure a titulariedade e o exercício de direitos ( e o cumprimento de deveres) de todo ponto inalienáveis e que habilitam publicamente a existência dos cidadãos como indivíduos plenamente livres. Para  usar  as  palavras veiculadas por  John Dewey (1965)  ao  descrever, com inigualável  beleza,  a  “ estranha  inversão  do  pensamento”  de  Darwin:  “o interesse se desloca ... desde uma inteligência que modelou coisas de uma vez por todas  até   as  particulares  inteligências  que ainda seguem modelando as coisas” . 

Daí porque não se pode adquirir uma perspectiva equilibrada estudando as disciplinas a retalhos, senão através da busca de uma  “conciliação” – ainda que tentada -  entre elas. Decerto que tal unificação , nomeadamente  no âmbito do jurídico e muito especialmente da atividade jurisdicional, será difícil e que para isso se necessitará de uma fé não menos cega  da  que  para  crer na eficácia  das  relações que a Igreja  mantêm  com o céu.

Da mesma sorte,  parece igualmente certo que isso é algo que não tende a despertar muitas simpatias intelectuais entre os dogmáticos, os pós-modernos e os construtivistas . Apesar das provas abrumadoras da existência de uma realidade independente de causas sociais, seguem em suas crenças defendendo seus postulados auto-refutatórios. O relativismo cultural ( cuja expansão tem sido tão formidável nos últimos anos que inclusive ocupa já um lugar inquietante no mundo acadêmico),  o construtivismo social ( que vem povoando  tantas mentes precisamente quiçá por sua inconsistência lógica e sua demonstrada falsidade) e, enfim , o dogmatismo e o isolamento endêmico das ciências sociais normativas deveriam fazer-nos reflexionar vivamente sobre o ponto de corrupção ao que estas chegaram.

Nesse sentido, parece haver chegado o momento de aceitar que o direito  não só não teve consciência de sua autarquia intelectual, senão que teve um êxito relativo como ciência – e até mesmo enquanto “arte”. De fato, até hoje  o direito segue à  deriva, com sua enorme massa de observações e construções  mal digeridas, com um considerável corpo de generalizações normativas e com um mais que considerável número de  teorias de nível médio entrelaçadas  que se expressam  em léxicos (técnicos ou não)  imensuráveis  e  babélicos.

A desconexão com o resto da ciência  deixou um ( e continua agravando o) imenso abismo no pensamento organizado sobre o mundo, fomentando, ademais, teorias e concepções  jurídicas  constituídas  a partir  do mais  displicente  descaso  pelos estímulos (cognitivos , morais e emocionais)  que procedem da  admirável  natureza humana. Como acreditamos haver  demonstrado com algum detalhe ao longo deste artigo, a concepção  desagregadora  da  Ciência  é  desatinada,  já que  os  valores, os princípios, as normas - enfim, as fontes jurídicas - e os acontecimentos  do social – os vínculos sociais relacionais-  descansam  no, ou são constringidos  e condicionados  pelo natural.

Nesse sentido, parece iniludível a circunstância de que o direito é um fenômeno cultural (ou realidade significativa) , idêntico a todos os outros que se situam nessa região ôntica. E  em que pese o fato de que a tendência para a separação entre o material e o espiritual  tem levado, todavia,  a que se absolutizem alguns desses valores ( desligando-os das suas origens e das razões específicas que os viram nascer e apresentando-os  como  de  essência espiritual, como uma transcendência que ultrapassa o próprio homem ),   a ética e o direito parecem ter uma base mais segura quando relacionados a uma visão biologicamente vinculada à nossa arquitetura cognitiva , arregimentada em módulos ou domínios específicos , isto é,  à natureza humana unificada e fundamentada na herança. O sentido da moral e da justiça nao é antitético da natureza humana, senão que forma uma parte integrada da mesma.

De fato, uma compreensão mais profunda das causas últimas, radicadas em nossa natureza, do comportamento moral e jurídico humano, pode ser muito importante para saber quais são os limites e as condições de possibilidade da ética e do direito no contexto das sociedades contemporâneas. Afinal, estabelecer  princípios e preceitos normativos que não têm nada que ver com a natureza humana é o mesmo que condená-los ao fracasso.É possível, por que não dizer, que a maior parte das propostas de fundamentação teórica e metodológica do direito que já se formularam  ao longo da história pequem por sua inviabilidade em função dessa desatenção com relação a realidade biológica que nos constitui , ou seja, pela falta de precisão de sua adesão à natureza humana.

Há que se considerar a circunstância de que os próprios enunciados normativos – dos valores éticos aos direitos humanos – surgiram graças a natureza de nossa complicada arquitetura cognitiva e a inerente sociabilidade que caracteriza nossa espécie, submetidas que estão, por sua vez, às leis da evolução através da seleção natural e a inevitável interferência da cultura. Esses valores pertencem aos códigos da espécie humana  como um todo, uma consequência peculiar de nossa própria  humanidade que, por sua vez, “constitui o fundamento de toda a unidade cultural” (Maturana,2002). Conseqüentemente, não é possível compreender o direito sem compreender a complexidade de nossa mente – neste caso, de sua organização domínio-específica.

Assim entendido, dir-se-á que os limites entre  “o direito que é”  e  “o direito que deve-ser” - distinção de que se alimentava o positivismo jurídico e o jusnaturalismo, e que estava ( e ainda está) na base da tradicional teoria da interpretação – diluem-se, pois que é em um  “dever ser” assumido como resultado de uma estratégia sócio-adaptativa e como produto de um processo material de mentes  funcionalmente integradas, que o direito positivo acaba por ter o critério decisivo da sua interpretação, justificação e aplicação , isto é, dos mecanismos necessários (fundamentantes, conformadores e constituintes)  a partir dos quais os operadores jurídicos podem  articular e combinar, de forma adequada , historicamente contextualizada e com vistas à proteção do indivíduo, os quatro modelos elementares por meio dos quais os homens constróem estilos aprovados de interação e de estrutura social .

É que ao contrário do que pretendem e sustentam os espíritos menos avisados, o direito estatal, a pesar de seu envoltório teórico e dogmático, não é nada mais que o resultado de uma atividade humana tão antiga como o próprio homem. O que ocorre é que, quanto menos capaz de satisfazer as necessidades adaptativas humano-comunitárias, tanto mais sofisticado se apresenta o direito positivo “parido” e manipulado pelo poder estatal. À normatividade jurídica espúria e/ou abusiva corresponde sempre a parafernália barroca que intenta, em vão, obscurecer sua iniludível dimensão de  constructo cultural, institucional e procedimental em benefício exclusivo da dimensão normativa (de autoridade e de poder).

Dizendo de outro modo,  uma vez  admitido que em todo processo de realização do direito há cidadãos prenhados de intuições e emoções morais inatas , de certos valores éticos e objetivos políticos , de crenças, desejos e preferências - de primeira e, desde logo, de segunda ordem - , a tarefa interpretativa como ato metodológico ou praxis social consiste, fundamentalmente, na desmedida responsabilidade de organizar a vida  social e política de tal modo que nenhum cidadão livre  ( pobre ou rico ) tenha de temer a interferência arbitrária dos demais agentes sociais em seus planos de vida.

Afinal, é como produto de um procedimento “passo a passo” , com voltas e retomadas, e cujo objetivo é – em última análise - o de liberar aos homens de constrições informativas, que resulta a modelação do  “direito justo”, esculpido da concreta versão controvertida que se oferece ao operador jurídico, com a força dinâmica que a norma produzida  injeta no sistema jurídico. A existência de um universo infindável a historiar ou a transportar para a cena controvertida em um caso concreto individual,  torna essencial a compreensão da existência de uma força de ajuste ou de equilíbrio (reflexivo) dos fatores (biológicos e culturais) que se conjugam para a solução de um determinado conflito social, sempre na linha  de respeito ao sentido de garantia imposto pela ordem jurídica, através das normas (dos princípios , das regras e dos valores)  que a partir dela se deduzem , se produzem ou se constituem.

Decerto que tal perspectiva , nomeadamente  no âmbito do jurídico e muito especialmente da atividade hermenêutica, pode parecer odiosa e detestável ao mais empedernido dos dogmáticos[27]. Mas como nenhum dogma é derrubado sem resistência, estamos firmemente convencidos de que a iniludível dificuldade inicial poderá ser superada  pelo papel que nesse drama dialético , circular , problemático e dialógico venha a assumir o operador jurídico como mediador  na , e  para  a, comunidade da idéia do direito, pois, como agudamente lembrado por Daniel-Rops, “a ciência transforma o mundo, mas só o homem pode transformar o homem”.

E com isso chegamos ao final. O filósofo Daniel Dennett escreveu que  “a Ciência não é somente uma questão de cometer erros, senão de cometê-los em público”. Essa a ventura que correrá qualquer um que aspire a entender  melhor  o direito  e que se atreva a rastrear caminhos ainda pouco trilhados , em todo o momento sem  perder de vista a necessidade e o compromisso ético de desenhar um ambiente normativo e  institucional o mais amigável possível para com os direitos ( e os deveres ) que habilitam publicamente a  existência do indivíduo como cidadão, num mundo  já não mais visto como criado por Deus e no qual o direito está destinado a servir a natureza humana e não o contrário.

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Notas:

[3] De todas elas, merece ser destacado o  livro de BARKOW, J.;  L. COSMIDES y J. TOOBY ( 1992) – The Adapted Mind, New York: Oxford University Press. Igualmente sugestivo é a obra de Edward  O.  WILSON, Consilience.The Unity of Knowledge, (1998).New York:Pellicer.

[4] Nas últimas décadas, desde distintas disciplinas se produziu um notável desafio a ampla e acriticamente aceitada visão da mente humana de etiologia  skinneriana. De acordo com esta visão predominante durante largo tempo, os seres humanos estaríamos dotados de um conjunto geral de capacidades de raciocínio que nos permitiriam realizar qualquer tarefa cognitiva, seja qual for o seu conteúdo específico. Seria algo assim como um conjunto  de processos comuns aplicáveis a qualquer pensamento, tanto se involucra a resolução de problemas matemáticos como se se trata do aprendizado de linguagens  naturais, a parte de  que se  ocupa de calcular o significado das relações de parentesco. Em contraste com esta visão, hoje se sabe que muitas habilidades cognitivas estão especializadas em manejar tipos específicos de informação, ou seja,  que grande parte da cognição  humana é domínio-específica. Isto equivale à tese de que nossas intuições morais inatas (como nossa arquitetura cognitiva inata) têm uma estrutura relativamente homogênea e funcionalmente integrada, a par de regimentada em módulos ou domínios específicos. Significa dizer, em síntese, que a compreensão de que a mente humana inclui um importante número de processos cognitivos  domínio-específico evolucionados complexos altera de um modo fundamental a visão que se pode ter da  “cultura” transmitida e das origens dos conteúdos mentais. Como mínimo, isto explica que o suposto implícito em muitas teorias da transmissão cultural de que a mente é um processador de informação equipotencial – o suposto de que as representações mentais com distintos conteúdos são igualmente fáceis de ser transmitidas  - é falso : as representações cujo conteúdo encaixa em um domínio para o qual temos mecanismos especializados serão transmitidas de um modo muito distinto daquelas que não encaixam nesse domínio; em segundo lugar, acaba com a grande dúvida sobre se o indivíduo é o recipiente passivo da transmissão cultural.

[5] Pode-se falar , aquí, em um  círculo  ou  espiral   de realização do direito: há que passar da interpretação à aplicação e destas às fontes e aos fatos, tantas vezes quantas as necessárias para obter  uma síntese que supere todas essas fases, na decisão conformadora-constituinte final .

[6] Parece fora de dúvidas que se deva considerar o direito como um fenômeno cultural (ou realidade significativa) , idêntico a todos os outros que se situam nessa região ôntica ; da mesma forma , não nos parece  muito difícil  entender a “arte” da interpretação jurídica – também um fenômeno cultural - como um caso particular da hermenêutica geral , enquanto disciplina cuja finalidade última é revelar (ou atribuir)  o sentido das ações e das criações humanas. Por outro lado, parece igualmente inegável que a cultura é criada pela mente comum, e cada mente a sua vez é o produto do cérebro humano, estruturado geneticamente. Portanto, genes e cultura estão unidos de maneira inseparável: os genes prescrevem regras epigenéticas - que são as regularidades da percepção sensorial e do desenvolvimento mental que animam e canalizam a aquisição da cultura-; a cultura ajuda a determinar quais os genes prescritores sobrevivem e se multiplicam de uma geração a outra; os novos genes que têm êxito alteram as regras epigenéticas das populações; as regras epigenéticas alteradas mudam a direção e a efetividade dos canais de aquisição cultural (Wilson,1998). Logo, não é possível compreender a cultura ( ou, se se prefere, a Cultura) sem compreender a complexidade de nossa mente – neste caso, de sua organização domínio-específica .

[7] A “pré-compreensão” ( como inafastável condição de possibilidade da compreensão)  implica que o intérprete-aplicador, quando confeccione e manuseie os modelos de decisão, tenha já uma pré-visão do problema, fruto da sua experiência, dos seus conhecimentos, das suas convicções e da própria linguagem.Representa, assim, uma antecipação de sentido do que se compreende, uma expectativa de sentido determinada pela relação (circular) do intérprete com a coisa, no contexto de uma determinada situação. Em outras palavras, a “pré-compreensão” constitui um momento essencial do fenômeno hermenêutico e é impossível ao intérprete desprender-se da circularidade da compreensão ( Gadamer) : através da análise dos fatores pré-firmados da decisão, e assumindo-se, designadamente, a dimensão dialética e prático-normativa do direito, há que integrar, na medida do possível, o próprio  pré-entendimento nos modelos de decisão, limando  arestas e valorizando os fatores fáticos e sistemáticos que porventura venha a incluir.

[8]  Em outras palavras, que o direito existente não é redutível em sua integridade a uma autoridade legislativa, mas é conformado pela vida, pela prática de sua aplicação. Ademais, nisto consiste o  processo dialético da compreensão como atividade   infinita : “ ... infinita pela razão de que uma interpretação que parecia adequada pode ser demonstrada incorreta e porque sempre são possíveis  novas e melhores interpretações;  possíveis  porque, a cada vez,  conforme a época histórica em que vive o intérprete e com base no que ele sabe, não se excluem interpretações que, precisamente, para aquela época e para o que na época se sabe , são melhores ou mais adequadas do que outras” ( Reale e Antiseri, 1991).

[9] A noção de  “função própria” foi  cunhada por Ruth Millikan ( 1984). Segundo Domènech (1998), o último Hayek se mostrou muito preocupado por este fato, uma vez que via nas funções próprias de nossas intuições morais uma ameaça e uma fonte inamovível  de descontentamento e oposição à ordem capitalista ultraliberal que era de seu gosto  : “Los instintos innatos del hombre no son a propósito para uma sociedad como la que vivimos. Los instintos estaban adaptados a la vida en  pequeños grupos(...). Sólo la civilización trajo individualización y diferenciación. El pensamiento primitivo consiste capitalmente en sentimientos comunes de los miembros de los pequeños grupos. El colectivismo moderno es una recaída en ese estado salvaje, un intento de reconstruir esos fuertes vínculos que se dan en los grupos limitados... - Hayek (1983: 164-165)”.

[10] Algo assim como a idéia de  “krasis” proposta por  López Moreno (1999) , a significar o acolhimento de dados, experiências, verdades, teorias, que, independentemente de suas origens, podem possibilitar a harmonização entre os diversos métodos oferecidos na história da hermenêutica jurídica . No mesmo sentido, embora se trate de observação localizada em sede de interpretação constitucional,  Canotilho, 1991.

[11] Tradicionalmente – como já se disse -, a mente foi considerada como um computador de uso geral ou  tabula rasa , com todo o seu conteúdo como derivado dos mecanismos de uso geral que operam com conteúdos gerados pelo ambiente ou pela sociedade ; para dizer-se lisa e lhanamente , o mundo externo está pensado para impor seu conteúdo no interno. Em verdade, contudo,  é a estrutura evolucionada da mente que impõe por si mesma o conteúdo ao mundo social. Como dito por Nicholas Humphrey (1993), os “historiadores pueden  describir estas fuerzas impersonales como quieran, pero la realidad es que no hay fuerzas impersonales en la sociedad humana: no hay un solo acontecimiento significativo que no haya sido modelado por mentes humanas en interacción con   otras mentes humanas. La historia de la sociedad humana en los últimos miles de años es la historia de lo que las personas se han  dicho unas a otras, de lo que han  pensado  unas de otras, de rivalidades, de amistades , de ambiciones personales y nacionales” .

[12] A evolução é um processo histórico imprevisível. O desenho evolucionado dos organismos atuais foi causado por circunstâncias passadas que não tinham nenhuma previsão de futuro. A seleção natural não é teleológica, orientada a um fim, capaz de prever seus cursos de ação futuras; ao contrário, é míope e oportunista. Ou seja, desde Darwin os biólogos evolucionários compreenderam que a seleção natural não  produz desenhos perfeitos, senão que são processos algarítimicos  de desenho, i.e., que sua explicação consiste em dois tipos de demonstrações: a demonstração lógica de que certo tipo de  processos necessariamente têm um certo tipo de resultado evolutivo, e a demonstração empírica de que as condições requeridas para esse tipo de processos se dão de fato na natureza ( o qual não é fácil de provar). Assim, não só nossos mecanismos evolucionados  foram construídos e ajustados em resposta às circunstâncias específicas do ambiente a que nossa espécie teve que fazer frente, como  não estão (esses mecanismos) desenhados para afrontar as circunstâncias atuais, que não têm precedentes evolucionários . No mesmo sentido, tampouco estão desenhados para resolver todos os problemas em todas as circunstâncias possíveis  porque nossa espécie não se encontrou com todos os problemas nem ante todas as circunstâncias. Para os humanos, as circunstâncias que nossos ancestrais encontraram no Pleistoceno como caçadores e recoletores definem a coleção imponente dos problemas adaptativos – isto é , de  problemas evolucionários recorrentes cuja solução facilita ou promove a  sobrevivência e o êxito reprodutivo -  para resolver os quais  foram desenhados nossos mecanismos cognitivos, ainda que isso, claro está, não esgota o abanico de problemas que são capazes de resolver. E aqui chegamos ao núcleo de nossa análise: os humanos não desenvolvemos arquiteturas cognitivas que resolvem problemas processando informação de forma geral. Inclusive o fato  de que um mecanismo possa em alguns  momentos resolver problemas novos ou atuais não nos diz nada sobre  como este mecanismo chegou a ter o desenho que tem porque a seleção natural não tem a capacidade – tão comum entre os mais freqüentes e cotidianos farsantes – de predizer o futuro com uma bola de cristal, um baralho ou algo pelo estilo. Sobre a  seleção natural como  um  processo algaritmico – ou seja, como um tipo de processo formal  que pode chegar a produzir ( de forma lógica) um resultado determinado sempre que se lhe faça funcionar ou seja posto em marcha - cfr.  Dennett, 1995, seguramente uma das mais profundas reflexões sobre a importância atual do darwinismo.

[13] Sobre esta questão pode-se ler o sugestivo livro de SUTHERLAND, Stuart – Irracionalidad.El enemigo interior, Madrid, Alianza Editorial, 1996. Assim, um juiz ideal, podemos imaginar, teria conhecimento cabal de todas as circunstâncias do caso, de maneira a poder aplicar as normas de forma rigorosa ; não obstante, os juízes reais, com sua evolucionada e biológica natureza humana – aliás, como o comum dos mortais - , não contam com conhecimentos tão amplos: devem adotar  decisões , no comum dos casos, em um contexto de informação parcial e incompleta ou, inclusive, em condições de incerteza ;conhecem algumas das circunstâncias que o caso exibe, ainda que quiçá  muitas delas não sejam relevantes , e muitas circunstâncias relevantes podem permanecer ignoradas ou somente são conhecidas incompletamente.

[14] Por exemplo, o atual modelo neurocientífico do juízo ético-normativo obtido por técnica de neuroimagem parece sugerir que o raciocínio jurídico implica um amplo recrutamento e emprego de diferentes sistemas de habilidades mentais (relacionados tanto com o pensamento racional  como emocional) e fontes de informação (Goodenough & Prehn,2005),  isto é, de que é a atividade coordenada e integrada de diversas estruturas cerebrais a que torna possível a conduta moral e jurídica humana (Greene et alii,2001 e 2002; Moll et alii, 2002 e 2003).

[15] Neste particular, parte-se da premissa de que em questão de racionalidade humana há sempre dois componentes que se entrelaçam: as limitações  da mente humana e a estrutura dos ambientes nos quais a mente funciona. Isto é, de que ao modelo de juízo humano e aos processos de toma de decisões deveria ser agregado o que em realidade sabemos sobre o funcionamento e as capacidades da mente humana  mais bem que sobre presunções ou capacidades fictícias.Trata-se, em síntese, de um modelo muito distinto do modelo tradicional de racionalidade ilimitada e de otimização em ciência cognitiva (transportada para as ciências sociais normativas) que vê a mente humana como dotada de poderes sobrenaturais ou de poderes demoníacos de razão : de um conhecimento ilimitado da realidade e do ambiente , assim como de toda a infinita eternidade para tomar decisões. O que em realidade a denominada “blounded rationality” toma em consideração é o entendimento do processo de toma de  de decisões em um mundo verdadeiro, onde a mente humana, funcionando como uma caixa de ferramentas adaptável (the adaptive toolbox), toma decisões com os recursos realistas mentais de que dispõe e condicionada pelas iniludíveis limitações de tempo, de informação e de conhecimento. Este processo de toma de decisão foi analisado explicitamente em primeiro lugar por Herbert A. Simon (1975 e 1959), um economista da Universidade Carnegie Mellon, e denominado  satisfacing : uma maneira de tomar decisões sobre um leque de alternativas que respeitam as limitações de tempo, de informação e de conhecimento humano disponíveis .Desde o trabalho de Simon sobre inteligência artificial e a solução de problemas na década de 1950, a psicologia cognitiva assumiu gradualmente as pesquisas sobre a criatividade, que é vista, algumas vezes, como pouco mais que um modo de resolver problemas um pouco mais difíceis que a média. Introduzido em psicologia, “satisfazer” ou “ser suficiente” significa que se tomou a primeira eleição satisfatória encontrada de todas as que se percebem e são razoavelmente alcançáveis a curto prazo, em contraposição a imaginar por adiantado a eleição ótima e buscá-la até que se a encontre. Segundo o modelo satisfatório, é mais provável que um jovem que deseje casar-se proponha matrimônio à candidata mais atrativa entre as jovens casamenteiras conhecidas e que não busque durante muito tempo uma companheira ideal preconcebida. Em contraste com a otimização – obter o  melhor resultado – trata-se de obter um resultado que seja bastante bom, quer dizer, que seja  satisfatório. Com efeito, as afirmações de “otimicidade” têm um modo de desvanecer-se : não é necessário nenhum descaro para admitir modestamente que, dadas nossas limitações e as características ubíquas  da tomada de decisão em tempo real,  aquela que era considerada a melhor solução que  poderíamos encontrar é, por vezes, praticamente inalcançável. Da mesma forma, às vezes se comete o erro de supor que há, ou deve  haver, uma perspectiva única (melhor ou mais elevada) desde a qual avaliar a racionalidade ideal : a ser assim, sofreria interminantemente o “intérprete ideal” o problema demasiado humano de não ser capaz  de recordar e processar certas considerações cruciais quando estas seriam as mais reveladoras e efetivas para resolver um caso concreto de forma “ótima”. Sobre a “bounded rationality” , a “ecological rationality” e a mente como  “adaptive toolbox”, ver o trabalho desenvolvido pelo grupo de investigação ABC do Instituto Max Planck de Berlim, dirigido pelo prof. Gerd Gigerenzer : Gigerenzer, G. & Tood, P.M. (1999) Simple heuristics that make us smart.New York: Oxford University Press.

[16] Registre-se que os cientistas sociais ( e nomeadamente os operadores jurídicos), em seu conjunto, vem prestando pouca  atenção aos fundamentos da natureza humana, e praticamente não têm nenhum interesse por suas origens mais profundas. Neste aspecto, as ciências sociais se encontram entorpecidas pelo resíduo de forte precedente histórico. A intencional ignorância  das ciências naturais foi uma estratégia que modelaram os fundadores,  em especial Durkheim, Marx, Franz Boas , Kelsen e Freud, e seus seguidores imediatos. Pretendiam , frustrando o “sonho ilustrado”, isolar suas disciplinas nascentes das ciências fundacionais da biologia e da psicologia , que na origem das ciências sociais eram em qualquer caso  demasiado  primitivas para serem de relevância evidente. Esta postura deu seus frutos ao princípio ! Permitiu que os estudiosos buscassem pautas  por toda a cultura e a organização social, livres dos grilhões do apadrinhamento das ciências sociais, e que compusessem as leis da ação social tal como exigiam as provas suficientes a primeira vista. Mas uma vez terminada a era dos pioneiros, os teóricos se equivocaram ao não incluir a biologia, a primatologia, as ciências cognitivas e a psicologia. Já não era (como já não é) uma virtude evitar as raízes da natureza humana ! Ora, os seres humanos são animais e ,  portanto,  foram  conformados pelas mesmas forças da seleção natural que construíram a todos os demais animais. Com efeito, a maior parte da gente não duvida em aceitar que nossa locomoção ereta, grande cérebro e dedos oponíveis são produto da seleção natural, como as diferenças de comportamento entre, por exemplo, os leões e os chipanzés. Não obstante, mais controvertida é a proposta de que as mesmas forças que produziram os corpos humanos e a  “natureza do chipanzé” produziram também uma “natureza humana”.Sem embargo, os mecanismos que conformam o comportamento dos seres humanos, não menos que os que conformam a fisiologia e a anatomia humanas, são produtos das mesmas leis fundamentais da evolução por seleção natural.

[17] Uma outra forma de expressar o mesmo entendimento seria a de que “o comportamento está guiado por regras epigenéticas”. Nesse preciso sentido, a epigênesis, que originalmente era um conceito biológico, significa o desenvolvimento de um organismo sob a influência conjunta da herança e o ambiente. As regras epigenéticas, para resumir muito brevemente, são operações inatas do sistema sensorial e do cérebro ;  caracterizam-se por ser um complexo de regras, prescritas pelos genes,  que, assegurando a sobrevivência e o êxito reprodutor,  predispõem os indivíduos a determinados tipo de comportamento, ou seja, predispõem os indivíduos a considerar o mundo de uma determinada maneira inata e a efetuar automaticamente umas determinadas eleições frente a outras. Com essas regras – algumas suscetíveis a uma imensa gama de variações e combinações culturais - vemos o arco íris em quatro cores básicas e não como um continuum de freqüências de luz; tendemos a dividir continuamente objetos e processos diversos em duas classes discretas ; evitamos relações sexuais com irmãos; falamos em frases gramaticalmente corretas; sorrimos aos amigos e tememos aos estranhos nos primeiros contatos . Por vezes, contudo, e  em especial nas sociedades complexas, já  não contribuem à saúde nem ao bem estar ; o comportamento que dirigem pode tornar-se marcado e militar contra os melhores interesses do indivíduo e da sociedade : são as chamadas  funções impróprias de nossas intuições morais. E para os efeitos que aqui nos interessa, podemos considerar o fato de que as funções cumpridas atualmente por nossas intuições e emoções morais – que são um produto ou um resultado com bastante articulação funcional – sejam em parte  funções impróprias .

[18] O mesmo que a negativa a determinar o espaço teórico-positivo , sustentando, por exemplo, que toda realidade é realidade socialmente construída – e toda verdade, verdade serviçal e convencional -, equivale a abandonar por completo toda possibilidade de discussão gnoseológica racional.

[19] Um exemplo servirá para ilustrar o que se pretende dizer. A curiosidade insaciável que experimentamos os humanos pela  vida privada dos demais,  sobretudo por informações acerca de suas preferências sexuais e seu  status social, tinha uma função própria óbvia nas pequenas bandas de caçadores e recoletores do Pleistoceno. Em nosso mundo, contudo, é evidente que não há forma decente de dar satisfação a essa curiosidade : não podemos razoavelmente desenhar um ambiente institucional demasiado amigável para ela. Mas podemos ao menos buscar-lhe um ambiente institucional que impeça ou dificulte a manipulação grosseira e indecorosa por empresários da imprensa e da televisão, ávidos  dos benefícios que trazem consigo  a sua exploração (“impropriamente”)- o mesmo se pode dizer, por exemplo, do fenômeno do “nepotismo”. 

[20] Tudo isso para dizer que as palavras ( e portanto, também os textos normativos) são  “manifestações” de coisas que significam, o que revelam a incongruência da tese nuclear da hermenêutica positivista, segundo a qual o sentido é inerente às palavras. Sendo assim, tanto as proposições coloquiais como as especificamente jurídicas somente poderão ser compreendidas ( somente se logrará discernir o respectivo “sentido”) quando se reconheça que remetem a um plano extralinguístico , a uma relação de vida , onde a questão da segurança e da certeza jurídica é sempre  e igualmente  um valor ( por certo essencial) a considerar de modo histórico e circunstancialmente condicionado.

[21] Afinal, as normas são, em boa medida, manifestações de valores compartidos por um determinado grupo, partindo não da idéia de  “imperator”, mas sim da comunidade ética na qual se inserta o sujeito-intérprete.Dito de outro modo, a lei  não é simplesmente um conjunto de regras faladas, escritas ou formalizadas que as pessoas seguem. Em vez disso, a lei representa a formalização de regras comportamentais, sobre as quais uma alta percentagem de pessoas concorda, que refletem as inclinações comportamentais e oferecem benefícios potenciais àqueles que as seguem : quando as pessoas não reconhecem ou não acreditam nesses benefícios potenciais, as leis são, com frequência,  não somente ignoradas ou desobedecidas – pois carecem de legitimidade e de contornos culturalmente  aceitáveis em termos de uma comum, consensual e intuitiva concepção de justiça -, senão que seu cumprimento fica condicionado a um critério de autoridade que lhes impoem por meio da “força brura” (Gruter,1991). E uma vez que a sociedade usa leis para encorajar as pessoas a se comportar diferentemente do que elas se comportariam na falta de normas, esse propósito fundamental não somente  torna o Direito altamente dependente da compreensão das múltiplas causas do comportamento humano, como , e na mesma medida,  faz com  que  quanto melhor for esse entendimento da natureza humana , melhor o Direito poderá atingir seus propósitos.

[22] A esse propósito, a idéia sugerida por Alan P. Fiske(1993) dá resposta a muitos dos interrogantes sobre a forma como a organização domínio-específica da mente humana afeta as relações sociais e condiciona nossas intuições morais. Baseado em um amplo abanico de investigações antropológicas, sociológicas  e psicológicas, Fiske postula a existência de quatro formas elementares de sociabilidade  [ comunidade ( comunal sharing ), autoridade ( authority ranking ), parigualdade (equality matching) e proporcionalidade (market pricing) ] , quatro modelos elementares através dos quais  os humanos constroem estilos   aprovados   de interação social e de estrutura social. Como estas quatro estruturas foram  encontradas  de forma muito extensa em todas as culturas, e como elas formam parte dos âmbitos mais importantes da vida social, Fiske sugere como inferência possível que estão arraigadas  em estruturas da mente humana. Nesse sentido, uma vez que parece impensável tratar de relação jurídica (isto é,  as relações pessoais do homem que o discurso jurídico identifica como tal) sem tomar como  referencial  as relações que são travadas no curso da existência humana,  conhecer as características dos  quatro tipos de vínculos sociais propostos por Fiske permite descobrir  poderosas vias de articulação  dessas formas de vida social : modos adequados de combiná-las, de potenciar e cultivar seus melhores lados, e de mitigar ou jugular seus lados destrutivos e perigosos . E porque todo o direito e toda a “ordem” tem um caráter   relacional , aquí reside, em última análise, a tarefa de realização do direito que, desde uma perspectiva instrumental, pragmática e dinâmica, passa a ser concebido como um intento, uma técnica, para a solução de determinados problemas práticos relativos a conduta em interferência subjetiva dos indivíduos (Kaufmann,1999;Atienza,2003).Trata-se, em definitivo, de uma via que conduz a considerar o direito como argumentação, que pressupõe, utiliza e, em certo modo, dá sentido às demais perspectivas teóricas relacionadas com as dimensões estrutural, sociológica e axiológica do fenômeno jurídico. Por conseguinte, parece razoável supor que qualquer proposta teórica de discurso jurídico deve considerar a circunstância de que toda a argumentação que se efetua na vida jurídica é, fundamentalmente, uma argumentação sobre as diversas vias por meio da quais se articulam essas (quatro) formas de vida social arraigadas na complexa estrutura da mente humana e irredutíveis entre si. No mesmo sentido, resulta particularmente interessante a investigação de outro antropólogo , Pascal Boyer (1994) , no caso especial da transmissão das idéias e representações religiosas, cuja explicação encontra seu fundamento na estrutura cognitiva humana .

[23] Daí porque a garantia da reciprocidade participativa representa um relevante e firme passo no sentido de se conseguir  o ponto em que se consuma a atuação  da busca  do equilíbrio, de que a interpretação é um vetor, no sentido da segurança jurídica. Em efeito, o grande problema da época contemporânea já não é tanto o da convicção ideológica , das preferências pessoais ou do subjetivismo inconsistente do juiz enquanto  “mediador”. É o de que os destinatários  do provimento ( ou se se preferir, do cidadão enquanto tal , como indivíduo plenamente livre , dono ou senhor de si mesmo - segundo a célebre fórmula do direito romano, recuperada pelo republicanismo moderno ), do ato imperativo do Estado, que no processo jurisdicional é manifestado pela  “decisão” , possam  participar de sua formação e de eficazes ( adequados e acessíveis) meios de controle, com as mesmas garantias, em simétrica igualdade de oportunidades, podendo compreender o  porquê , como, de que forma  com que critérios e limites o Estado atua para resguardar e tutelar direitos, para negar pretensos direitos ou para impor obrigações. Em síntese, é a famosa  “eterna vigilância cidadã” republicana, que trata de evitar que o abuso de autoridade por parte dos magistrados rompa os vínculos da igualdade cidadã e degrade a  res publica imperium.

[24] Ou seja, a inata propensão a utilizar classificações em duas  partes na hora de tratar conjuntos socialmente importantes.

[25] Sabemos, por exemplo, que os ciúmes sexuais masculinos (desenvolvidos evolucionariamente  como uma estratégia psicológica para proteger a certeza masculina da paternidade), uma vez manipulado  pela elaboração cultura, podem causar sofrimentos, inclusive até a morte, a muitas mulheres do mundo, amplificada que pode ser até o execrável uma diferença de intuições morais de origem biológica. Assim, por exemplo, determinadas hipóteses biológico-evolucionárias  sobre a filogênesis humana e o estudo etológico do comportamento de nossa espécie coincidem em insistir  no chamado  “lado escuro  da sexualidade masculina” ( Wilson & Daly,1992). De acordo com essa tese, o comportamento sexual masculino estaria em boa medida  guiado pelo temor do “cuco”: pelo temor à prosmicuidade de sua companheira feminina e a consequente inversão de recursos próprios na criação de filhos alheios. Daí derivariam uma tendências “proprietaristas” sobre as mulheres, isto é, umas intuições morais tendentes  a considerar a mulher como uma propriedade. Dessas intuições digamos  “naturais” – para seguir com a hipótese -  se pode fazer elaborações culturais muito distintas : desde a  “mulher em casa” de nossa cultura, até a ablação de clitóris, habitual em certas culturas norte e centro-africanas, passando pelo  chador  islâmico e a vendagem e a molduração dos ossos dos pés da tradição chinesa .

[26] Nesse sentido, a psicologia cognitiva ganha uma dimensão inteiramente nova de rigor quando suas amplas vinculações  com o conjunto da ciência são reconhecidas e exploradas. Os mecanismos cognitivos são adaptações  que foram produzidas durante o período evolutivo humano  a partir  da seleção natural, e adquirem suas formas particulares  como soluções aos problemas adaptativos evolutivos de largo recorrido. De fato, as origens da especificidade de domínios pode ser localizada no processo evolutivo das vantagens seletivas conferidas pelo  desenho funcional na resolução  de problemas adaptativos. Apesar das histórias instituídas no sentido contrário, a antropologia, o direito, a sociologia , a biologia evolucionária e a psicologia não podem ser vistas como disciplinas completamente independentes. Assim, p.e. , a peça central  para a teoria antropológica é a mesma que para a teoria psicológica : uma descrição do  fiável desenvolvimento da arquitetura da mente humana, uma coleção de adaptações cognitivas. Estes solucionadores de problemas evolutivos são o motor que vincula a mente, a cultura e o mundo.

[27] Aos que, com a pervesa desfiguração do fenômeno positivista, a razão foi convertida em simples intelecto técnico, algoritmico e instrumental que somente pode conceber valores  relativos (Kelsen) e a justiça em simples expressão emocional (Ross).

 

Como citar o texto:

FERNANDEZ, Atahualpa; FERNANDEZ, Marly e FERNANDEZ BISNETO, Atahualpa..Dinâmicas evolutivas, hermenêutica jurídica e o equilíbrio reflexivo. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 148. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/teoria-geral-do-direito/843/dinamicas-evolutivas-hermeneutica-juridica-equilibrio-reflexivo. Acesso em 17 out. 2005.

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