A autonomia do Banco Central tão em voga ultimamente, pode ter sido prejudicada pela Medida Provisória que concede ao presidente do Banco Central status de Ministro de Estado.

Não pretendemos no debate do qual ora nos propusemos a participar, adentrar o mérito do tema, muito menos analisar as consequências econômicas que por ventura viesse a decorrer de sua implantação no mundo jurídico. Tentaremos, sim, demonstrar que se se implantar o projeto sem outras mudanças no ordenamento jurídico, este será inconstitucional, pelos motivos que agora passo a expor.

O projeto que pretende conceder autonomia administrativa ao Banco Central prevê que seu presidente venha a ser nomeado pelo Presidente da República, porém, que venha a ter mandato fixo, evitando, assim, que o Chefe da Nação venha a demiti-lo livremente, o que viria, para os economistas, a proporcionar um imediato benefício à economia nacional, pois, passaria a estar imune – o presidente do Banco Central – aos sobressaltos político-partidários.

De nenhuma anomalia jurídica estar-se-ia a tratar não fosse a existência do disposto no art. 84, I da Constituição Federal que diz que “Compete privativamente ao Presidente da República: I - nomear e exonerar os Ministros de Estado; (...)”.

Ora, com a conversão da Medida Provisória que concedeu o status de Ministro de Estado ao presidente do Banco Central em lei, se instalou um óbice jurídico-formal à instituição da autonomia do BC com mandato fixo para o seu presidente. É que é de livre nomeação e exoneração os ocupantes dos cargos de Ministro de Estado, não podendo estipular-se para estes, mandato, por colidir de frente com a norma constitucional acima citada.

Não haverá, todavia, inconstitucionalidade se a dita mudança proceder-se por meio de Emenda à Constituição. Somente se se tentar institui-la por Lei Ordinária é que será inconstitucional. É que as únicas limitações ao Poder Constituinte Reformador ou Derivado constam do art. 60, § 4° da Carta Política, somente as cláusulas pétreas não podem ser atingidas por Emenda, pois, não há hierarquia entre as normas constitucionais originárias e as que são posteriormente insertas no bojo do Texto Constitucional por meio de reforma deste. É o que se depreende da análise da seguinte decisão do Supremo Tribunal Federal:

"EMENTA: - Ação direta de inconstitucionalidade. Parágrafos 1. e 2. do artigo 45 da Constituição Federal. - A tese de que ha hierarquia entre normas constitucionais originarias dando azo a declaração de inconstitucionalidade de umas em face de outras e incompossível com o sistema de Constituição rígida. - Na atual Carta Magna ‘compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição’ (artigo 102, caput), o que implica dizer que essa jurisdição lhe e atribuída para impedir que se desrespeite a Constituição como um todo, e não para, com relação a ela, exercer o papel de fiscal do Poder Constituinte originário, a fim de verificar se este teria, ou não, violado os princípios de direito suprapositivo que ele próprio havia incluído no texto da mesma Constituição. - Por outro lado, as cláusulas pétreas não podem ser invocadas para sustentação da tese da inconstitucionalidade de normas constitucionais inferiores em face de normas constitucionais superiores, porquanto a Constituição as prevê apenas como limites ao Poder Constituinte derivado ao rever ou ao emendar a Constituição elaborada pelo Poder Constituinte originário, e não como abarcando normas cuja observância se impôs ao próprio Poder Constituinte originário com relação as outras que não sejam consideradas como cláusulas pétreas, e, portanto, possam ser emendadas. Ação não conhecida por impossibilidade jurídica do pedido". (ADI 815 / DF – Distrito Federal – STF – Rel. Min. Moreira Alves - DJ 10-05-96 PP-15131).

Corroborando este raciocínio, escreveu Alexandre de Moraes que "a emenda à Constituição Federal, enquanto proposta, é considerada um ato infraconstitucional sem qualquer normatividade, só ingressando no ordenamento jurídico após a sua aprovação, passando então a ser preceito constitucional, da mesma hierarquia das normas constitucionais originárias”.

Pode-se até vir a instituir por Emenda Constitucional a autonomia do Banco Central com a estipulação de mandato fixo para sua diretoria e presidência, mas passaremos a nos deparar, no mínimo, com uma situação das mais esdrúxulas – e talvez única e inédita relativamente aos ordenamentos jurídicos dos países civilizados –, onde um cargo de Ministro de Estado será ocupado por alguém e por um prazo estipulado na Constituição, mesmo Texto que diz que o Presidente da República nomeará e exonerará livremente seus auxiliares. Estar-se-ia a desvirtuar, desnaturar e, mesmo, a ferir de morte uma tradição secular nos regimes presidencialistas.

É esperar pra ver.

(Elaborado em setembro de 2005)

 

Como citar o texto:

ROCHA NETO, Alcimor A..Aspectos jurídicos de uma eventual autonomia do BC. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 151. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-constitucional/876/aspectos-juridicos-eventual-autonomia-bc. Acesso em 7 nov. 2005.

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