Algumas questões relativas à problemática sobre a qual ora nos propusemos a escrever, ainda são objeto de profundas divergências doutrinárias e jurisprudenciais. Trataremos aqui da restituição do ICMS que haja sido pago a maior, isto é, indevidamente.

É elementar que, em havendo erro, ou por parte do fisco ou por conta do sujeito passivo da relação tributária (contribuinte ou responsável), erro este que venha a conduzir a um pagamento a maior de determinado tributo, venha a ser restituído, o prejudicado, do montante não devido. Na busca de tutelar a parte que eventualmente saia lesada duma situação como esta, o Código Tributário Nacional estabelece algumas normas para a restituição. Diz o CTN:

 

“Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos:

I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;

II - erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;

III - reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória”.

Com relação a muitos tributos nenhum problema parece surgir relativamente à individualização do valor e de quem irá receber do fisco o valor pago indevidamente. Grande controvérsia, pois, instala-se, a nível jurisprudencial e doutrinário, quando se está a tratar de impostos como o ICMS, por exemplo. É que a doutrina classifica os tributos em diretos e indiretos, sendo que aqueles seriam os suportados pelo próprio contribuinte e estes últimos aqueles cujo ônus pesaria sobre os ombros de terceiros. Em decisão do Tribunal Regional Federal da 1º Região asseverou-se que:

“O art. 166 do CTN foi inserido na Codificação Tributária a partir da evolução da jurisprudência do c. STF, que deixou de entender que, embora pago indevidamente, não cabe a restituição de tributo indireto (Súmula 71), para admiti-la com restrições: cabe a restituição do tributo pago indevidamente, quando reconhecido por decisão que o contribuinte de jure não recuperou do contribuinte de facto o quantum respectivo (Súmula 546)” (AC - APELAÇÃO CIVEL – 199801000534287 – Relator Juiz Hilton Queiroz).

Afunilando ainda mais a questão, o problema é até maior quando, verbi gratia, o nome daquele que suportou o ônus do pagamento do tributo não consta da nota fiscal. Se compra-se um carro o valor do ICMS está embutido em seu preço deve vir na nota fiscal o nome do comprador. Neste caso, se há pagamento indevido de tributo, ou mais especificamente de ICMS, não resta muito complicado proceder-se ao direcionamento do valor restituído para aquele sujeito que tenha real e efetivamente suportado o ônus tributário, ainda que seja baixíssima a probabilidade de a concessionária, por exemplo, vir a devolver ao comprador o valor que este havia pago a mais pelo tributo, o que o CTN, por expressa disposição, obriga que seja feito. Naquela lei está disposto:

“Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la”.

Ocorre que nem sempre – e na maioria dos casos é o que ocorre – é tão facilmente identificável, através da nota fiscal ou por qualquer outro meio, aquela pessoa que pagou o imposto.

O supracitado art. 166, CTN, in fine, dispõe que para que venha a requerer a restituição, o requerente há de ter obtido autorização expressa daquele que suportou o pagamento indevido. Se uma grande loja de roupas, v. g., que vende milhares de peças mensalmente e somente depois se dá conta e decide pedir a restituição de tributo pago a maior, como conseguirá a autorização expressa de cada um dos clientes que suportaram o ônus? Improvável que o faça, até por ser antieconômico para a empresa. Aí jurisprudência diverge pensando alguns que tem de haver a autorização expressa, pois, do contrário, haveria enriquecimento sem causa daquele que requer a restituição. Pensam outros que se não se proceder à restituição haverá enriquecimento ilícito também, dessa vez do fisco.

Neste caso a questão fundamental que se coloca é: quem deve enriquecer sem dar causa a tal, o sujeito passivo da relação tributária que vir a requerer a restituição, mas não tenha a autorização expressa daqueles que suportaram o ônus do pagamento, ou o fisco?

A mim parece que a solução mais razoável é a de que se há que alguém enriquecer ilicitamente às custas do contribuinte, esse alguém há de ser o Estado, o fisco, pois, em tese, aquele pagamento – ainda que indevido – reverter-se-á em favor da coletividade, dentro da qual quem suportou o ônus tributário encontra-se abrigado. Só assim não se contrariaria uma das petrificadas cláusulas constitucionais, qual seja, o princípio republicano.

(Elaborado em setembro de 2005)

 

Como citar o texto:

ROCHA NETO, Alcimor A..Restituição de ICMS por pagamento indevido. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 151. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-tributario/877/restituicao-icms-pagamento-indevido. Acesso em 7 nov. 2005.

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