1. Em recente decisão monocrática, no Recurso Extraordinário 352.940-4, o Eminente Ministro Carlos Velloso, do Egrégio Superior Tribunal Federal, abonou a tese de que, com fulcro nos princípios constitucionais da isonomia e do direito a moradia (art. 6º, caput, da Constituição Federal, em sua nova redação dada pela EC nº 26), que a exceção do ordenamento que permite a penhora do bem de família do fiador em contrato de locação, prevista no art. 3, VII, da Lei. 8.009/90, é inconstitucional. Portanto, na decisão in casu julgou-se pela liberação do bem de família da constrição e pela sucumbência da locadora[i].

2. A penhora do bem de família é uma exceção, pois, em regra, o bem de família é impenhorável, como o próprio Código Civil de 2002 referenda[ii] e a Lei 8.009/90 dispõe. Todavia, nesta última, há a previsão expressa da possibilidade de penhora em determinadas situações específicas[iii]. No entanto, o entendimento trazido acima pelo insigne Ministro Carlos Velloso serve de precedente que vem para o auxílio de muito fiadores, pois, em sentido diametralmente oposto está o posicionamento majoritário, consolidado na jurisprudência[iv], que segue uma interpretação literal da precitada lei. Desta maneira, a inteligência pretoriana dominante é da possibilidade da penhora do bem de família do fiador em contrato de locação pelas alterações que a nova Lei de Locações (L. 8.245/91) trouxe à Lei do Bem de Família (L. 8.009/90), em dispositivo de redação bastante explícita, e que a aplicação nos Tribunais pode ser vista nos seguintes julgados:

LOCAÇÃO. FIANÇA. BEM DE FAMILIA. - PENHORABILIDADE. RESSALVA DO ART.3. VII DA LEI 8.009/1990, COM A ALTERAÇÃO DO ART. 82 DA LEI 8.245/1991. Decisão. POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E LHE NEGAR PROVIMENTO. (STJ - RESP 73449 - Proc. 1995.00.44146-2 - SP - QUINTA TURMA - Rel. JOSÉ DANTAS - DJ DATA: 05.05.1997, p.17070)”.

AGRAVO REGIMENTAL RECEBIDO COMO AGRAVO INTERNO. NEGATIVA DE SEGUIMENTO A APELAÇÃO. OBRIGAÇÃO DECORRENTE DE FIANÇA PRESTADA EM PACTO LOCATICIO. PENHORABILIDADE DO IMÓVEL RESIDÊNCIAL. ENTENDIMENTO PACIFICO NESTA CORTE E NO STJ. AGRAVO IMPROVIDO. (TJRS - AGR 70000727388 - 15 C.Cív. - REL. DES. MANUEL MARTINEZ LUCAS, J. 22.03.2000)”.

3. No sentido da jurisprudência majoritária, o jurista Heitor Vitor Mendonça Sica advoga que pode ser refutada a afirmação de inconstitucionalidade da permissão de penhora do bem de família do fiador em contrato de locação, pois, nos princípios pleiteados, o da isonomia e do direito a moradia, não se encontraria dissonância com a referida exceção; sobre o primeiro, o princípio da isonomia, o douto labora sobre a diferenciação obrigacional que ocorre entre locatário e fiador, mas, no entanto, ele chega a uma situação que constata o surgimento de um gravame maior para o fiador, em contraste com o fim da fiança que é de ser um “contrato benéfico”, mas nada que daria ensejo a uma inconstitucionalidade. Sobre o segundo argumento, sobre a incidência do direito a moradia, o dispositivo que o prevê, o caput do art. 6º da CF é programática, e, portanto, carece de regulamentação, sem a qual não possui eficácia plena[v].

Também, há de se considerar que no ordenamento jurídico não há direitos ilimitados, assim como o próprio direito a moradia não o é, por conseguinte, o ordenamento pode prever exceções e limitações a determinados direitos. Igualmente, a possibilidade de penhora retro descrita pode ser entendida como uma medida coerente que visa preservar tanto os direitos dos locadores, assim como os direitos da sociedade[vi] (do bem comum). São as exceções que o próprio ordenamento considera legítimas, isto é, a própria lei que institui o bem de família prevê situações em que a impenhorabilidade é afastada. Neste tom, deve-se observar que, cediço é, que muitas pessoas não possuem casa própria e nem possuem maneiras de adquirir uma. Desta forma, a locação de um bem imóvel é a maneira que as resta para garantir uma morada. Ao aumentar de algum modo as garantias do locador, como o faz a comentada possibilidade de penhora, em tese, propicia-se um menor valor nos aluguéis, pela redução dos riscos, assim como, os locadores estarão incentivados a investirem em mais imóveis com o fim de locação, com a conseqüente, menor incidência do repasse de custos pelos inadimplementos. Destarte, senão outro é o alvitre de Maria Helena Diniz, por ocasião de comentário à nova Lei de Locações, que assim se pronunciou:

Assim sendo, perante esta disposição normativa, o fiador de contrato de locação não poderá opor a impenhorabilidade do imóvel que lhe serve de moradia, no processo de execução contra ele movido, em razão de fiança prestada (AASP, 1.810:6, 1.733:3). Se o inquilino não cumprir seus deveres locativos, abrir-se-á execução contra o seu fiador, e o seu imóvel onde este reside não estará coberto pela garantia de insuscetibilidade de penhora. O locador que veio a optar pela caução, terá, conseqüentemente, maior garantia do adimplemento das obrigações locatícias.”[vii].

Por outro lado, a penhorabilidade do bem de família na situação mencionada traz, também, a criação de uma espécie de coação psicológica e jurídica sobre os devedores da relação locatícia (de forma mais acentuada no fiador, que diante da impossibilidade de fuga da constrição de bens da penhora, mesmo sem o ajuizamento de uma execução, sentirá “impulsionado” a efetuar o adimplemento). Sem adentrar numa análise mais apurada, trata-se de um enfoque que não deixa de analisar as influências sistêmicas das decisões do Direito, e a preocupação com algumas “interpretações de caráter social”, que em vez de trazerem mais benefícios, atravancam o desenvolvimento social e econômico de um país[viii].

Doravante, esta é uma das maneiras razoáveis de se entender como constitucional a mencionada exceção que permite a penhora do bem de família naquela específica obrigação, mesmo que defrontada com o direito a moradia, tomando ser, este último, não apenas um direito individual, mas uma importância que deve ser vista pelo viés do interesse público, senão, doutra maneira, não se conseguiria entender as outras exceções que o art. 3º da L. 8.009 contempla, como as decorrentes de obrigação alimentícia.

4. Por outro lado, é curial reconhecer que, atualmente, vislumbram-se situações em que ocorre o denominado conflito executivo[ix], que nada mais é, que o conflito produzido entre a necessidade de se preservar a segurança jurídica e ao mesmo tempo de se dar o devido cuidado ao reclamo pela efetividade dos direitos, principalmente, dos direitos fundamentais[x]. Pode-se afirmar que em determinadas situações, não ocorre a simples subsunção da regra, mas, nesta aplicação, ela é completada pela interpretação segundo certos fins, isto é, guiada pela conformação que deve haver pelos princípios jurídicos, entre eles, o princípio da segurança jurídica e o princípio da confiança[xi], pelo qual, v.g., a legislação vigente, gera no locador, uma confiança legítima de que com maiores garantias encontra-se revestido o seu crédito, e para que haja o adimplemento, até no bem de família do fiador poderá recair a penhora. Ora, haverá um sopesamento entre os princípios, tarefa que necessita da devida fundamentação, tendo em vista do caso concreto.

Nestes termos, é profícuo para o alcance do desiderato proposto, a utilização das metanormas jurídicas; mesmo que apesar do paradigmático RE 352.940-4 não fazer menção a tal instrumento, benfazeja ferramenta é a proporcionalidade, que atua na tensão existente entre o direito de crédito do credor e o direito fundamental a moradia do devedor, em que, neste embricamento entre bens jurídicos, no caso concreto, poderá ser deslindado pela proporcionalidade, que pelo exame da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, analisar-se-á a relação de causalidade entre meio e fim, buscando uma otimização, recaindo no devido sopesamento para o deslinde do conflito[xii], e, que, ainda, abstraia o máximo de efetividade das normas colocadas em exame. Não é outro, senão o alvitre de Gisele Santos, para quem:

O processo de execução, por excelência, deve estar imbuído da máxima da proporcionalidade, pois que, verdadeiramente, é no interior dele que se concretiza o acesso à ordem jurídica justa, efetivando-se a mera declaração contida no julgado. Portanto, essa realidade somente pode existir se esse procedimento executivo estiver enraizado com o devido processo legal proporcional, na sua feição procedimental e substancial.”[xiii].

Nesta esteira, o direito a moradia consolidado na Carta Magna, em seu art. 6º[xiv] prevê que o referido é um direito social, que segundo o prestimoso escólio de José Afonso da Silva, constitui em duas faces, uma negativa, a qual “significa que o cidadão não pode ser privado de uma moradia nem impedido de conseguir uma, no que importa a abstenção do Estado e de terceiros”[xv] e uma positiva, que “consiste no direito de obter uma moradia digna e adequada, revelando-se como um direito positivo de caráter prestacional, porque legitima a pretensão do seu titular à realização do direito por via de ação positiva do Estado”[xvi].

Outrossim, os direitos sociais tratam-se de direitos fundamentais[xvii], ou melhor, um direito fundamental de 2ª geração, portanto, possuindo incidência imediata nos termos do art. 5º, § 1º, CF. Deste modo, verifica-se que mesmo sem lei infraconstitucional que venha a regulamentar tais disposições, isto é, que haja uma intervenção legislativa, os direitos sociais, mesmo de cunho programático, já dimanam uma carga eficacial “comuns a todas as normas definidoras de direitos fundamentais, mesmo as que reclamam uma interpositio legislatoris (...)”[xviii], onde, desta maneira,

a) Acarretam a revogação dos atos normativos anteriores e contrários ao conteúdo da norma definidora de direito fundamental e, por via de conseqüência, sua desaplicação, independente de uma declaração de inconstitucionalidade (...) d) Os direitos fundamentais prestacionais de cunho programático constituem parâmetro para a interpretação, integração e aplicação das normas jurídicas (demais normas constitucionais e normas infraconstitucionais), já que contêm princípios, diretrizes e fins que condicionam, a atividade dos órgãos estatais e influenciam, neste sentido, toda a ordem jurídica[xix].

Por outro viés, é inegável que a Lei 8.009/90 pode ser lida com os olhos voltados ao preceituado no texto constitucional, que por conseqüência produzirá, a partir de uma interpretação sistemática, na qual “o sentido da norma é definido a partir de sua inserção no conjunto normativo”[xx]. Não obstante, pela lição de SARLET deve-se haver o respeito pelo sistema jurídico, e se este prevê como norma fundamental, que o direito a moradia encontra-se consagrado, como norma-princípio, deve-se impender que advindo qualquer lei que venha a inibir a eficácia deste direito, deve esta nova lei ser desaplicada, adotando, assim, um critério hermenêutico. Além do mais, na defesa dos direitos fundamentais consagrados na Constituição, em luminares palavras, leciona o professor gaúcho Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, verbis:

Às vezes, mostra-se necessária a correção da lei pelo órgão judicial, com vistas à salvaguarda do predomínio do valor do direito fundamental na espécie em julgamento. Já não se cuida, então, de mera interpretação ‘conforme à Constituição’, mas de correção da própria lei, orientada pelas normas constitucionais e pela primazia de valor de determinados bens jurídicos dela deduzidos, mediante interpretação mais favorável aos direitos fundamentais.[xxi]

Aliás, nesta inserção no conjunto normativo, deve-se reconhecer a dignidade humana (CF art. 1º III), como princípio a “imantar” o sistema jurídico, como observa o professor Ingo Wolfgang Sarlet:

(...) parece-nos já ter restado clarificado ao longo da exposição, que o reconhecimento da condição normativa da dignidade, assumindo de princípio (e até mesmo como regra) constitucional fundamental, não afasta o seu papel como valor fundamental para toda ordem jurídica (e não apenas para esta), mas, pelo contrário, outorga a este valor uma maior pretensão de eficácia e efetividade.[xxii].

Todavia, muito tem se questionado acerca da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, isto é, entre particulares. A pergunta que fica, é de até que ponto os particulares ficariam vinculados aos direitos fundamentais? Em diversos países (como a França e nos EUA) há uma grande restrição, com certos temperamentos, a aplicação imediata dos direitos fundamentais(constitucionais) aos particulares, mas, mesmo assim, há um esforço, particularmente doutrinário, para trazer uma resposta satisfatória para o tema, no que avulta a atividade de ponderação[xxiii], e, a teoria dos princípios, teria larga aplicação.

5. Conseqüentemente, pelo exame das ilações expostas, pode-se concluir que a interpretação que possibilita a penhora do bem de família do devedor em fiança de contrato de locação não é a única. Tal disposição deve ser colocada em contraste com o texto constitucional que preza pelos valores da segurança jurídica, dignidade humana, tratamento isonômico e o direito a moradia. Neste diapasão, considerando inconstitucional a possibilidade de penhora, a Desembargadora (TJRS) Genacéia da Silva Alberton, pelas razões acima alvitradas[xxiv]. Ademais, também comunga desta tese o Desembargador Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, do TJRS, como se verifica no seguinte julgado de sua lavra:

APELAÇÃO CÍVEL LOCAÇÃO. FIANÇA. PENHORA DO ÚNICO IMÓVEL QUE SERVE DE RESIDÊNCIA DO FIADOR. IMPOSSIBILIDADE. São garantias constitucionais fundamentais do cidadão e de sua família o direito de propriedade (CF/88, art. 5°, XXII) e o direito à moradia (CF art. 6°, `caput¿, na redação da EC 26/00), sendo que a Constituição, em sua axiologia, prestigia como valor fundamental a moradia dos cidadãos e de sua família, tanto que no ad. 183 concede o usucapião para quem detenha imóvel urbano nas condições que menciona. A lei deve ser interpretada e aplicada atendendo aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum (LICC, art. 5°), o que certamente não estará sendo atendido se o fiador perder sua residência para atender débitos de aluguéis do afiançado em beneficio do credor que explora economicamente a propriedade imobiliária. Outra deve ser a solução para a viabilização do mercado de locação, seja pelos cuidados do locador ao aceitar o fiador com patrimônio suficiente para a garantia, seja pela definitiva implementação do seguro-fiança. O credor ou locador, ao contratar, deve examinar a situação patrimonial do fiador, pois seu é o risco. Apelação provida. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70001271766, PRIMEIRA CÂMARA ESPECIAL CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: ADÃO SÉRGIO DO NASCIMENTO CASSIANO, JULGADO EM 20/06/2001)[xxv].

Assim sendo, tanto uma como outra tese apresenta argumentos convincentes. Como alhures teve-se a oportunidade de se incidir[xxvi], frisa-se que a segurança jurídica deve ser o substrato primordial de qualquer análise, pois graças a ela é que o Estado de Democrático de Direito subsiste, preservando e dando eficácia (principalmente social) a outros direitos. Por outro lado, remanesce a chamada “análise econômico do direito”, donde se extrai que as decisões jurídicas não são ilhas isoladas, mas sim, sistemas interligados, com repercussões nas diversas estruturas, e que fazem ser necessário uma paciente reflexão[xxvii], como fora alvitrado acima no exemplo dos riscos x oferta do mercado imobiliário. Enfim, é um caminho que deve ser seguido, onde nesta azinhaga, a regra é pela penhorabilidade do bem de família do fiador em contrato de locação. Contudo, neste arrazoado também fica evidenciada a importância da proporcionalidade, no intuito de integrar os diversos valores que se imbricam[xxviii] e que permitem o jurista se debruçar acerca de questões tormentosas e que estão longe de respostas fáceis. Como se referiu Alexy, mutatis mutandis: “vale a regla de precedencia según cual el nivel de las reglas precede al de los principios, a menos que las razones para determinaciones diferentes a las tomadas en el nivel de la reglas sean tan fuertes que también desplacen al principio de la sujeción al texto de la Constitución.” [xxix], portanto, a regra deve ser aplicada, e somente deverá ser considerada inválida no caso concreto, quando num conflito entre esta e um princípio, o segundo somente preponderará quando haja carga argumentação tal, que faça desmerecer a aplicação da regra. Mas, segundo a citação, poder-se-ia argumentar que o princípio em questão tem hierarquia constitucional, e como ficaria a supremacia desta? Não se olvide de que em contraponto ao princípio de que há a proteção ao direito de moradia há outros princípios como o da liberdade e o da livre iniciativa[xxx]. Há um problema ao nível aplicacional das normas, sendo lícito concluir, que a análise do caso concreto é que permitirá sopesar se a norma permissiva da penhora pode ser afastada para dar azo a determinados direitos, mas atentando-se para uma nota característica bem própria, seria a exceção da exceção, pois haveria uma forte carga argumentativa prima facie pela penhorabilidade do bem de família do fiador em contrato de locação, pois as regras de direito civil primam por esta eficácia, podendo ser carreadas (com aporte) segundo outros princípios constitucionais acima mencionados, além de, pode-se ver no enunciado do art. 6º, da CF, que consta o mencionado princípio alvo das discussões, uma certa abstração, que o torna carente (insuficiente de concretização) para uma exigência imediata de um dever prestacional por parte do Estado a intervir nas relações entre particulares.

Notas:

 

 

[i] Como noticia o informativo eletrônico Espaço Vital de 27 de abril de 2005: “Inconstitucionalidade de artigo de lei federal afasta a penhora de imóvel familiar para o pagamento de fiança em locação”; editor Marco Antonio Birnfeld. Endereço eletrônico:

[ii] CC: “Art. 1715. O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio.”

[iii] L. 8.009/90: “Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

I) em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;

II) pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;

III) pelo credor de pensão alimentícia;

IV) para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;

V) para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;

VI) por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória e ressarcimento, indenização ou perdimento de bens;

VII) por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. (Redação dada pela Lei nº 8.245, de 18.10.91).” (grifou-se).

[iv] Aos contratos de locação em que a fiança foi prestada após entrar em vigor a Lei do Bem de Família, no entanto, antes da alteração introduzida pela nova Lei de Locações, o entendimento era de que o bem de família do fiador era impenhorável: “CIVIL. EXECUÇÃO. BEM DE FAMILIA IMPENHORABILIDADE. 1. CELEBRADO O CONTRATO DE LOCAÇÃO NA VIGÊNCIA DA LEI 8.009/1990 QUE ASSEGURA A IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMILIA, E ANTES DO ADVENTO DA LEI 8.245/1991, NÃO PODE O BEM SER OBJETO DE PENHORA, MESMO QUE O ATO DE CONSTRIÇÃO TENHA SIDO EFETUADO NA VIGÊNCIA DESTA ULTIMA. 2. RECURSO PROVIDO PARA ANULAR A PENHORA INCIDENTE SOBRE O IMOVEL. Decisão. POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E LHE DAR PROVIMENTO. (STJ - RESP 142895 - Proc. 1997.00.54752-3 - SP - QUINTA TURMA - Rel. EDSON VIDIGAL - DJ DATA: 23.03.1998, p.141)”. Entretanto, consolida-se o entendimento de que é penhorável a partir da nova Lei de Locações: “PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. PENHORA. BEM DE FAMÍLIA. FIADOR. OBRIGAÇÃO RESULTANTE DE FIANÇA. LEI 8.245/91. 1. É válida a penhora do único bem do garantidor do contrato de locação posto que realizada na vigência da Lei 8.245/91, que introduziu, no seu art. 82, um novo caso de exclusão de impenhorabilidade do bem destinado à moradia da família, ainda sim quando a fiança fora prestada na vigência da Lei 8009/90. 3. Recurso provido. Decisão. Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do Recurso e lhe dar provimento, nos termos do voto do Ministro Relator:. Votaram com o Relator, os Srs. Ministros Félix Fischer, Gilson Dipp, Jorge Scartezzini e José Arnaldo. (STJ - RESP 196452 - Proc. 1998.00.87783-5 - SP - QUINTA TURMA - Rel. EDSON VIDIGAL - DJ DATA: 19.06.2000, p.167) - ainda nesta decisão, o E. rel. Ministro Edson Vidigal consubstancia seu voto citando os REsp  195529/SP e REsp 120806, da respectivas relatorias dos E. Ministros Felix Fischer e Vicente Leal.”.

[v] SICA, Heitor Vitor Mendonça. Questões polêmicas e atuais acerca da fiança locatícia. in A penhora e o bem de família do fiador da locação. coord. José Rogério Cruz e Tucci. São Paulo: RT, 2003. pp. 23/56. Defendendo, também, que o art. 6º, CF, (direito a moradia) por ser norma programática, para que gere efeitos no plano da realidade jurídica, faz-se mister a regulação própria e específica. (CRUZ e TUCCI, José Rogério. Penhora sobre bem do fiador de locação. in A penhora e o bem de família ... pp. 15/19).

[vi] Como denota ÁVILA, Humberto Bergmann. Repensando o “Princípio da supremacia do interesse público sobre o particular”. in O direito público em tempos de crise. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 99 et seq o interesse público não é um valor intangível, como um princípio superior-extremo, mas sim, um valor a ser perseguido, entendido dentro de um sistema inter-relacionado.

[vii] DINIZ, Maria Helena. Lei de locações de imóveis urbanos comentada: (lei n. 8.245, de 18-10-1991). São Paulo: Saraiva, 2003. p. 339.

[viii] Vide: TIMM, Luciano Benetti. Função social do contrato: a “hipercomplexidade” do sistema contratual em uma economia de mercado. in TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito e economia. São Paulo: IOB Thomson, 2005. p. 114.

[ix] ZAVASCKI, Teori Albino. Comentários ao código de processo civil. coord. Ovídio A. Baptista da Silva. 2 ed. São Paulo: RT, 2003. v. VIII. p. 238.

[x] Sustenta Willis Santiago Guerra Filho que a Constituição também possui a natureza de uma lei processual, agasalhando “a fixação de certos modelos de conduta, pela atribuição de direitos, deveres e garantias fundamentais, onde se vai encontrar a orientação para saber a que se objetiva atingir com a organização delineada nas normas de procedimento.” (pp. 20/ 21). A busca dos valores fundamentais requer a intermediação de procedimentos, e estes mesmo aparecem “estabelecidos com respeito àqueles valores.” Daí, o processo aparece, então, como “resposta à exigência de racionalidade, que caracteriza o direito moderno.”. (GUERRA FILHO, Willis Santiago. Direitos fundamentais, processo e princípio da proporcionalidade. in Dos direitos humanos aos direitos fundamentais. Willis Santiago Guerra Filho coord. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 21)

[xi] Vide: MARTINS-COSTA, Judith. A re-significação do princípio da segurança jurídica na relação entre o Estado e os cidadãos: a segurança como crédito de confiança. Revista CEJ 27:110/120.

[xii] ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 104 et seq.

[xiii] GÓES, Gisele Santos Fernandes. Princípio da proporcionalidade no processo civil: o poder de criatividade do juiz e o acesso à justiça. São Paulo: Saraiva, 2004. pp. 129/130. (grifou-se).

[xiv] “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (NR) (Redação dada pela EC 26, de 14.02.2000).

[xv] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 21 ed rev e atual. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 314.

[xvi] idem

[xvii] José Afonso da Silva com fulcro em Pérez Luño. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6º ed. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 151. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2 ed., rev e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 259. Ricardo Lobo Torres apud Genacéia da Silva Alberton. Impenhorabilidade de bem imóvel residencial do fiador. in A penhora e o bem de família ... p. 127.

[xviii] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia ...  p. 272.

[xix] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia... pp. 272/273. (grifou-se).

[xx] CUNHA, José Ricardo. Fundamentos axiológicos da hermenêutica jurídica. in Hermenêutica plural: possibilidades jusfilosóficas em contextos imperfeitos/ organizadores Carlos Eduardo de Abreu Boucault, José Rodrigo Rodrigues. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 328.

[xxi] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O Processo Civil na Perspectiva dos Direitos Fundamentais. in Revista de Processo 113:16. (grifou-se).

[xxii] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2 ed., rev., ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. pp. 75/76. José Afonso da Silva apoiado em Jorge Miranda, ressalta a “função ordenadora dos princípios fundamentais, bem como sua ação imediata, enquanto diretamente aplicáveis ou diretamente capazes de conformarem as relações político constitucionais, aditando, ainda, que a ‘ação imediata dos princípios  consiste, em primeiro lugar, em funcionarem como critérios de interpretação, pois são eles que dão coerência geral ao sistema’”. (SILVA, José Afonso da. Curso ... pp. 95/96.) Também, “É por força dos princípios constitucionais que os sistemas constitucionais alcançam a unidade de sentido e a valoração de sua ordem normativa”, no preenchimento do caso concreto “carente de solução normativa” (FIGUEIREDO, Sylvia Marlene de Castro. A Interpretação Constitucional como “Concretização” ou Método Hermenêutico Concretizante. in  Revista de Direito Constitucional e Internacional 127:16. grifou-se). Cabe o princípio da interpretação das leis em conformidade com a constituição, trazida na lição do insigne prof. J.J. Gomes Canotilho. Entretanto, o princípio referido alcança somente as situações onde exista um espaço de decisão (=espaço de interpretação), nas palavras do prof. luso (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 5 ed. Coimbra: Almedina, 2002. pp. 1212/1213.). Assim, “o elenco do art. 3º da Lei 8.009 comporta por si só interpretação restritiva, exatamente porque expõe exceções à regra geral, que é a da impenhorabilidade do bem destinado à moradia da família. Nessa linha, a ressalva, portanto a penhora, deve prevalecer somente quando, por meio dela, assegura-se um direito de relevância igual ou maior que aquele da moradia, o que se dá diante de crédito alimentar, trabalhista ou, ainda, quando da aquisição de bem com produto de ato ilícito. No caso da locação isso não se verifica, até porque se coloca como credor, na relação obrigacional, alguém que é somente um investidor.” (FORNACIARI JÚNIOR, Clito. O bem de família na execução da fiança. in A penhora e o bem de família ... p. 102. grifou-se).

[xxiii] SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil. in DIDIER JR, Fredie (Org.) Leituras complementares de processo civil. 3 ed. Salavador: JusPODIVM, 2005. p. 205. et seq. Ainda: STEINMETZ, Wilson. Direitos fundamentais e relações entre particulares: anotações sobre a teoria dos imperativos de tutela. Revista de Direito Privado 23:291.

[xxiv] “CONSTITUCIONAL - CIVIL - PROCESSO CIVIL - PENHORA INCIDENTE SOBRE IMÓVEL RESIDENCIAL DE FIADOR EM CONTRATO DE LOCAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - PROVIMENTO DO AGRAVO. 1. Com a promulgação da EC 26, de fevereiro de 2000, que modificou a redação do art. 6º da CF, incluindo a moradia no rol dos direitos sociais, derrogado fciou o inc. VII do art. 3º da Lei 8.009/90, introduzido pelo art. 82 da Lei 8.245/91, daí resultando a impossibilidade de penhora destinado à residência do fiador. 2. Agravo improvido. (TJDF, 4Tª T. Civ. AgIn 2000.00.2.003055-7, Rel. Des. Estevam Maia)” in (ALBERTON, Genacéia da Silva. Impenhorabilidade de bem imóvel residencial do fiador. in A penhora e o bem de família ... p. 128.) Sobre o atentado ao princípio da isonomia perscruta-se por que o locatário não sofre a constrição sobre o seu bem de família, enquanto sobre o seu fiador, o ordenamento permite?

[xxv] No mesmo sentido: “AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 70000649350, PRIMEIRA CÂMARA ESPECIAL CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: ADÃO SÉRGIO DO NASCIMENTO CASSIANO, JULGADO EM 28/03/2000”.

[xxvi] MATTE, Fabiano Tacachi; DRESCH, Rafael de Freitas Valle. Primeiras linhas sobre a segurança jurídica. Jus Vigilantibus, Vitória, 18 nov. 2004. Disponível em: .

[xxvii] Sobre a influência e inter conexão entre direito e economia, vide a importante obra: Timm, Luciano Benetti (org.). Direito e Economia. São Paulo: IOB, 2005.

[xxviii] Bobbio já se reportava a esta complexidade: “A dificuldade da escolha se resolve com a introdução dos limites à extensão de um dos dois direitos, de modo que seja em parte salvaguardado também o outro” (BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 20). Aí é que mora a dificuldade.

[xxix] ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002. p. 135.

[xxx] Como bem talhado por: ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002. p. 506 et seq.

 

Como citar o texto:

MATTE, Fabiano Tacachi..A impenhorabilidade do bem de família do fiador em contrato de locação - reflexões. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 155. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-civil/924/a-impenhorabilidade-bem-familia-fiador-contrato-locacao-reflexoes. Acesso em 5 dez. 2005.

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