INTRODUÇÃO. 1. O Código de defesa do consumidor e sua aplicação nas incorporações imobiliárias. 2. O registro de imóveis e o tabelionato – distinções práticas. 3. A obrigatoriedade do registro da incorporação. 4. Problemas como hipoteca do terreno ou penhoras judiciais. 5. Uma incorporação registrada permite ao comprador verificar a metragem do bem em consonância com a planta aprovada e no memorial descritivo a qualidade do que compra. 6. Incorporação não-registrada e incorporação irregular. 7. O contrato preliminar de compra e venda. 8. Compromisso e o direito à adjudicação compulsória. 9. A promessa de compra – a importância do registro. 10. A publicidade de uma incorporação – os cuidados. 11. A pesquisa na hora de comprar – negativas fiscais, cíveis, penais, falenciais e trabalhistas. 12. Responsabilidade do estado. 13.Responsabilidade criminal do incorporador e demais envolvidos no empreendimento. BREVE CONCLUSÃO.

INTRODUÇÃO

O mercado imobiliário movimenta as esperanças e expectativas das pessoas. Alguns em realizar o sonho da casa própria, outros em investimentos nessa área.

Geralmente os imóveis são comprados na “planta” mediante anúncios onde há uma foto digital montada do que será o futuro prédio ou condomínio horizontal, como se tudo fosse funcionar perfeitamente – há, inclusive, uma amostra do apartamento decorado no plantão de vendas[1]. Ou já em fase de construção, pode ser adiantada, quase pronto o prédio ou condomínio horizontal de casas. Todavia, os conselhos aqui valem a todas as situações.

Enfim, essa prática chama-se incorporação imobiliária.

Tal sistema de operação, como dito, denomina-se incorporação imobiliária, regido por leis específicas: Lei 4591/64 (Lei dos condomínios e incorporações imobiliárias) e Lei 8078/90 (Código de defesa do consumidor). Além de outras pertinentes (Lei dos Registros Públicos, Leis previdenciárias (para possibilitar a transmissão do bem), etc.

O sistema legal prevê inúmeras situações e regimes para a incorporação. Diuturnamente, muito alterado pelos costumes, não segue à risca o que a norma de regência previu. O costume se sobrepôs ao direito, o que trás à calha diversos problemas ao que já se denomina promitente-comprador.

O objetivo do artigo é alcançar alguns cuidados que o consumidor deve ter nessas transações. Portanto, será simples e direto, resguardando os aspectos jurídicos e acadêmicos obrigatórios, com fito de ser um pequeno “manual”. Não adentraremos a alguns institutos ou aprofundamentos (afetação, Comissão de Compradores, etc) deixando os mesmos para obra específica (minha dissertação de mestrado foi “As incorporações no cenário brasileiro” a ser atualizada e possivelmente publicada, constando todas as situações para o incorporador como para o comprador).

A sistemática será paulatinamente demonstrar primeiramente alguns fatos ao leitor, após adentrando à seara das incorporações e seus aspectos.

1. O Código de defesa do consumidor e sua aplicação nas incorporações imobiliárias

Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, primeiramente, tem-se de enfrentar se o mesmo aplica-se nos contratos de incorporação. O problema é tratado por Humberto Theodoro Júnior:

De fato, não há razão séria para não incluir as operações de aquisição de bens imóveis no âmbito tutelar da legislação de consumo. Demonstra Sérgio Cavalieri Filho uma série de razões, de inteira procedência, para ter-se a negociação, na espécie, como uma relação relativa à "circulação de produtos e serviços entre fornecedor e consumidor", nos exatos moldes daquela que o Código do Consumidor regula (art. 30). Com efeito, quando o construtor edifica e vende a unidade, assume obrigação de dar coisa certa, o que configura o produto, de que cogita o CDC. E quando o ajuste é relativo à construção, retrata empreitada ou administração, o que corresponde a obrigação de fazer, ou seja, prestação de serviço, tal como se prevê no CDC. Por outro lado, quem negocia o imóvel para nele estabelecer a moradia própria e da família, apresenta-se como destinatário final, ou seja, como consumidor. Além de tudo isto, o art. 12 do CDC, ao cuidar da reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem etc., refere-se expressamente ao construtor; e o art. 53, ao vedar a cláusula de decaimento - perda total das prestações pagas em caso de rescisão - menciona os contratos de compra e venda de imóveis.[2]

Portanto, interpretação dos contratos de incorporação, não se pode vê-lo isoladamente na Lei 4591/64, mas em conjunto com a Lei 8078/90. O problema fica nos limites em que a aplicação do Código de Defesa do Consumidor haverá de ser efetuada nos contratos de incorporação. Entende-se que é restrito à publicidade e às cláusulas do contrato, não inteiramente sobre o negócio jurídico – contrato integral como fonte de obrigação[3], razão pela qual há possibilidade de controle de cláusulas abusivas.

O Código de Defesa do Consumidor perfeitamente aplicável às relações incorporativas[4], o que implica uma gama de situações que envolvem inclusive o Poder Público no controle da regularidade ou não da urbanização, uma vez que prevê, em seu Art. 4º, o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

1.         reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

2.         ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor e

3.         presença do Estado no mercado de consumo.

No artigo 55 da Lei 8078/90, encontra-se a competência concorrente da administração indireta na fiscalização de produtos ou serviços que atinjam determinada coletividade[5]. Ou interesses coletivos, como àqueles perseguidos por meio dos processos associativos, conatural ao homem (família, cooperação profissional, empresa sindicato)[6].

2. O registro de imóveis e o tabelionato – distinções práticas.

O registro de imóveis é o local onde está a matrícula do bem, lá consta todo o histórico do terreno, das unidades e se houve registro da incorporação – obrigatório como veremos a seguir. Os registros de imóveis são divididos por zonas do local do imóvel. Saber qual o Registro de Imóveis competente é de suma importância para evitar peregrinações na investigação se há ou não incorporação registrada e gravames sobre o terreno ou unidades.

Uma visão da matrícula é simples, cada registro vem acompanhado da letra R, assim podemos ver R1, R2, etc. As averbações AV1,AV2. Apesar de nomes distintos na prática não há muita diferença. O que vale é ler cada alteração, como exemplo; “AV2. O imóvel da matrícula x foi hipotecado no valor de R$ em favor do Banco y”.

Já os Tabelionatos são vários, são prestadores de serviços (de protestos de títulos, realização de escrituras, reconhecimento de assinaturas, etc – cada qual tabelionato é nominado pela sua função).

A importância no reconhecimento da assinatura ou firma é que há dois tipos:

a)      por semelhança e

b)      por autenticidade.

Por semelhança é quando já foram “colhidas” várias amostras de assinaturas (rubricas) de uma pessoa ou representante de pessoa jurídica. Por autenticidade a pessoa ou representante de pessoa jurídica deve estar lá, presente ao ato, o que faz uma maior estabilidade e segurança. Surge a pergunta como diferenciá-las?

Simples.

Logo acima da assinatura há um carimbo com seta dizendo o Tabelionato e a forma em que foi feito o reconhecimento.

Mais adiante veremos a importância da distinção e a necessidade de exigência do reconhecimento por autenticidade.

3. A obrigatoriedade do registro da incorporação.

Diz o artigo 32 da Lei 4591/65:

“Art. 32. O incorporador somente poderá negociar sobre unidades autônomas após ter arquivado, no cartório competente de registro de imóveis, os seguintes documentos:”

A Lei 4591/65 define incorporação imobiliária como “a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações, ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas”.[7]

Também se pode partir de uma análise econômica da incorporação. “Economicamente, a incorporação é um empreendimento que visa obter, pela venda antecipada dos apartamentos, o capital necessário para a construção do prédio[8] (sem grifo no original), ou melhor, a constituição de um condomínio edilício.

O registro da incorporação antes de qualquer ato de comércio das unidades é obrigatório[9], consoante disposição expressa do artigo 32 da Lei 4591/65, a qual é norma cogente.

Finalizada a obra, o incorporador terá de providenciar a baixa da construção (habite-se) e também a quitação previdenciária da obra. De regra, só poderia a partir daí abrir as unidades autônomas, pois os contratos estão averbados à margem da matrícula (chamada no jargão de “matrícula-mãe”) onde foi registrada a incorporação.

O que pode não acontecer na prática, o registrador, a pedido do incorporador, abre matrículas sobre unidades ainda nem iniciadas – fato comum nos ofícios, possibilitando ao adquirente o registro imediato de sua unidade sem o ônus da abertura da matrícula, eis que tudo corre por conta do incorporador – salvo o registro da promessa.

4. Problemas como hipoteca do terreno ou penhoras judiciais

Outro cuidado e requisitar uma matrícula atualizada do imóvel onde está localizado o prédio em construção para verificar se não há gravames como penhoras judiciais ou hipoteca. Diga-se de passagem que uma coisa é o terreno onde está o prédio, outra é a unidade (apartamento ou casa). Pode ocorrer que o terreno esteja em débito fiscal municipal territorial, enquanto na matrícula do imóvel já individualizado nada conste. Simplificando: mostram a matrícula do apartamento livre de ônus sem mostrar do terreno, com pendengas fiscais, penhoras judiciais, etc.

Cumpre ainda tratar-se da hipoteca. Para Francisco Arnaldo Schmidt:

A hipoteca, em princípio, não é impeditiva do registro da incorporação, principalmente naqueles casos em que ela é constituída em favor da agente financeiro para garantia de empréstimo para execução da obra, mas duas precauções devem ser observadas: a anuência do credor hipotecário ao registro pleiteado mediante assinatura no memorial da incorporação; e a ciência por parte do adquirente e interessados do gravame existente, que deverá ser expressamente mencionado em contratos, propostas e demais papéis pertinentes ao empreendimento.

Se a hipoteca do terreno for constituída após o registro da incorporação, tendo já havido vendas de unidades, com contratos registrados ou não, deverá o incorporador obter a concordância de todos os adquirentes, sob pena de se considerar de má-fé e sujeitar-se à ação penal cabível.[10]

Ainda sobre a hipoteca, é comum que no início da incorporação já seja requisitada a individualização de cada unidade. Mais simples: são abertas tantas matrículas de acordo com o memorial da obra a ser construída.[11] Se a hipoteca não estiver sobre o terreno, como falamos antes, é normal que o incorporador ofereça uma unidade do prédio quase finalizado para obter recursos na finalização da obra. Logo, por cuidado imprescindível é importante requisitar cópia das duas matrículas: do terreno onde está o condomínio e da unidade a ser adquirida.

No momento da escritura definitiva NUNCA deixem colocarem que o consumidor dispensa as NEGATIVAS MUNICIPAIS. SEMPRE faça uma escritura requerendo que esteja acompanhada de TODAS as negativas fiscais.

Sobre a penhora do terreno, se esta ocorrer após a lavratura das escrituras de compra e venda das unidades, nenhum problema existe, mesmo sem o respectivo registro. O fundamento será tratado adiante.

Outra situação é se antes do empreendimento, o terreno estiver penhorado, tal ato constritivo impediria o registro incorporativo? Entende-se que não é impeditivo, desde que seja dada ciência ao comprador da restrição e consoante artigo 42 do CPC: “Art. 42. A alienação da coisa ou do direito litigioso, a título particular, por ato entre vivos, não altera a legitimidade das partes”.

Para a proteção da parte contrária a sentença proferida no processo estende os seus efeitos ao adquirente da coisa ou do cessionário do direito[12], o qual, processualmente, teria legitimação extraordinária[13].

Ainda mais se sobre tal execução pender embargos. O risco é que julgados improcedentes os adquirentes, cientes, terão de subrogar-se na dívida do incorporador ou proprietário do terreno, pagando ao vencedor. Ou seja, não vale arriscar-se numa situação destas.

5. Uma incorporação registrada permite ao comprador verificar a metragem do bem em consonância com a planta aprovada e no memorial descritivo a qualidade do que compra.

Aqui se têm os projetos aprovados e carimbados pela autoridade competente, com respectiva validade dos mesmos. São plantas que sofrem apreciação da municipalidade, em Porto Alegre, pelos engenheiros da SMOV, com o fito de serem verificados inúmeros aspectos, dentre eles se o projeto encontra-se em consonância ao Plano Diretor, razão pela qual é bom tê-lo de acordo com o município onde irá ser realizada a incorporação.

O projeto que cuida a lei é o arquitetônico, apresentado em duas vias autenticadas pela Prefeitura Municipal, ou uma autenticada pela Prefeitura e outra idêntica, pelo profissional responsável e pelo incorporador, com as firmas reconhecidas, acompanhadas do licenciamento da obra e da Anotação de Responsabilidade técnica (ART) do CREA.

A primeira cautela em relação ao projeto aprovado, é verificar se há coincidência entre as medidas e a forma geométrica do terreno constantes do título de propriedade, com as consignadas na planta de situação e localização. É muito comum haver divergências, principalmente quando o terreno está situado em zonas antigas das cidades que foram ocupadas desordenadamente e, também, em função da ancianidade dos títulos de propriedade, carentes dos requisitos da moderna legislação registraria.[14]

Segundo Bruno Mattos e Silva:

O projeto de construção deverá fazer parte do contrato. Assim, o que o comprador irá adquirir é aquilo que consta do projeto. É interessante verificar, assim, se a planta aprovada pela prefeitura e registrada no cartório imobiliário é a mesma que consta dos folhetos, propagandas e anexos do contrato. Nele deverá constar o número do alvará, relativo à aprovação do projeto na prefeitura.[15]

Sem autorização do município, nenhum registro do projeto será realizado, eis a importância do princípio da vinculação do projeto ao contrato, pois poderia ocorrer de um determinado projeto suntuoso visualmente avançar nos recuos de calçada e, após a venda das unidades frontais, o projeto ser rejeitado pela Municipalidade, dessa forma, impedindo a construção do que prometido, o que somente se resolveria em perdas e danos. Ou se já construído um inferno para conseguir o “habite-se”.

Assim para evitar flagrantes diferenças ou promessas falsas, foi de bom alvitre a previsão feita pelo legislador, exatamente porque nem mesmo as plantas aprovadas garantem com exata precisão melimétrica do que se está comprando.

Na hipótese de disparidade, simples retificação solverá o impasse, o que interessa é que a aprovação das plantas seja dada pela Municipalidade de acordo com o plano diretor e com o vencimento ainda em vigor, então, outra observação deve ser feita: a da validade e adequação das aprovações.

Francisco Schimdt lembra outro aspecto que merece muito cuidado sobre os espaços-estacionamentos, os quais podem dar-se de três forma:

1) em área construída especialmente a eles;

2) sob pilotis (colunas do prédio) e

3) em área aberta.

O referido autor menciona que estes espaços são merecedores de planta a ser aprovada pela municipalidade e deve ser evitado que a matéria só venha a ser versada em ata condominial[16], ficando, nesta situação, tal espaço pro indiviso, objeto de intrigas e rusgas pela disputa da melhor posição ou de cobertura abaixo do prédio, o que faria uma unidade ter por acordo condominial variação de seu preço. Há um costume solerte de o incorporador realizar ele mesmo a Ata condominial determinando vantagens aos imóveis que possam ser seus ao final da obra. É um documento feito com as unidades e uma Assembléia, desculpem o termo, fajuta, com a assinatura somente de um proprietário aprovando tal Ata condominial.

Enfim, a lei fala que para o registro deve estar: “e) cálculo das áreas das edificações discriminando, além da global, a das partes comuns, e indicando cada tipo de unidade respectiva metragem da área construída”.

O artigo 53 da lei 5491/64 remeteu poderes à Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) para emitir normas sobre o padrão dos prédios e os critérios de cálculo das edificações.

A IMPORTÂNCIA DO MEMORIAL DESCRITIVO está na discriminação da qualidade da obra, no tipo de material a ser utilizado, vindo a integrar o contrato a ser celebrado[17]. Por exemplo, a alínea b), do § 1° do artigo 53, que refere:

Art. 53.

§ 1° - omissis

b) o padrão da construção (baixo, normal, alto), tendo em conta as condições de acabamento, a qualidade dos materiais empregados, os equipamentos, o número de elevadores e as inovações de conforto (sem grifo no original).

Este é o instrumento fundamental da instituição de condomínio. Ali serão classificadas as partes, identificado o empreendimento, descritas as unidades autônomas e indicadas as áreas e coisas de uso comum.[18]

Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, não será somente o memorial que irá compor a promessa de compra da unidade, mas também as promessas feitas através de anúncios, consoante explicita o artigo 30 da Lei 8078/90.

6. Incorporação não-registrada e incorporação irregular

Já se explicou que o registro prévio da incorporação é conditio sine qua non para a comercialização das unidades. Cuida-se de norma cogente que possui sanção prevista no artigo 66 da Lei 4591/65, punida como contravenção relativa à economia popular.

A incorporação não registrada gera dois direitos ao adquirente: de exigir o registro ou a resolução do contrato[19] com a devolução das parcelas corrigidas.

A incorporação irregular difere da incorporação não-registrada; esta não tem subsistência no suporte fático capaz de validar o contrato, aquela pode dar-se por falta de registro de algum documento ou quando já expirou o prazo do registro, fato que também dá o condão do comprador pleitear a resolução do contrato.[20]

Mas por força do parágrafo único do artigo 29, a incorporação irregular é regida pela Lei 4591/64:

Art. 29.

Parágrafo único. Presume-se a vinculação entre a alienação das frações do terreno e o negócio de construção, se, ao ser contratada a venda, ou promessa de venda ou de cessão das frações de terreno, já houver sido aprovado e estiver em vigor, ou pender de aprovação de autoridade administrativa, o respectivo projeto de construção.

Então, a diferença está que na incorporação irregular não houve inação por parte do incorporador, por algum motivo não pôde ser registrada, recebendo um protocolo do Registro de Imóveis que lhe assegura e aos promitentes-compradores a regência da Lei 4591/64.

Não estando os documentos na ordem desejada pela lei, ou em desagrado fundamentado do registrador de imóveis possíveis complicações, pela sua vasta responsabilidade, surge a impugnação, que constitui uma simples minuta dos documentos faltantes ou irregulares a ser entregue ao incorporador para suprimento dos pontos ali elencados.

Num primeiro momento, o registrador teria um prazo de 15 dias para a verificação dos documentos, sendo que com a LRP é de entendimento de que o prazo foi ampliado para 30 dias por força do artigo 188 da Lei de Registros Públicos.

A impugnação apresenta-se de forma sucinta, em papel timbrado do Ofício onde são arrolados os documentos faltantes ou àqueles irregulares. Nada impede que o ato da impugnação do registro de imóveis seja minucioso e justificado para evitar um futuro litígio. Há a possibilidade de nova impugnação por desatendimento a algum dos pedidos registrais, sendo de praxe, para a mantença do protocolo do registro de incorporação, que o incorporador atenda alguns itens, deixando para a nova impugnação o atendimento dos demais, protelando e renovando o prazo de 30 dias. Também não é raro, após atendidos todos os itens da impugnação registral, uma nova impugnação com novos elementos que antes não foram devidamente verificados pelo Registro de Imóveis, o que, para o entendimento captado, se causar prejuízo ao incorporador, terá este direito à reparação civil frente ao Ofício de Registro de Imóveis.

7. O contrato preliminar de compra e venda

Faz-se interessante frisar que o artigo 462 do CCB traz a nomenclatura contrato preliminar. Enquanto que no artigo 1417 utiliza o termo promessa de compra e venda. Jonas Figueiredo Alves explica que “a promessa de compra e venda é exemplo do contrato preliminar mais freqüente”.[21]

Orlando Gomes explica sobre o contrato preliminar da compra e venda:

O contrato preliminar de compra e venda gera, para ambas as partes, a obrigação de contrair o contrato definitivo. Contém, implicitamente, a faculdade de arrependimento, assim entendida, em sentido amplo, a de submeter-se a parte inadimplente às conseqüências normais da inexecução culposa de um contrato. A rigor, a parte que se recuse a concluir o contrato definitivo não está a usar, propriamente falando, de uma faculdade de se arrepender, salvo se estipulou arras penitenciais[22]. A recusa de contratar é inadimplemento da obrigação assumida no pré-contrato, sujeitando o devedor inadimplente a indenizar a outra parte nos danos que lhe causou com a inexecução.[23]

Entretanto, a execução da promessa irrevogável de venda efetiva-se de dois modos: 1º pelo contrato de compra e venda; 2º pela sentença de adjudicação compulsória.

O contrato de incorporação é nominado, formal, sinalagmático e complexo. Nominado, pois possuem denominação própria, estando previstos e regulados por norma jurídica, formando espécies definidas[24].

Formal, pois para seu nascimento são necessários os registros do empreendimento e das propostas, pré-contratos ou promessas de compra a serem averbadas à margem da matrícula.

Sinalagmático, eis que gera inúmeras prestações de fazer ao incorporador, enquanto que ao comprador surge o dever de estar sempre em dia com as suas parcelas. Ou seja, “à prestação corresponde uma contraprestação”[25] que culminará com a entrega da unidade. Nos contratos sinalagmáticos ou bilaterais, há implícita uma cláusula resolutiva na hipótese de descumprimento[26].

Complexo, pois relaciona-se com direitos e obrigações entre as partes figurantes, na assinatura do contrato definitivo até a formulação e registro da convenção de condomínio.

Como explica Orlando Gomes:

A incorporação abrange distintos atos jurídicos que podem ser objeto de contratos diversos: compra e venda ou promessa de venda e coisa comum e de coisa privativa, construção de edifício ou de uni conjunto de edificações, instituição de condo­mínio especial. Todos eles se reúnem num só instrumento para um só fim. Tem-se indagado, entretanto, se são contratos coligados ou contrato único. Se constituem uma união de contratos, pergunta-se se a coligação é meramente instrumental ou com dependência unilateral. No primeiro caso o contrato de venda ou promessa de venda da fração ideal do terreno estaria unido ao de in­corporação stricto sensu simplesmente porque lavrados no mesmo instrumento. No segundo caso, tanto o de construção como o de instituição do condomínio estariam, sem se fundirem, conservando a própria individualidade e formando uma unidade econômica, dependentes do contrato de alienação da fração ideal do terreno. Tratar-se-ia de uma união com dependência unilateral, tanto mais evidente quando a vinculação entre as frações de terreno e o negócio de cons­trução é estabelecida na lei em termos que não deixam dúvida quanto à impos­sibilidade de ser dono de uma unidade autônoma sem ser condômino de terreno sobre o qual se elevou a edificação. Não estaria fora de cogitação o enquadra­mento, na categoria das uniões autônomas, se em consideração se levar que o de venda da fração ideal do terreno dependeria, do mesmo modo, dos dois ou­tros, tendo em vista que se desfaz se eles não forem executados. A verdade é, porém, que se trata de prestações típicas de três contratos, unificadas por uma causa típica. Essas prestações não perdem a individualidade mas se fundem numa unidade complexa que adquire tipicidade ao ser definida, nomeada e disciplinada na lei.[27]

Que caráter possui tal instrumento? Pessoal ou real? Arnoldo Wald sustenta que o contrato de compra e venda como um direito real ad rem – direito de adquirir a coisa, ou seja, de incluir o imóvel no seu patrimônio[28]. Não é pessoal o seu caráter porque pode ser levado a registro, criando uma situação erga omnes que é afeita aos direitos reais, eis que surgem sujeitos passivos indeterminados e o adquirente, como dantes dito, tem em seu acervo patrimonial o futuro imóvel a ser construído ou já pronto. O Código Civil dirimiu a dúvida, considerando um direito real no artigo 1225, inciso VII. Mas como tem-se sob a lei dispondo ser um direito real, disciplinaria o artigo 108 do Código Civil:

Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente do País.

Todavia a possibilidade do negócio iniciar por escrito particular tem nascedouro no Dec.-Lei 58/37, quando a lei 649, de 11.3.1949, substituiu no artigo 22 do referido diploma a expressão ‘escritura’ pela palavra genérica ‘contrato’, DISPENSANDO A FORMA PÚBLICA E DANDO ESPAÇO À PARTICULAR.

Corriqueiramente as promessas de compra e venda são extremamente mal-formuladas pelo incorporador, dentre um dos defeitos mais comuns é a individualização perfeita da unidade adquirida, veja-se o artigo 225 da Lei de Registros Públicos:

Art. 225. Os tabeliões, escrivães e juízes farão com que, nas escrituras e nos autos judiciais, as partes indiquem, com precisão, os característicos, as confrontações e as localizações dos imóveis, mencionando os nomes dos confrontantes e, ainda, quando se tratar só de terreno, se esse fica do lado par ou do lado ímpar do logradouro, em que quadra e a que distância métrica da edificação ou da esquina mais próxima, exigindo dos interessados certidão do registro imobiliário.

§ 1º. As mesmas minúcias, com relação à caracterização do imóvel, devem constar dos instrumentos particulares apresentados em cartório para registro (sem grifo no original).

Então, a promessa de compra e venda deve ter o objeto (imóvel) perfeitamente descrito de acordo com o arigo 225 da Lei de Registros Públicos. Uma exigência que o consumidor deve fazer para evitar futuras “dores de cabeça”.

Outro problema, já normal, é a falta de reconhecimento de firma dos figurantes nos ajustes nos contratos, lembrando que TAL RECONHECIMENTO PARA EFEITOS DE REGISTRO DEVE SER FEITO POR AUTENTICIDADE – perante o tabelião ou seu delegado. Mas o que é mais grave é que na prática diuturna os contratos particulares são impugnados no balcão dos registros de imóveis, o que fere de morte disposição expressa do artigo 12 da Lei 6015/73:

“Art. 12. Nenhuma exigência fiscal, ou dúvida, obstará a apresentação de um título e o seu lançamento do Protocolo com o respectivo número de ordem, nos casos em que da precedência decorra prioridade de direitos para o apresentante (sem grifo no original).

A prenotação do registro é, em alguns casos, de essencial importância, cometendo o servidor que faz análise no balcão e posterior prejuízo ao adquirente responsabilidade objetiva em desfavor do Registro de Imóveis competente, sob auspício do § 6°, artigo 37 da Constituição Federal de 1988.

A vexata quaestio fica com o Código Civil e a redação dada no artigo 1417:

Art. 1417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel (sem grifo no original).

Assim indaga-se: se não houver registro por falta de requisito formal do contrato, o adquirente poderá ter o exercício de direito real de seqüela ou a possibilidade de embargos de terceiro?

Aqui se analisa a redação do artigo 463 em duas feições: na possessória e na contratual. Eis que adiante destaca-se o registro do pré-contrato “inscrito no registro competente, terá ele validade irretratável, conseqüentemente, qualquer do contraentes poderá exigir a celebração do contrato definitivo prometido”[29].

Não é pouco comum que por decorrência de dívida do incorporador um promitente veja sua unidade penhorada. Mais longe ainda, muitas vezes, tal unidade não houve, por inação do comprador, ou irregularidade na formulação da promessa, o respectivo registro que garantisse oposição a terceiros.

Tal enlance foi solvido pela substituição da Súmula 621 do STF (que não permitia o manejo de embargos de terceiro) pela Súmula 84 do STJ:

“SÚMULA Nº 84

É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro

Acontece que o Código Civil traz redação que merece alguns apontes[30]. Desobedecidos os requisitos do artigo 225 da LRP e de lege lata, intertemporalmente interpretando, o adquirente ainda teria o direito do manejo dos embargos de terceiro pela falta do registro competente?

O legislador, ao exigir o registro da promessa, não entrou no campo da turbação de direitos[31], eis que o Código de Processo Civil traz a seguinte redação:

Art. 926. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado no de esbulho.

Art. 927. Incumbe ao autor provar:

I - a sua posse;

II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;

III - a data da turbação ou do esbulho;

IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração.

Entrementes nas cartas-propostas, o registro não pode apurar o aspecto formal, pois o § 4º do artigo 35 regula a matéria de forma especial.

8. Compromisso e o direito à adjudicação compulsória

Diz o artigo 32, parágrafo segundo da lei 4591/64:

"Art. 32. ................... ................................. ............................... ............................. ..................................... ................................

 

§ 2º Os contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas são irretratáveis e, uma vez registrados, conferem direito real oponível a terceiros, atribuindo direito a adjudicação compulsória perante o incorporador ou a quem o suceder, inclusive na hipótese de insolvência posterior ao término da obra.

Se por algum motivo o incorporador não quiser assinar o contrato de compra e venda do imóvel, surgem quatro opções ao comprador:

a) pedido cominatório;

b) pedido de adjudicação compulsória;

c) pedido de execução de obrigação de fazer; e

d) pedido de perdas e danos.

O foco que interessa aqui é o item b) pedido de adjudicação compulsória, por razões a seguir expostas.

Adjudicar significa:

A adjudicação (adiucicatio) – é aquela parte em que se autoriza ao juiz a outorgar alguma coisa ao litigante, geralmente a qualidade de proprietário e se expressa na fórmula com estas palavras: “Que o juiz adjudique a Tício ‘cuanto deba adjudicar-se’.[32]

A adjudicação consiste, como ensina Moacyr Amaral dos Santos:

Desde que o devedor, em pré-contrato, ou mesmo em promessa de vontade unilateral, assuma a obrigação de emitir uma declaração de vontade, e a isso deixe de fazer ou se recuse a fazê-lo, poderá o credor acioná-lo para pagamento das perdas e danos correspondentes ao inadimplemento da obrigação, que é de fazer, ou, sendo possível, acioná-lo com pedido de que a sentença emita uma declaração de vontade por aquele não emitida, produzindo todos os efeitos como se esta fosse.[33]

Os fundamentos legais para ação de adjudicação compulsória encontram-se nos artigos 639 e 641 do CPC:

Art. 639. Se aquele que se comprometeu a concluir um contrato não cumprir a obrigação, a outra parte, sendo isso possível e não excluído pelo título, poderá obter uma sentença que produza o mesmo efeito do contrato a ser firmado.

Art. 641. Condenado o devedor a emitir declaração de vontade, a sentença, uma vez transitada em julgado, produzirá todos os efeitos da declaração não emitida[34].

A sentença produz a vontade não emitida pelo contratante é preponderantemente constitutiva, apesar de condenatória[35]. De interesse especial ao credor prejudicado que a sentença procedente de adjudicação não faz coisa julgada para futura ação de perdas e danos no período entre o inadimplemento e o trânsito em julgado da sentença[36].

O direito de adjudicação não está condicionado ao registro[37], também dispensável a celebração por instrumento público e mesmo da outorga uxória da mulher que firmou o pacto[38].

Em primeiro lugar, o CCB deve ser interpretado em sintonia com o CODECON caso tratar-se de uma relação de consumo, ao prumo do artigo 84 do Diploma Consumerista (o qual inspirou a redação do artigo 461 do CPC):

Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o Juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

§ 1º. A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.

Já explicamos que o registro da promessa é uma das coisas mais difíceis nas relações incorporativas por irregularidades na formulação destes pré-contratos ou por falta, apenas, do reconhecimento da assinatura por autenticidade dos figurantes. O novo sistema traria, então, um empecilho à parte mais hipossuficiente?

A doutrina apresenta-se pacífica em relação ao novel dispositivo material no tocante ao registro do pré-contrato na defesa dos interesses do adquirente[39], como explica Jones Figueiredo Alves:

A jurisprudência vem admitindo a promessa de compra e venda imobiliária, geratriz de efeitos obrigacionais, não requerer, para sua plena eficácia e validade, a sua inscrição no Registro de Imóveis (Súmula 239 do STJ, de 28-6-2000: “O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”).[40]

A segunda é a lição dada por Humberto Theodoro Júnior:

Coerente com essa moderna execução forçada dos pré-contratos, o Dec.-Lei n0 58/37 atribuiu ao promissário comprador ação de adjudicação compulsória para obter a definitiva transferência do imóvel compromissado à venda, se o promitente vendedor incorrer em inadimplemento.

Surgiu, no entanto, a objeção de que a ação de adjudicação compulsória, segundo as leis que regulam o compromisso de compra e venda, estaria sempre condicionada a um pré-contrato devidamente formalizado e inscrito no Registro Imobiliário (STF, Súmula n0 167), o que excluiria a execução prevista no art. 639 do CPC para a hipótese de a promessa não se achar registrada.

Influenciados pela radical jurisprudência da Suprema Corte, nós mesmos chegamos a escrever que o art. 639 só se aplicaria aos compromissos de compra e venda de imóveis devidamente inscritos no Registro de Imóveis (Comentários ao Código de Processo Civil, Rio, Forense, 1978, vol. IV, n0 247/9, n0 323/9), equívoco de que hoje nos penitenciamos, como adiante se verá.

3. O verdadeiro alcance da execução forçada das obrigações de contratar

A evolução geral do conceito de execução específica chegou às obrigações de contratar (espécie de obrigação de fazer) com a mesma amplitude registrada em matéria de obrigações de dar. Não há qualquer preocupação, a priori com a existência ou não para o credor de um direito real.

É certo que algumas leis, com fito de proteger o promissário-comprador, criaram em seu favor um direito real de aquisição, oponível erga omnes, desde que a promessa de contratar seja inscrita no Registro de Imóveis.

Evidentemente, não é esse direito real o fundamento da execução específica entre as partes. O art. 641 do CPC, ao cuidar do tema, assegura que a sentença que condena o réu a prestar a declaração de vontade produzirá, por si só, o mesmo efeito daquela a que se obrigara o devedor. Nada há na regulamentação legal da execução forçada que subordine o cumprimento desse tipo de pré-contrato a um direito real.

Diz o CPC, em seu art. 639, que, sendo isso possível, a sentença condenará à declaração de vontade; e isto, às vezes, tem sido interpretado como limitativo da execução forçada específica apenas aos compromissos de compra e venda a que a lei de loteamentos assegura a adjudicação compulsória, que são justamente aqueles inscritos no Registro de Imóveis, para eficácia erga omnes. Sem o registro, portanto, entendia o STF que o promissário comprador teria de conten­tar-se com perdas e danos (RTJ 117/384).

Acontece que não se deveria confudir a ação real de adjudicação compul­sória com a ação comum de execução especifica de declaração de vontade. Se é certo que a adjudicação compulsória se faz pelas vias da execução específica, isto não exclui, necessariamente, a aplicação desse tipo de procedimento também para execução de declarações de vontade devidas por vínculos puramente obrigacio­nais.

(...)

O instituto da execução específica, na matéria, foi concebido, desde suas origens, sem qualquer subordinação ao direito real.

Seu pressuposto sempre foi o fato de que a prestação de consentimento para qualquer contrato definitivo é uma prestação fungível, porque, no caso de recusa do devedor, pode-se alcançar o mesmo efeito da declaração privada de vontade por meio de um provimento do juiz, uma vez que o devedor tenha se obrigado a prestá-la.[41]

A adjudicação decorre de contrato, contrato preliminar, pactum de contrahendo. A sentença tem natureza condenatória, mas é no processo de execução que se realizam os efeitos do ato: assinação do prazo para cumprir a condenação e, na falta, expedição do mandado para inscrição da sentença em registro público[42].

Entre a pecúnia e o bem procurador em espécie, pelo jurisdicionado, o direito dá preferência a este. Grifando que nas sociedades contemporâneas a lei traz consigo meios na obtenção do segundo[43].

“Em síntese: tanto o vínculo real como o obrigacional são, no direito moderno, suficientes para justificar um processo de execução forçada”.[44] Entretanto, nada impede que o comprador averbe sua promessa por força do § 4º do artigo 35 da Lei 4591/64 para garantir direito oponível a terceiros durante o trâmite da adjudicação compulsória. A adjudicação compulsória não prejudica a penalidade sobre o incorporador de ter de reparar, pela via executiva, em 50% sobre o valor recebidos pelo promitentes-compradores.

9. A promessa de compra – a importância do registro

O apartamento é uma parte de um edifício, constituindo objeto de uma propriedade separada, entidade jurídica distinta do material, é a fração autônoma de um edifício, constituindo um todo à parte do conjunto a que pertence, sendo objeto de uma propriedade separada.[45] No instante em que é registrada a promessa ela passa a valer contra todos ou em termos jurídicos erga omnes, não podendo mais ser comercializada ou sofrer gravames supervenientes sem as medidas judiciais cabíveis.

Já foi explicado onde e como se faz o registro.

10. A publicidade de uma incorporação – os cuidados.

O parágrafo segundo do artigo 31 da Lei 4591/64 é claro que:

 “Nenhuma incorporação poderá ser proposta à venda sem a indicação expressa do incorporador, devendo também seu nome permanecer indicado ostensivamente no local da construção”.

Explica Marco Aurélio S. Viana:

Assim, será indispensável que conste o número do registro da incorporação, indicação do cartório competente; em toda publici­dade ou propaganda escrita, destinada a promover a venda da incor­poração pelo regime de empreitada reajustável, em que conste o preço, serão discriminados explicitamente o preço da fração ideal do terreno e o preço da construção, com indicação expressa da reajus­tabilidade, “dispensando-se a exigência apenas nos anúncios “classi­ficados” dos jornais; se a obra for contratada por administração, em que a publicidade ou propaganda explicite o preço, indispensável a discriminação do preço da fração ideal de terreno e o montante do orçamento atualizado do custo da construção, na forma dos arts. 59 e 60, com a indicação do mês a que se refere o dito orçamento e o tipo padronizado a que se vincule, dispensando-se a exigência nos anúncios “classificados” dos jornais.[46]

A cautela pela dispensa de tais exigências nos anúncios classificados é sobre tais elementos, sendo sempre necessária a exposição clara do número da incorporação registrada ou com o registro provisório, o Ofício de Imóveis em que está registrada a incorporação – tudo por força do artigo 32, § 3º e 64[47] da Lei 4591/64.

Por publicação (§ 3º, artigo 32 da Lei 4591/64) entenda-se anúncio, pois é um dos atos de publicidade lato sensu como fonte de obrigações[48].

Por sua vez o artigo 64 da Lei 4591/65 prevê a seguinte sanção:

Art. 64. Os órgãos de informação e publicidade que divulgarem publicidade sem os requisitos exigidos pelo § 3º do artigo 32 e pelos artigos 56 e 62, desta lei, sujeitar-se-ão à multa em importância correspondente ao dobro do preço pago pelo anunciante, a qual reverterá em favor da respectiva Municipalidade.

A publicidade é ato que torna público o empreendimento. Como a oferta e a publicidade são atos de comércio integrantes da pré-venda e da pós-venda[49], devem seguir os seguintes princípios do Código de Defesa do Consumidor [50]:

1°) Princípio da identificação da publicidade (art. 36, caput), coibindo a publicidade clandestina.

2°) Princípio da veracidade (art. 31, c/c/ o art. 37, §§ 1° e 3°). A publicidade deve ser honesta, com apresentação verdadeira do produto oferecido, para assegurar ao consumidor uma escolhe livre e consciente.

3°) Princípio da não-abusividade (art. 31, c/c o art. 37, § 2°) Não podendo prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor.

4°) Princípio da transparência da fundamentação (art. 36, parágrafo único). A publicidade deve fundamentar-se em dados fáticos, técnicos e científicos que comprovem a informação veiculada.

5°) Princípio da obrigatoriedade do cumprimento (art. 30). A publicidade integra o contrato a que vier a ser celebrado e obriga o fornecedor a cumprir a oferta veiculada. Veda-se o anúncio de mera atração de clientela.

Assim, se o incorporador promete, por exemplo, na publicidade do empreendimento, suíte com hidromassagem, closet e terraço, cozinha com piso de porcenalato, sala com tábua corrida, banheiros em granito, quadra poliesportiva, piscina, salão de festas, deve cumprir rigorosamente o que foi anunciado. Ainda que o contrato, depois, não venha a fazer menção a alguns desses detalhes, o adquirente pode reclamar que se faça em virtude de publicidade anterior, a qual está vinculada à contratação.[51]

6°) Princípio da inversão do ônus da prova (art. 38). Constatando-se que o consumidor não tem condições técnicas e econômicas para provar os desvios da publicidade, incumbe ao patrocinador o encargo da prova da veracidade e correção.[52]

Paulo Luiz Neto Lôbo acresce ainda de mais um princípio a ser atendido: “Entre o bônus, indutor do ato, e o ônus, redutor da paridade, o direito prefere o primeiro” (sem grifo no original).[53]

Pois no artigo 53, § 1°, as alíneas ‘b’ e ‘c’ da Lei de Incorporações não deixam a publicidade em aberto:

Art. 53.

§ 1º. O número de tipos padronizados deverá ser reduzido e na fixação se atenderá primordialmente:

b) o padrão da construção (baixo, normal, alto), tendo em conta as condições de acabamento, a qualidade dos materiais empregados, os equipamentos, o número de elevadores e as inovações de conforto; (sem grifo no original).

c) as áreas de construção.

Tais elementos devem estar bem nítidos na publicidade para não induzir os consumidores, principalmente de baixa renda, em erro. Já é costume das incorporadoras apresentarem a ‘maquete’ do empreendimento e uma amostra em tamanho real do ‘apartamento decorado’ com todos os apetrechos e esforços para realizar uma venda a consumidores hipossuficientes.

11. A pesquisa na hora de comprar – negativas fiscais, cíveis, penais,

 falenciais e trabalhistas.

A lei nº 6.530, de 12.05.1978, que regula a profissão do corretor de imóveis, é explícita sobre o tema:

Art. 20 - Ao corretor de imóveis e à pessoa jurídica inscritos nos órgãos de que trata a presente Lei é vedado:

V - anunciar imóvel loteado ou em condomínio sem mencionar o número de registro do loteamento ou da incorporação no Registro de Imóveis;

Seria aplicável o CDC nas relações entre os compradores e os corretores? Não vemos nenhum empecilho, pois claramente os figurantes estão elencados nos artigos 2º e 3º do CODECON. Como é da atividade profissional e habitual a corretagem aplicando-se a uma gama definida de sujeitos interessados, os quais geram uma coletividade, não há porque surgir uma restrição sem tornar-se odiosa sunt restrigenda.(odiosas são as restrições)

Constitui ato ilícito a venda de imóvel sem registro de incorporação por parte do corretor, eis que é dever legal deste zelar os interesses que lhe forem confiados (artigo 20, inciso I, Lei 6530/78). O problema está que na solidariedade; sendo presente no artigo 31, b), remete responsabilidade solidária quando este é incorporador. Mas em caso diverso? O Código Civil disciplina em seu artigo 265: “Art. 265. A solidariedade não se presume; resulta de lei ou da vontade das partes”.

Portanto, inadmissível que um negócio envolvendo quantia considerável não esteja acompanhado de todas as negativas atualizadas (friso: negativas atualizadas, não só as do registro da incorporação) sobre as pessoas envolvidas na transferência do bem. O consumidor tem direito e exigi-las, em caso diverso, resta-lhe pesquisá-las e entendo que tal trabalho deve ser abatido na comissão de corretagem.

Em caso de negócios irregulares, as parcelas pagas a título de corretagem, pode o comprador reavê-las independentemente de culpa do corretor, mercê que a aproximação na realização do negócio deu-se por parte deste e o que lhe foi pago foi exatamente para resguardar os interesses do comprador, respondendo, assim, pelo risco da atividade.

As negativas fiscais devem ser perqueridas nas três esferas fazendárias (municipal, estadual e federal). Devemos buscar a existência de CND’s (Certidões Negativas de Débitos Fiscais). O problema acontece quando há positivas previdenciárias, pois, conforme dispõe a lei 8.212/91 em seus artigos 47 e 48, são impeditivos de alienação de bens os débitos para com a União não só quanto a impostos, como também às contribuições sociais (PIS, CONFINS, INSS).

Mas, a atenção redobra se existem as “positivas” com efeitos de “negativas”. Isso ocorre quando o incorporador negociou o pagamento dos tributos em atraso e os paga parceladamente. Essas certidões “positivas” com efeitos de “negativas” têm o condão de cumprir a finalidade prevista na Lei de Condomínios e Incorporações. Importante salientar um questionamento da solidez do devedor e se irá cumprir suas obrigações uma vez vendidas todas as unidades para evitar problemas futuros.

Sobre as negativas judiciais, o consumidor tem duas opções:

a)    exigi-las do corretor;

b)   o próprio consumidor procurar.

O mesmo princípio se aplica acima.

12. Responsabilidade do estado

Tema quase inexistente é a responsabilidade do município[54] por omissão na fiscalização das obras que estão em andamento na sua regionalidade.

Explica Waldemar Leandro, citando Hely Lopes Meireles, que:

A fiscalização das edificações é atribuição municipal, porque, como já acentuamos em trabalho especializado sobre a matéria (Direito de Construir, 1961, págs. 85 e segs), ao município incumbe a ordenação da cidade e esta se forma pelas construções e, principalmente, pelas edificações particulares.

(...)

A legislação urbanística – lei do plano direitor, Código de Obras e normas complementares – devem dispor sobre todos aspectos da edificação sujeitos à fiscalização municipal, a fim de possibilitar o pleno controle edilício da obra, desde a sua concepção (projeto), até a sua localização, construção e utilização (alvará de construção e ‘habite-se’). O plano direitor deve ser posto em vigência por lei municipal, que fixe as diretrizes do desenvolvimento da cidade, do zoneamento, dos loteamentos, do sistema viário, da edificação particular e demais aspectos urbanos, sem perder-se de vista as suas interelações com a zona rural.[55]

É que para haver o início da obra a municipalidade expede ao incorporador e construtor o respectivo alvará, o qual `é o instrumento formal expedido pela Administração, que através dele, expressa aquiescência no sentido de ser desenvolvida certa atividade pelo particular.’[56] Sendo que sobre o alvará a municipalidade exerce o Poder de Polícia[57]. Devendo exercê-lo dentro dos princípios constitucionais de forma a satisfazer o acesso à moradia[58] mesmo no cenário particular, das relações privadas, eis sua posição dentro do interesse social.

É de ser indagado que o alvará é a fórmula segundo a qual a Administração Pública expede licença para a prática de um ato ou exercício de certa atividade, tal como o porte de arma, construção, funcionamento de estabelecimento[59], etc. Assim, como no caso do porte de arma, se o a titular mata outrem será a Administração Pública passível de responsabilização? A fórmula de responsabilidade da Administração é tão ampla assim?

A expedição de alvará exterioriza-se mediante a verificação de certos requisitos previstos em lei (no caso de alvará de construção a Lei Orgânica de cada Município), mercê o princípio da legalidade a que se subordina os atos administrativos. Ao particular incumbe preencher as exigências a que está afeito cada licença, a verificação geralmente dá-se por funcionário público especializado (engenheiros) estando esse investido no poder de polícia (tanto repressivo como preventivo). Outrossim, na nova sistemática tais atos estão cada vez mais vinculados a princípios fundamentais, como bem salienta Juarez Freitas[60].

 

Como citar o texto:

SANTOS, Cláudio Sinoé Ardendhy dos..Imóveis na planta: alguns cuidados que o consumidor deve ter. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 157. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-consumidor/951/imoveis-planta-alguns-cuidados-consumidor-deve-ter. Acesso em 19 dez. 2005.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.