Fundamentado na participação popular, o princípio democrático acompanhou a evolução humana e resultou na formação de um dos regimes políticos mais aclamados da história, a democracia. Esta, entretanto, sendo mal exercida, poderá fugir ao seu princípio básico, transformando a participação em pura demagogia.

Desde os primórdios de sua existência o ser humano vive em grupos. Nesse sentido, ensina Dalmo Dallari, citando Cícero: “a primeira causa de agregação de uns homens a outros é menos a sua debilidade do que um certo instinto de sociabilidade em todos inato; a espécie humana não nasceu para o isolamento e para a vida errante, mas com uma disposição que, mesmo na abundancia de todos os bens, a leva a procurar o apoio comum.”[1]

Assim, o homem vive em grupos dando origem às chamadas sociedades que por si, são organizadas por meio de normas e regras propiciadoras dos comportamentos individuais.

Tais diretrizes comportamentais se mostraram presentes ao longo da história humana através dos chamados regimes políticos configuradores, em parte[2], da base dos comportamentos individuais e sociais.

Para alguns autores a origem da convivência social é simplesmente natural, ou seja, o homem associa-se a outros seres por uma necessidade natural, não tendo como motivo principal apenas, as necessidades materiais, pois mesmo sendo provido destas, necessita do convívio social.

Entretanto, outra corrente de doutrinadores defende a idéia de que as sociedades são formadas tão-somente por um acordo de vontades. É a chamada, tese contratualista. Tal contrato seria uma transferência de direitos para uma melhor convivência social.

Atualmente, a idéia predominante é a de que a sociedade é fruto de uma necessidade humana natural.

Contudo, seja por uma tese ou por outra, o convívio social deve ser ordenado. Em tal sentido, doutrina Dallari:

“Se observarmos o mundo da natureza veremos que há um constante movimento e que, apesar disso, existe harmonia e criação. Como é possível isso? É porque os movimentos são ordenados, produzindo-se de acordo com determinadas leis. Embora os homens tenham dificuldade em conhecer essas leis, e de tempos em tempos devam rever suas conclusões à luz de novos conhecimentos, o fato é que elas existem e o seu conjunto compõe a ordem universal.”[3]

De tal modo, as sociedades primitivas vão evoluindo e chegam às chamadas sociedades políticas. Estas, quando dotadas de autoridade superior fixadoras de regras de convivência, passam a ser denominadas Estado. Este, desde a antiguidade passou por diversas mudanças no que concerne à sua organização político-juridica resultando em certa variedade de regimes políticos, que não convém ao presente estudo especificar.

Dentre tantos regimes, um se destaca por assegurar os mais básicos direitos humanos e propiciar a participação do maior número possível de pessoas, a Democracia.

A origem da Democracia remonta a antiguidade e o seu estabelecimento foi resultante de uma conquista lenta e gradual que ainda se encontra em fase de consolidação em diversos países. Ademais, a Democracia evolui com o tempo, acompanhando a evolução histórica do homem.

O seu surgimento deu-se na Grécia Antiga, cerca de 25 séculos atrás, onde os “cidadãos”[4] gregos se reuniam nas praças públicas para deliberar e decidir a respeito do destino das “cidades-estado”.

Já em Roma, a democracia germinou na República, de forma bastante semelhante à grega, em que o poder ficava nas mãos de uma aristocracia. Entretanto, durou bem menos tempo que na Grécia.

Assim, nos estados gregos e em Roma a democracia era praticada de forma direta, ou seja, o povo governava-se, por si mesmo, em assembléias gerais realizadas em praças públicas.

No mundo moderno a democracia ganhou destaque após as revoluções burguesas, as quais foram, Independência dos Estados Unidos, Revolução Industrial e Revolução Francesa. Entretanto, grande parte da população mundial ainda não vive sob a égide de uma democracia consolidada.

Já no Brasil, a historia democrática é relativamente recente e remonta ao estabelecimento da República no país.

Em 1891 foi promulgada a primeira constituição republicana do país, que implantou dois pontos de extrema importância: a Federação e a República.

O que se verificou posteriormente foi uma série de acontecimentos históricos, tanto no país[5] quanto no mundo[6], que resultaram em mudanças sucessivas de constituições  e culminaram com a constituição de 88, a chamada “constituição cidadã”. Nesta, bastante democrática e social, houve ampla participação da população, voltando-se para a plena realização da cidadania.

Tal participação popular, aclamada na constituição do Brasil de 88, deve ser vista com cautela, pois grande parte da população mundial tem pouco ou quase nenhum acesso a informação e educação para que possam escolher da melhor maneira seus governantes.

Assim, a democracia, formada pela evidência que o governo dá ao principio democrático, não pode ser considerada como exercida em sua forma mais pura tendo em vista a ignorância, muitas vezes existente, dos eleitores.

Entretanto, deve-se salientar que o acesso à educação e às diversas formas de informação são um dos objetivos almejados pela democracia, não podendo incorrer no erro de se tornarem requisitos.

Desse modo, conclui-se que, embora exista a clara necessidade de consciência da população para exercer bem o seu direito de voto, não podem existir pré-requisitos que inibam a participação popular. Segundo José Afonso da Silva:

“A democracia não precisa de pressupostos especiais. Basta a existência de uma sociedade. Se seu governo emana do povo, é democrática; se não, não o é.”[7]

Entretanto, os fatos não condizem com as idéias. A realidade mostra que o bom exercício da democracia está ligado à existência de uma certa consciência critica.

Outrossim, embora a educação e acesso à informação sejam objetivos da democracia, o exercício desta sem o mínimo de consciência critica pode implicar em resultados desastrosos para a sociedade. Exemplos acerca disso são comuns em um país como o Brasil onde boa parte da população não possui estudos e carece dos recursos mais básicos para ter uma vida digna. Nesse sentido, no sertão do país, várias comunidades sofrem o abuso por parte de candidatos interessados apenas em votos, que se utilizam da população local através de falsas promessas ou até mesmo compra de voto. Assim, sem conscientização, os cidadãos podem servir como massa de manobra política. 

O fato é que a característica de consciente participação popular já é consagrada como um dos momentos a que o principio democrático engloba; quais sejam: processo de democratização e cidadania política. Nesse sentido ensina Alexandre de Morais, citando Canotilho e Moreira:

“Primeiramente, a democracia surge como um processo de democratização, entendido como processo de aprofundamento democrático de ordem política, econômica, social e cultural. Depois, o principio democrático recolhe a duas dimensões historicamente consideradas como antitéticas: por um lado, acolhe os mais importantes elementos da teoria democrática-representativa (órgãos representativos, eleições periódicas, pluralismo partidário, separação de poderes); por outro lado, dá guarida a algumas das exigências fundamentais da teoria participativa (alargamento do principio democrático a diferentes aspectos da vida econômica, social e cultural, incorporação de participação popular direta, reconhecimento de partidos e associações como relevantes agentes de dinamização democrática etc.)”.[8]

Assim, à medida que as instituições do poder vão se democratizando, tornando-se mais acessíveis à população, e esta começa a exercer seu direito de participação, a democracia começa a surgir em um país.

No Brasil, o principio democrático, presente na Constituição Federal de 88 em seu preâmbulo e art. 1º, não se encontra totalmente solidificado tendo em vista os claros contrastes sociais em que se encontra a população; ou seja, faltam investimentos nos mais diversos setores o que culmina com uma população carente em educação e informação e vítima de manobras políticas, como anteriormente comentado.

Entretanto, a democracia não é um conceito estático, mas sim, um processo de afirmação do povo e de conquistas no campo dos direitos fundamentais. Deve ser exercida de forma consciente e com um espírito critico, para poder então, propiciar o exercício pleno dos direitos fundamentais de todo cidadão.

Bibliografia:

DALLARI, Dalmo. Elementos de Teoria Geral do Estado. 2ª edição, 1973.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10ª ed., 1994

MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 13ª ed.,2003.

MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. O princípio democrático no ordenamento jurídico brasileiro . Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 43, jul. 2000. Disponível em: . Acesso em: 19 out. 2005.

MAFRA FILHO, Francisco de Salles Almeida. O princípio democrático uma visão critica. MCT Consultoria Jurídica, dez. 2003. Disponível em:

<http://www.mct.gov.br /legis /Consultoria_Juridica/ artigos/principio_ democratico.htm>. Acesso em: 19 out. 2005.

Notas:

 

 

[1] DALLARI, Dalmo. Elementos de Teoria Geral do Estado. 2ª edição, 1973.

[2] Entenda-se “em parte”, pois boa parte dos comportamentos individuais e sociais são determinados pela cultura.

[3] Idem

[4] Na Grécia Antiga nem todos os indivíduos eram considerados cidadãos. Estes, uma espécie de aristocracia, eram os únicos a terem direitos políticos e sociais. Formavam um grupo numericamente reduzido em que estavam excluídos os escravos, as mulheres e os estrangeiros.

[5] Revolução de 1930, Estado Novo e o Golpe Militar de 1964, como exemplo.

[6] 1ª e 2ª Grande Guerra Mundial, Imperialismo e Guerra Fria, como exemplo.

[7] DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10ª ed., 1994

[8] DE MORAIS, Alexandre. Direito Constitucional. 13ª ed.,2003.

(Elaborado em outubro de 2005)

 

Como citar o texto:

GARRETT, Marina Batista..Análise crítica e contextualizada acerca do exercício pleno do princípio democrático. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 159. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-constitucional/980/analise-critica-contextualizada-acerca-exercicio-pleno-principio-democratico. Acesso em 4 jan. 2006.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.