Se tomarmos a significação de dicionário de punibilidade termos que:

Punibilidade é a condição ou caráter de punível[1].

A punibilidade é uma das condições para o exercício da ação penal (CPP, art. 43, II) e pode ser definida como a possibilidade jurídica de o Estado aplicar a sanção penal (pena ou medida de segurança) ao autor do ilícito.

Num primeiro momento o que se tem é a pretensão punitiva do Estado é o jus puniendi, que permanece:

Abstrato – enquanto a lei penal não é violada, isto quer dizer que, não é necessário que se cometa um ilícito para que o Estado tem o direito de aplicar a sansão prevista na lei.

Concreto – com a prática do delito, surge para o estado o direito concreto de punir.

Assim o direito de punir que era abstrato, torna-se concreto., formando-se uma relação jurídico-positiva.

Neste momento surge um conflito de interesses entre o Estado e o direito de liberdade do agente.

O Estado que é o titular da pretensão punitiva, adquiri assim, direito de invocar o Poder Judiciário no sentido de aplicar o Direito Penal objetivo ao fato cometido pelo delinqüente. E faz isso por meio da ação penal.

Assim, podemos definir pretensão punitiva como: a exigência de subordinação do direito de liberdade do cidadão ao direito de punir concreto do Estado.

Nesta linha de raciocínio estão autores como Fernando da  Costa Tourinho, Julio Fabbrini Mirabete, Heleno  Cláudio Fragoso, etc.

Afrânio Silva Jardim diverge de todos eles. Para ele, a pretensão punitiva só passa a existir com o exercício da ação penal.

O ius puniendi, que é um direito subjetivo do Estado possui três momentos:

  1. Primeiro Momento – direito de ameaçar com pena;

A punibilidade, como requisito do fato punível, corresponde ao primeiro momento e consiste no direito de o Estado (em razão da sua soberania e da sua competência para legislar em matéria penal), por meio de lei (elaborada com todas as garantias constitucionais), ameaçar o cidadão com uma pena, com a finalidade de evitar que ele venha a violar a norma penal respectiva.

Comprovado que o fato é ameaçado (em tese) com pena, e temos a ausência de causas de impunibilidade, estamos diante de um fato punível, ao menos em tese, cuida-se de fato punível. Mas isso não permite desde logo qualquer atuação do Estado contra um agente concreto.

  1. Segundo Momento – direito de aplicar a pena – pretensão punitiva;

Só passa a existir concretamente quando alguém viola a norma penal. Dito de outra maneira: com a violação da norma penal o direito de punir em abstrato (só previsto em lei) transforma-se em direito concreto de punir.

Surge para o Estado (nesse instante) uma pretensão punitiva concreta (para os que admitem que se possa falar em pretensão punitiva no âmbito criminal). O Estado, a partir do momento da violação punível de uma norma penal (desde que constatado um fato materialmente típico, antijurídico e punível) conta com o direito de colocar em marcha o seu aparato para a investigação do crime e abertura do devido processo (respeitando-se todas as regras e limitações que o ordenamento jurídico impõe). Por meio do devido processo legal pode impor ao responsável a pena cominada para o delito.

  1. Terceiro Momento – direito de executar a pena – pretensão executória.

Aplicada a pena e havendo trânsito em julgado definitivo, fala-se agora não mais em pretensão punitiva, senão em pretensão executória.

A doutrina penal ainda confunde os três momentos do ius puniendi. A punibilidade, entendida como possibilidade de aplicação de uma pena, refere-se à pretensão punitiva (que é o segundo momento do ius puniendi). A punibilidade compreendida como direito de ameaçar com pena constitui o primeiro momento.

PUNIBILIDADE X PENA

PUNIBILIDADE – possibilidade de ameaçar um fato (ilícito) com pena.

PENA – conseqüência do crime.

Causas de impunibilidade (ou excludentes da punibilidade)

A tentativa de contravenção constitui exemplo do que acaba de ser exposto. Nela há um injusto penal (um fato materialmente típico e antijurídico), mas o legislador afastou qualquer ameaça de pena (LCP, art. 4º[2]). Não é punível. Como condições mais conhecidas que impedem o Estado de exercer a pretensão punitiva, estão aquelas previstas no art. 31 do CP[3], chamados de casos de impunibilidade. Temos também outros exemplos como as escusas absolutórias (CP, art. 181)[4]; a imunidade diplomática e a ausência de condição objetiva de punibilidade ausência de uma condição objetiva de punibilidade. Cuida-se de condição exigida pelo legislador para que o fato se torne punível e que está fora do injusto penal (logo, fora do dolo do agente). Chama-se condição objetiva justamente porque independe do dolo ou da culpa do agente. Exemplo: no art. 7º, § 2º, “b” está dito que a lei penal brasileira aplica-se para fato ocorrido no exterior se descrito como crime no país em que aconteceu. Estar o fato descrito como crime no país que foi palco do ocorrido é condição objetiva de punibilidade. Se ausente, o fato deixa de ser punível (no Brasil).

Quando há expressa disposição em sentido contrário não se aplica o art. 31 (exemplo: quadrilha ou bando).

Causas extintivas da punibilidade (da pretensão punitiva ou da pretensão executória)

            As causas extintivas da punibilidade, que não se confundem com as causas de impunibilidade nem com as suspensivas, ou eliminam a pretensão punitiva do Estado ou sua pretensão executória. São muitas as causas extintivas, sendo que a maior parte delas está prevista no art. 107 do CP, na forma numerus apertus, verbis:

Art. 107. Extingui-se a punibilidade:

    I.      Pela morte do agente;

  II.      Pela anistia[5], graça[6] ou indulto[7];ato do poder executivo.

III.      Pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso; novatio legis in mellius ou lex mitior.

IV.      Pela prescrição[8], decadência[9] ou perempção[10];

V.      Pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada;

VI.      Pela retração do agente, nos casos que a lei permite;

VII.      Pelo casamento do agente com a vítima, nos crimes contra os costumes, definidos nos capítulos I, II e III, do título VI, da Parte Especial deste Código;

VIII.      Pelo casamento da vítima com terceiro, nos crimes referidos no inciso anterior, se cometidos sem violência real ou grave ameaça e desde que a ofendida não requeira o prosseguimento do inquérito policial ou da ação penal no prazo de 60 dias a contar da celebração;

IX.      Pelo perdão judicial[11], nos casos previstos em lei.

            Podem ocorrer antes do trânsito em julgado final ou após. Se ocorrem antes, são causas extintivas da pretensão punitiva. Se se dão depois, são causas extintivas da pretensão executória. A morte do agente, por exemplo, pode dar-se em qualquer um desses momentos. Diga-se o mesmo quanto à prescrição.

Causas suspensivas da punibilidade (da pretensão punitiva)

            As causas suspensivas da pretensão punitiva (leia-se: da punibilidade entendida como direito de aplicar a pena) só podem acontecer até o trânsito em julgado. Isso se deu, por exemplo, com as Leis 9.964/00 (Refis I) e 10.684/03 (Refis II). Todos que ingressaram no Refis (Programa de parcelamento de débitos fiscais) contaram com o direito de suspensão da pretensão punitiva (isto é, direito de ver interrompida a atividade persecutória estatal, suspendendo-se também a contagem do prazo prescricional).

            Ocorrendo a extinção da punibilidade (leia-se: da pretensão punitiva ou da pretensão executória) não pode o Estado a partir daí praticar qualquer ato persecutório contra o agente. Torna-se impossível aplicar contra o agente pena ou mesmo medida de segurança (CP, art. 96, parágrafo único). Aliás, nem processado ele pode ser (CPP, art. 43, II).

Sendo a punibilidade requisito do fato punível, uma vez extinta, não se apaga o injusto penal, mas não há que se falar em fato punível. O sujeito comete um crime de furto simples, que prescreve em oito anos. Ocorrida a prescrição (que é causa extintiva da punibilidade), jamais pode o Estado processar o agente (porque desapareceu a pretensão punitiva). Efeitos distintos possui a extinção da pretensão executória em razão da prescrição. Nesse caso a condenação persiste na vida do agente (para efeito da reincidência, dos antecedentes criminais) e o que extingue é só o direito de se executar a pena (terceiro momento do ius puniendi). Uma coisa, portanto, é a punibilidade entendida como direito de ameaçar com pena, outra distinta é a punibilidade compreendida como pretensão punitiva ou pretensão executória.

OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS LIMITADORES DA INTERVENÇÃO PUNITIVA DO ESTADO

Breve exposição sobre os Princípios Constitucionais Penais que limitam e norteiam a intervenção punitiva do Estado.

Os Princípios Constitucionais no Estado Democrático de Direito

Positivamente falando, "todo direito nasce e morre na Constituição Federal". Em nosso ordenamento jurídico, as leis obedecem, rigorosamente, a uma hierarquia. É como uma pirâmide, onde a Constituição ocupa o topo e as demais leis infraconstitucionais são, a ela, subordinadas, sob pena de inconstitucionalidade.

O Estado Democrático de Direito inovou, no sentido de romper com o conceito de homem e sociedade que "vivem em harmonia", em absoluta condição de igualdade, e aceitou o fato de que os homens são "sujeitos submetidos à desigualdade e à falta de liberdade material para, sobre isso, reclamar uma ação política e jurídica destinada a superar essa desigualdade e carência de liberdade".

A partir deste pensamento, pode-se afirmar que os Princípios penais e processuais, dispostos em nossa Constituição Federal, têm o objetivo de limitar o poder de punir que o Estado detém, de sorte que, todas as suas práticas punitivas almejem os fins do Estado Democrático de Direito.

Os Princípios Constitucionais Penais

Os princípios constitucionais e as garantias individuais devem atuar como balizas para a correta interpretação e a justa aplicação das normas penais, sendo que, uma base para o Direito Penal, que é o princípio da dignidade humana, de onde afloram os demais princípios.

            Os princípios "têm a função de orientar o legislador ordinário para a adoção de um sistema de controle penal voltado para os direitos humanos, embasado em um Direito Penal da culpabilidade, um Direito Penal mínimo e garantista". Quer dizer, um Direito Penal que se oriente por um juízo de valor que contemple os direitos humanos.

Princípio da Igualdade

A igualdade entre pessoas pode ser vista de três formas:

a) a não existência de diferenças como pessoas;

Deve ser analisado sobre o prisma de que não pode haver distinção entre os indivíduos em virtude de raça, credo, cor, idade, sexo, etc. ou qualquer outra forma de diferenciação discriminatória.

b) igualdade perante a lei (ninguém está acima dela);

A Igualdade perante a lei exige que todos recebam dela um tratamento eqüitativo. Art. 5º Constituição. Igualar os desiguais na medida que se desigualam.

Hodiernamente o artigo 5º da Constituição Federal parece-se mais com o abaixo:

Artigo 5° — Todos os brasileiros são iguais perante a lei, exceto:

a — Os componentes do Poder Judiciário, por serem os pilares da democracia;

b — Os Políticos, por terem imunidade parlamentar;

c — Os militares, por serem responsáveis pela segurança da nação;

d — As pessoas jurídicas, por serem o sustentáculo financeiro do país, oferecendo emprego e produzindo os bens e serviços necessários à sobrevivência do povo;

e — Os Banqueiros, porque são banqueiros;

f — Os Donos de rádio, TV e jornais, que colaboram diariamente para o fiel cumprimento desta lei, omitindo fatos que poderiam levar o resto do povo à revolta;

g — Aqueles que forem julgados “especiais” pela Suprema Corte do País, pelos motivos que eles considerarem justos.

c) igualdade na lei, no sentido de que ela não pode consagrar desigualdade.

A lei deve ter efeitos erga omnes, assim uma lei não pode beneficiar ou prejudicar somente determinado grupo.

            Desta forma, encontra-se, em nosso sistema, alguns dispositivos em que o princípio da igualdade na lei é violado. Cita-se como exemplo a "Lei 9.249/95, que prevê a extinção da punibilidade por crime de sonegação fiscal, se o agente efetuar o pagamento do débito antes da ação penal, previsão que não é estendida aos autores de outros crimes patrimoniais (p.ex.: o furto - cujo bem jurídico protegido é o mesmo), ainda quando devolverem a rês à vítima ou a indenizam por qualquer outro modo".

            De outro lado, também deparamo-nos com dispositivos inversos, ou seja, que respeitam o princípio da igualdade, como por exemplo, o tratamento diferenciado para as empresas de pequeno porte (artigo 170 da CF); tratamento preferencial à criança e ao adolescente (artigo 227 da CF). Assim, notamos um empenho do poder público em diminuir as desigualdades materiais existentes, através de nosso sistema jurídico, punindo de forma igual os iguais e de forma desiguais os desiguais.

Princípio de Humanidade

É o direito do réu de ser tratado como pessoa humana.

A Constituição Federal brasileira reconhece esse princípio em vários dispositivos (arts. 1.°, III, 5.°, III, XLVI e XLVII). Deve ser observado antes do processo (art. 5.°, LIII, LIV, LV, LVI e LVII) e na execução da pena (proibição de penas degradantes, cruéis, de trabalhos forçados, de banimento e da sanção capital ( art. 5.°, XLVII, XLVIII, XLIX e L).

Esse princípio sustenta que o poder punitivo estatal não pode aplicar sanções que atinjam a dignidade da pessoa humana ou que lesionem a constituição físico-psíquica dos condenados.

Outra incisiva limitação ao jus puniendi, decorre do art. 1°, III, da Constituição Federal, ao declarar que constitui fundamento do Estado Democrático a dignidade da pessoa humana, proibitivo, dentre outras coisas, da adoção de penas que, por sua natureza, conteúdo ou modo de execução, atentem contra esse postulado, envilecendo o cidadão infrator ou inviabilizando definitivamente a sua reinserção sócia ou, ainda, submentendo-o a um sofrimento excessivo; proibitivo, enfim, de penas desumanas ou degradantes.

O castigo tem por "finalidade única obstar o culpado de tornar-se futuramente prejudicial à sociedade e afastar os seus patrícios do caminho do crime’.

Cesare Beccaria dizia que: "não é pelo rigor dos suplícios que se previnem mais seguramente os crimes, porém pela certeza das punições".

inadmissíveis, por atentarem contra a dignidade humana, a castração, a mutilação de membros, a esterilização de órgãos e toda sorte de pena que converta o infrator num inválido, parcial ou totalmente ou ainda, que o impossibilite de, cumprida a pena, reintegrar-se à vida social. Disso resulta, também, que as penas constitucionalmente admitidas, em especial as privativas de liberdade, hão de ser executadas condignamente, em condições mínimas de higiene, salubridade etc., assegurando-se o livre exercício dos direitos não atingidos pela privação da liberdade, sob pena de se tornarem inconstitucionais na sua execução por degradarem a condição humana, inviabilizando a reintegração social do cidadão infrator (Lei n. 7.210/84). Significa dizer, noutros termos, que a execução da pena privativa de liberdade há de ser programada de tal modo que se evitem, na medida do possível, os efeitos negativos, dessocializadores, próprios da pena de prisão. (2001, p. 32).

            Não é necessário muito esforço ou conhecimento para que percebamos que o princípio da humanidade está em completo desuso em nosso ordenamento jurídico, sendo apenas um direito formal, que ainda não se tornou, entre nós, uma realidade. Esta escrevedora, já teve a oportunidade de presenciar um julgamento onde o Ministério Público fazia o pedido de uma caixa d’água para uma penitenciária, pois, a que lá existia era de tamanho insuficiente ao atendimento das necessidades mínimas dos presos, que no período que compreendia das 18hs às 22hs, ficavam sem água. Embora todos tenham concordando com o fato, de ser realmente legítimo o clamor os presos o pedido foi-lhes negado, pois defensor do Estado alegou que se lhes fosse concedido o pedido (a caixa d’água) tal fato poderia levar os presidiários de outras penitenciárias a inferir que também teriam tal direito, ou seja, direito a condições mínimas de sobrevivência.

Princípio da Legalidade

"Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena, sem prévia cominação legal". CF art. 5º, XXXIX e CP art. 1º.

É exclusivo da ciência penal e "estabelece que só as leis em sentido formal - e não a moral ou outras fontes externas podem dizer o que é o delito".

Funda-se na idéia de que há direitos inerentes à pessoa humana que não são nem precisam ser outorgados pelo Estado. O que não estiver proibido está permitido (permittitur quod non prohibetur).

nullum crimen, nulla poena sine lege.

Nos dias atuais este princípio desdobra-se em outros quatro princípios

Lex previa significa proibição de edição de leis retroativas que fundamentem ou agravem a punibilidade. Lex scripta, a proibição da fundamentação ou do agravamento da punibilidade pelo direito consuetudinário. Lex stricta, a proibição da fundamentação ou do agravamento da punibilidade pela analogia (analogia in malam partem). Lex certa, a proibição de leis penais indeterminadas.

Com a aplicação simultânea destes quatro princípios implícitos no princípio da legalidade, temos "como autêntica a função de garantia individual das cominações penais".

O que não devemos olvidar é, contudo, a avaliação da legalidade em relação aos valores constantes nos editos penais. Mesmo que uma lei tinha obedecido ao processo legiferante da época de sua edição – sendo legalmente formal -, há que se analisar, agora, se o seu conteúdo é condizente com a nova ordem constitucional, e, aqui, a adequação superveniente impõe-se (recepção material). Assim, por exemplo, se um diploma legal foi publicado, nos anos 70, por autoridade competente àquela época, mais incompetente nos dias atuais, a lei é formalmente válida. Contudo, se esta lei, apesar de formalmente válida, trouxer em sua substância valores que, no passado, eram admitidos pela Constituição, mas que, atualmente, deixaram de sê-lo, passa essa lei a ser materialmente inválida.

Deve-se estar atento, pois, um bem jurídico que mereça a tutela do Direito Penal hoje, pode não dele necessitar amanhã.

Princípio da Personalidade

"Ninguém pode ser responsabilizado por fato cometido por outra pessoa. A pena não pode passar da pessoa do condenado (CF, art. 5°, XLV)".

A punição divina atingia a todos, ou seja, "os inocentes pagavam pelos pecadores. ". No Brasil, o Decreto de 17 de junho de 1759, possibilitava as penas passar para os filhos ou descendentes.

Artigo XLV do artigo 5° da põe, a salvo, toda e qualquer pessoa sem vínculo com o fato, do dever de cumprir qualquer espécie de pena. Porém, é inegável que os efeitos da condenação se projetam reflexamente sobre terceiros inocentes, muitas vezes irreversivelmente.

Princípio da Intervenção Mínima do Direito Penal

Pelo princípio da intervenção mínima, o direito penal só devia intervir em ultima ratio e na defesa de bens jurídicos relevantes, e não de qualquer bem jurídico suscetível, mas só depois que as políticas administrativas, sociais, etc. falhassem.

            No entanto, doutrinadores preocupam-se e alertam quanto ao perigo deste método adotado, pois este é elaborado sem nenhuma base científica. Em regra, o processo de seleção das condutas a serem criminalizadas, atende somente às súbitas cobranças da mídia e da classe dominante, como enfatiza Juarez Tavares.

Estudos na Alemanha e na França demonstram que, com a institucionalização do poder político, a elaboração das normas é um jogo de poder das forças atuantes no Parlamento. A norma, portanto, deixaria de exprimir o tão propalado interesse geral, cuja simbolização aparece como justificativa do princípio representativo para significar, muitas vezes, simples manifestação de interesses partidários, sem qualquer vínculo com a real necessidade da nação.

Os tipos nesse sistema fragmentário transportam desde gravíssimas violações operadas no caso concreto até ínfimas agressões. Quando se descreve como infração penal "subtrair para si ou para outrem coisa alheia móvel", incrimina-se tanto o furto de centenas de milhões de uma instituição bancária, como nefastas conseqüências para milhares de correntistas, quanto a subtração de uma estatueta oca de gesso em uma feira de artesanato.

Princípio da Culpabilidade

            Segundo o princípio de culpabilidade, em sua configuração mais elementar, "não há crime sem culpabilidade”. CP art. 29

            No Direito Penal, a responsabilidade que recai sobre o agente e tem como pressuposto sua culpabilidade. Nullum crimen sine culpa. A pena só pode ser imposta a quem, agindo com dolo ou culpa, e merecendo juízo de reprovação, cometeu um fato típico e antijurídico. É um fenômeno individual: o juízo de reprovabilidade (culpabilidade), elaborado pelo juiz, recai sobre o sujeito imputável que, podendo agir de maneira diversa tinha condições de alcançar o conhecimento da ilicitude do fato (potencial consciência da antijuridicidade).

O juízo de culpabilidade, que serve de fundamento e medida da pena, repudia a responsabilidade penal objetiva (aplicação de pena sem dolo, culpa e culpabilidade).

Princípio da Individualização

Este princípio busca individualizar a pena, pois cada pessoa é uma e cada fato tem suas singularidades. Está presente no artigo 5°, inciso, XLVI, da Constituição Federal com o objetivo da não eliminação das diferenças.

                        Este princípio revela a superação do direito medieval (modelo de penas fixas) pelo direito penal moderno (penas com margem máxima e mínima). Assim, o juiz poderá adequar a sanção prevista na lei ao fato concreto, destarte, ao aplicar a pena, o juiz tem de levar em consideração as diferenças entre um e outro indivíduo.

Referente à execução da pena, já na fase da execução, a individualização da pena, consoante determina o art. 6° da Lei 7.210/84, deverá desenvolver-se - embora não se desenvolva -, conforme programa de tratamento individualizado elaborado por Comissão Técnica de Classificação, de modo a que, também nessa fase, fiquem resguardadas as diferenças próprias dos condenados e dos fatos respectivamente cometidos.

            Assim, em nosso país este princípio é uma garantia utópica, pois na fase da execução da pena, este não é respeitado, e o objetivo proposto (a ressocialização do delinqüente) não acontece.

 Princípio da Proporcionalidade

Se uma pena igual é destinada a dois delitos que ofendem desigualmente a sociedade, os homens não encontrarão um obstáculo forte o suficiente para não cometer um delito maior, se dele resultar uma vantagem maior.

Este princípio proíbe a utilização excessiva da resposta penal e determina que a pena não pode ser superior ao grau de responsabilidade pela prática do fato. Significa que a pena deve ser medida pela culpabilidade do autor. Daí dizer-se que a culpabilidade é a medida da pena.

Assim, para o princípio da proporcionalidade, quando o custo for maior do que a vantagem, o tipo será inconstitucional, porque contrário ao Estado Democrático de Direito.

            Em outras palavras: a criação de tipos incriminadores deve ser uma atividade compensadora para os membros da coletividade. Deve trazer mais benefícios que temor, ônus, limitação.

            Em nosso sistema jurídico, tal mandamento encontra-se, por exemplo, no artigo 5°, incisos XLII, XLIII, XLVII e artigo 98, inciso I, da CF. Também presente no artigo 59 do Código Penal. É ainda com base no mesmo critério de necessidade e suficiência que se processa a substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direito ou multa (CP, art. 44) e, residualmente, a concessão do benefício do sursis (CP, art. 77).

A APLICAÇÃO DA PUNBILIDADE FRENTE AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS

            Conforme os preceitos de nossa Carta Constitucional, o valor da pessoa humana impõe limites ao Estado quanto à qualidade e quantidade da pena buscando a implantação de um modelo penal com penas minimizadas.

            Assim, o mínimo que se pode e se deve pretender da pena é que, "não perverta o réu": quer dizer, que não reeduque, mas também que não deseduque, que não tenha uma função corretiva, mas tampouco uma função corruptora; que não pretenda fazer o réu melhor, mas que tampouco o torne pior. Mas para tal fim há necessidade de atividades específicas e personalizadas. É necessário conferir um mínimo de dignidade ao preso.

            O fundamento ressocializador da pena deve restar legitimado, obrigatoriamente, sobre um válido interesse estatal (em nome da sociedade) de tentar a recuperação de alguém ainda que contra a sua vontade. Afirma-se que a sanção penal deve reeducar - ao menos nos termos da nossa Lei de Execução Penal - requer a admissão de que o Estado, quase como um pai em relação ao filho, possa impor ao condenado uma moral social que se reputa correta.

            Assim, podemos concluir que a ressocialização com é imposta é inconstitucional, pois a ressocialização não é um dever do Estado, mas sim um direito do apenado

E, embora tal assertiva pareça paternalista, não o é, porque o que se pretende como uma atitude mais branda não é um benefício para o condenado, mas um benefício para a sociedade, visto que, depois de cumprida a pena, teria de volta um cidadão recuperado e não um bandido pós-graduado no estratagema do crime. Destarte, não há que se falar em atitude altruísta, mas sim, estritamente egoísta, pois, os propósitos expostos ut supra, não são lhanezas ou condescendência para com as atitudes ou com a situação do condenado, mas forma legítima e eficaz de proteger a sociedade.

            Percebemos que a ressocialização como finalidade da pena não se sustenta ao ser analisada a partir dos princípios que, no Estado Democrático de Direito, limitam a intervenção punitiva do Estado, notadamente os princípios da Dignidade da Pessoa Humana, da Igualdade e da Proporcionalidade. A execução penal, nos moldes em que se operacionaliza no Brasil, é inconstitucional. Isto porque a realidade evidencia o mais completo desrespeito ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

                        O Presídio Central de Porto Alegre (PCPA) apresentou durante o ano de 1998, em média, populações três vezes maior que sua capacidade oficial. A CCDH/AL informa que em 11 de novembro de 1998, o PCPA apresentava contingentes de 1.964 apenados, sendo que o pavilhão D, com capacidade estimada para 244 presos, abrigava 613 pessoas; e, dessas, 20 dormiam no chão. A conseqüência parece óbvia: em 1998, o PCPA foi acometido por 26 tentativas de fuga envolvendo 89 apenados.

            Os dados oficiais da Secretaria de Segurança Pública indicavam que no projeto arquitetônico original essa Delegacia comportava a manutenção de 20 pessoas. Com lotação quatro vezes superior à sua capacidade, constatam os pesquisadores da ONG que em cada cela, além dos presos espremidos no chão, encontramos de cinco a sete presos pendurados em cordas. Mesmo nos minúsculos banheiros, havia de dois a três homens em cada cela que lá dormiam.

            Em alguns estabelecimentos, a superlotação atingiu níveis desumanos, com presos amontoados em grupos. Os pesquisadores da Human Rights Watch puderam observar cenas de presos amarrados às janelas para aliviar a demanda por espaço no chão e presos forçados a dormir sobre buracos que funcionam como sanitário.

            Na capital mineira, institucionalizou-se a "ciranda da morte", justificada pela escassez de espaço.

            A situação material dos cárceres brasileiros chegou ao ponto de, em fevereiro de 1998, dois presos cariocas morrerem devido à alta temperatura das celas que chegavam aproximadamente aos 50 graus. No mesmo mês, o Governo realizou um "acordo amistoso" com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos em relação ao caso de 18 presos que morreram asfixiados no 42º Distrito Policial de São Paulo em 1989. Os falecidos formavam parte de um grupo de 51 detentos que foram encarcerados em pequena cela sem ventilação.

            Como se conferir ao Estado legitimidade para a imposição penal sobre os indivíduos, pois, como acentua Ferrajoli, "UM ESTADO QUE MATA, QUE TORTURA, QUE HUMILHA UM CIDADÃO NÃO SÓ PERDE QUALQUER LEGITIMIDADE, SENÃO QUE CONTRADIZ SUA RAZÃO DE SER COLOCANDO-SE NO NÍVEL DOS MESMOS DELINQÜENTES".

            O tema do presente trabalho é punibilidade como demonstração de soberania estatal. Então porque até agora não se falou da soberania?

            Para responder a esta pergunta, ponderemos primeiramente sobre a definição de soberania:

            Soberania pode ser entendida como poder supremo, consistente na capacidade de autodeterminação e de conduzir-se segundo a vontade livre de seu povo.

            Mas vivemos num Estado Democrático, na realidade, em um Estado Democrático de Direito (ao menos em tese). Então quais são as bases do nosso Estado?

            Podemos citar como Princípios Fundamentais do Estado Democrático:

a)      A supremacia da vontade popular – referente à problemática da participação popular no governo;

b)     A preservação da liberdade – exige respeito dos entes estatais para com as liberdades públicas, ou direitos dos cidadãos;

c)      A igualdade de direitos – proibição de discriminações de qualquer natureza em relação ao gozo e a fruição de direitos.

A real soberania em um Estado Democrático é a soberania popular, segundo a qual, o povo é a única fonte do poder.

Diante disto, podemos inferir que a Soberania é conferida ao Estado pelo povo, não sendo aquela autônoma deste.

            No Estado Democrático de Direito a democracia busca a real concretização dos direitos fundamentais e a efetivação da cidadania.

            É óbvio, que em matéria de punibilidade (e em muitas outras) estes ideais não se concretizam.

Norberto Bobbio salienta que "A democracia não é tanto uma sociedade de livres e iguais (porque tal sociedade e apenas um ideal limite), mas uma sociedade regulada de tal modo que os indivíduos que a compõem são mais livres e iguais do que em qualquer outra forma de convivência".

A democracia tem três dimensões: respeito aos direitos fundamentais, cidadania e representatividade. Mas em matéria de punibilidade não temos nenhum destes direitos atendidos. O porquê do não atendimento do respeito aos Direitos Fundamentais, ante o exposto, parece-me desnecessário qualquer comentário. Com respeito a cidadania, idem, se os presos não são tratados sequer como seres humanos, que dirá como cidadãos. Mas com relação a representividade, creio que não é este o desejo do povo brasileiro, não é ele (o povo) que deseja a situação calamitosa que se encontra o sistema prisional brasileiro (não permitindo que a pena cumpra o seu papel ressocializador), é a inaptidão dos nossos governantes que retira da punibilidade a capacidade de cumprir o seu papel de tentar a recuperação de alguém ainda que contra a sua vontade, procurando reeducá-lo e, se não conseguir isto que pelo menos não o deseduque, ou, como já salientado acima, que não tenha uma função corretiva, mas tampouco uma função corruptora; que não pretenda fazer o réu melhor, mas que tampouco o torne pior.

            Assim, percebemos que a punibilidade, em verdade, não é demonstração da soberania estatal, ou melhor, o é, mas apenas formalmente. O Estado usurpou do cidadão a soberania, utilizando-a de forma tirânica, ou, para dizer pouco, em matéria de aplicação da pena, utiliza-a com muita incompetência (visto que ela – a pena –   não  atinge o seu fim).

Nestas breves considerações procuramos retratar, a condição de súditos, e não de cidadãos do povo (especialmente daqueles considerados infratores da lei penal), pois, na verdade a aplicação da pena no Brasil não reflete o texto Constitucional, embora estejamos em uma República democrática, que, precipuamente, teria como princípio básico a igualdade de verdadeiros cidadãos.

NOTAS:

 

 

[1] Definição do Dicionário Aurélio

[2] Art. 4º não é punível a tentativa de contravenção.

[3] Art. 31 - O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado.

[4] Art. 181. É isento de pena quem cometer qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo:

   I.      Do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;

   II.     De ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.

[5] Ato pelo qual o poder público declara impuníveis, por motivo de utilidade social, todos quantos, até certo dia, perpetraram determinados delitos, em geral políticos, seja fazendo cessar as diligências persecutórias, seja tornando nulas e de nenhum efeito as condenações.

[6] Jur.  Ato de clemência do poder público (no Brasil, o executivo), que favorece individualmente um condenado em definitivo por crime comum ou por contravenção, extinguindo-lhe, reduzindo-lhe ou comutando-lhe a pena; mercê. [Cf. anistia (2), clemência (1) e indulto (4).]

[7]  Jur.  Decreto pelo qual se concede uma graça ou privilégio.

 Jur.  Ato de clemência do poder público (no Brasil, o executivo), de caráter geral e impessoal, concedendo perdão, diminuindo ou comutando a pena de um grupo de condenados por crimes comuns e contravenções; graça coletiva.

[8] Perda do direito de punir pelo decurso de tempo. Art.  190 e ss CP.

[9]Perda do direito de ação privada ou representação em decorrência de não ter sido exercido no prazo previsto em lei . Art. 103 CP

[10] Ocorre após o oferecimento da queixa - inércia do querelante. Art. 60 CPP.

[11] Instituto pelo qual o juiz, embora reconhecendo a coexitencia dos elementos objetivos e subjetivos que constituem o delito, deixa de aplicar a pena, desde que apresente determinadas circunstâncias previstas em lei.

(Elaborado em junho/2005)

 

Como citar o texto:

GOMES, Márcia Pelissari..O sistema repressivo estatal: a punibilidade como demonstração de soberania. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 167. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/1067/o-sistema-repressivo-estatal-punibilidade-como-demonstracao-soberania. Acesso em 27 fev. 2006.

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