É situação que ainda gera dúvidas para os jurisdicionados o fato de haver recurso de agravo de instrumento pendente de julgamento no tribunal e existir sentença proferida sem que contra ela a parte tenha interposto recurso de apelação.

Daí vem a controvérsia: houve trânsito em julgado e o recurso de agravo de instrumento perdeu o seu objeto, ou o agravo poderá ser julgado pelo Tribunal, cassando-se a sentença? Como se explica, para aqueles que entendem possível o julgamento do agravo, a situação jurídico-processual que daí advém?

A questão é controvertida: de um lado, há doutrinadores que admitem o trânsito em julgado da sentença com a simples ausência de recurso de apelação, pois o agravo antes interposto só teria o condão de obstar a preclusão relativamente à decisão que se impugnou, não das demais decisões decididas no processo. TERESA WAMBIER chega a registrar que a não interposição da apelação seria comportamento incompatível com a vontade de recorrer (parágrafo único do artigo 503 e artigo 522, todos do CPC), podendo ser considerado tal ato renúncia ao recurso de agravo.

Por outro lado, há os que entendem que a interposição do agravo de instrumento obsta a coisa julgada material e condiciona a eficácia da sentença ao provimento do recurso. Nessa corrente estão, entre outros, GALENO LACERDA e NELSON NERY JÚNIOR .

A própria jurisprudência se divide, existindo, por exemplo, no Superior Tribunal de Justiça - STJ, precedentes que ora seguem a primeira corrente, ora a segunda . O Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, aposentado do STJ, afirma com convicção que a sentença com trânsito em julgado nesses casos somente será afastada nos casos em que se impugnou nulidade ipso jure (REsp 80.049-MG).

Com a não interposição do recurso de apelação, não há que se falar em renúncia ao agravo, como bem pontuou NELSON NERY JUNIOR , pois "renúncia" pressupõe recurso ainda não interposto, ou seja, falar-se-ia em renúncia ao direito de recorrer por agravo de instrumento, o que no caso em estudo é impossível, considerando que o agravo já teria sido interposto. Só se pode falar em desistência na hipótese da parte assim expressamente requerer.

Não há tampouco "aquiescência" (artigo 563, CPC), pois aquiescência é modo - e não forma - de extinção de direitos e deve ser sempre entendida restritivamente. Vale dizer, "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei" (inciso II do caput do artigo 5º, da CF), sendo impossível presumir neste particular que a parte concordou com o provimento final.

Para aqueles que entendem que o recurso de agravo não poderia mais ser julgado, passando a ter eficácia plena a sentença, uma outra explicação deveria ser dada, pois não há renúncia, aquiescência, tampouco outro ato que possa ser interpretado como comportamento incompatível com a vontade de recorrer.

O fato é simples: o recurso de agravo de instrumento não pode ser confundido ou prejudicado com o fato de haver transcorrido in albis o prazo para interposição do recurso de apelação. Esses dois recursos são objetos de irresignações diferentes e são interpostos em momentos processuais separados, na forma e prazo diversos. A existência de um recurso de agravo de instrumento pendente de julgamento no tribunal traz para o recorrente um direito subjetivo público de ver o seu recurso julgado e a questão definida no âmbito jurisdicional, o que impede a preclusão e a eficácia do conteúdo da sentença.

Segundo NELSON NERY JUNIOR , o juiz poderia ainda se retratar, tendo a decisão efeito infringente à sentença. Respeitosamente, há que se entender como impossível esta hipótese. É peremptório o artigo 463 do CPC ao especificar que ao proferir a sentença - leia-se: publicar em Cartório -- o juiz cumpre e acaba o seu ofício jurisdicional, só podendo alterá-la para corrigir inexatidões materiais ou por embargos declaratórios. Portanto, a hipótese definida por NERY JUNIOR só poderia acontecer até a publicação da sentença em Cartório. A controvérsia haverá de ser deixada somente para o tribunal, uma vez que ocorreu para o juiz a preclusão.

Não poderia ainda haver coisa julgada e eficácia plena da sentença proferida, pois ainda não precluiu uma questão especificamente impugnada no curso do processo e que sobre ela ainda há pendência jurisdicional. Isto se dá porque o princípio da singularidade - unirrecorribilidade - assim impõe. A parte tinha o ônus de recorrer naquele determinado momento processual e recorreu, sendo certo que, por força do princípio da recorribilidade em separado, o processo permaneceu com sua marcha (artigo 497, CPC) até a sentença, que fica sob condição resolutiva e dependerá do julgamento do agravo no tribunal.

A condição resolutiva neste particular é a da eficácia da sentença - não há que se falar ainda em efeitos da sentença - e a eficácia do comando jurisdicional, seguida da operação dos seus efeitos concretos, fica condicionada ao não provimento do agravo.

Certo é que há vedação legal de sentença que imponha condição, dado o seu caráter imperativo, mas aqui se fala em condição resolutiva da eficácia de uma sentença, não dos termos em que a questão foi decidida pelo juiz. Não pode haver condição para a resolução da controvérsia, mas, o momento em que o comando jurisdicional estará apto a gerar seus efeitos é que fica postergado, aguardando o julgamento do agravo de instrumento no tribunal.

O que se disse acima é plenamente válido e facilmente observado na nossa sistemática processual, quando, por exemplo, o artigo 475 do CPC determina que as sentenças que julguem questões ali indicadas estão sujeitas ao duplo grau de jurisdição, não surtindo seus efeitos até decisão do tribunal. A remessa obrigatória, que alguns chamam erroneamente de "apelação ex officio", é exemplo claro para o entendimento da questão.

Há também o caso do recurso de apelação sem efeito suspensivo. "A eficácia da sentença começa com o seu proferimento se dela não cabe recurso suspensivo", diz PONTES DE MIRANDA . Nos casos do artigo 520, CPC, não ficará tal eficácia também condicionada ao não provimento da apelação? Tanto é assim que a execução daquele julgado é provisória, asseverando ainda o inciso I do caput do artigo 588, CPC, que correrá por conta e responsabilidade do exeqüente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os prejuízos que o executado venha a sofrer.

Assim, os atos processuais praticados após a interposição do agravo de instrumento ficam sob condição resolutiva, sendo tal hipótese possível ante a própria sistemática processual adotada pelo CPC. Mesmo depois de proferida a sentença deve o agravo ser julgado, somando-se a todos os argumentos lançados acima, além do preceito do artigo 497, a idéia do artigo 516 do CPC, que registra ainda que seja na parte do recurso de apelação: "ficam também submetidas ao tribunal as questões anteriores à sentença, ainda não decididas". A idéia deste preceito pode ser usada para a análise do caso em estudo, máxime existindo questão especificamente impugnada e ainda não decidida. Este é justamente o caso do agravo de instrumento pendente de julgamento mesmo após haver sentença proferida. A ausência do recurso de apelação só faz com que o agravo não seja julgado caso este tenha sido interposto na forma retida.

Corroborando a tese de que a impugnação específica gera ao jurisdicionado direito subjetivo público de ver o agravo julgado, obstando a coisa julgada material da sentença, ponderou o Supremo Tribunal Federal, em acórdão que teve como relator o saudoso Ministro Suares Muñoz (RTJ 91/320):

"O efeito devolutivo do agravo de instrumento, interposto contra o despacho saneador, faz com que a sentença proferida na causa fique com sua eficácia condicionada ao desprovimento do agravo, no que concerne às questões nele ventiladas."

Outros Egrégios Tribunais assim também já consideraram:

"[...] Agravo de instrumento julgado na origem. Recurso especial ainda pendente. Sentença proferida no processo principal. Coisa julgada. Inocorrência. Eficácia condicionada ao desprovimento do agravo.

Certo que o agravo de instrumento não tem efeito suspensivo, podendo o feito prosseguir. A sentença de mérito proferida no processo, entretanto, fica com sua eficácia condicionada, não constituindo nem mesmo o trânsito em julgado causa obstativa ao julgamento do agravo [...]" (STJ; REsp 28137; Rel.: Min. Hélio Mosimann; j.: 10.11.1993. No mesmo sentido: STJ; REsp 182.562-RJ; Rel.: Min. Demócrito Reinaldo; j.: 27.4.1999)

"[...]3. O agravo de instrumento não tem, em regra, efeito suspensivo, o que permite o curso normal da demanda, inclusive com a edição da respectiva sentença. E o efeito devolutivo, no caso, faz com que o julgado fique com sua eficácia condicionada ao desprovimento do agravo, no que concerne às questões nele ventiladas." (TJDFT; APC 165296; Rel. Des. Walter Xavier; j,: 21.5.1997)

"Despacho saneador - omissão quanto à produção de provas - inadmissibilidade - ineficácia dos atos processuais posteriores ao saneador - Recurso provido para esse fim." (TJSP; RJTESP 124/356; Rel.: Des. Viana Santos)

"[...] 1 - A eficácia da sentença proferida antes do julgamento de anterior agravo de instrumento fica condicionada ao seu improvimento, se as questões nele debatidas forem com ela incompatíveis." (TRF-1ª Região; AG 1998.01.00.086116-1 /BA; Rel.: Des. Jirair Aram Meguerian; j.: 8.10.1999)

A solução parece estar mesmo da forma como os julgados acima alinhavados colocaram. A interposição do recurso do agravo de instrumento, em razão do princípio da unirrecorribilidade da decisão e da ampla defesa, traz ao jurisdicionado o direito subjetivo de ver aquela questão especificamente impugnada resolvida, e nisto está a essência do efeito devolutivo do agravo de instrumento.

É possível ir um pouco mais adiante na conclusão: caso a questão a ser resolvida em sede de agravo seja de ordem pública, capaz de ensejar o encerramento do processo, como a ilegitimidade da parte, por exemplo, por conta do efeito devolutivo, a decisão do tribunal que acolher o pedido do agravo para reformar a decisão interlocutória, mesmo que no processo já haja sentença proferida sem que contra ela a parte tenha interposto recurso de apelação, terá o condão de extinguir o processo. Não há como se furtar ao fato de que de neste caso nenhum efeito terá a sentença, cabendo contra a decisão do tribunal que extinguiu o processo recurso para as instâncias superiores.

 

Notas:

1.MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. vol. V. p. 657; 

2. SANTOS, Ernane Fidélis. Manual de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1994. vol. 1. p. 521.

3. WAMBIER, Theresa Arruda Alvim. O Novo Regime do Agravo. 2ª ed. São Paulo, RT: 1996. pp. 356-8.

4. cf. RT 602/186.

5. NERY JUNIOR, Nelson. Princípios Fundamentais: teoria geral dos recursos. 4ª ed. São Paulo, RT: 1957. p. 374.

6. STJ; Min. Ilmar Galvão; REsp nº 2855/SP; j.: 18.6.1990; STJ; REsp. nº 292.565-RS; Rel.: Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira; p.: 5.8.2002; STJ; REsp nº 80.049-MG; Rel.: Min. Fontes de Alencar; p.: 30.3.1998..

7. STJ; REsp nº 141.165-SP; Rel.: Min. Eduardo Ribeiro; p.: 1º.8.2000; STJ; REsp 28.137-PR; Rel.: Min. Hélio Mosimann; j.: 13.12.1993.

8. ob. cit.; p. 374.

9. ob. cit.; p. 374.

10. MIRANDA, Francisco Cavalcantti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. 2a ed. Forense: Rio de Janeiro, 200. Tomo VII. p. 34

 

Como citar o texto:

ABREU, Frederico do Valle.O recurso de Agravo de Instrumento pendente de julgamento. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 44. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-civil/112/o-recurso-agravo-instrumento-pendente-julgamento. Acesso em 15 set. 2003.

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