A inconstitucionalidade do inquérito policial está sendo muito discutida no meio dos Acadêmicos de Direito, uma vez que não dá direito ao contraditório ferindo assim o princípio constitucional da ampla defesa. Mais ainda pelo dano, principalmente moral causado em diversas situações, o que não deixa de também haver o dano material e até lucro cessante.

A discussão tem sido gerada por casos apresentados nas primeiras páginas dos jornais locais, não só aqui, mas em todo Brasil. Um professor, não agüentou as argumentações, acabou dizendo: "essa é a lei e vocês não vão mudar, é assim em Direito Penal".

Não posso, como brasileira, que ama sua pátria, aceitar essa simplória explicação. Entre outras gostaria de deixar um exemplo, para não ficar cansativo, apenas um, um caso verídico.

– MANCHETE DO JORNAL – “Sacoleira Assassina Delegado Amante”.

- NA NOTÍCIAO delegado fulano de tal, conhecido pelos relevantes serviços prestados ao Estado, de ilibada reputação foi cruelmente assassinado por sua amante Beltrana da Silva, que disparou um tiro mortal da arma do próprio delegado atingindo seu olho, apesar de ter sido socorrido, já chegou morto ao hospital. Presa em flagrante delito, a assassina encontra-se à disposição da justiça...

Caros leitores, esse tipo de assunto permaneceu por semana inteira nos jornais, televisão, enfim nos meios de comunicação, trazendo várias histórias e com elas muitas contradições.

Obviamente, a sua vida, a da Beltrana, então apenas suspeita, já estava acabada ali, social e comercialmente. Pasmem! A tal da Beltrana além de achincalhada moralmente, além de ter apanhado e muito da própria polícia, em nome do corporativismo, foi conduzida à Penitenciária da cidade, aonde só devem estar os condenados com sentença transitada em julgado, aonde sofreu várias torturas das presas, queimaduras, humilhações e até violação sexual.

Acontece que essa mesma polícia não conseguiu encontrar provas suficientes, nem os laudos do ICRIM, sequer para indiciá-la no inquérito policial e 47 dias após ela foi solta. Com medo da sociedade e de represálias, completamente desestruturada emocionalmente, foi para o Rio de Janeiro, com a ajuda de alguns amigos que já conheciam a verdadeira versão dos fatos, aonde trabalhou por 1 ano como empregada doméstica para sobreviver, tendo fechado seu comércio.

È isso que entenderam caros leitores!

A história era outra, e foi esclarecida e comprovada, a sacoleira era uma mulher que tinha seu comércio devidamente registrado, teve um relacionamento com o delegado durante 5 anos, já estava separada haviam 2 anos, quando conheceu outra pessoa e começou um novo relacionamento.

Quando o delegado soube, teve uma crise de amor, voltou a procurá-la, ela disse já estar num relacionamento novo, vivendo bem e não queria mais lembrar do relacionamento que teve com ele, após diversas tentativas, o delegado embriagado, invadiu sua casa empunhando um revólver, dizendo que se não fosse dele, não seria de ninguém, engatilhou a arma e ela segurou seu braço num esforço terrível para não ser atingida pela fúria do delegado, ele apertou o gatilho e acertou nele mesmo, falecendo.

Isso foi presenciado por vizinhos, apavorados, mas quando os colegas policiais chegaram, foram batendo nela, algemaram-na, jogaram-na no camburão da polícia até a delegacia e de lá para a Penitenciária, aonde colocaram-na junto com presas orientadas para torturá-la.

Mas as conclusões do inquérito policial e a sua inocência, não mereceram manchetes nos jornais. Ela, para a sociedade continuou parecendo a sacoleira assassina e amante, sem direito a defesa ou ao contraditório.

Sintomatizou, no seu desespero emocional, um câncer de mama que trata ainda hoje, usando chapéu não para se esconder, mas para cobrir a sua calvice, própria do tratamento de quimioterapia que passa até hoje, mesmo assim, como guerreira, luta contra o câncer e sua reabilitação social e comercial.

Perguntou-me: Posso pedir indenização ao Estado não é? Decerto respondi com o coração apertado, lembrando de um dos mandamentos do Direito – “Quando veres em confronto o direito e a justiça fica com a justiça”.

Quem conhece um pouco o assunto deve se entristecer como eu, pois sabe que o medo de represálias mais a fragilidade emocional, física, social que ainda se encontra, não lhe dará forças para fazer isso. Para buscar o que lhe é devido pelo Estado e se tivesse, como reparar um dano desse monte? Quanto pagaria por uma vida o Estado? Quando pagaria? Vale a pena tentar?

Eu, caro leitor, não soube responder diante da sena contada ao vivo, o passado que lhe fez morrer para o futuro.

Creio, portanto, que a Polícia é muito importante para o País, como creio que a imprensa também o é, mas é preciso acabar com esse trinômio polícia-imprensa-sensacionalismo, é preciso responsabilizar de fato quem assim age, inconseqüentemente, irresponsavelmente.

Ademais, é incontinente a Reforma do nosso Código Penal, e que se lembrem do Inquérito Policial, da inconstitucionalidade de cerceamento de defesa a um suspeito e do dano moral, sobretudo, além do dano material e até do lucro cessante que um inquérito mal aberto e com parcialidade pode deixar mortas pessoas vivas, com a conivência ativa da imprensa.

Como ela teve amigos que cuidaram de guardar todos os documentários e ela mesma, documentos bastantes para entrar com a Ação de Indenização contra o Estado, por uma questão absoluta de Direito, o escritório aceitou a causa.

Espero, um dia, incerto logicamente, poder postar aqui a sentença do MM. Juiz, e lembrá-los deste caso, que é de muitos.

(Texto elaborado em abril/2006)

 

Como citar o texto:

MARTINS, Marlete Ferreira..Inquérito policial: inconstitucionalidade e dano. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 176. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/1204/inquerito-policial-inconstitucionalidade-dano. Acesso em 2 mai. 2006.

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