1) Intróito.

O contrato de fiança encontra-se previsto nos artigos 809 a 839, do CC/2002. No contrato de fiança uma pessoa (o fiador) assume para com o credor a obrigação de pagar a divida, se o devedor (o afiançado) não o fizer, surgindo uma obrigação fidejussória, reforçando uma outra, denominada principal, por uma garantia pessoal.

     2) Características.

   O contrato de fiança locatícia é gratuito, em razão do fiador não obter qualquer vantagem correlata a obrigação de pagamento da divída; unilateral por ocasionar obrigações somente para o fiador, intuitu personae, porque importa a confiança que inspire o fiador ao credor; acessório pois necessita do contrato principal que está a garantir. É importante destacarmos, com fundamento no artigo 836 do CC/2002, que apesar de ser a fiança intuitu personae ela não obsta a responsabilização dos herdeiros.

     3) Requisitos.

      Há necessidade da existência de um objeto, que poderá ser uma obrigação de fazer, não fazer ou de dar. O valor da obrigação principal serve de limite para a responsabilidade pela fiança. A fiança também pode ter como objeto outra fiança, caso em que se denomina subfiança e o fiador do fiador denomina-se abonador. Existirá a co-fiança quando forem vários os fiadores e há a retrofiança quando o fiador exige do devedor outro fiador para o caso de exercício do direito de regresso.

     Outro requisito importante no contrato de fiança é a capacidade das partes, exigindo-se para ser fiador a capacidade genérica e específica para alienar. Salvo no regime de separação absoluta de bens, sendo casado o fiador, será necessária a denominada outorga uxória ou marital, passível de suprimento judicial.

     A forma também é requisito do contrato de fiança, devendo ser escrita e podendo integrar o próprio instrumento do contrato principal.

4) Efeitos.

    Surge efeitos entre o fiador e o afiançado, como a sub-rogação nos direitos do credor, se o fiador pagar a dívida (art. 831, CC), assim como, o devedor responde perante o fiador por perdas e danos que este pagar ou sofrer em decorrência da fiança.

   Há também os efeitos entre o credor e o fiador que são: benefício de divisão, benefício de divisão e possibilidade de oposição de exceções pessoais e do devedor principal. O benefício de divisão cabe quando são vários os fiadores (co-fiança) e cada um houver se responsabilizado por uma parte da dívida (art. 829, parágrafo único e art. 830, CC). Consiste o benefício de ordem no direito assegurado ao fiador de exigir do credor que acione em primeiro lugar o devedor principal. É importante ressaltar que a invocação não é cabível se o fiador renunciou previamente ao benefício, expressamente ou porque se obrigou solidário, ou se o devedor for insolvente ou falido (art. 828, CC).

  O fiador pode opor ao credor exceções pessoais, bem assim aquelas oponíveis pelo devedor principal, se estas não decorrem de incapacidade pessoal, salvo o caso do mútuo feito a menor (arts. 824 e 837, CC).

5) Extinção.

    A fiança extingue-se com a extinção da obrigação principal. Extingue-se também a fiança se for impossível ao fiador sub-rogar-se nos direitos do credor por culpa deste; se com ausência do consentimento do fiador, o credor conceder moratória ao devedor; se o credor, a quem forem indicados bens do devedor pelo fiador, retardar a execução, deixando o devedor cair em insolvência e se houver substituição do objeto do pagamento e vier o credor a perder, por evicção a coisa perdida. É importante enfatizarmos que a fiança não admite interpretação extensiva (art. 114 e  819, CC), extinguindo-se em caso de novação, se desta não participou o fiador (art. 366, CC).

O Superior Tribunal de Justiça assim já assentou:

FIANÇA. LOCAÇÃO. CLÁUSULA. ENTREGA. IMÓVEL.

O contrato acessório de fiança há que ser interpretado restritivamente, delimitada a responsabilidade do fiador pelos encargos previstos no pacto locatício original, de tal forma que não se compromete com a prorrogação do contrato que não tenha anuído (Súm. n. 214-STJ). Isso prevalece mesmo que haja cláusula expressa de que sua responsabilidade perduraria até a efetiva devolução do bem. Prosseguindo o julgamento, com esse entendimento, a Turma, por maioria, deu provimento ao recurso. Precedentes citados: AgRg no Ag 468.828-DF, DJ 28/10/2003, e REsp 503.594-SP, DJ 30/6/2003. REsp 421.098-DF, Rel. originário Min. Fontes de Alencar, Rel. para acórdão Min. Hamilton Carvalhido (art. 52, IV, do RISTJ), julgado em 17/2/2004.

6) Lei 8.009/90 e Fiança Locatícia.

    Quanto à questão da penhorabilidade do bem de família pertencente ao fiador em contrato de locação, o artigo 3º, VII, da Lei 8.009/90, alterado pelo art. 82  da Lei nº 8.245/91, assim dispõe:

“ A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

(...)

VII- por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação”

  Os Tribunais Superiores, em especial o Superior Tribunal de Justiça, após a edição da norma supracitada admitiu ser válida a penhora do bem de família pertencente ao fiador para garantir débitos decorrentes de fiança locatícia. Todavia, após o julgado proferido pelo Supremo Tribunal Federal, Recurso Especial 352940/SP, de  relatoria do Min. Carlos Velloso, publicado em 13.05.2005, restou consignado que o art. 6º da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 26/2000, não recepcionou o art. 3º, VII, da Lei 8.009/90, conforme disposto na respectiva ementa:

CONSTITUCIONAL.CIVIL. FIADOR.: IMÓVEL RESIDENCIAL DO CASAL OU DE ENTIDADE FAMILIAR: IMPENHORABILIDADE. Lei 8.009/90, arts 1º e 3º. Lei 8.245/91, de 1991, que acrescentou o VII, ao art. 3º, ressalvando a penhora “ por obrigação decorrente de fiança concedia em contrato de locação”: sua não- recepção  pelo art. 6º,C.F., com a redação da EC 26/2000. Aplicabilidade do princípio isonômico e do princípio da hermenêutica: ubi eadem ratio, ib ieadem legis dispositis: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra do Direito. Recurso Extraordinário Conhecido e Provido.

     Assim a jurisprudência majoritária dos Tribunais posicionou-se conforme o julgado do Pretório Excelso contudo, em recente julgado proferido no RE 407688/SP, de relatoria do Min. Cezar Peluzo, publicado em 08.02.2006, o Supremo Tribunal Federal assentou que continua sendo passível de penhora o bem de família pertencente ao fiador em contrato de locação. O Pretório Excelso entendeu que não haveria violação ao artigo 6º da Carta Magna, ao contrário, seria uma forma de viabilização ao direito de moradia,  pois facilita e estimula o acesso à habitação arrendada, constituindo reforço das garantias contratuais dos locadores, afastando garantias mais onerosas como a fiança bancária.

7) Conclusão

     O Brasil é um país com um enorme contigente de pessoas com baixa instrução, o que dificulta o acesso a outros meios de garantia contratuais como a fiança bancária, dentre outras. A fiança contratual é prática bastante aceita nas camadas mais pobres da população, principalmente para celebrar contratos de aluguel residencial. A decisão do STF no sentido de garantir a penhorabilidade do bem de família do fiador representa um avanço  no sentido de incentivar a celebração de contratos de locação de imóvel para fins residenciais, pois possibilita mais uma garantia ao locador. A fiança é um contrato acessório imprescindível a celebração dos contratos de locação. Nada mais justo do que resguardar os direitos do locador que com sua atividade atinge um fim social, qual seja, o direito de moradia.

(Elaborado em abril/06)

 

Como citar o texto:

PEREIRA, Francisco José de Andrade..Bem de família do fiador: penhorável ou não?. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 176. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-civil/1211/bem-familia-fiador-penhoravel-ou-nao. Acesso em 2 mai. 2006.

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