Introdução - Mercosul - Aproximação e harmonização legislativas - A importância, para o Mercosul, do sistema de aproximação legislativa utilizada pela comunidade européia - Liberdade de estabelecimento - Harmonização legislativa no Mercosul - As atividades societárias no Mercosul - Regime legal referente às sociedades anônimas - Regime legal referente às sociedades por cotas de responsabilidade limitada - Reconhecimento das sociedades estrangeiras nos países membros do Mercosul - Dificuldades encontradas para fins de harmonização da legislação societária no Mercosul - Conclusão.

INTRODUÇÃO

Desde o fim da segunda grande guerra, verificou-se, no cenário mundial, e de forma bastante acentuada, um fenômeno relacionado com a internacionalização do capital.

Assim é que se observa, com uma certa freqüência, a existência de conveniências recíprocas entre governos e empresas ou conglomerados, no que atine a assuntos nacionais, regionais e mundiais. Resta indiscutível, contudo, o fato de que, em virtude de certa divergência entre a geoeconomia e geopolítica das transnacionais e os interesses dos Estados, alguns incidentes demonstram progressiva limitação ao clássico princípio de soberania, em que se filiava o Estado-nação.

Não obstante o capitalismo continuar a possuir as suas bases nacionais, faz-se mister a observação no sentido de que se encontra em curso um processo de "mundialização", o que veio significar a remoção de fronteiras. Esta globalização, com a sua conseqüente intensificação das relações mundiais, promoveu tanto a expansão da consciência dos atores (individuais ou coletivos), quanto a diferenciação e ampliação dos sistemas ou organizações.

Com a cada vez crescente internacionalização dos mercados financeiros, de capitais e de trabalho, o que se observa é o descompasso, por parte dos governos nacionais, entre a limitada margem de manobra que possuem e os imperativos surgidos das relações estabelecidas de forma global.

Como resultado, surge a necessidade de adaptação dos sistemas nacionais à competitividade internacional, até mesmo como forma de "sobrevivência" daquele Estado no contexto mundial. Uma das formas de possível solucionamento deste problema vem sendo representada pela emergência de regimes supranacionais, tais como a União Européia, Mercosul, dentre outros.

A idéia de um fenômeno a que poderíamos também denominar de mundialização não é de todo nova. Em determinados momentos da história, verificamos a sua ocorrência, de maneira muito bem consubstanciada, v.g. quando do fim da segunda guerra mundial, como uma maneira de se apresentar tal qual uma antítese relativamente às fortes idéias de nacionalismo, nos moldes em que observadas nos países integrantes do eixo. Apenas a fundamentação da abordagem é que vem se alterando com o tempo: o que antes possuía natureza predominantemente política, passou, em um segundo momento, a dedicar especial atenção ao aspecto econômico.(1)

Não obstante a importância caracterizada pelos contornos trazidos por ela (ou talvez em razão disso), a globalização ainda se apresenta, relativamente ao seu conceito, com uma certa imprecisão. Isto porque os pesquisadores têm se utilizado de inúmeras metáforas, cada uma delas representado apenas uma parte integrante de um todo, este sim denominado de "globalização".(2)

Apesar desta imprecisão, defende-se a tese de que qualquer conceito deve nascer com a intenção de atendimento a uma nova forma gerada principalmente pela acumulação e internacionalização de capitais, com os seus reflexos nas mais variadas esferas. Adotaremos, in casu, aquele que foi apresentado por JÜRGEN HABERMAS,(3) que em artigo recentemente publicado afirmou significar "transgressão, a remoção das fronteiras, e portanto representa uma ameaça para aquele Estado-nação que vigia quase neuroticamente suas fronteiras." (grifo nosso).

Desta forma, e por se constituir em um dos integrantes do Direito Social, é lógico que o direito societário não poderia passar ao largo das questões relativas ao fenômeno da globalização, uma vez que vem sentindo, de forma direta, os efeitos advindos da preocupação mundial no sentido de se retirar qualquer elemento que inviabilize a disputa internacional do mercado. É oportuno lembrar, por exemplo, serem muitas as razões que vêm se apresentando para um desenvolvimento da atividade internacionalizada por parte das empresas.

Neste contexto de aumento das hipóteses de situações conectadas a mais de uma ordem jurídica, é de significativa importância a atuação dos próprios agentes sociais, através da busca de um elemento de conexão mais adequado.

MERCOSUL

Hodiernamente, e como já se afirmou, a crescente aproximação das comunidades humanas, pelos seus mais diversos motivos, v.g. sociais, culturais e comerciais, tende a transformar a sociedade em uma global village, dentro de um fenômeno que se tem denominado de "globalização de mercado".

Dentre as muitas e variadas causas responsáveis pela expansão das relações comerciais, os empresários por vezes estendem as suas atividades para fora das fronteiras nacionais, chegando, até mesmo, em alguns casos, à prossecução em termos de não privilegiar qualquer ligação nacional, como acontece com as empresas assim denominadas "transnacionais".

Há muito já se vinha afirmando que a integração da América Latina, além de um imperativo histórico, representaria o caminho necessário para o desenvolvimento econômico, social e político para uma integração competitiva na economia mundial.

Esse fenômeno vem colocando algumas questões no que concerne à harmonização legislativa, como um todo, e daquela societária, em particular, a que se dedica o presente trabalho.

APROXIMAÇÃO E HARMONIZAÇÃO LEGISLATIVAS

Assim é que, após inúmeros convênios celebrados entre os países do Cone Sul, decidiu-se constituir, através do Tratado de Assunção, o mercado que veio a se denominar de "Mercado Comum do Sul (MERCOSUL)", em que são signatárias a República Argentina, a República Federativa do Brasil, a República do Paraguai e a República Oriental do Uruguai. O aludido Tratado, em seu art. 1º, faz expressa referência a um compromisso de harmonização legislativa, nas áreas pertinentes, com o objetivo de se atingir um fortalecimento no processo de integração.

Semelhante fenômeno também se verificou no que concerne ao Tratado que instituiu a Comunidade Européia, onde, dentre os princípios enumerados no seu art. 3º, letra "h", pode-se observar a questão da aproximação legislativa de cada país, na medida em que se fizer mister para o bom funcionamento do mercado comum.

Apesar de muito terem sido utilizados como termos sinônimos, podemos afirmar que harmonização, aproximação e coordenação não possuem o mesmo sentido.(4) Segundo Riccardo Monaco, a coordenação caracteriza-se pela simples eliminação dos contrastes existentes entre elas, sejam, estes contrastes, de natureza lógica ou substancial; por outro lado, ainda segundo o supramencionado autor, a harmonização - que representaria um sistema mais evoluído, comparativamente com o anterior, procura eliminar tudo quanto se opõe a que produzam efeitos similares em sua aplicação.(5) E, após estabelecer um lapidar estudo comparativo das disposições, constantes dos Tratados de Assunção e de Roma, no que se refere à harmonização ou aproximação das legislações nacionais, Werter R. Faria conclui que uma boa análise "revela a concepção incompleta e vaga do processo de integração do Cone Sul"(6).

A IMPORTÂNCIA, PARA O MERCOSUL, DO SISTEMA DE APROXIMAÇÃO LEGISLATIVA UTILIZADA PELA COMUNIDADE EUROPÉIA

Formas de aproximação legislativa. O Tratado de Roma, que, em seu art. 3º, letra "h", conforme já se mencionou, dispõe acerca da necessidade de aproximação das legislações nacionais na medida em que isto se fizer necessário para o bom funcionamento do mercado comum, prescreve, em seu art. 100, a possibilidade de adoção de diretivas pelo Conselho da Comunidade Européia, enquanto que, em seu art. 101, prevê a adoção de outras medidas complementares, pelo próprio Conselho, no que atine à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros.

Assim, conclui-se que as diretivas, que vinculam "o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios",(7) não representam o único instrumento de que se pode fazer uso com o objetivo de aproximar as legislações nacionais.(8)

Referindo-se àquele que se apresentou como principal instrumento (as diretivas), Fausto Capelli dividiu as diretrizes em dois grupos, a saber:

a) as diretivas do primeiro tipo, que podem ser denominadas de aproximação ou harmonização, e que efetivamente tendem a harmonizar as legislações nacionais (eventualmente em contraste), que já existem e que os Estados-Membros aplicam numa determinada matéria; e

b) as diretivas do segundo tipo, também chamadas de coordenação, e que tendem a fazer com que os Estados-Membros adotem uma legislação em geral parcialmente nova, em bases uniformes, enquanto a matéria regulada, em alguns casos, ainda não foi totalmente disciplinada pelas legislações nacionais, ou, em outros casos, encontra-se disciplinada com entendimentos diversos.(9)

Objetivando uma harmonização societária, foram as seguintes as diretivas adotadas pela Comunidade Econômica Européia.(10)

- nº 68/151, de 09.03.68, relativa à publicidade, validade de compromissos sociais e nulidade;

- nº 77/91, de 13.12.76, relativa à constituição da sociedade anônima e à manutenção e modificação de seu capital;

- nº 78/660, de 25.07.78, concernente às contas anuais de certos tipos de sociedades;

- nº 78/855, de 09.10.78, atinente às fusões de sociedades anônimas;

- nº 82/891, de 17.12.82, sobre cisão de sociedades;

- nº 83/349, de 13.07.83, acerca de documentos contábeis dos grupos de sociedades;

- nº 84/253, de 10.04.84, referente à habilitação de pessoas a quem se encomenda a verificação legal dos documentos contábeis;

- nº 89/666, relativa à publicidade devida pela sucursal quando a matriz está sujeita ao direito de outro Estado membro;

- nº 89/667, de 21.12.89, que trata das sociedades de responsabilidade limitada onde há um único sócio.

LIBERDADE DE ESTABELECIMENTO

No que se refere à liberdade de estabelecimento, esta é reconhecida como uma das regras fundamentais do direito comunitário europeu, assim como do Mercosul, inclusive no que atine às sociedades. Isto porque, somente desta forma é que estará atendido o princípio da livre circulação dos fatores da produção.(11)

No que atine especificamente a um Mercado Comum, podemos dividir, em quatro grupos, as liberdades básicas para a sua conformação(12):

a) livre circulação de pessoas, de onde se eliminam requisitos de passaporte e visto;

b) livre circulação de bens, o que provoca a eliminação, total ou parcial, das tarifas aduaneiras, além da manutenção de uma tarifa externa comum para os produtos provenientes de terceiros países;

c) livre circulação de capitais, considerando-se nacionais os capitais provenientes de Estados integrantes do Mercado, bem como são consideradas nacionais as empresas deles originadas; e

d) livre circulação de serviços, que se encontra diretamente vinculada ao estabelecimento comercial e ao livre exercício profissional, técnico, científico ou liberal.

No que concerne especificamente à aquisição do direito de estabelecimento pelas sociedades, o art. 58, do Tratado de Roma, vinculou-o a vários requisitos:

a) as sociedades deverão estar constituídas em conformidade com a lei de um Estado-Membro;

b) deverão ter o domicílio, a administração central ou o centro de atividade principal, no interior da Comunidade.

Cumpridos os supramencionados critérios, as sociedades recebem tratamento equiparado ao dos cidadãos dos Estados-Membros, no que atine à liberdade de estabelecimento, onde a condição indispensável é a da nacionalidade de um país integrante da Comunidade.

Acrescente-se, ainda, que o art. 52, do Tratado de Roma, prevê que "a liberdade de estabelecimento compreenderá o acesso às atividades não assalariadas e seu exercício, assim como a constituição e gestão de empresas e, especialmente, de sociedades, tal como se definem no art. 58, nas condições fixadas pela legislação do país de estabelecimento para seus próprios nacionais..." Do exposto se conclui pela existência de dupla participação das sociedades na liberdade de estabelecimento, as quais passamos a aduzir:

a) as sociedades nacionais de um país em outro da mesma Comunidade; e

b) pessoas físicas nacionais de um Estado-membro em outro país da Comunidade, exercendo atividade econômica sob a forma societária.

As pessoas jurídicas de atuação comunitária. Hipótese diferente de sociedades é aquela relativa às pessoas jurídicas de atuação comunitária, com as quais não podem se confundir as sociedades referidas nos parágrafos anteriores. As pessoas jurídicas de atuação comunitária, como a própria expressão já permite que se veja, são aquelas que possuem conexão direta com o ordenamento comunitário, e não somente com um determinado ordenamento estatal.

Isabel Meirelles, jurista portuguesa, chegou a afirmar que "o corolário lógico para um mercado europeu é um modelo de Sociedade Européia (SE), que propicie uma cooperação transfronteiriça, aspecto basilar do funcionamento de um verdadeiro mercado único.(13)"

Sociedade anônima européia. As palavras de Isabel Meirelles, transcritas supra, servem perfeitamente para demonstrar a consciência, existente, naquela época, na CEE, no sentido de ser bastante conveniente a criação de um tipo societário que, sem prejuízo do fato de que a sua constituição se dá em um dos Estados membros, estivesse submetido à legislação rigorosamente uniforme.

Diante da aludida constatação, a Comissão da CEE redigiu um primeiro memorando, onde tratava exatamente da criação de uma sociedade comercial européia, onde se deveria dar preferência a uma vinculação diretamente comunitária.(14) Os trabalhos da época, conduzido por Sanders, professor da Universidade de Rotterdam, ensejaram um anteprojeto, que, no entanto, não teve repercussão imediata, por diversos fatores, dentre eles o ingresso do Reino Unido na Comunidade Econômica Européia.(15)

Foram várias as dificuldades observadas, até que, em 25.08.89, a Comissão entregou, ao Conselho, a proposta de criação da Sociedade Anônima Européia, além da proposta de diretiva que objetivava a complementação do assunto, onde se estabeleceu que seria uma sociedade supranacional européia.

Como principais objetivos da sociedade anônima européia, podemos mencionar os seguintes:

a) funcionar como um instrumento útil para a reestruturação das empresas européias;

b) permitir uma melhora da competitividade no mercado mundial;

c) liberar as sociedades, existentes nos diversos países que já integravam a CEE, dos inconvenientes jurídicos e das dificuldades práticas, derivados da existência de ordenamentos diversos.

Como uma maneira de atingir os referidos objetivos, estabeleceu-se um limite, quanto à constituição da sociedade anônima européia, para somente se permitir a sua criação entre sociedades nacionais e outras sociedades européias já existentes. Acrescente-se, ainda, que pessoas físicas não poderiam constituir as sociedades européias.(16)

Foram diversos os problemas surgidos, dos quais podemos mencionar, como um dos mais importantes, aquele surgido da aplicação, requerida pela Alemanha, do sistema da co-gestão, através da existência de um órgão colegiado (Vorstand). O instituto teve acolhida por parte da Comissão, por ser entendido como elemento caracterizador de um progresso que não poderia ser ignorado.

Finalmente, e ainda no que atine às sociedades anônimas européias, os últimos registros apontam para o fato de que o projeto ainda se encontra em discussão.

Grupo Europeu de Interesse Econômico. Baseado no modelo francês dos Groupements dInterêt Économique, o Grupo Europeu de Interesse Econômico (GEIE) foi instituído pelo Conselho de Ministros da Comunidade, em 25.07.85, através do Regulamento nº 2137/85, da Comunidade Econômica Européia, publicado na mesma data no Diário Oficial de Comunidade, além do Boletim das Comunidades Européias, Supl. 3/87.(17)

Apresentando-se como uma espécie compreendida entre a sociedade e a associação, o GEIE não se caracteriza como grupo de sociedades, mas como um instrumento colaborador e de coordenação, relativamente à atividade empresarial. Isto faz com que o seu instrumento regulador seja o contrato, e não um estatuto, o que nos leva à conclusão de ser bastante ampla a autonomia da vontade dos agentes contratantes.

Conclusão.

A importância dos métodos, adotados pela Comunidade Européia, é principalmente o de que, antes da sua instituição, somente existia, como método uniformizador do direito, aquele referente à celebração de convenções bilaterais ou multilaterais entre Estados interessados.

HARMONIZAÇÃO LEGISLATIVA NO MERCOSUL

Antes de adentrarmos propriamente na matéria relativa à harmonização da legislação societária no Mercosul, torna-se oportuna uma rápida abordagem no que concerne à diferença de estrutura orgânica observada entre os mercados comuns (europeu e aquele referente ao Mercosul).

Considerando-se a sua judiciosa exposição acerca da matéria, não será demais repetir as palavras de Werter R. Faria nesta passagem:

"O Tratado de Assunção difere profundamente do Tratado CEE na parte relativa à estrutura orgânica dos dois mercados comuns. No europeu, a realização das tarefas confiadas à Comunidade compete a cinco órgãos: o Parlamento Europeu, o Conselho, a Comissão, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Contas. Com exceção do Conselho, composto por representantes dos Estados-Membros, designados pelos respectivos governos, as demais instituições são integradas por membros eleitos (Parlamento), escolhidos pelos Estados-Membros em razão da sua competência e que ofereçam todas as garantias de independência (Comissão) ou, além destas garantias, reunam as condições exigidas, nos respectivos países, para o exercício das mais altas funções jurisdicionais ou que sejam jurisconsultos de reconhecida competência, nomeados, de comum acordo, pelos governos dos Estados-Membros (Tribunal de Justiça), escolhidos pelo Conselho dentre personalidades que pertençam ou tenham pertencido, nos respectivos países, a instituições de fiscalização externa ou que possuam uma aptidão especial para essa função (Tribunal de Contas). Quatro das cinco instituições são supranacionais. A exceção é o Conselho.

O Protocolo Adicional do Tratado de Assunção sobre a Estrutura Institucional do Mercosul - Protocolo de Ouro Preto -, embora o tenha personificado, manteve os órgãos existentes durante o período de transição: o Conselho do Mercado Comum, o Grupo Mercado Comum e a Comissão Parlamentar Conjunta e criou a Comissão de Comércio do Mercosul, o Foro Consultivo Econômico-Social e a Secretaria Administrativa do Mercosul.

Nenhum dos seis órgãos tem caráter supranacional. A própria Comissão Parlamentar Conjunta é um órgão representativo dos Parlamentos nacionais no seio do Mercosul. O artigo 23 do Protocolo deixa expresso que os integrantes da Comissão são parlamentares representantes dos Estados-Partes, e não representantes de seus povos. Em virtude do caráter intergovernamental dos órgãos do Mercosul dotados de capacidade decisória, a harmonização das legislações fica restrita a decisões do Conselho do Mercado Comum e a convenções entre os Estados-Partes."

Como consectário do que foi afirmado supra, temos que as decisões do Conselho do Mercosul não produzem efeitos diretos sobre os ordenamentos jurídicos dos Estados-Partes, apenas vincula-os no sentido de introduzirem as normas de harmonização em seus respectivos ordenamentos jurídicos, através da hierarquia de lei, se esta for reguladora da matéria, ou, ainda, se competir ao Parlamento nacional a delimitação da matéria.

AS ATIVIDADES SOCIETÁRIAS NO MERCOSUL

Ab initio, cabe observar que a atuação extra-territorial de sociedades encontra-se caraterizada por uma das seguintes situações, segundo Ana Maria M. de Aguinis:

"1. Admissão ao país para realizar atos isolados, tais como aplicações na Bolsa ou aquisição de imóveis.

2. Estabelecimento de uma sociedade estrangeira para o desenvolvimento, de maneira habitual, de sua atividade ou objetivo social, sob duas modalidades:

2.1. A sucursal ou representante permanente, como é denominada na Argentina, Paraguai e Uruguai, é chamada de filial no Brasil. Trata-se de um desmembramento administrativo-empresarial, descentralizado da matriz, que opera de maneira habitual e regular na mesma atividade econômica, com capital próprio, mas sem formar uma pessoa jurídica independente.

2.2. A filial (Argentina, Paraguai e Uruguai), chamada de subsidiária no Brasil. Trata-se de um sujeito de Direito, uma pessoa jurídica diferenciada da matriz, porém controlada por esta. Implica que uma sociedade constituída no exterior forma parte e controla sua filial localizada em outro país membro, por meio dos votos suficientes para prevalecer nas assembléias e designar os administradores."(18)

Prestados estes esclarecimentos iniciais, passamos à verificação dos principais aspectos envolvendo as sociedades de capital nos países do Mercosul. Em um primeiro momento, analisaremos o regime legal referente às sociedades anônimas, bem como no que atine àquelas por cotas de responsabilidade limitada, para, em um segundo instante, verificarmos alguns pontos referentes ao reconhecimento de sociedades estrangeiras pelos países integrantes do Mercosul.(19)

REGIME LEGAL REFERENTE ÀS SOCIEDADES ANÔNIMAS

Argentina. Na Argentina, as sociedades anônimas são disciplinadas pela Lei nº 19.550/72, parcialmente alterada pela Lei nº 22.903/83. Não responde a diferentes regimes legais, independentemente, por exemplo, de ser aberta ou fechada, além de outras variáveis mencionadas pelo Direito estrangeiro. No entanto, política legislativa estabeleceu diferenças quanto ao controle estatal, levando-se em consideração o tamanho da empresa, bem como o interesse público que se encontra comprometido. Assim, as hipóteses de sociedades que se encontram permanentemente sujeitas ao controle estatal encontram-se mencionadas no art. 299, da Lei nº 19.550/72. A denominação, a exemplo do que ocorre com os outros países do Mercosul, pode ser de fantasia ou integrar-se de nome dos sócios, devidamente acompanhada da impressão "sociedade anônima", ou sua sigla S.A.

Quanto à sua constituição, esta pode se dar por escritura pública e por ato público ou em forma sucessiva.

O controle se dá através da apresentação dos seus atos constitutivos à autoridade de controle correspondente ao domicílio da sociedade, para fins de verificação do preenchimento de requisitos legais, v.g. a taxa de inscrição.

O registro da sociedade se verifica no Registro Público do Comércio, além de prévia publicação no Boletim Oficial, quando serão aplicáveis os atributos da limitação de responsabilidade, relativamente aos fundadores, promotores e sócios da S.A.

Quanto à subscrição, bem como integralização do capital subscrito, a primeira delas se dá quando da celebração do ato constitutivo. Na mesma oportunidade, deverá ser integralizado, no mínimo, o capital equivalente a 25% do que foi subscrito. Em casos que tais, o saldo poderá ser integralizado em até dois anos. A hipótese de mora na integralização será automática, acarretando a imediata suspensão dos direitos inerentes às mesmas, além da possibilidade de aplicação de sanções previstas nos estatutos da empresa.

Relativamente à direção da sociedade, esta fica a cargo de diretores eleitos pela assembléia geral ordinária de acionistas ou pelo conselho de vigilância. O diretor, que ocupa cargo pessoal ou indelegável,(20) cumprirá mandato eletivo não superior a três anos.

Finalmente, cabe observar que a fiscalização pode se dar, no Direito argentino, relativamente às S.A., de duas formas:

a) permanente, relativamente às sociedades que realizam oferta pública, bem como àquelas que efetuam operações de capitalização e poupança, ou superam um capital mínimo estabelecido. Esta espécie de fiscalização abrange o controle da constituição, funcionamento, dissolução e liquidação de sociedades, limitando-se a verificar o cumprimento de normas fiscais e de legalidade formal; e

b) limitada, que se refere especificamente aos atos de constituição, modificações de estatuto, dissolução e liquidação, sem prejuízo de qualquer outra função de vigilância, v.g. requerida pelos acionistas, ou na defesa de interesses do grande público.(21)

Brasil. As sociedades anônimas são regidas, no Brasil, pela Lei nº 6.404/76, que dispõe detalhadamente acerca da matéria, além do Decreto nº 2.627/40, que trata da autorização para funcionamento das S.A. estrangeiras. A companhia recebe a distinção entre aberta e fechada, onde a empresa de capital aberto distingue-se pela oferta de suas ações para venda em Bolsas de Valores.

Quanto à sua constituição, esta pode se dar por escritura pública ou privada, o mesmo se dando relativamente à subscrição. Considerando-se que a sua natureza é sempre mercantil, os atos constitutivos são arquivados na Junta Comercial do domicílio da sociedade, considerando-se domicílio o local onde funcionam as suas respectivas diretorias e administrações. Os primeiros administradores são solidariamente responsáveis pelos atos ou operações praticadas com o objetivo de constituição e formalização da S.A. Esses atos e operações podem ser ratificados pela assembléia de acionistas, que passará a assumir a responsabilidade por aqueles compromissos cumpridos.

Relativamente à denominação, esta pode ser integrada por nomes de pessoas físicas, porém sempre antecedida pela palavra "Companhia" ou seguida pela expressão "sociedade anônima", de forma completa ou abreviada.(22)

No que atine à integralização do capital, as suas condições são normalmente previstas no estatuto ou no contrato de subscrição. A falta de cumprimento, além de caracterizar a mora imediata, dá ensejo à intimação para se que efetue o respectivo pagamento, além de tornar possível o ajuizamento de ação de cobrança das somas comprometidas.

Na sua composição - e, obrigatoriamente, nas companhias abertas e as de capital autorizado -, as sociedades anônimas brasileiras possuem um Conselho de Administração, composto de, no mínimo, três membros eleitos, que exercerão a administração da companhia juntamente com o seu corpo diretor. No que se refere à diretoria, esta será composta de, pelo menos, dois diretores, para um mandato não superior a três anos. Quanto à administração, a legislação exige, ainda, que só poderão ser eleitos como administradores as pessoas físicas nativas ou residentes no país, além da obrigatoriedade de serem acionistas para que possam ocupar o cargo de conselheiros.

Finalmente, e quanto à fiscalização, não existe dispositivo legal estabelecendo a existência de um órgão fiscalizador externo para as sociedades anônimas fechadas. Quanto às companhias de capital aberto, essa atribuição fiscalizadora é acometida à Comissão de Valores Mobiliários. O que se constata, como uma regra geral, é o que o Direito brasileiro optou por um critério de ampla publicidade, em substituição à fiscalização estatal mais ampla dos seus vizinhos do Mercosul.

Paraguai. No Paraguai, as sociedades anônimas encontram-se regidas pelo atual Código Civil paraguaio, de 1986, que efetuou a unificação das legislações civil e comercial. A sua forma de constituição pode se dar por ato único (nas hipóteses de sociedade fechada) ou por subscrição pública (relativamente à sociedade aberta). O montante de capital é determinado no próprio contrato social, e pode se apresentar de três formas: autorizado, subscrito (ou social) e realizado, sendo que deverá ser inteiramente subscrito quando da elaboração dos atos constitutivos. Quanto à integralização, esta deverá ser de no mínimo 25%, quando se der em dinheiro, e sempre de 100% quando não se der em moeda nacional de curso forçado.

Em casos de mora, o subscritor moroso será intimado ao cumprimento em 30 (trinta) dias, findos os quais se dará a caducidade de seus direitos como subscritor, além da perda da soma que já tivesse sido entregue.

No que atine à administração das sociedades anônimas no Paraguai, esta é exercida por um ou mais diretores, reelegíveis, e que devem ter residência no país. A última exigência, cabe esclarecer nesta oportunidade, não consta do aludido Código Civil, mas sim da Lei de Migrações.

Sob o aspecto do ordenamento jurídico, pode-se afirmar que é no Paraguai, dentre os países que integram o Mercosul, em que pode ser encontrado um maior controle estatal exercido sobre as S.A. A fiscalização externa é regulada por normas especiais, ficando a cargo de dois órgãos subordinados ao Ministério da Fazenda: a "Inspección de Sociedades Anónimas" e a "Contaduria General". Enquanto o órgão de controle pode inspecionar, de forma anual, as sociedades anônimas, as regulares inspeção e fiscalização se dão através do exame de balanços e registros contábeis, onde se pode observar o cumprimento, pela empresa, das disposições legais e estatutárias.

Uruguai. No Uruguai, as sociedades anônimas, que serão formadas por dois ou mais sócios, são regidas pelas disposições constantes da Lei nº 16.060/90. As sociedades anônimas podem ser de capital fechado ou aberto, sendo deste último tipo aquelas que recorrem à poupança pública para a integralização inicial ou aumento do capital. Da maneira semelhante às paraguaias, a constituição das sociedades anônimas uruguaias se dá por ato único ou por subscrição pública, sendo que o instrumento poderá ser público ou privado. O prazo, também a exemplo das paraguaias, deve ser determinado.

Quanto à subscrição e à integralização, as S.A. uruguaias se distinguem das analisadas anteriormente, uma vez que a subscrição inicial é a de até 50% do capital social, devendo-se integralizar, na mesma oportunidade, 25% do capital subscrito. Pequena diferença é possível se observar quanto às sociedades constituídas por subscrição pública, onde o subscritor deverá integralizar, pelo menos, 25% do capital social, subscrevendo o que ainda restar, até que se atinja o montante equivalente a 50%, dentro do prazo de 03 (três) meses da inscrição do programa de fundação no Registro Público de Comércio.

Finalmente, no que se refere à fiscalização estatal, as S.A. uruguaias encontram-se submetidas à fiscalização do órgão estatal de controle: a "Inspección General de Hacienda". In casu, o controle fica limitado à constituição e modificação do contrato social, dissolução antecipada, transformação, cisão e fusão.

REGIME LEGAL REFERENTE ÀS SOCIEDADES POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA

Ab initio, torna-se necessária a lembrança no sentido de que predomina, entre os países integrantes do Mercosul, a regra de aplicação subsidiária, às sociedades por cotas de responsabilidade limitada, da legislação relativa às sociedades anônimas.

Diante desta constatação, e até mesmo por uma questão de natureza metodológica, o presente trabalho se cingirá à apreciação dos principais aspectos que envolvem a espécie societária vinculada a cotas de responsabilidade limitada.(23)

Argentina. Na Argentina, as sociedades por cotas de responsabilidade limitada possuem uma estrutura caracterizada pela flexibilidade, onde o número de sócios que as compõem pode variar de um total de dois a cinqüenta.

Possuindo sempre natureza comercial, independentemente de seus objetivos sociais, a supramencionada espécie de sociedade poderá ser constituída por escritura pública ou instrumento privado, sendo-lhe facultada, ainda, a utilização de um nome de fantasia ou de sócios, desde que devidamente seguida da indicação "sociedad de responsabilidad limitada", por extenso, ou abreviada (S.R.L.).

Quanto ao capital, não existe exigência quanto ao mínimo, mas apenas quanto ao fato de que a subscrição deve ser integral quando da constituição da sociedade. No que concerne à integralização em dinheiro, esta deverá ser de no mínimo 25% quando da constituição, enquanto que o restante poderá ser efetuado em até dois anos.

As cotas, suscetíveis de execução judicial, são livremente transferíveis, podendo a transferência, no entanto, ser objeto de limitação contratual.

A responsabilidade dos sócios encontra-se limitada à integralização das cotas subscritas, ou, ainda, solidariamente, perante terceiros, no que se refere à integralização total das contribuições.

Quanto às administração e representação da empresa, estas correspondem a um ou mais gerentes, que poderão ser sócios ou não, para fins de cumprir os seus misteres por prazo determinado ou indeterminado. Apenas no que se refere às deliberações societárias, se apenas um dos sócios possuir voto majoritário, torna-se necessário o voto de um outro sócio.

Brasil. No ordenamento jurídico brasileiro, as sociedades por cotas de responsabilidade limitada encontram-se reguladas pelo Decreto 3708/19, em seus dezenove artigos. Aplica-se, ainda, subsidiariamente, disposições relativas à Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas).

Possuindo forte conotação contratualista, as sociedades por cotas de responsabilidade limitada devem ter, no mínimo, dois sócios, inexistindo qualquer limitação ao número máximo de integrantes desta espécie societária. A sua constituição se dá a partir do momento de inscrição do seu contrato constitutivo no respectivo local de registro, podendo se utilizar, para tal, de instrumento público ou privado.

As sociedades por cotas de responsabilidade limitada deverão, ainda, adotar uma razão ou denominação social, contendo o nome de um ou mais sócios, bem como a denominação deverá dar a conhecer, de maneira genérica, o seu objetivo social, seguido sempre do termo "Limitada", por extenso ou de forma abreviada (Ltda).

Esta espécie societária, que, também no Brasil, poderá se constituir por prazo determinado ou indeterminado, não requer um capital mínimo, mas a sua subscrição somente poderá ser privada.

Quanto à responsabilidade dos cotistas, esta se verifica quanto à totalidade do capital, até que este seja inteiramente integralizado, quando, então, a responsabilidade passa a ser limitada, ressalva a hipótese de fraude, onde se admite, v.g. a aplicação da disregard doctrine.

No que se refere à administração, esta fica a cargo de um ou mais sócios-gerentes, sendo que a estes é permitido delegar a administração a gerentes não-sócios, desde que inexista qualquer cláusula contratual proibitiva, relativamente à matéria. As deliberações ordinárias são adotadas por maioria de capital.

Paraguai. As sociedades de responsabilidade limitada paraguaias ocupam uma zona cinzenta entre as sociedades anônimas e aquelas personalistas. Isto porque, quanto à administração, aplicam-se-lhes as normas relativas às sociedades anônimas, enquanto que, no que se refere especificamente à transferência de cotas, observa-se um caráter personalista, uma vez que se exige a concordância unânime dos sócios para que aquela se verifique. Da mesma forma que a primeira das espécies mencionadas (estudada em tópico anterior deste trabalho), encontram-se fundamentalmente regidas pelo Código Civil, que unificou as legislações civil e comercial do país.

Possuindo um número máximo de 25 (vinte e cinco) sócios, e podendo ter a sua duração por prazo determinado ou indeterminado, as sociedades paraguaias de responsabilidade limitada deverão conter, em sua denominação, a expressão "sociedad de responsabilidad limitada", por extenso ou abreviadamente (S.R.L.).

Podendo ser formada por escrito, quer se trate de instrumento público ou privado, a S.R.L. paraguaia adquire a sua personalidade jurídica através da sua inscrição no Registro Público de Comércio, sendo extrato de seu contrato social publicado na "Gaceta Oficial", além de um jornal de grande circulação, por um prazo de oito dias.

O capital, dividido em cotas iguais, deverá ser integralmente subscrito quando da constituição da sociedade, sendo que os sócios garantem ilimitada e solidariamente, perante terceiros, a integralização dos aportem em dinheiro.

Finalmente, e no que se refere à administração da sociedade, esta, bem como a sua representação, será feita por gerentes, não necessariamente sócios da empresa. À gerência plural são aplicáveis as disposições concernentes ao funcionamento das diretorias de sociedades anônimas, e, de forma semelhante àquela verificada no Brasil, as decisões ordinárias serão tomadas levando-se em consideração a maioria do capital social.

Uruguai. De forma semelhante às argentinas, as sociedades de responsabilidade limitada uruguaias poderão ser constituídas por, no mínimo, dois, e, no máximo, cinqüenta sócios, através de escritura pública ou privada.

Relativamente ao capital, este será dividido em cotas de igual valor, acumuláveis e indivisíveis, onde os montantes mínimo e máximo serão fixados por lei. Enquanto que a integralização, para aportes não relativos a dinheiro, deverá ser totalmente procedida no momento da outorga do contrato social, aqueles aportes atinentes à moeda de curso forçado deverão ser integralizados com um mínimo de 50% no ato da subscrição, podendo ser complementado em até dois anos após. A exemplo dos demais países analisados anteriormente, os sócios limitam a sua responsabilidade à integralização das cotas subscritas, garantindo, contudo, de forma solidária perante terceiros, a integralização dos aportes.

No que atine à administração, bem como à representação societária, esta se verifica através de pessoas físicas ou jurídicas, sócias ou não, designadas no contrato social ou em ato posterior válido. Em caso de administração colegiada, aplicam-se as regras relativas às sociedades anônimas.

RECONHECIMENTO DAS SOCIEDADES ESTRANGEIRAS NOS PAÍSES MEMBROS DO MERCOSUL

Argentina. A sociedade, devidamente constituída em um país estrangeiro, é reconhecida pela Argentina, tanto no que atine à realização de atos isolados, como para fins de instalação de sucursais ou outro tipo de representação permanente.

A respeito do tema, torna-se de significativa importância a transcrição dos esclarecimentos apresentados por Dromi, Ekmekdjian e Rivera, que passamos a aduzir:

"Para las dos últimas hipótesis se debe acreditar la constitución conforme a la legislación del país en el cual esa constitución se llevó a cabo, la existencia de una resolución del órgano societario competente por la cual se decide establecer la sucursal o representación en la República, u el capital asignado a la sucursal cuando corresponda según leyes especiales aplicables a sociedades que realizan determinadas actividades (v. art. 118, ley 19.550).

De acuerdo con el criterio judicial que impera hace varios años, la sociedad que quiere constituir sociedad en la República, ya sea participando del acto de constitución o adquiriendo una participación en una sociedad ya existente, debe acreditar capacidad jurídica conforme a la ley del país de constitución y, además, debe inscribirse como sociedad extranjera en la República conforme a lo previsto en el art. 123 da le ley de sociedades 19.550.

Un precepto significativo con relación a las sociedades constituidas en el extranjero, es el incluido en el art. 124 da la citada ley 19.550. Conforme a él una sociedad constituida en el extranjero pero que está destinada a cumplir su objeto en el país, es considerada local a todos los efectos legales."(24)

Uruguai. Em virtude da marcada influência, exercida pela legislação societária argentina, as normas uruguaias sobre a matéria estabelecem, da mesma forma, que as sociedades se regem pela lei do lugar de sua constituição, bem como que estas podem exercer os atos isolados na República Oriental do Uruguai sem a necessidade de qualquer autorização ou registro. Consoante a Lei nº 16.060/89, a inscrição somente se faz necessária quando da abertura de uma sucursal ou agência (arts. 192 e 193).

Outro aspecto importante reside na existência de norma semelhante ao art. 124 da legislação argentina (o art. 198 da Lei uruguaia nº 16.060/89).

Paraguai. No que concerne ao Paraguai, e conforme já se acentuou anteriormente, a matéria encontra-se inserida no seu Código Civil de 1986. Assim é que o art. 1196 faz remissão à lei de constituição para fins de reger a existência e a capacidade das pessoas jurídicas, bem como no que atine à habilitação para realizar atos esporádicos em seu país. E, no que atine às sucursais ou agências, as pessoas jurídicas deverão cumprir as formalidades e obrigações previstas para o tipo de sociedade paraguaia mais parecida com a estrangeira, na hipótese de inexistência de igual tipo societário.

Brasil. Relativamente ao ordenamento jurídico brasileiro, a situação ainda se encontra diferenciada, uma vez que a lei brasileira é mais rigorosa. No caso do Brasil, toda sociedade estrangeira deve requerer, ao governo brasileiro, autorização para funcionamento no país, seja de forma direta ou por sucursal, agência ou representação, consoante dispõe o art. 64, do Decreto-Lei nº 2.627.

DIFICULDADES ENCONTRADAS PARA FINS DE HARMONIZAÇÃO DA LEGISLAÇÃO SOCIETÁRIA NO MERCOSUL

Naturalmente, o processo de harmonização da legislação ainda se encontra em seus primeiros passos, razão pela qual qualquer assertiva possivelmente se dará, no estágio atual, de lege ferenda.

Os avanços, que não sendo lá muito representativos, surgiram possivelmente através de um estatuto, que se encontra no Programa de Integração e Cooperação Econômica, acordado, entre o Brasil e a Argentina, em 29.07.86. Este estatuto que, no Brasil, deu ensejo ao Decreto Legislativo nº 26/92, e, na Argentina, encontra-se consubstanciado pela Lei nº 23.935, previa, em seu Protocolo 5, a formação de grupo de trabalho objetivando redigir um projeto de estatuto de empresas binacionais, para fins de associação de pessoas jurídicas de capital nacional de ambos os países signatários (Brasil e Argentina). Outra tentativa de avanço ainda não logrou bom êxito: refere-se a um Tratado, de 30.10.92, assinado entre Argentina e Paraguai, que até o momento não foi ratificado por ambos os dois países signatários.

No entanto, talvez também se constitua em verdade o fato de que a demora da retirada de certos obstáculos talvez venha a dificultar sobremaneira o estabelecimento de empresas de um país em outro do Mercosul, diverso daquele em que se constituiu, impossibilitando a verificação de uma série de consectários que provêm do exemplo dado.

Reputamos como caracterizadora do maior obstáculo a não ratificação de diversas convenções internacionais que tratam, por exemplo, da interpretação de contratos e conflitos de leis, dentre outros.

Um outro obstáculo encontra-se representado pelo fato de que, inexistindo um direito supranacional do Mercosul, o que caracteriza uma total primazia dos ordenamentos internos de cada país, qualquer alteração somente poderá ser feita através de Tratados, e após o preenchimento de todas as exigências para que a matéria ingresse no sistema jurídico do país.

Acrescente-se, ainda, o fato de que, embora sejam, em boa parte, semelhantes as disposições acerca do direito societário dos países integrantes do Mercosul,(25) até mesmo em virtude das influências sofridas por semelhantes origens, em diversos pontos podemos observar a existência de normas essencialmente conflitantes. Apenas para darmos alguns exemplos, podemos mencionar os seguintes:

a) na Argentina não há setores de atividades reservados à maioria de capital pertencente a acionistas residentes no país;

b) verifica-se, no caso brasileiro, a existência de uma subsidiária integral, onde o único acionista é uma sociedade constituída no Brasil e controladas por pessoas aqui residentes;

c) no Uruguai e no Paraguai, as sociedades anônimas somente poderão se constituir com prazo determinado;

d) conforme já se verificou anteriormente, a forma de subscrição e integralização do capital no Uruguai se verifica de maneira diversa, comparativamente com o Brasil, Argentina e Paraguai;

e) a forma de ampla publicidade do Direito brasileiro substitui a significativa fiscalização estatal, observada nas legislações uruguaia, argentina e paraguaia;

f) relativamente à estrutura, a lei brasileira estabeleceu a obrigatoriedade do conselho de administração nas companhias abertas, sociedades de economia mista e de capital autorizado, o que não se verifica nos demais países integrantes do Mercosul;

g) dois institutos, que se encontram devidamente regulamentados no direito brasileiro, não são objeto de qualquer previsão pelas legislações uruguaia, paraguaia e argentina. São eles o acordo de acionistas e o acionista controlador, previstos, respectivamente, nos arts. 117 e 116, da Lei nº 6.404/76.(26) Os efeitos dos supramencionados institutos, na prática, são inúmeros, podendo-se citar aqueles referidos nos arts. 254 e 255, da supramencionada lei, relativamente às restrições apresentadas às alienações de controle em várias circunstâncias. Relativamente aos institutos, nos demais países do Mercosul aqueles não se referem à questão societária, mas são matéria que envolve o direito comum;

h) no que concerne às sociedades anônimas, o Direito brasileiro, ao contrário do argentino apenas para se citar um exemplo, encontra-se mais próximo dos outros exemplos internacionais, inclusive no que se refere aos konzerne alemães, que foram utilizados, inclusive, como modelo para a sociedade anônima européia, conforme verificamos anteriormente.

CONCLUSÃO

A situação do Mercosul, no que atine à harmonização da legislação societária, apresenta-se em condições bastante desfavoráveis, considerando-se que este Mercado Comum não apresenta, dentre os seus métodos, a possibilidade de utilização das diretivas, nos dois moldes em que as apresentou o direito europeu.

Ciente desta realidade atual, cabe-nos, alterando a redação apresentada por Werter R. Faria,(27) questionar, dentre os métodos de harmonização suscetíveis de utilização no Mercosul (decisões do Conselho e convenções entre os Estados-Partes), qual é o menos ruim para a realidade do Mercosul. E, respondendo a este questionamento, concordamos com o posicionamento, apresentado por Schwartz,(28) no sentido de que as convenções levam, por diversas razões - dentre elas a existência de um grupo de trabalho que se reúne ad hoc, e cujos integrantes exercem uma série de outras responsabilidades, inclusive por se tratarem de representantes governamentais -, de muito mais tempo para estarem perfeitas e acabadas (entre 14 e 22 anos, em média).

Outro fator, ainda a ser considerado, no que se refere especificamente às convenções, corresponde à resposta à velha indagação no sentido de se verificar se o direito convencional é considerado direito interno ou internacional. Da resposta a este questionamento, é que se pode observar um seu importante consectário: a análise do procedimento adotado, por cada país, para que a convenção tenha a sua força obrigatória na ordem jurídica nacional.

Entendendo da mesma forma, Werter R. Faria afirma parecer "irrecusável a constatação de Schwartz de que o regulamento do Conselho apresenta uma vantagem essencial sobre uma convenção concluída entre os Estados-Membros: o artigo 177 assegura-lhe automaticamente interpretação e aplicação uniformes."(29) Porém, também neste ponto, verifica-se que o Mercosul ainda não está em condições de apresentar, como opção, a idéia defendida por Schwartz, diante da inexistência de um Tribunal do Mercosul. Isto porque, sem o Tribunal, e continuando-se a aplicar, no âmbito do Mercosul, a idéia de um tratado internacional clássico, não haverá poder cogente a ser imposto aos signatários, existindo apenas organismos intergovernamentais, com sistema de consenso, e, além de tudo, sujeitos aos percalços comuns: homologação, ratificação, promulgação e denúncia unilateral.(30)

NOTAS

(1) Deve-se atentar para o critério da predominância, uma vez que não se pode olvidar que a realidade que vem se impondo é resultado de uma interação dinâmica entre soluções econômicas e políticas; e, não somente entre elas, mas, também, no que atine às mutações tecnológicas, organizacionais e comerciais, apenas à guisa de exemplificação.

(2) Relativamente às metáforas, e apenas a título de exemplificação, cabe-nos transcrever alguns dos termos agrupados por OCTAVIO IANNI, em sua obra intitulada "Teoria da globalização" (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995, pp. 15/16): "aldeia global", "fábrica global", "terra-pátria", "nave espacial", "nova babel", além das expressões descritivas, v.g. "economia-mundo", "sistema-mundo", "shopping center global", "nova visão internacional do trabalho", "moeda global", "cidade global", "capitalismo global", "mundo sem fronteiras", "tecnocosmo", "desterritorialização", "miniaturização", "hegemonia global", dentre outras.

(3) JÜRGE HABERMAS, "O Estado-nação europeu frente aos desafios da globalização", in Novos Estudos, nº 43, novembro/95, CEBRAP, p. 98.

(4) Relativamente ao tema, Werter R. Faria (Harmonização Legislativa no Mercosul, in Estudos da Integração, v. 8, Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas; Porto Alegre: Associação Brasileira de Estudos da Integração, 1995, 76 p.) faz expressa referência à obra de Nicola Catalano (La Comunnauté Économique et lUnification, le Rapprochement et lHarmonization des Droits des États Membres, in Revue Internationale de Droit Comparé, 1-1961, p. 5), que, apesar de reconhecer a existência de nuanças não descuráveis em sua significação, afirma que "na interpretação dos textos, é preciso levar em conta o fato de que este termos muitas vezes foram empregados como sinônimos." Em razão disso, ainda segundo Werter R. Faria (ob. cit., p. 10), o antigo juiz da Corte de Justiça de Luxemburgo considerava "mais correto, em vez de partir de uma definição abstrata, baseada em considerações de pura lógica jurídica, examinar - com base em critérios habituais de interpretação - que é o sentido que os autores da disposição em causa quiseram atribuir aos termos que empregaram".

(5) Cf. Riccardo Monaco, Comparaison et Rapprochement des Législations dans le Marché Commun Européen, in Revue Internationale de Droit Comparé, I-1960, p. 64. Em sentido semelhante, encontra-se a definição, apresentada por De Plácido e Silva (Vocabulário Jurídico, v. II, Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 374) para o termo harmonizar, segundo quem seria "pôr em ordem ou pôr em equilíbrio uma coisa com a outra, de forma que não se anote qualquer discordância entre elas, quando é necessário fazê-las harmônicas entre si."

(6) Werter R. Faria, ob. cit., p. 16.

(7) Cf. artigo 189, número 3, do Tratado de Roma.

(8) Cf. Werter R. Faria (ob. cit., p. 26), "este objetivo também poderia ser realizado recorrendo a regulamentos, mesmo se, em vários casos, parecesse mais correto falar de unificação do direito, em lugar de aproximação das legislações."

(9) Cf. Fausto Capelli, Le Direttive Comunitarie, Milano: Giuffrè, 1983, p. 88.

(10) Cf. Roberto Dromi, Miguel A. Ekmedjian & Julio C. Rivera, Derecho Comunitario: regimen del Mercosur, Buenos Aires: Ediciones Ciudad Argentina, 1995, p. 291.

(11) Acerca da liberdade de estabelecimento, discorreremos, mais adiante, quando a matéria será analisada sob o aspecto do Mercosul.

(12) Cf. Alícia Sonia Moreno, Simetrias y asimetrias entre Europa y America Latina en la integracion. La cuestion migratoria, in Del Mercosur: Aduana, Jurisdiccion, Informatica y Relaciones Intercomunitarias, Buenos Aires: Ediciones Ciudad Argentina, 1996, p. 350.

(13) Cf. Isabel Meirelles, Où en est le Droit des Sociétés dans le Marché Commun - Conferência proferida em 19.02.68, no 4º Ciclo de Conferências de Direito Prático Comunitário, organizada pela Ordem dos Advogados de Paris e a Associação dos Juristas Europeus, apud Guiomar T. Estrella Faria, As sociedades comerciais e a formação dos blocos econômicos de nações, in Mercosul: seus efeitos jurídicos, econômicos e políticos nos estados-membros/org. Maristela Basso, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995, p. 176.

(14) Guiomar T. Estrella Faria (ob. cit., p. 177) menciona o fato de que foram apresentadas, naquela época, diversas críticas pelo conteúdo inovador da proposta, que continha diversos institutos que ainda não haviam sido adotados por inúmeros ordenamentos jurídicos nacionais.

(15) Cf. Roberto Dromi..., ob. cit., p. 292.

(16) Cf. Guiomar T. Estrella Faria, ob. cit., p. 177.

(17) Cf. Guiomar T. Estrella Faria, ob. cit., p. 179.

(18) Ana Maria M. de Aguinis, Regimes Societários no Mercosul, in Mercosul: a estratégia legal dos negócios/coordenador técnico: Luiz Olavo Baptista; organizador: Martim de Almeida Sampaio. São Paulo: Maltese, 1994, p. 30.

(19) Esta parte do trabalho encontra-se fundamentalmente baseada na obra de Ana Maria M. Aguinis (ob. cit., pp. 31/71), com exceção de algumas alterações verificadas em momento posterior à publicação de sua obra.

(20) A única exceção é a possibilidade de se outorgar poderes a outro diretor, sempre que houver o necessário quorum.

(21) Cf. Ana Maria M. Aguinis, ob. cit., p. 43.

(22) Relativamente à denominação, entendemos ter havido um pequeno equívoco de Ana Maria M. Aguinis (ob. cit., p. 48), ao asseverar que a denominação será "seguida pela expressão companhia", uma vez que se estaria caracterizando, neste caso, outros tipos de sociedades: aquela em nome coletivo, o, ainda, a sociedade em comandita simples (Cf. De Plácido e Silva, Noções práticas de direito comercial; revisão e atualização pelo Prof. Waldir Vitral. Rio de Janeiro: Forense, 1996, pp. 186 e 200).

(23) Também para a elaboração desta parte do trabalho, muito nos valemos do artigo de Ana Maria M. de Aguinis (ob. cit., pp. 45 e seguintes).

(24) Roberto Dromi, Miguel A. Ekmekdjian & Julio C. Rivera, ob. cit., pp. 294/295.

(25) Como exemplo, podemos mencionar o fato de que as sociedades anônimas somente podem ser sócias de sociedades por ações, além de outras já aludidas quando da análise das S.A. nos países que integram o Mercosul.

(26) Cf. Guiomar R. Estrella Faria, ob. cit., p. 166.

(27) Cf. Werter R. Faria, ob. cit., pp. 56/58.

(28) Cf. Schwartz, Vois dúniformisation du droit dans la Communauté Européene: règlements de la Communauté ou conventions entre les États membres?, in Journal du Droit International, 4-1978, p. 763, apud Werter R. Faria, ob. cit., p. 58.

(29) Werter R. Faria, ob. cit., p. 68.

(30) Cf. Guiomar T. Estrella Faria, ob. cit., p. 186.

 

Como citar o texto:

NORRIS. Roberto.Harmonização da legislação societária no Mercosul. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-internacional/144/harmonizacao-legislacao-societaria-mercosul. Acesso em 1 dez. 1998.

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