A Lei nº. 8.010, de 29 de março de 1990, instituiu isenção do pagamento dos Impostos de Importação e sobre Produtos Industrializados, e do pagamento do Adicional do Frete para Renovação da Marinha Mercante, que onerem as importações de máquinas , equipamentos , aparelhos e instrumentos, suas partes e peças de reposição, acessórios, matérias primas e produtos intermediários, que tenham destinação à pesquisa científica e tecnológica ou ao ensino, nos termos postos pelo seu parágrafo 2º., do Artigo 1º.:

 

" O disposto neste artigo aplica-se somente às importações realizadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq e por entidades sem fins lucrativos ativas no fomento, na coordenação ou na execução de programas de pesquisa científica e tecnológica ou de ensino, devidamente credenciadas pelo CNPq. "

 

Surge controvérsia acerca da possibilidade de entidade paraestal que adotou a forma societária anônima poder ser entendida como entidade sem fim lucrativo , passando a beneficiar-se da isenção e devidamente credenciada para tal .

 

A entidade em apreço , inicialmente, entre 1944 e 1976, assumiu condição de autarquia, vindo posteriormente, por meio de ato do legislador, a transformar-se em empresa pública, sob a forma de sociedade anônima. No entender de alguns ela seria instituição nacional sem fins lucrativos, incumbida regimental e estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, científico e tecnológico, a que seria aplicável dispensa de licitação na sua contratação pelo Poder Público, nos termos do artigo 24, inciso XIII, da Lei nº. 8.666, de 21 de junho de 1993, conforme nova redação dada pela Lei nº. 8.863, de 8 de junho de 1994, verbis:

 

 

" É dispensável a licitação:

 

(...)

 

XIII - na contratação de instituição nacional incumbida regimental e estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, ou de instituição dedicada à recuperação social do preso, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético -profissional e não tenha fins lucrativos ".

 

Nesta linha, foram alinhadas eruditas considerações , cuja transcrição de trechos se faz , para melhor ilustração do sentido que têm:

 

" Atentos ao fato de algumas atividades administrativas serem adequadamente desempenháveis - atendendo, assim, os fins estatais - por pessoas que as explorem com fim diverso (a obtenção de proveito econômico), nasceram os mecanismos da concessão e da permissão de serviço público a particulares. Nos serviços que os admitem, a exploração é instrumento do lucro. Andam parelhos, aqui, o dever estatal de promover o interesse público, razão de ser do Estado, e o interesse do particular em lucrar com o desenvolvimento daquele valor.

 

Mas, em regime capitalista como o nosso, o proveito econômico nunca é, para as pessoas administrativas, o fim da exploração da atividade. Esta é, como disse, sempre um fim em si.

 

Tudo isso resulta numa equação assim formulada: as atividades administrativas exploradas por pessoas administrativas não geram lucros, no sentido jurídico, ainda quando conduzam a saldos de caixa, mas as mesmas atividades exploradas por pessoas particulares (quando possível tal exploração geram lucro ou prejuízo. "

" É certo determinar o artigo 173, #1º., da Constituição, que as empresas estatais exploradoras de atividade econômica sujeitam-se ao mesmo regime das privadas, mas tal determinação - como expressa diretamente o preceito - não alcança as prestadoras de serviços públicos (ou, em sentido mais amplo: as que desempenham atividade administrativa). Nem haveria razão para o tratamento idêntico dessas duas espécies de empresas governamentais se, como é fato, a citada regra constitucional teve por escopo impedir a concorrência desleal do Estado com os particulares, quando atue no campo deles (o econômico) - concorrência essa juridicamente impossível em matéria de atuação administrativa, dado seu monopólio pelo Poder Público ou o caráter não econômico da atividade tipicamente estatal. "

 

" Em conclusão quanto ao tópico, afirmo, portanto, que as entidades administrativas, sejam pessoas públicas (União, Estados, Distrito Federal, Municípios, suas autarquias e fundações públicas) sejam fundações governamentais privadas ou empresas públicas exercentes de atividade administrativa típica não têm, nem podem ter, lucro. Podem, isto sim, gerar saldos financeiros positivos, meros superavits, que nenhuma semelhança jurídica apresentam com aquilo que chamamos lucro. Destarte, não são entidades lucrativas. "

 

" Destarte, à vista do posicionamento doutrinário que anteriormente assumi, não hesito em afirmar que o IPT desenvolve atividade administrativa típica. Daí, em coerência com o que expus ainda há pouco, minha conclusão de que deve ser considerado como entidade sem fins lucrativos. "

 

(apud Proc. nº. 335/94, Procuradoria Geral do Estado, " Assunto: LICITAÇÃO. DISPENSA. O IPT - Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo S/A deve ser considerado entidade sem fins lucrativos , justificando-se sua contratação sem licitação nos termos da Lei federal no. 8.666/93, artigo 24, XIII ")

 

Inicialmente, cabe dizer que a entidade em apreço, tivesse mantido a condição autárquica original faria evidentemente jus ao benefício que postulava; isso porque, caracteristicamente, a forma jurídica da autarquia integrar-se-ia à administração indireta, no pressuposto da execução de atividade típica da Administração Pública , com a gestão administrativa e financeira descentralizada.

 

O Decreto-lei Nº. 200, de 25 de fevereiro de 1967, na redação trazida pelo Decreto-Lei º. 900, 29 de setembro de 1969, conceitua a empresa pública como " entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e exclusivo da União, criada por lei para a exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a exercer por força de contingência administrativa, podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito. " Verifica-se, portanto, da norma legal regente da espécie,

que a empresa pública não terá que realizar serviços públicos mas tão somente explorar atividade econômica - que não será típica de Governo - mas por este exercida " por força de contingência econômica " .

 

A sociedade anônima, por sua vez, forma jurídica societária de direito privado, de existência secular, e notoriamente de caráter e finalidades estritamente mercantis, caracterizando-se pela reunião de capitais destinados a um fim econômico determinado, tem , por expresso comando legal , o objetivo de lucro. É assim que, " Pode ser objeto da sociedade anônima ou companhia qualquer empresa de fim lucrativo, não contrária à lei, à ordem pública ou aos bons costumes "

 

Não é mero incidente ou casualidade, portanto, que o legislador , podendo escolher para a entidade que criava, em 1976, "qualquer das formas admitidas em direito ", optasse pela forma societária anônima ou companhia. Foi uma escolha, entre tantas possíveis.

 

Por outro lado, compulsando-se a legislação estadual também atinente à espécie, depara-se com o Decreto-Lei Complementar Nº. 7, de 6 de novembro de 1969, que dispõe sobre entidades descentralizadas, no âmbito do Estado de São Paulo, tratando especificamente das empresas e fundações, nos artigos 19 a 22:

 

"Artigo 20 - A lei poderá dispor sobre a criação das entidades previstas no inciso II, do artigo 2º. (NB - que refere a empresas públicas e a empresas em cujo capital o Estado tenha participação majoritária), para o exercício de qualquer atividade, proibidos a prestação de serviços e os fornecimentos gratuitos ou inferiores a seus custos.

 

Artigo 21 - As empresas só poderão receber subvenções do Estado nos seguintes casos:

 

I - para cobrir custos de serviços ou linhas de produção economicamente não rentáveis, que a lei declare de relevante interesse social;

II - para cobrir despesas ou encargos adicionais, criados por lei estadual, não extensíveis a entidades particulares que atuem em regime de concorrência com a beneficiada. "

 

Vale , ainda, referir ao disposto no artigo 23, deste Decreto-Lei Complementar Nº. 7/69, que trata de isenções tributárias, naturalmente, no âmbito do Estado de São Paulo e, particularmente, com relação às entidades descentralizadas da Administração:

 

 

" A concessão de isenções tributárias a entidades descentralizadas, que atuem no mercado em regime de concorrência, dependerá da efetiva existência de igual favor em benefício de empresas privadas, que tenham o mesmo objetivo ou finalidade. "

 

Mesmo a existência de dispositivo estatutário , que afirma " Os serviços prestados pela Sociedade a entidades dos setores público e privado serão sempre remunerados, porém a Sociedade não visará lucros diretos, devendo ainda organizar , dentro das suas possibilidades orçamentárias e operacionais, programas de prestação de serviços gratuitos, com projetos de apoio ao desenvolvimento técnico e científico, de ensino e treinamento técnico e de trabalhos técnicos de interesse público ", não bastaria para garantir a revogação das normas legais que informam a atividade dessa empresa.

 

Pode-se inclusive alegar a ilegalidade desse dispositivo estatutário, quando refere à prestação de serviços gratuitos pela entidade estatal, frente ao que dispôs o artigo 20, do Decreto-Lei Complementar Nº.7/69, do Estado de São Paulo.

 

Cabe ainda apreciar a questão controversa à luz dos dispositivos constitucionais federais aplicáveis à espécie, e que não se resumem ao já antes referido artigo 173, #1º., II, em um dos estudos aqui colacionados.

 

É vedado " instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos , títulos ou direitos " (Artigo 150, II, CF/88) .

 

Caso adotada a interpretação doutrinária voltada a admitir uma sociedade anônima, ainda que formalmente assim constituída, pudesse ser assimilada à instituição sem fim lucrativo, estar-se-ia instituindo tratamento desigual , em benefício de uma sociedade anônima, ainda que essa fosse empresa estatal. Não existe em texto legal algum o comando autorizando a deferir o benefício às sociedades anônimas. O favor fiscal é dirigido a " entidades sem fins lucrativos ativas no fomento, na coordenação ou na execução de programas de pesquisa científica e tecnológica ou de ensino, devidamente credenciadas pelo CNPq. "

 

A condição do credenciamento é imposta, exatamente, por se estar atribuindo a esse órgão incumbência de fiscalizar , com rigor, a habilitação de entidades ao benefício fiscal. Portanto, deve o órgão credenciador pautar-se , estritamente, por princípios e normas legais, não lhe sendo aberto campo a interpretações analógicas e ampliativas para o favor fiscal. Isto também porque, estabeleceu o Código Tributário Nacional (Lei nº. 5.172, de 25 de outubro de 1966), em seu artigo 111:

 

"Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:

 

(...)

 

II - outorga de isenção;

 

Como citar o texto:

LUNA FILHO, Eury Pereira..Sociedade anônima não pode ser equiparada a entidade sem fins lucrativos. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 6. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-empresarial/15/sociedade-anonima-nao-pode-ser-equiparada-entidade-sem-fins-lucrativos. Acesso em 19 dez. 2002.

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