O Código Penal em seu artigo 17 traz que: “não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”. Trata-se do instituto denominado crime impossível, também chamado de tentativa impossível, tentativa inidônea, tentativa inadequada ou quase crime.

O referido artigo traz hipóteses em que, de forma alguma, o agente conseguiria chegar à consumação do crime, motivo pelo qual que a lei deixa de responsabilizá-lo pelos atos praticados. Conforme leciona Damásio, são três as espécies de crime impossível: delito impossível por ineficácia absoluta do meio; delito impossível por impropriedade absoluta do objeto material; crime impossível por obra de agente provocador (1).

Na primeira parte o dispositivo refere-se à inidoneidade absoluta do meio executório (2). O meio empregado para o agente conseguir o resultado é inadequado, inidôneo, para que se possa obter o resultado pretendido. Segundo MIRABETE, o meio pode ser absolutamente ineficaz por força do agente, ou por elementos estranhos a ele (3).

Ocorre o primeiro caso, segundo o Ilustre DAMASIO, “quando o meio executório empregado pelo insciente pseudo autor, pela sua natureza, é absolutamente incapaz de causar o resultado (ausência de potencialidade lesiva)(4)”. O exemplo por ele apresentado é do sujeito que, por erro, desejando matar a vítima mediante veneno, coloca açúcar em sua alimentação, pensando tratar-se de arsênico. Outro exemplo clássico na doutrina é o da tentativa de homicídio com a utilização de revólver sem munição ou de armas cujas cápsulas já foram deflagradas (5).

Inclui-se nessa hipótese, ainda, a chamada tentativa irreal ou supersticiosa, como é o exemplo de o agente que deseja matar a vítima mediante ato de magia ou bruxaria (6).

Na segunda parte do artigo 17, encontra-se a segunda hipótese de ocorrência do crime impossível: o objeto material sobre o qual deveria incidir o comportamento não existe, ou, pela sua situação ou condição, torna-se absolutamente impossível a produção do resultado visado, por circunstâncias desconhecidas pelo agente (7).

No primeiro caso, há integral impropriedade do objeto quando o bem jurídico é inexistente quando, por exemplo, a mulher que erroneamente acredita estar grávida, e, desejando se livrar do feto faz uso de práticas abortivas. Outro exemplo bastante utilizado na doutrina é o caso do sujeito que, desejando matar a vítima, efetua disparos em direção de um cadáver. Fica claro, neste caso, que o bem jurídico protegido, a vida, já não existe.

A terceira hipótese de crime impossível, embora não esteja prevista de forma expressa na lei, corresponde ao denominado crime putativo por obra de agente provocador. Segundo DAMASIO, o artigo 17 do Código Penal pode ser ampliado por analogia. Nesse caso, conforme leciona DAMASIO, alguém, vítima ou terceiro, de forma insidiosa, provoca o sujeito para que cometa um crime, ao mesmo tempo em que toma providências para que a consumação não ocorra. (8)

“A ineficácia e a impropriedade não recaem sobre o meio executório nem sobre o objeto material. A impossibilidade absoluta de o delito vir a alcançar o momento consumativo decorre do conjunto das medidas preventivas tomadas pelo provocador.” (9)

Para que seja reconhecido o crime impossível, é necessário que o meio seja inteiramente ineficaz para a obtenção do resultado. Portanto, não exclui a existência da tentativa a utilização de meio relativamente inidôneo, quando há um perigo, ainda que mínimo, ao bem jurídico que se pretende atingir.

A inidoneidade do meio empregado será analisada conforme o caso concreto. Um exemplo disso é o caso dos diabéticos. Muito embora a glicose, isoladamente, possa ser considerada um meio normalmente ineficaz, se for oferecida em substância a ser ingerida por um diabético, não poderá este meio ser tachado ineficaz.

Da mesma forma, é indispensável para a caracterização do crime impossível a inidoneidade absoluta do objeto.

Como já exposto, nos três casos não há tentativa por ausência de tipicidade e diversas teorias fundamentam a não responsabilização do agente, ou seja, a impunidade do crime impossível. São elas: a teoria subjetiva, a sintomática, a objetiva pura e a objetiva temperada.

Para a teoria subjetiva o agente deve ser punido pela tentativa, uma vez que a intenção do agente em produzir o resultado criminoso há que ser considerada. Esta teoria, segundo NORONHA, não satisfaz, pois, no sistema do direito penal da atualidade, não basta o elemento subjetivo. É necessário que pelo menos se dê início à realização do tipo, o que não ocorre na tentativa absolutamente inidônea (10).

Para aqueles que adotam a teoria sintomática, a medida penal deve ser aplicada se houver indício de periculosidade do agente.

Na teoria objetiva temperada, adotada na legislação anterior, aplicava-se medida de segurança ao autor do fato – a chamada liberdade vigiada, extinta pela nova lei (11).

A teoria objetiva pura, adotada pelo Código Penal vigente, tornou claro o fundamento da atipicidade do crime impossível: “quando absoluta a ineficácia do meio ou a impropriedade do objeto material, o fato é atípico a título de tentativa, subsistindo esta quando meramente relativas.” (12)

Imputação é a atribuição da autoria de uma infração à lei penal a determinada pessoa. A imputação objetiva, segundo DAMASIO, é a atribuição a alguém da realização de uma conduta criadora de um risco relevante e juridicamente proibido a um interesse penalmente protegido, resultando um evento jurídico.

Há que se distinguir, ainda, a imputação objetiva da conduta da imputação objetiva do resultado. No caso da imputação objetiva, o comportamento existe, mas a tipicidade é afastada por ausência de criação de um risco ao bem, ou, presente o risco, ele não se mostra relevante ou não se converte em resultado jurídico.

Na segunda hipótese, tratando-se de imputação objetiva do resultado, o resultado jurídico existe, mas sua tipicidade é afastada em razão de não ser relevante ou juridicamente proibido.

Conforme leciona DAMASIO, “um dos elementos da imputação objetiva é um comportamento criador de um risco relevante e juridicamente não permitido ao bem jurídico, não sendo suficiente a conduta, pois é necessário que seja criado um perigo duplamente qualificado ao bem jurídico. Ausente o risco, o comportamento é atípico.” (13). Não havendo, então, imputação objetiva da conduta.

A criação do risco, por si só, ainda não é suficiente. É necessário que, no caso concreto, ele se converta num resultado jurídico. É preciso, portanto, que haja um interesse e que este seja afetado.

No crime impossível pela inidoneidade absoluta do meio executório, embora o objeto jurídico exista, não há criação de risco. Logo, não há imputação objetiva da conduta.

Não há falar-se em tentativa, uma vez que ela exige um elemento objetivo: o perigo para o bem criminalmente tutelado. Trata-se de um risco objetivo e real. Se a conduta não possui idoneidade para lesar o bem jurídico, não constitui tentativa.

É necessário para que se reconheça a imputação objetiva, a existência, no caso concreto, de um bem a ser protegido. Se este não existe, o fato é atípico. No crime impossível por impropriedade absoluta do objeto material, embora a conduta seja potencialmente lesiva, inexiste a coisa ou pessoa, objeto da tutela jurídica.

Por fim, ensina DAMASIO que, tratando-se de crime impossível por obra de agente provocador, com a aplicação da teoria da imputação objetiva, a conduta não causa nenhum risco ao bem jurídico em face das providências da vítima ou do terceiro (sobre a objetividade jurídica não incide o menor risco). Logo, “o comportamento do provocado, diante das providências do provocador, configura um irrelevante penal.” (14)

NOTAS

 

(1) JESUS, Damásio de. Crime impossível e imputação objetiva. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, nov. 2001. Disponível em: .

(2) MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – 23. ed. – São Paulo: Atlas, 2006. p. 158.

(3) MIRABETE, Ob. Cit.. p.158.

(4) JESUS, Damásio de. Ob. Cit.

(5) MIRABETE, Ob. Cit.. p.158.

(6) MIRABETE, Ob. Cit. p. 158

(7) MIRABETE, Ob. Cit. p. 158

(8) JESUS, Damásio de. Ob. Cit.

(9) JESUS, Damásio de. Ob. Cit.

(10) NORONHA, E. Magalhães, Direito Penal – São Paulo: Saraiva, 2001. p. 134.

(11) MIRABETE, Ob. Cit. p. 160

(12) JESUS, Damásio de. Ob. Cit

(13) JESUS, Damásio de. Ob. Cit

(14) JESUS, Damásio de. Ob. Cit

REFERÊNCIAS

Código Penal. 7 ed. São Paulo: Revista Editora dos Tribunais, 2005.

JESUS, Damásio de. Crime impossível e imputação objetiva. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, nov. 2001. Disponível em: .

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – 23. ed. – São Paulo: Atlas, 2006.

NORONHA, E. Magalhães, Direito Penal – São Paulo: Saraiva, 2001

 

Como citar o texto:

COELHO, Anna Carolina Franco..Crime impossível e teoria objetiva. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 198. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/1548/crime-impossivel-teoria-objetiva. Acesso em 5 out. 2006.

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