Com relação aos contratos internacionais, é interessante tecer alguns comentários sobre um dos assuntos mais discutidos na doutrina de Direito Internacional Privado e que vai dizer respeito principalmente ao princípio da autonomia da vontade e à questão da ordem pública.

Considerando que os contratos internacionais distinguem-se daqueles celebrados no âmbito interno (regido apenas pelo direito interno ou nacional), por manterem conexão com mais de uma ordem jurídica, seja em razão do domicílio das partes, sede social, lugar da celebração ou lugar da execução, de resto em muito se comparam àqueles.

 

No entanto, considerando tal conexão ou plurilocalização, como prefere a doutrina, podemos afirmar a existência de uma problemática que toca diretamente o objeto do Direito Internacional Privado, qual seja, o conflito de leis do espaço. Logo, aí, a questão central: qual lei regerá o contrato internacional? Ainda: poderão as partes livremente, ou seja, de acordo com a sua autonomia escolhê-la? E, por fim: Utilizando-se dos usos e costumes comerciais sistematizados, por exemplo, na Convenção de Viena de 1980 - a mais importante a regular os contratos de compra e venda internacional de mercadorias; pela UNIDROIT, esta, através dos princípios aplicáveis aos contratos internacionais de 2004, a lei uniforme sobre venda internacional de mercadorias da UNCITRAL - ONU, e as leis uniformes da CCI – Câmara de Comércio Internacional de Paris, ou, ainda, o regulamento de arbitragem desta última, poderão as partes escolher o direito que regulará seus negócios privados? Seria a nova Lex Mercatoria a solução para a crise que se encontram muitas jurisdições estatais?

 

Inegável, contudo, que os usos e costumes comerciais adotados em razão da autonomia da vontade das partes (espelhando portanto as normas pelas quais estas se sujeitam - e que não decorrem como visto da ordem pública estatal, mas sim de órgãos internacionais, alguns até mesmo privados, que tem por objetivo maior a constante criação e revisão de um “Direito Uniforme”, adaptável, posto que extremamente flexível à dinâmica das relações negociais internacionais), de acordo com a posição doutrinária dominante, são imperativos apenas considerando o caso concreto, posto que as partes livremente decidiram se sujeitar aos mesmos. Neste sentido, são de observância obrigatória (pelas partes), desde que, tenham sido estes prévia e espontaneamente escolhidos para a regência de tais contratos.

Apenas para não deixar em branco, a doutrina vai conceituar usos comerciais de forma diversa dos costumes. Estes, para formarem o Direito Consuetudinário, devem ser gerais e de observância obrigatória por todos os destinatários, como se decorresse tal obrigatoriedade da própria regra de Direito Positivo (norma). A diferença é que a decorrente do primeiro não é escrita; já a do segundo sim. Os usos, por sua vez, ao apresentar às partes contratantes modelos, padrões de conduta, condições gerais, facilitam o alcance dos fins colimados no contrato, ou, então, aumentam a eficiência do mesmo. Logo, não são de observância obrigatória por todos, mas, reitere-se, sim para aqueles que os definiram no contrato e, como o conteúdo faz parte do mesmo, obriga (somente) as partes pela sua observância (e não a terceiros).

Também cabe afirmar que alguns Estados nacionais têm dificuldades em admitir o que se convencionou chamar de nova Lex Mercatoria, não lhe outorgando o status de fonte oficial de Direito. Isto, a toda evidência, limita a atividade resultante da autonomia de vontade das partes, principalmente no que toca à escolha do conteúdo normativo que regerá a avença. No caso do Direito Internacional Privado brasileiro, isto é visível quando o próprio Estado determina, por exemplo, que estão as partes sujeitas, em um contrato internacional, à lei do lugar da sua celebração (art. 9ª caput da LICC) e, em alguns casos, à lei do lugar da sua execução. Desta forma, sendo eleito o foro brasileiro e/ou fixada a competência do Judiciário brasileiro em razão do disposto ao artigo 88 do CPC, estaria o juiz obrigado a observar as regras conflituais do foro para fins de fixação não só da jurisdição, mas também para a determinação da lei substantiva aplicável ao negócio jurídico sub judice, configurando aqueles dispositivos, por derradeiro, verdadeira cláusula de reserva legal ou de ordem pública, apta a afastar a autonomia da vontade, salvo se esta tiver recaído na escolha do Direito brasileiro, como foi reiteradamente manifestado em julgados da lavra do Supremo Tribunal Federal – STF.

De qualquer forma, não apenas por pressões externas, mas também por necessidades de atração de investimentos, nasceu o Projeto de Lei nº 4905/95 que, no seu artigo 11, vai através da teoria da proximidade, ou dos vínculos mais estreitos (the better law approach), autorizar as partes, diante do princípio da autonomia da vontade, a escolha da lei aplicável aos seus contrato internacionais, o que colocaria o Brasil no circuito dos países que já a permitem.

Neste mesmo diapasão, pode-se fazer referência à CIDIP IV – México, 1994 (Conferência Interamericana Especializada de Direito Internacional Privado), – assinada, porém não aprovada pelo Brasil e que da mesma forma autoriza a autonomia das partes para a escolha da lei aplicável aos contratos internacionais, o que significaria, caso aprovada, um grande avanço do Direito Internacional Privado brasileiro rumo à unificação harmonização, uniformização e jurídica interamericana. Contudo, enquanto tais textos normativos não surgem no mundo jurídico brasileiro em sua plenitude estão os negociantes de transações internacionais sujeitos à ordem pública tupiniquim, sendo esta representada pela vetusta Lei de Introdução ao Código Civil (LICC – Decreto-Lei nº 4.657/42) que data dos idos da década de 1940, estando já à toda certeza ultrapassada e sem sequer poder responder as necessidades presentes no atual campo do comércio internacional.

Por último, cabe lembrar que a importância da escolha da lei ou dos próprios usos que estabelecerão o conteúdo negocial do contrato decorre em grande medida da incerteza e não conhecimento, por uma das partes, do ordenamento jurídico e do próprio sistema judicial aos quais a outra parte está naturalmente submetida, o que levaria a que estas escolhessem uma “lei neutra” ou então, lei de um terceiro Estado, o que, em Direito Internacional Privado é conhecido como Forum Shopping. Tal instituto é aceito pela doutrina jusinternacionalista, mormente naqueles sistemas que adotam o princípio da autonomia da vontade em matéria de contratos internacionais e desde que tal escolha não seja considerada como fraude à lei, ou que não cause a violação à ordem pública do Estado que atua como foro.

 

Como citar o texto:

SANTORO, Valéria Figueiró; SCHMITT, Leandro de Mello..Algumas considerações iniciais sobre os contratos internacionais, no Direito Internacional Privado brasileiro. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 203. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-internacional/1605/algumas-consideracoes-iniciais-os-contratos-internacionais-direito-internacional-privado-brasileiro. Acesso em 5 nov. 2006.

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