RESUMO: Este trabalho se propõe a esclarecer quais seriam as principais medidas para se evitar a anulação de assembléias de condomínio e, paralelamente, empreendendo uma análise da legislação aplicável.

SUMÁRIO:   1. Introdução. – 2. Convocação. – 3. Quorum. – 4. Direito de defesa em assembléia e participação do inadimplente. – 5. Conclusão. – 6. Referências bibliográficas.

INTRODUÇÃO

O tema proposto para este trabalho, Assembléia Geral (AG), ordinária (AGO) e extraordinária (AGE), integra profundamente a vida em condomínio. E, mediante análise do texto legal, buscaremos explicitar algumas cautelas que devem ser observadas para que o condomínio não seja surpreendido com algum pedido de anulação de AG.

O presente trabalho não visa esgotar todo o tema, por esse motivo, não exploramos todas as posições doutrinárias e jurisprudenciais existentes.

2.         CONVOCAÇÃO.

Devemos ter em mente que a convocação tem o intuito de dar ciência a todos os membros de uma comunidade que determinada matéria será debatida. Nesse contexto, deve-se ter dois cuidados principais: (1) todos os condôminos devem ser convocados; e (2) definir no edital de convocação quais os assuntos que serão debatidos.

Sobre a convocação de todos os condôminos, existe previsão expressa em lei, é o Artigo 1.354 do Código Civil Brasileiro, que diz: “a assembléia não poderá deliberar se todos os condôminos não forem convocados para a reunião”. A Lei Federal nº 4.591 não previa essa obrigatoriedade. Mas regras comportam exceções, como o julgado abaixo do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

“AÇÃO ANULATÓRIA. PROCEDIMENTO SUMÁRIO. ASSEMBLÉIA GERAL ORDINÁRIA. CONDOMÍNIO HORIZONTAL. IRREGULARIDADES NA CONVOCAÇÃO DOS CONDÔMINOS. PRETENSÃO DE OBTER ANULAÇÃO DA ASSEMBLÉIA A FIM DE AFASTAR AS DELIBERAÇÕES NELA TOMADAS. Algumas exigências formais de convocação para assembléias condominiais não são levadas em conta quando não há prejuízo para os condôminos em geral. Ao que se vê dos documentos anexados o quorum foi válido e alcançara todos os objetivos. A falta de convocação de oito condôminos não é suficiente para anular o ato, já que o condomínio possui 288 unidades, sendo correta a convocação por documento colocado na caixa de correio de cada apartamento. Sem dano não há nulidade. Inexistência de dano. Correta a decisão monocrática de improcedência que ora se mantém. Desprovimento do apelo.” (TJ/RJ, 10ª Câmara Cível, Apelação Cível 2006.001.12551, rel. Des. WANY COUTO, j. 07/03/2007)

Embora a lei não determine a forma de convocação, é aconselhável que a convocação seja feita por escrito e que seja colhida alguma prova de seu recebimento, embora o Art. 1.334 III do Código Civil dê liberdade para que a convenção determine tais condições. Dependendo da previsão da convenção, até mesmo cartas simples podem ser utilizadas para a convocação, como já foi decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 801.295/SP, cujo relator foi o Ministro Castro Filho:

“RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO HABITADO. ASSEMBLÉIA GERAL. CONVOCAÇÃO. CARTA SIMPLES. VALIDADE.

I - A exigência de carta registrada ou protocolar para convocação da assembléia geral do condomínio, nos termos do artigo 49, § 2º, da Lei nº 4.591/64, diz respeito tão-somente ao período em que o edifício está em construção.

II - Validade da assembléia convocada por carta simples, em condomínio habitado.

Recurso não conhecido, com ressalva quanto à terminologia.”

A  lei também não impõe nenhum prazo mínimo para a convocação, deixando à livre  disposição da convenção do condomínio. Mas, para deliberações em geral, sem  urgência, mesmo que a convenção permita um prazo menor, orientamos que a  convocação seja promovida com, pelo menos, dez dias de antecedência, pois na  prática de gestão condominial, esse prazo tem se mostrado mais adequado para a  publicidade da AG.

 

 A  assembléia geral ordinária pode ser convocada pelo síndico ou por ¼ dos  condôminos ou mediante requerimento judicial de qualquer condômino. Assim prevê  o Artigo 1.350:

 “Art. 1.350. Convocará o síndico,  anualmente, reunião da assembléia dos condôminos, na forma prevista na  convenção, a fim de aprovar o orçamento das despesas, as contribuições dos  condôminos e a prestação de contas, e eventualmente eleger-lhe o substituto e  alterar o regimento interno. 

 § 1o Se o síndico não  convocar a assembléia, um quarto dos condôminos poderá fazê-lo. 

 § 2o Se a assembléia  não se reunir, o juiz decidirá, a requerimento de qualquer condômino”.

Por outra banda, a assembléia geral extraordinária pode ser convocada pelo síndico ou por ¼ dos condôminos, conforme o Artigo 1.355 do Código Civil. Mas, como será visto em capítulo posterior, sugerimos que o condomínio permita a convocação por condômino que deseje recorrer de alguma penalidade aplicada. Essa convocação era prevista no § 3º do Art. 22 da Lei nº 4.591: “a Convenção poderá estipular que dos atos do síndico caiba recurso para a assembléia, convocada pelo interessado”. A adoção desse dispositivo, mesmo que facultativa, é altamente recomendável, pois será vista com bons olhos frente eventual questionamento judicial do direito de defesa de um condômino ou ocupante.

Ainda sobre quem pode convocar uma AGE, na hipótese de obras ou reparos necessários que gerem despesas excessivas, o Art. 1.341, § 3º permite a convocação de AGE por qualquer condômino.

O segundo item indicado no início deste capítulo diz respeito a definir no instrumento de convocação quais os assuntos que serão debatidos. Tanto o Código Civil quanto à antiga lei de condomínios não dedicam muito espaço em seus textos para esse detalhe, porém, é de grande importância que os assuntos a serem debatidos sejam conhecidos pelos condôminos de antemão. É importante que conste como item de pauta qualquer matéria que (a) implique em aumento de despesas (tais como obras ou fixação de quota), (b) afete direitos dos condôminos (deliberação de multa, destituições, sorteio de vagas de garagem, criação de normas, etc.) ou (c) possua quorum definido pela lei.

É freqüente a anulação de assembléias que deliberam sobre assuntos importantes, mas cuja pauta consta apenas a expressão “assuntos gerais”. Como ensina Marco Aurélio Bezerra de Melo (MELO, 2007, página 267):

“Dentro do possível, deve ser evitada a expressão vaga e imprecisa ‘assuntos gerais’, pois o condômino tem o direito de saber adredemente quais serão os temas versados na assembléia, até mesmo para que decida sobre o seu comparecimento”.

O único item que permite a discussão de vários assuntos de interesse do condomínio, seja ele envolvendo despesas ou normas que restrinjam direitos, é, ao nosso ver, o item “aprovação/alteração de convenção”.

3.         QUORUM.

            Quorum é o número mínimo de votos exigido por lei ou convenção para a aprovação de determinado assunto. Matérias como alteração de convenção, alguns tipos de obras, construção de novo pavimento, alteração de destinação, destituição do síndico, dentre outras, têm quorum fixado pela Lei.

Embora opinemos pela prevalência do quorum legal perante um quorum convencionado, caso a convenção estipule quorum diferente do da Lei, orientamos que o condomínio, se possível, aprove com o quorum mais rígido possível, para evitar que a decisão do condomínio fique à mercê da interpretação do Juiz sobre o quorum aplicável ao caso.

Todos os votos em assembléia devem ser proporcionais às frações ideais, salvo estipulação em contrário na convenção (Art. 1.352 Parágrafo único do Código Civil Brasileiro).

Também é importante que diferenciemos os termos “maioria simples” e “maioria absoluta”:

“... analisemos o significado da expressão “maioria absoluta”. Maioria absoluta representa mais da metade de todos os votos do condomínio. Por outro lado, maioria simples consiste em mais da metade dos votos dos condôminos presentes à assembléia. As expressões não são sinônimas, o legislador sempre busca expressar uma idéia sem o emprego de sinonímia, essa é a regra expressa no Art. 11, II, “b” da Lei Complementar Federal n° 95.” (JUNQUEIRA, 2007).

Quando possível, também sugerimos que se inclua no edital de convocação o quorum respectivo de deliberação de cada item de pauta, essa medida permite que os condôminos tenham noção de que as suas ausências impedirão a aprovação de uma matéria relevante.

A seguir, relacionamos as matérias que possuem forma de aprovação fixada pela Lei (assunto, fundamentação legal e quorum, respectivamente).

  1. Aplicação de multa de até 5 quotas por descumprimento de deveres condominiais – Art. 1.336 § 2° do CCB – 2/3 dos votos (OBS¹: essa multa não pode ser aplicada se o dever descumprido é o do pagamento de quotas; OBS²: essa multa pode ser aplicada mesmo se não houver previsão na convenção);
  2. Aplicação de multa de até 5 quotas por descumprimento reiterado de deveres condominiais – Art. 1.337 caput do CCB – ¾ dos votos (OBS¹: essa deliberação só pode ocorrer se a convenção estipular o critério de reiteração, uma vez que o Código não o faz);
  3. Aplicação de multa de 10 quotas por descumprimento reiterado de deveres condominiais e que gere incompatibilidade de convivência com os demais – Art. 1.337 Parágrafo único do CCB – ¾ dos votos (OBS¹: essa deliberação só pode ocorrer se a convenção estipular o critério de reiteração, uma vez que o Código não o faz; OBS²: o valor de 10 quotas não pode ser diminuído, afinal, se a assembléia reduzir o valor, ao nosso ver, fica claro que a conduta não era tão insuportável a ponto de causar incompatibilidade de convivência);

Como mencionado, as multas por reiterado descumprimento de 5 e 10 quotas não são aplicáveis sem previsão expressa da convenção. Isso se deve não só pela falta de definição da reiteração (número de transgressões em determinado período de tempo), mas, principalmente pela obrigação legal da convenção prever todas as sanções a que os condôminos estão sujeitos, por força do Artigo 1.334 IV do Código. Em outras palavras, se a convenção não prevê a penalidade não pode ser aplicada. Com exceção da multa prevista no Art. 1.336 § 2°, onde o legislador teve o cuidado de permitir a sua aplicação, ainda que a convenção fosse omissa.

Outro detalhe importante é o termo “anti-social”. Anti-social significa o que é contrário a sociedade. Quando associado a uma pessoa, anti-social seria aquela que transgride as normas de determinado lugar ou tempo, portanto, ao inserirmos esse significado em matéria de condomínio edilício, obtemos o seguinte conceito: conduta anti-social é toda aquela que transgride as normas internas do condomínio criadas pela Convenção, Regimento Interno ou Assembléia. Toda conduta anti-social é punível, mas somente a que for reiterada e gerar incompatibilidade de convivência é que será punível pela multa de 10 quotas prevista no Parágrafo único do Art. 1.337. Por isso destacamos a necessidade de tratamento adequado do assunto na convenção do condomínio.

  1. Realização de obras voluptuárias – Art. 1.341 I c/c Art. 96 § 1° do CCB – 2/3 dos votos (OBS¹: o Código Civil expressa que: “são voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor”; OBS²: exemplos desses tipos de obras seriam as construções de uma quadra esportiva ou de uma piscina);
  2. Realização de obras úteis – Art. 1.341 II c/c Art. 96 § 2° do CCB - maioria absoluta (OBS¹: o Código Civil expressa que: “são úteis as que aumentam ou facilitam o uso do bem” ; OBS²: um exemplo dessa obra seria a instalação de um portão de garagem eletrônico no lugar de um mecânico);
  3. Realização de obras necessárias e que importem em despesas excessivas – Art. 1.341 § 3° c/c Art. 96 § 3° do CCB – maioria simples em 2ª convocação (OBS¹: o Código Civil não fixa quorum algum para esta deliberação, o que nos remete à regra geral do Art. 1.352 e 1.353; OBS²: em nossa opinião, a convenção não pode fixar um quorum mais rígido para essa votação, devido à essencialidade da obra; OBS³: o Código Civil expressa que: “são necessárias as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore”; OBS4: por exemplo, seriam obras necessárias as de reforma de fachada ou telhado que ameace ruína);
  4. Realização de obras de acréscimo em partes comuns – Art. 1.342 do CCB – 2/3 dos votos (OBS¹: a ampliação da área da garagem seria um exemplo desse tipo de obra);

É importante deixar claro que a classificação de uma obra como necessária, útil, voluptuária ou de acréscimo tem espaço para inúmeras interpretações. Deve-se sempre analisar o caso concreto antes de se tirar conclusões definitivas quanto à natureza da obra.

Selecionamos alguns julgados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que demonstram a dificuldade na classificação das obras:

“CONDOMÍNIO - COBRANÇA DE COTAS EXTRAORDINÁRIAS - ELEVADORES COM MAIS DE CINQUENTA ANOS DE USO REFORMA - OBRA ÚTIL E NECESSÁRIA - APROVAÇÃO POR MAIORIA DOS CONDÔMINOS (Artigo 1.341, II, do Código Civil vigente).A reforma de elevadores com mais de 50 (cinqüenta) anos de uso não pode ser considerada voluptuária e sua aprovação por maioria em Assembléia Geral obriga a todos condôminos no pagamento das respectivas cotas extraordinárias. Recurso improvido”. (TJ/RJ, 7ª Câmara Cível, Apelação Cível 2007.001.38066, rel. Des. JOSE GERALDO ANTONIO, j. 25/07/2007)

 “CIVIL. SUMÁRIA. CONDOMÍNIO EDILÍCIO. DELIBERAÇÃO ASSEMBLEAR. DECLARATÓRIA DE NULIDADE. Deliberação de AGE que acatou parecer jurídico e concluiu pela natureza voluptuária de obra de aquecimento de piscina, considerando prejudicado o tema da ordem do dia pelo não comparecimento da totalidade dos condôminos. Rejeição da obra em AGE posterior, por maioria absoluta de votos. Pretensão de condômino em anular a deliberação, por entender que a obra é útil e não voluptuária, com pleito de que seja declarada, incidentalmente, essa natureza jurídica. Deliberação soberana sem qualquer vicio, impossibilidade de sua modificação pelo órgão de justiça, sentença de improcedência incensurável, improvimento ao recurso que pretendia revertê-Ia. Unânime”. (TJ/RJ, 3ª Câmara Cível, Apelação Cível 2005.001.18518, rel. Des. MURILO ANDRADE DE CARVALHO, j. 17/01/2006)

 

“CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. CONDOMÍNIO. COTAS EXTRAS. OBRAS ÚTEIS E NECESSÁRIAS, APROVADAS EM AGE, POSTERIORMENTE À SUA REALIZAÇÃO, POR MAIORIA DE VOTOS. INEXISTÊNCIA DE IRREGULARIDADE. A alegação de que teriam sido voluptuárias depende de prova pericial, não produzida. Interpretação dos artigos 1.315, 1.341 e parágrafos do Código Civil. O condômino responde pelos encargos aprovados em assembléia, ainda que ausente ou tenha sido vencido na votação. Sentença correta. Apelação improvida”. (TJ/RJ, 7ª Câmara Cível, Apelação Cível 2005.001.17010, rel. Des. CARLOS C. LAVIGNE DE LEMOS, j. 16/11/2005)

  1. Aprovação da convenção do condomínio – Art. 1.333 caput do CCB – 2/3 dos votos, obrigatoriamente proporcionais às frações ideais (OBS¹: essa é a forma de aprovação da primeira convenção do condomínio, por isso os votos deverão ser proporcionais às frações ideais, conforme o Parágrafo único do Art. 1.352);
  2. Alteração da convenção do condomínio – Art. 1.351 1ª parte do CCB – 2/3 dos votos;

A alteração da forma de rateio das despesas do condomínio também deve respeitar esse quorum, uma vez que cabe à convenção determinar a forma de contribuição para as despesas do condomínio (Art. 1.334, I do Código Civil). No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o acórdão a seguir adotou a mesma interpretação:

“ACÃO DE COBRANÇA. COTAS DE RATEIO DE DESPESAS CONDOMINIAIS. AUSÊNCIA DE QUORUM DE 2/3 EM ASSEMBLÉIA PARA ALTERAÇÃO DE CONVENÇÃO. NULIDADE. Ao contrário do que alega o Condomínio, a decisão tomada para o rateio das despesas do orçamento anual vai contra o que determina a Convenção, configurando alteração, sendo assim o quorum da Assembléia para alteração de Convenção foi desrespeitado, ensejando nulidade, pois não alcançou dois terços dos condôminos.Sentença que se mantém”. (TJ/RJ, 13ª Câmara Cível, Apelação Cível 2007.001.08548, rel. Des. LINDOLPHO MORAIS MARINHO, j. 08/08/2007)

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça também já decidiu da mesma forma:

“AgRg no Ag 420775 / SP

Relator Ministro ARI PARGENDLER

DIREITO CIVIL. DESPESAS CONDOMINIAIS. CRITÉRIO DE RATEIO, SEGUNDO A FRAÇÃO IDEAL DE CADA UNIDADE AUTÔNOMA, FIXADO NA CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO.

O critério de rateio das despesas condominiais fixado na Convenção de Condomínio somente pode ser alterado em assembléia se respeitado o quorum mínimo previsto no artigo 25, parágrafo único, da Lei nº 4.591, de 1964. Agravo regimental não provido.”

            Por outro lado, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro aplicou interpretação diversa no julgamento da Apelação Cível nº 61.538/2007, cuja ementa reproduzimos:

“DECLARATÓRIA. CONDOMÍNIO. CONVENÇÃO. ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIA. ALTERAÇÃO DA CONVENÇÃO NO QUE SE REFERE APENAS AO RATEIO DAS DESPESAS CONDOMINIAIS. QUORUM. MAIORIA SIMPLES. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO DIREITO DE PROPRIEDADE DOS AUTORES-APELANTES. SENTENÇA CORRETA. IMPROVIMENTO DO RECURSO.” (TJ/RJ, 1ª Câmara Cível, Apelação Cível 2007.001.61538, rel. Des. MALDONADO DE CARVALHO, j. 11/12/2007)

            Particularmente, concordamos com o acórdão fluminense, todavia, se o texto da convenção precisa ser mudado para que a forma de rateio de despesas seja modificada, recomendamos que a aprovação em assembléia se dê por 2/3 dos votos de todos os condôminos.

  1. Aprovação ou alteração do Regimento/Regulamento Interno – Art. 1.334 V do CCB – 2/3 dos votos, mas a convenção pode fixar quorum diferente (OBS¹: Enunciado 248 da Jornada de Direito Civil da Justiça Federal);

Sobre o Regimento Interno, há necessidade de algumas considerações. Como mencionado, no que tange as normas internas do condomínio, não há uniformidade entre os entendimentos da doutrina e da jurisprudência. A grande maioria entende que Regimento Interno e Regulamento Interno seriam a mesma coisa, e quando o Código Civil determinou que o Regimento Interno deve fazer parte da convenção (Art. 1334, V), a maioria sustentou que a própria convenção poderia fixar um quorum diferenciado (menos rígido) para a alteração do Regimento, não sendo obrigatoriamente 2/3 (conforme consta até do Enunciado 248 da Jornada de Direito Civil da Justiça Federal, que embora não tenha força de súmula, trata-se de respeitável referência). Concordamos com este entendimento, considerando que o Art. 1351 foi alterado pela Lei federal ordinária n° 10.931, que, por sua vez, excluiu a alteração do regimento interno por 2/3 dos condôminos.

Mas aí chegamos a um impasse: os Cartórios de Registros de Imóveis somente registram Convenções inteiro teor, e geralmente se recusam a registrar Regimentos Internos em separado, e se o Regimento Interno não é registrável, seria ele oponível a terceiros? E mais, se o Regimento estiver no corpo da Convenção, pode o RGI fazer o registro sem a assinatura de 2/3 dos proprietários?

Não nos alongaremos nesse assunto específico, temendo nos afastar do tema, contudo, a presença dessas questões nos leva a ponderar a oponibilidade a terceiros das normas internas de condomínio criadas por uma convenção/regimento não registrado em cartório de imóveis. Mas, respondendo às questões do parágrafo anterior: o registrador imobiliário está correto em recusar o registro de Regimentos/Regulamentos em separado ou que, mesmo inclusos na convenção, não possuam aprovação de 2/3 dos votos dos condôminos. A conduta do registrador não está incorreta e também não gerará prejuízo aos condomínios, isso porque um Regulamento Interno não deve conter disposições que afetem diretamente os direitos reais dos condôminos, mas tão somente regras de conduta ou detalhes do cotidiano da comunidade que não têm a necessidade de produzir efeitos erga omnes.

Finalizamos com um exemplo: o direito uso concedido a um proprietário sobre laje adjacente a seu apartamento de cobertura deve estar contido na convenção para que esta possa ser registrada em cartório de registro de imóveis e, conseqüentemente, gerar efeitos contra terceiros.

  1. Construção de outro pavimento ou edifício ou novas unidades imobiliárias – Art. 1.343 do CCB – unanimidade (OBS¹: esse é um assunto que afeta a todos, demandando recálculo das frações ideais adquiridas; OBS²: em nossa opinião, não há como impedir um condômino, mesmo inadimplente, de votar em matéria deste tipo);
  2. Alteração da destinação do edifício ou da unidade – Art. 1.351 2ª parte do CCB – unanimidade (OBS¹: essa deliberação se limita à alteração da qualificação do edifício/unidade como residencial, não residencial ou misto, ao nosso ver, não é o quorum adequado para alteração da finalidade de determinada área comum);
  3. Alteração de fachada – Art. 10 § 2° da Lei n° 4.591 – unanimidade (OBS¹: embora acreditemos na revogação tácita do referido dispositivo pelo Código Civil, consideramos temerária a aprovação de modificação de fachada por quorum menor que o da unanimidade).
  4. Eleição do síndico e conselho fiscal – Art. 1.347 e 1.356 do CCB, respectivamente – maioria simples em 2ª convocação (OBS¹: o Código Civil não fixa quorum algum para esta deliberação, o que nos remete à regra geral do Art. 1.352 e 1.353; OBS²: em nossa opinião, a convenção não pode fixar um quorum mais rígido para essa votação, sob pena de não se eleger nenhum síndico);
  5. Destituição do síndico em Assembléia de transferência de poderes – Art. 1.349 c/c Art. 1.348 § 2° do CCB – maioria absoluta (OBS¹: recomendamos a leitura de nosso trabalho “Destituição de síndico de condomínio edilício”, JUNQUEIRA, 2007).

4.         DIREITO DE DEFESA EM ASSEMBLÉIA E PARTICIPAÇÃO DO INADIMPLENTE.

O direito fundamental de defesa. O Art. 5°, LV da Constituição prevê a obrigação de se conceder de o direito de ampla defesa a qualquer cidadão que for acusado em processo judicial ou administrativo, inclusive na aplicação de penalidades à condôminos ou ocupantes. A norma mencionada determina que: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Muito embora os direitos fundamentais tenham sido inicialmente concebidos para proteger o indivíduo do poder de império do Estado. Acreditamos ser hoje pacífico o entendimento de que os direitos fundamentais também são oponíveis entre particulares (a chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais).

Sendo assim, nos condomínios, o presidente da AG deve permitir ao condômino ou ocupante a apresentação de sua defesa. Para garantir que o condomínio não irá prejudicar o direito do acusado, recomendamos que, nas deliberações que envolvem punições, se inclua “defesa do condômino/ocupante” como item de pauta no edital de convocação da AG, para deixar clara a oportunidade de defesa do acusado.

Ressaltamos a necessidade de tratamento adequado na convenção do condomínio, concedendo mecanismos aos condôminos para que possam recorrer à assembléia contra decisões que lhes afetem. Tal providência representa um grande passo para o condomínio, na medida em que favorece a resolução de divergências internas sem intervenção judicial.

Também demanda cautela a questão do condômino inadimplente não poder votar ou, sequer, participar de assembléias de condomínio. Conforme preceitua o Código Civil: “Art. 1.335. São direitos do condômino: (...) III - votar nas deliberações da assembléia e delas participar, estando quite” (grifo nosso). Não se deve confundir o condômino isento da participar no rateio das despesas, que tem direito a voto, com o condômino inadimplente, que não tem direito (Apelação Cível n° 2007.001.22424 julgada pela 4ª Câmara Cível do TJ/RJ).

Diferente da antiga lei de condomínios, o Código Civil garante sérias restrições ao condômino inadimplente. Tendo em vista que a multa pelo não pagamento da quota de condomínio em seu vencimento sofreu forte redução (o Art. 12 § 3º da Lei nº 4.591 permitia aplicação de multa de até 20%, mas o Art. 1.336 § 1º do Código Civil limitou a multa para até 2%), claramente o legislador concedeu outros meios para que o condomínio pudesse evitar e punir a inadimplência.

Além da possibilidade fixação de juros moratórios em índice superior a 1% ao mês (Art. 1.336, § 1º) e aplicação de multa de até cinco quotas por atrasos reiterados (Art. 1.337, caput), o Código Civil permitiu que o inadimplente fosse proibido de participar e votar em assembléias. Não se trata de um tratamento abusivo, mas tão somente um tratamento proporcional ao descumprimento do dever do condômino. Afinal, se o condômino dá “as costas” para o condomínio não pagando sua contribuição, ele abdica da sua participação em assembléias. Lembrando que o inadimplente deve ser convocado, mas não poderá participar ou votar.

O inadimplente terá ciência do que foi deliberado mediante comunicação da administração ou por meio de consulta ao livro de atas de assembléia.

É importante destacar a hipótese de um condômino ou morador inadimplente que faz um acordo de parcelamento de débito com o condomínio. A realização de uma acordo de parcelamento de débito não desqualifica a condição de inadimplente do devedor, todavia, salvo disposição em contrário na convenção ou no termo do acordo (neste último caso, somente se a convenção for omissa), suspende todas as penalidades aplicáveis ao inadimplemento. Sobre essa questão, selecionamos uma decisão colegiada do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:

“DIREITO CIVIL. CONDOMÍNIO. DIREITO DE VOTO. Ação cautelar com pedido de liminar em que objetivam os autores exercer o direito de voto nas assembléias condominiais, não obstante se encontrem cumprindo acordos administrativos. Fumus boni iuris e periculum in mora presentes. Na hipótese vertente, foi publicado Edital de Convocação para a Assembléia Geral Ordinária do Condomínio-réu, que exigiu, como condição para participação nas eleições de síndico, não se encontrar o condômino com qualquer pendência, inclusive acordos em andamento. Todavia, o condômino que está em dia com as obrigações condominiais, mas cumpre acordo administrativo, o qual está sendo quitado a medida dos vencimentos das respectivas parcelas, não pode ser tido como inadimplente e, por via de conseqüência não pode ser impedido de votar e ser votado em assembléias condominiais. Precedente desta E. Corte. Verba honorária corretamente fixada, em observância aos ditames do § 4º do artigo 20 do CPC, diante das circunstâncias do caso concreto. Pedido procedente. Sentença mantida. Desprovimento do recurso.” (TJ/RJ, 17ª Câmara Cível, Apelação Cível 2006.001.61830, rel. Des. MARIA INES GASPAR, j. 13/12/2006, grifo nosso).

Em outras palavras, em nossa opinião, ao inadimplente que está cumprindo acordo extrajudicial ou judicial de parcelamento de débitos condominial deve ser concedido direito de participar e votar nas assembléias.

Como mencionado no capítulo anterior, independente da existência de acordo, entendemos que os inadimplentes não podem ser impedidos de votar em certos assuntos que afetem diretamente sua propriedade, que classificamos como “matérias de direito de propriedade stricto sensu”.

Outra questão importante é da harmonia entre o direito do condomínio em restringir o acesso do inadimplente à assembléia e o direito de defesa desse mesmo condômino. Se solicitado, o condomínio deve permitir que o inadimplente se manifeste em assembléia em prol de sua própria defesa.

Recomendamos muita cautela ao punir condôminos que atravessam por dificuldades financeiras, pode ser mais razoável não aplicar algumas penalidades nesses casos. Embora não possam ser consideradas como um abuso de direito, uma vez que não ultrapassam os limites objetivos da lei e, portanto, não indenizáveis, tais penalidades podem ser anuladas dependendo da análise do caso concreto pelo Juiz.

5.         CONCLUSÃO.

Por fim, estas são apenas algumas das precauções que o condomínio deve tomar para evitar transtornos futuros com uma anulação judicial de Assembléia. Lembrando que é de suma importância que toda Assembléia seja realizada em um ambiente de cortesia e respeito, uma vez que os excessos, como gritarias e xingamentos, devem ser evitados, pois, podem ser objeto de futuros pedidos de indenização.

E, entendemos que não se deve anular determinada cláusula convencional ou ato do condomínio (obra, multa, etc.) se este não causar um claro desequilíbrio entre os condôminos gerando, necessariamente, dano a alguém. Assim como, também se deve analisar se esse “dano” realmente pode ser considerado como tal, pois, alternativamente, pode-se causar um dano ainda maior aos demais (hipótese de alteração da forma de rateio ou penalidades). Não se pode anular uma AG simplesmente por não respeitar o quorum legal ou outra formalidade, porque a vida em condomínio é, por sua natureza, flexível.

6.         REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

BRASIL. Congresso Nacional. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: . Acesso em: 25 nov. 2007.

BRASIL. Congresso Nacional. Lei complementar federal n. º 95, de 26 de fevereiro de 1998. Disponível em: . Acesso em: 25 nov. 2007.

BRASIL. Congresso Nacional. Lei ordinária federal n. º 4591, de 16 de dezembro de 1964. Disponível em: . Acesso em: 25 nov. 2007.

BRASIL. Congresso Nacional. Lei ordinária federal n. º 10406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: . Acesso em: 25 nov. 2007.

JUNQUEIRA, André Luiz. Destituição de síndico de condomínio edilício. Direito Net, São Paulo - SP, 23 de outubro de 2007. Disponível em: . Acesso em: 25 nov. 2007.

MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Direito das Coisas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

 

Data de elaboração: janeiro/2008

 

Como citar o texto:

JUNQUEIRA, André Luiz..Cuidados em assembléias de condomínio. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 256. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/1870/cuidados-assembleias-condominio. Acesso em 10 fev. 2008.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.