1 INTRODUÇÃO

A noção de que o homem é um ser social vem desde os primórdios, como acentua Aristóteles. Os seres humanos possuem a necessidade de constituir família com outro da mesma espécie. Essa constituição familiar para que possa estabelecer direitos perante a justiça, deve ser efetuada na forma da lei por representante competente, salvo as exceções previstas na legislação pátria. Devido à evolução dos pensamentos da sociedade e a igualdade entre homens e mulheres veemente defendidos em nossa Lei Maior, os homens e mulheres passaram a possuir os mesmos direitos e deveres na vida conjugal.

A crise que se tem atualmente com relação a instituição do casamento se relaciona com uma série de fatores, moral, mudanças de comportamento, destrato ao cônjuge dentre outros tantos que avassalam com a vida a dois. O ordenamento jurídico não poderia ficar omisso com relação a assunto tão relevante, assim se abandonou os antigos preconceitos que se tinham no que tange à separação, conceitos esses que impunham à permanência do casamento de maneira explícita.

Toda essa mudança pode ser considerada de maneira única com o desenvolvimento da ótica da jurídico-social com relação ao casamento, passando a analisar os elementos subjetivos como fidelidade, companheirismo, dentre outros que se ausentes desconfiguram a relação matrimonial. Nesse diapasão, implantou-se uma nova visão e se por acaso algum dos cônjuges vier a cometer falta grave com relação aos deveres matrimoniais, que possa dificultar ou corromper a convivência em harmonia do casal é cabível o pedido de separação judicial.

As infrações dos deveres conjugais geralmente dão ensejo à separação judicial litigiosa, principalmente em se tratando de adultério. O adultério trata-se do descumprimento do dever de fidelidade entre os cônjuges, considerado como um dos pilares da relação matrimonial. Como a evolução tecnológica vive em crescimento constante com o aumento do número de usuários da Rede Mundial de Computadores (Internet), vão surgindo novas formas de relacionamentos virtuais que podem dar causa a violação dos deveres matrimoniais.

2 VIOLAÇÃO GRAVE DOS DEVERES DO CASAMENTO    

A legislação pátria que regulamenta o casamento impõe determinados deveres recíprocos para os cônjuges, sendo que estes deveres estão elencados no art. 1.556 do Código Civil. Apesar de ser notório a imensa gama de direitos que o casamento sobrepõe para o casal, à lei apenas se ateve aos deveres mais importantes, ou seja, aqueles que são necessários para uma estabilidade conjugal. A infração de algum desses deveres gera o direito do pedido de separação judicial na sua forma litigiosa, ou seja, em sua forma unilateral.

“SEPARAÇÃO JUDICIAL CONTENCIOSA – ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO A UM DOS DEVERES DO CASAMENTO – INOCORRÊNCIA – TESTEMUNHAS QUE COMFIRMAM A BOA CONDUTA DO CÔNJUGE VARÃO – IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO QUE SE IMPÕE – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO – Quando um dos cônjuges requerer a separação judicial com base na conduta desonrosa do outro, ou por este ter violado os deveres do casamento, cabe-lhe o ônus da prova dessa transgressão, sob pena de ver seu pedido julgado improcedente”. (Ap. Cível nº 98.003436-1, da Capital, Relator Des. Eder Graf). (TJSC – AC 00.023057-0 – 2ª C.Cív. – Rel. Des. Vanderlei Romer – J. 08.02.2001)

O rol dos deveres matrimoniais protegidos pela legislação civil vigente, constitui-se da exigência do cumprimento dos seguintes deveres: fidelidade recíproca; vida em comum no domicílio conjugal; mútua assistência; sustento, guarda e educação dos filhos; respeito e consideração mútuos. De acordo com o art. 1573 do Código Civil existem determinados motivos que podem caracterizar a impossibilidade da convivência pacífica entre o casal, sendo estes:

  • Adultério;
  • Tentativa de morte;
  • Sevícia ou injúria grave;
  • Abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo;
  • Condenação por crime infamante;
  • Conduta desonrosa.

É necessário ressaltar que de acordo com o art. 1.573, parágrafo único do Código Civil há possibilidade do magistrado observar outros fatores que impossibilite a vida harmônica entre o casal, o que demonstra não ser este rol taxativo.

2.1 Infidelidade

Trata-se de uma violação grave dos deveres do casamento. De acordo com a determinação legal o casamento constitui uma relação de caráter monogâmico, ou seja, relação em que à pessoa deve fidelidade amorosa a seu cônjuge por toda a vida, ou durante a relação matrimonial em uma análise mais atual. Em decorrência dessa característica particular do casamento, pode-se dizer que “O adultério é a mais grave das violações ao dever matrimonial de fidelidade”.2

Caso o outro cônjuge aceite a prática do adultério do nubente, se descaracteriza a gravidade da falta cometida, não influenciando na insuportabilidade da vida em comum que a lei determina como um pressuposto para a separação, tendo em vista a preferência que a lei atribui a continuidade familiar. Em decorrência disso, é que se faz necessária à apreciação de caso a caso pelo magistrado, sempre primando pela conciliação dos nubentes. “Entende-se por adultério a prática voluntária de relações sexuais com pessoa pertencente ao sexo oposto que não seja o cônjuge”.3

Não obstante o adultério convencional, existem também outras formas de infidelidade como, por exemplo, o quase adultério, que se expressa pela divulgação de atos que sirvam de identificador para uma aproximação amorosa entre um dos cônjuges com uma terceira pessoa, provocando um abalo na estrutura familiar. O adultério era também crime previsto no art. 240 do Código Penal. A lei deixou ainda de se referir ao perdão e ao concurso necessário para o adultério, como fazia o Código Civil (art.319), que retirava o motivo para o desquite, e agiu com acerto. Obviamente, devido aos costumes da sociedade e a adaptação da lei as aspirações sociais, ocorreu a abolitio criminis com relação ao adultério, sendo esse apenas uma violação grave aos deveres matrimoniais, fato ensejador da seperação judicial litigiosa, ou seja, unilateral. Fator ensejador até mesmo de dano moral, conforme posicionamento defendido por Drª. Sônia Maria Teixeira da Silva.

3 INFIDELIDADE VIRTUAL

            Atualmente vivencia-se uma crescente evolução tecnológica, especialmente no que tange áreas relacionadas aos meios de comunicações, com uma maior e mais eficaz transmissão de informações entre pessoas nos mais longínquos locais do globo. Todo esse avanço tecnológico dispensa a presença física entre os interlocutores para que se conclua determinada negociação, pois as informações são praticamente transferidas em tempo real.

Todo esse avanço tecnológico revolucionou fundamentalmente toda a esfera jurídico-social, vindo a afetar também as relações matrimoniais e amorosas, já que é possível uma pessoa se relacionar com outra a milhares de quilômetros de distância. Este tipo de relacionamento amoroso é denominado como o relacionamento virtual.

Nessa forma de relacionamento fictício, em sua grande maioria, as pessoas participantes não se conhecem pessoalmente, ou/e talvez jamais se conheçam. Essa dificuldade de encontro das partes no relacionamento virtual prima na confidencialidade da identidade de cada um, sendo permitido que a pessoa utilize um nome falso ou apelido na rede. Esse nome falso garante a possibilidade de manter um relacionamento com outra pessoa sem que nem mesmo saiba o nome de seu companheiro de relacionamento.

A partir dessa nova perspectiva de romance nasce um problema para os juristas, já que muitas pessoas casadas judicialmente procuram essa nova forma de relacionamento para a prática do chamado sexo virtual. Não obstante, a prática de tal relação sexual levanta questões complicadas acerca da possibilidade da prática de adultério pela rede. Praticamente toda a doutrina defende que a prática de adultério só pode ocorrer com a efetivação de uma conjunção carnal, ou seja, a prática efetiva de sexo, posicionamento estabelecido deste a antiga tipificação penal do adultério. Mas não ignoram a gravidade e a ofensa à honra do outro cônjuge e aos deveres matrimoniais, tendo em vista a impossibilidade de solução ao caso concreto a ser aplicada pelo magistrado (princípio da inafastabilidade).

O adultério é a infração ao dever recíproco de fidelidade, desde que haja voluntariedade da ação e consumação da cópula carnal propriamente dita. (...) não se caracterizam como tal pela ausência do elemento objetivo da consumação da conjunção carnal: correspondência epistolar, cópula  frustrada, inseminação artificial,  que podem dar origem a uma infidelidade moral, equivalente à injúria grave, ao outro cônjuge.4

 [...] o adultério, que é difícil de provar, porque resulta da conjunção carnal entre duas pessoas do sexo diferente, praticado em geral às escondidas. (...) os atos pré-sexuais ou preparatórios não deixam de ofender o dever de fidelidade, mas caracterizam-se como injúria grave ou quase-adultério.5

O adultério é um dos pilares mestres para que um cônjuge possa pedir a separação judicial litigiosa, consiste em uma grave violação nos deveres do casamento, (art. 231 do Código Civil). Entretanto, como já foi firmado, o juiz poderá observar outras violações de deveres matrimoniais que possam ofender a honra e a continuidade da relação matrimonial, salvo se a parte ofendida pelo descumprimento do dever matrimonial perdoar o outra, pois como já observado, se descaracteriza a possibilidade da alegação relacionada ao descumprimento.

Diante das afirmativas dos doutrinadores que foram expostos anteriormente, os atos de infidelidade onde não se tem a conjunção carnal, não constituem adultério, mas sim uma violação dos deveres do casamento e, dependendo da sua gravidade, será avaliada caso a caso.

Entretanto, existem doutrinadores renomados como Magalhães Noronha e Nelson Hungria que atribuíam ao adultério uma maior amplitude, pois consideravam também como o mesmo as demais formas de condutas típicas sexuais equivalentes na forma fisiológica e sucundânea, como por exemplo, sexo anal e oral. Porém, é pacífica no meio jurídico a afirmativa de que o adultério somente pode ser praticado através da cópula.

Com relação aos encontros sexuais pela Internet, apenas fazem parte da imaginação de cada um, podendo ser considerado como um universo paralelo. É impossível que as pessoas interessadas atinjam o objetivo maior que é o sexo. É justamente essa impossibilidade de meios que descaracteriza totalmente a conduta por completo, assemelhando esta, a outras condutas como: tele-sexo, filmes e revistas pornográficas, que satisfazem determinados desejos sexuais, mas não são considerados como adultério. Sendo assim, o que é o ponto crucial para a descaracterização do sexo pela Internet como adultério é a impossibilidade de se encontrar o co-réu, haja vista que uma pessoa não comete adultério sozinho, já que se trata de uma contravenção dos deveres matrimoniais que exige a bilateralidade, requisitando a participação de duas ou mais pessoas para sua realização.

A materialidade da forma transmitida pelo computador não pode ser um meio comprometedor, para que assim comprove o flagrante delito, já que o co-réu poderá em muitas situações se encontrar a milhares de quilômetros de distância, ou em muitas circunstâncias pode nem ser homem ou mulher.

Mesmo com a autorização do pedido de dissolução da sociedade conjugal prevista na Lei 6.515/77, por intermédio da conduta desonrosa que possa acarretar a convivência em comum insuportável, em muitas circunstâncias não se caracteriza o sexo virtual como uma injúria grave, sendo essa consideração uma atribuição subjetiva e particular do magistrado. É difícil que se caracterize como conduta desonrosa tal ato virtual, pois a prova obtida é muito imprecisa.

3.1 A possibilidade de caracterização do adultério virtual

            Apesar da certeza jurídica de que os operadores do Direito têm com relação a este tema, duas questões se sobrepõem perante o mundo jurídico: será possível o sexo pela Internet praticado por pessoa casada ser considerado como um fundamento para a impetração com um pedido de separação judicial com culpa, de acordo com a terminologia do art. 1.566, I e 1.573, I, do novo Código Civil?

Mediante a existência de uma possibilidade do envolvimento de pessoas casadas através de programas de computador com conteúdo voltado para o lado erótico-afetivo, pode-se caracterizar a infidelidade por contatos virtuais e imaginários com outras pessoas? Não da para caracterizar o adultério, mas para a maioria da corrente doutrinaria se caracterizaria uma conduta desonrosa por parte do réu (cônjuge).6

Para responder a questão suscitada anteriormente é necessário que se faça um estudo mais aprofundado acerca do romance virtual.

Em tempos recentes foi elaborado um estudo na Universidade da Flórida, nos Estados Unidos, com as pessoas que afirmam ter tido pelo menos uma vez, algum caso pela rede. Das pessoas que foram entrevistadas cerca de 83% afirmam que não consideram como adultério a prática de sexo virtual com uma pessoa distinta do cônjuge. Contudo, 30% das pessoas deste mesmo grupo tiveram romances virtuais que acabaram se transmudando em romances normais. Esses dados demonstram que quase um terço dessas formas de relacionamento acabaram por se transferir para o mundo real.7

Sendo assim, por intermédio do sexo virtual pode ocorrer a destruição do ambiente familiar, já que essa forma de relacionamento que a princípio pode parecer uma brincadeira sem conseqüências, na maioria das situações extrapola os limites cibernéticos para se transformar em namoros reais. Esses fatos expostos sem sombra de dúvida podem ser considerados como uma forma agravante para a discussão, tendo em vista a seriedade que rodeia os relacionamentos cibernéticos em que a intimidade dos “namorados” é em muitas situações muito superior aos namoros convencionais.

Em face de uma não autenticidade das provas sobrepuja uma dificuldade para a caracterização da conduta desonrosa, pois se cogita a hipótese da invasão de privacidade nas operações de resgate de mensagens realizadas pelos peritos. A internet oferece para os usuários uma forma de privacidade relativa, haja vista a possibilidade de resgate através do acesso a memória do computador, ou no provedor de acesso a rede. Data vênia, é lógico que se adote a ausência da caracterização da invasão de privacidade, tendo em vista que o usuário não tomou as devidas providências para a preservação de sua intimidade, mesmo tal posicionamento não sendo pacífico na doutrina.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É notório então que a infidelidade virtual pode ser considerada como um elemento que fundamenta o pedido de separação litigiosa, podendo ainda gerar indenização por danos morais e materiais, desde que haja a comprovação de que a vítima não contribuiu para a prática de tal ato e que houve efetivo prejuízo moral e material. Deve-se ainda afirmar que não há a configuração de adultério com a pratica do sexo virtual, pois as duas pessoas não efetuaram a conjunção carnal, podendo apenas se configurar como uma forma de infidelidade moral, servindo de elemento basilar para uma fundamentação em injúria grave, praticada pelo cônjuge da vítima. Entretanto, é certo que as provas apresentadas através dos meios possíveis carecem de autenticidade e idoneidade para a comprovação dos fatos. 

Enfim, o que podemos afirmar é que aguardamos ansiosamente uma solução para esse dilema, através da inteligência de nossos juristas e da força que exerce as jurisprudências no cenário jurídico brasileiro. 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de Família.  São Paulo: Saraiva, 2003.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil:direito de família. São Paulo: Atlas, 2007.

 

1 GOLÇALVES, Carlos Roberto. Direito de Família.  São Paulo: Saraiva, 2003. p. 88/122.

2 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil:direito de família. São Paulo: Atlas, 2007. p. 231/232.

3 VENOSA, 2007, p. 232.

4 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002. 228/229.

5 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de Família.  São Paulo: Saraiva, 2003. p. 62.

6 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil:direito de família. São Paulo: Atlas, 2007. p. 231/236

7 Fonte: Universidade da Florida, EUA.

 

Data de elaboração: novembro/2007

 

Como citar o texto:

LAGO, Juliano Silva do..O adultério virtual como violação dos deveres conjugais: problematização. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 257. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil-familia-e-sucessoes/1884/o-adulterio-virtual-como-violacao-deveres-conjugais-problematizacao. Acesso em 21 fev. 2008.

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