EXTINÇÃO DA PRISÃO DO DEPOSITÁRIO INFIEL

 

Após anos de controvérsias e debates calorosos no poder judiciário sobre a validade ou não da prisão civil do depositário infiel, a suprema corte do Brasil (Supremo Tribunal Federal) decidiu em 2009 pela impossibilidade da retro prisão, com fundamentos em convenções em que o Brasil é signatário.

Antes de adentrar no âmago da proposta deste artigo, faz-se necessário tecer breves comentários sobre o instituto do contrato de depósito. Existem várias espécies de depósito no nosso ordenamento jurídico, dentre os quais: O depósito voluntário ou convencional (CC, arts 627 a 646 e lei nº 2.313/54); depósito necessário (CC, arts. 647 a 652), que se divide em depósito legal, depósito miserável e depósito de hospedeiro; depósito regular(de objetos infungíveis); depósito irregular (CC, art. 645) e o depósito judicial(CC, art. 635 e CPC, art. 664)

No presente trabalho vamos comentar sobre a impossibilidade da prisão civil no contrato de depósito insculpido nos artigos 627 usque 652 do Código Civil de 2002.

A professora Maria Helena Diniz traz à baila a conceituação do contrato de depósito como descrito por W. Barros Monteiro: “É o contrato pelo qual um dos contraentes (depositário) recebe do outro (depositante) um bem móvel, obrigando-se a guardá-lo temporária e gratuitamente, para restituí-lo quando lhe for exigido (CC, art. 627).”

O doutrinador Carlos Roberto Gonçalves cita Roberto de Ruggiero : “A guarda ou a custódia de coisas, que igualmente constitui, em outros contratos destinados à restituição, uma das obrigações daquele que as recebe, assume finalidade primordial, exclusiva, no contrato de depósito, que assenta precipuamente na confiança, uma vez que não se entregam as próprias coisas a outrem, sem que nele se confie plenamente.”

Desses conceitos remata-se que o contrato de depósito se perfaz quando um dos contratantes entrega para o outro contratante um determinável bem móvel, para que este guarde, tendo obrigações dentre as quais de cuidar da res e devolve-la quando solicitado por aquele outro, ou quando findo o prazo estipulado no contrato.

O dono da res que a entrega é denominado de depositante, enquanto aquele que a recebe é denominado de depositário. De acordo com o artigo 628 do código civil, em regra o contrato de depósito é gratuito, eventualmente podendo ser oneroso nos casos especificados.

O contrato de depósito é classificado como: Natureza contratual, gratuito (nem sempre), real e intuitu personae. Tem como requisito subjetivo que os contratantes tenham capacidade genérica, ou seja, aquela capacidade para praticar os atos da vida civil. O depositante dever ser dono do bem, ou ter a posse pacífica e mansa ou ser administrador do bem. E como requisito objetivo, o objeto do contrato em regra deve ser coisa móvel corpórea.

A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, LXVII, reza: “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.”

Percebe-se que a Constituição Federal de 1988 permite dois casos de prisão civil. Assim, no retro inciso, que a prisão civil no ordenamento jurídico brasileiro só ocorre nos casos de dívidas alimentícias e decorrentes de depositário infiel.

Em 09.11.92, através do Decreto 678/92, a Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), passou a integrar o nosso ordenamento jurídico. No Capítulo II - direitos civis e políticos, se encontra o artigo 7, item 7, que dispõe: “Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.”

Pela mencionada convenção em que o Brasil é signatário, se verifica a impossibilidade da prisão civil, exceto as decorrentes de inadimplemento alimentícias.

Não obstante a incompatibilidade da Constituição Federal de 1988 e a Convenção Americana de Direitos Humanos era perfeitamente usual pelos nossos juízes a decretação da prisão civil do depositário infiel.

Em 17/10/1984, o Supremo Tribunal Federal aprovou a súmula 619, que fala: “A prisão civil do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que se constitui o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito.”

Com essa súmula a nossa corte suprema reafirmou a possibilidade da prisão do depositário infiel no nosso ordenamento jurídico.

Em 2002, com a entrada em vigor do Código Civil, disciplinou o instituto do contrato de depósito nos artigos 627 e seguintes. No artigo 652, reza: “Seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário que não o restituir quando exigido será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e ressarcir os prejuízos.”

Como mencionado no retro dispositivo, o nosso legislador seguindo a tendência dos nossos tribunais positivou em lei infraconstitucional a prisão do depositário infiel, sendo que o prazo da prisão não poderá ultrapassar o período de 1(um) ano.

No julgamento do HC 92566 a súmula 619 foi revogada pelo plenário do Supremo tribunal Federal.

Em sessão plenária de 16/12/2009, após a proposta da súmula vinculante 31, o Supremo tribunal Federal aprovou a Súmula vinculante nº 25: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.”

A súmula vinculante nº 25 foi publicada em 23/12/2009, tendo como precedentes os RE 562051 RG, RE 349703, RE 466343, HC 87585, HC 95967, HC 91950, HC 93435, HC 96687 MC, HC 96582, HC 90172, HC 95170 MC.

Enfim, diante dos últimos julgados e da publicação da súmula vinculante nº 25 pelo Supremo tribunal Federal, podemos afirmar que o artigo 652 do Código civil encontra-se revogado. Não mais subsistindo no nosso ordenamento jurídico a prisão do depositário infiel, cabendo a parte prejudicada em qualquer contrato de depósito procurar outras medidas cabíveis disponíveis no nosso ordenamento a fim de se ver compensado pelo eventual dano que possa ter em face da atitude do depositário infiel.

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

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CAHALI, Yussef Said. Código Civil, Código de Processo Civil, Código Comercial, Constituição Federal, Legislação civil, processual civil e empresarial. 12 ed. São Paulo: Editora Revista dos tribunais, 2010.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, Volume 3: Teoria das obrigações contratuais. 25 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Volume 3: Contratos e atos unilaterais. 2 ed. Ver e atual. São Paulo: Editora Saraiva, 2006.

 

Data de elaboração: maio/2010

 

Como citar o texto:

MACHADO, Emanuel de Araujo Santos..Extinção da prisão do depositário infiel. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/2044/extincao-prisao-depositario-infiel. Acesso em 8 dez. 2010.

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