RESUMO: Nesta pesquisa científica o princípio da insignificância será tratado sob a ótica de sua aplicabilidade nas infrações de natureza ambiental, bem como sua admissibilidade e limitações. Além de tratar a respeito de sua relação com o ramo do Direito Penal, sua íntima vinculação com o Direito Constitucional e repercussão na órbita do Processo Penal. As fontes de pesquisa, basicamente as obras listadas nas referências e alguns repositórios de jurisprudências de tribunais pátrios, proporcionam e suscitam uma reflexão e debate à indagação básica deste trabalho. Desta forma, faz-se necessário a abordagem temática deste artigo, uma vez que se trata de um tema atual e pertinente, pois se observa tanto na doutrina quanto na jurisprudência posicionamentos ainda divergentes e em formação, diante da demanda em aplicar ou não tal princípio nas relações entre humanos e seu meio ambiente, regidas pelo Direito, sempre analisando o dilema entre desenvolvimento sócio-econômico e a preservação da biodiversidade e o seu contexto ambiental, para que assim obtivéssemos resposta à hipótese fundamental formulada, deduzida, que se revelou como verdadeira.

 

PALAVRAS-CHAVE: Direito Ambiental. Crimes ambientais. Princípio da Insignificância. Aplicabilidade. Limitações.

INTRODUÇÃO

Devido aos inúmeros fenômenos naturais surgidos a partir da Revolução Industrial, principalmente, às agressões causadas à natureza é que a qualidade de vida dos cidadãos e a manutenção da vida dos animais e vegetais sofreram reflexos devastadores. Estas agressões foram causadas principalmente pelas emanações de fumaças de produtos químicos das fábricas, pela queima de combustível dos automóveis, pela difusão de substâncias radiativas ou pelas nuvens de pó produzidas numa fábrica de cimento.

Com o aumento da produção, houve a necessidade de ampliar a mão-de-obra que resultou no êxodo rural, com a migração de grande parte da população mundial para os grandes centros urbanos, causando grande abalo na qualidade de vida humana na terra. Outro ponto nodal foi a explosão demográfica que causou a abrangência de novos espaços territoriais, causando devastações de florestas, morte de animais raros, etc.

Com tamanha degradação ao meio ambiente, a humanidade começou a notar, e a concluir depois de certas pesquisas, que a qualidade de vida estava diminuindo, desastres naturais, problemas de saúde para a sociedade, enfim, conseqüências nada benéficas aos habitantes do nosso planeta. Assim os diversos países começaram a debater e a legislar no intuito de punir as condutas maléficas à biodiversidade e o contexto na qual está inserida, surgindo assim, o Direito Ambiental, e logo em seguida o seu elo com o Direito Penal.

Neste artigo o princípio da insignificância será tratado sob a ótica de sua aplicabilidade nas infrações de natureza ambiental, bem como sua admissibilidade e limitações. Buscaremos inicialmente conceituar e caracterizar o referido princípio, dando ênfase também à questão dos crimes ambientais e como estes estão inseridos no ordenamento jurídico brasileiro, demonstrando sua relação com o ramo do Direito Penal, sua íntima vinculação com o Direito Constitucional e a repercussão na órbita do Processo Penal.

Para entendermos o que seria o princípio da insignificância, é importante caracterizarmos o que seria a tipicidade de uma conduta, sendo necessário reportarmos ao Direito Constitucional, pois é nesse direito que se encontra o fundamento jurídico-político, é a Carta Magna que determina as condutas que entende serem dignas de reprovação penal. Tipicidade é, portanto, a adequação do fato praticado previamente descrito na lei penal, com o conseqüente exame dos demais elementos que configuram o ilícito punível.

Analisaremos a viabilidade de excluir ou não a tipicidade das infrações causadas no meio ambiente. A partir deste primeiro ponto já surgem algumas controvérsias tanto na doutrina como na jurisprudência, pois os seguidores da primeira corrente argumentam que sendo ínfimas às infrações ambientais, pouco importando a capacidade econômica da vitima ou do agente, o objeto jurídico tutelado pelo ramo do direito penal não fora violado. A outra corrente argumenta que se aplicarmos o princípio da insignificância sem uma analise técnica, isso seria perigoso para o equilíbrio do meio ambiente, pelo simples fato de considerarmos certas condutas inofensivas, mas que na realidade, numa análise estritamente técnica, causam devastadores danos, uma vez que os prejuízos ambientais atingem toda a sociedade, com reflexos em diversos lugares do planeta.

É mister fazer um breve relato sobre a parte histórica do princípio da insignificância. De acordo com os doutrinadores alemães, os delitos de bagatela (Bagatelledelikte), surgiram na Europa, a partir do século XX, decorrente das crises sociais que se sucederam às duas grandes guerras mundiais. O desemprego e a escassez de alimentos, dentre outros fatores sociais, políticos e econômicos, fizeram surgir pequenos furtos, subtrações de mínima relevância, que receberam a denominação de criminalidade de bagatela . Temos então, que para a aplicação do principio da insignificância deve ocorrer um dano patrimonial de pequena monta, não causando prejuízo vultoso a ninguém.

Faz-se necessário neste ponto da pesquisa conceituar também o que vem a ser meio ambiente, que segundo os ensinamentos do Prof. Édis Milaré, seria:

O ambiente elevado à categoria de bem jurídico essencial à vida, à saúde, e à felicidade do homem, integra-se, em verdade, de um conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais, de molde a possibilitar o seguinte detalhamento: meio ambiente natural (constituído pelo solo, água, o ar atmosférico, a flora, a fauna, enfim a biosfera), meio ambiente cultural (integrado pelo patrimônio artístico, histórico, turístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico) e meio ambiente artificial (formado pelo espaço urbano construído, consubstanciado no conjunto de edificações, e pelos equipamentos públicos: ruas, praças, áreas verdes, enfim, todos os assentamentos de reflexo urbanístico.

A interpretação e aplicação do princípio da insignificância no Direito Ambiental são constituídas por certas peculiaridades, para isso vamos fazer um comparativo do principio da insignificância do Direito Penal com o principio da insignificância do Direito ambiental. No âmbito do Direito Penal, o princípio da insignificância é aplicado, principalmente, nos crimes contra o patrimônio, quando a lesão ao patrimônio da vítima é insignificante, sendo então interpretado como uma conduta atípica. Já no âmbito do Direito Penal Ambiental deve-se analisar a conduta à luz de critérios técnico-ambientais e o grau de extinção da espécie.

Procuraremos explicitar as limitações deste princípio nos crimes ambientais, pois será que, por menor que seja o dano causado, este não terá repercussão no equilíbrio do meio ambiente mundial? Diante desta indagação, é válido repensarmos em cada uma de nossas atitudes, desde as ínfimas até as mais vultosas, e refletirmos sobre suas conseqüências na órbita do nosso planeta, as que produzem efeitos imediatos e as que somente terão efeitos daqui alguns anos.

1. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Iniciando o desenvolvimento teórico-argumentativo do nosso artigo, dedicamos este capítulo à origem histórica, conceituação, caracterização, e aplicação do princípio da insignificância no ordenamento jurídico brasileiro, com objetivo de embasar o leitor no tocante aos conhecimentos primordiais referente ao citado princípio, para poder, quando de suas conclusões, analisar com mais profundidade o questionamento suscitado neste trabalho.

O princípio da insignificância, ou, de acordo com os doutrinadores alemães, os delitos de bagatela (Bagatelledelikte), de acordo com WILLEMANN surgiu na Europa, a partir do século XX, decorrente das crises sociais que se sucederam às duas grandes guerras mundiais. O desemprego e a escassez de alimentos, dentre outros fatores sociais, políticos e econômicos, fizeram surgir pequenos furtos, subtrações de mínima relevância, que receberam a denominação de criminalidade de bagatela.

O delito de bagatela não se encontra expressamente demonstrado na legislação brasileira, no entanto, a doutrina e a jurisprudência têm possibilitado a delimitação das condutas tidas como insignificantes, sob orientação de um direito penal mínimo, fragmentário e subsidiário. O delito, decorrente da existência de um dano mínimo, que não impõe um prejuízo importante a outrem, é classificado como delito de bagatela, e, como tal, não exige a inclemência do direito penal.

De acordo com o referido princípio, tendo na figura de Claus Roxin como principal teórico, o mesmo se manifesta contrário ao uso excessivo da sanção criminal, devendo ser tidas como atípicas as ações ou omissões que afetem infimamente a um bem jurídico-penal. Na interpretação sobre o conceito, assim se manifesta PRADO: “A irrelevante lesão do bem jurídico protegido não justifica a imposição de uma pena, devendo excluir-se a tipicidade da conduta em caso de danos de pouca importância.” .

O doutrinador brasileiro que deu maior destaque a este princípio foi Francisco de Assis Toledo, para quem “segundo o princípio da insignificância, que se revela por inteiro pela sua própria denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas”.

O princípio da insignificância é um instrumento de interpretação restritiva do direito penal, que busca descriminalizar condutas que embora sendo típicas não atingem de maneira relevante os bens jurídicos protegidos pelo direito penal. Portanto, observamos que o cerne de tal postulado jurídico se baseia numa análise subjetiva do ilícito penal praticado, deixando de se aplicar a jurisdicionalidade penal do Estado, utilizando-se dos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, fragmentariedade e subsidiariedade no caso concreto.

Importante também destacarmos a diferença existente entre infração de menor potencial ofensivo e infração irrelevante, institutos muitas vezes confundidos pela maioria dos operadores do direito. Na infração de menor potencial ofensivo o agente praticou um fato típico, descrito no tipo penal (tipicidade formal), devendo o julgador aplicar a pena dada ao caso concreto, que na maioria das vezes, por se tratar de delito de menor potencial ofensivo, tem sua pena substituída por penas alternativas, excluindo-se, assim, as penas privativas de liberdade (Lei nº 9099/95). Já na infração irrelevante o agente pratica o fato típico, descrito no tipo penal, mas por se tratar de algo irrelevante, ou seja, insignificante, não seria “justo” ou proporcional impôr-lhe a pena descrita no tipo penal. Não havendo proporcionalidade entre a conduta do agente e o resultado (tipicidade material) o fato é atípico, isto é, a conduta não está contida no conceito analítico de crime.

Sobre essa diferenciação entre conduta irrelevante e conduta de menor potencial ofensivo, Marco Antônio Ribeiro Lopes nos ensina:

O que venho pretendendo firmar é a nocividade de se confundir o princípio da insignificância com crimes de pouca significação. Pelo princípio afasta-se a tipicidade do crime por ausência de seu elemento material, pelo segundo, busca-se uma alternativa processual mais célebre, pela menor importância do crime (que existe).

Apesar de não estar expressamente positivado, o princípio da insignificância foi recepcionado na lei, na doutrina e na jurisprudência, apesar de haver posicionamentos dos mais variados, tanto na interpretação, quanto na efetivação. Na legislação brasileira, identificam-se passagens que demonstram a invocação de tal princípio e a título de exemplo, WILLEMANN, citando Queiroz, assim explana:

[...] quando distingue o crime tentado do crime consumado, que do ponto de vista do desvalor da ação, não se extremam, já que, sob essa perspectiva, por exemplo, a intensidade do dolo de quem mata e de quem tenta contra a vida doutrem coincidem; quando prevê a figura do furto privilegiado (CP, art. 155, §2º), dispondo que ‘se o criminoso é primário", e "de pequeno valor a coisa furtada", o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços ou aplicar somente a pena de multa. Dispositivo cuja aplicação se estende aos delitos previstos no Capítulo V, que define as várias formas de apropriação indébita (CP, art. 170), o mesmo o ocorrendo quanto estelionato (CP, art. 171, §1º) e a receptação dolosa (CP, art. 180, §3º, final).

Assim, ao se reconhecer o privilégio, consequentemente, deduz-se que o princípio da insignificância encontra-se contemplado no ordenamento jurídico brasileiro, podendo ser aplicado a todos os tipos penais.

Como já dissemos, a aceitabilidade do princípio da insignificância ainda é polêmica entre doutrinadores. Para os que são contra, como Luis Regis Prado, para resolver de forma mais eqüitativa hipóteses como, por exemplo, a do furto de objetos de valor ínfimo, melhor seria estabelecer, na própria descrição do tipo legal de delito, o limite mínimo para a sua configuração. Ainda segundo esse doutrinador:

A fixação de uma quantia em dinheiro na própria descrição típica acarretaria automaticamente a atipicidade das condutas que não se ajustassem ao limite exigido. Assim, este último não oscilaria ao arbítrio do julgador, mas seria de aplicação para todos os casos que não atingissem o patamar mínimo para a configuração do desvalor do resultado típico.

Portanto, observamos que referido postulado da insignificância ainda é passivo de posicionamentos contrários à sua aplicabilidade, mas o entendimento majoritário é a favor. Diante de tais esclarecimentos que permitem ter uma noção mais específica a respeito de tal princípio, partiremos no capítulo a seguir a tratar sobre os crimes ambientais, para, posteriormente, levantarmos a discussão acerca da aplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes ambientais.

2. DOS CRIMES AMBIENTAIS

Importante frisar, que neste capítulo não temos a pretensão de tratar de forma específica os tipos penais ambientais, e sim explanar uma conceituação genérica sobre tais tipos penais, suas bases legais no ordenamento jurídico brasileiro, para que posteriormente consigamos observar o elo entre o princípio da insignificância e os crimes ambientais.

Antes de adentrar na esfera específica dos crimes ambientais, cremos ser importante esclarecer uma conceituação doutrinária sobre o que é meio ambiente e quais são as suas formas que o direito protege, especificamente no Brasil. Em sentido vernáculo os termos "meio" e "ambiente" são sinônimos, formando, portanto, um pleonasmo. A expressão meio ambiente é a utilizada pela constituição da república, devendo nos meios jurídicos ter este uso, parecendo tecnicamente mais adequada. A conceituação não é unívoca. Muitos autores tentaram construir um conceito adequado para o termo.

Os conceitos doutrinários são importantes para o desenvolvimento da ciência bem como para o aperfeiçoamento jurídico, no entanto, o âmbito de atuação do Direito Ambiental é dado pela legislação. Há conceitos legais na legislação federal, estadual e municipal. Neste sentido, o conceito de meio ambiente, o objeto do direito ambiental está positivado no inciso I, do art. 3º da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que trata da Política Nacional de Meio Ambiente, in verbis: "Art. 3º Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;". É importante destacar, que a doutrina e a legislação de uma maneira geral, subdivide o conceito de meio ambiente em: meio ambiente natural, meio ambiente artificial, meio ambiente cultural e meio ambiente do trabalho.

De acordo com WILLEMANN:

o meio ambiente natural – é constituído pelo solo, água, ar atmosférico, flora e fauna. O meio ambiente natural é mediatamente tutelado pelo caput do art. 225 da Constituição Federal de 1988 e imediatamente pelo §1º, I e VII desse mesmo artigo.

Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

No decorrer da história da humanidade, principalmente após a Revolução Industrial, o meio ambiente vem sofrendo cada vez mais agressões dos seres humanos, provocadas pela poluição do ar, do solo e da água, e suas conseqüências somente serão freadas ou prevenidas com a aplicação de sanções penais severas sem, no entanto, que o legislador esqueça da dar oportunidade ao julgador analisar o caso concreto, para então estabelecer a pena pertinente àqueles casos em que o dano ambiental é ínfimo.

A luta na defesa do meio ambiente tem encontrado no Direito Penal um de seus mais significativos instrumentos. Muitas são as hipóteses em que as sanções administrativas ou civis não se mostram suficientes para a repressão das agressões contra o meio ambiente. O estigma de um processo penal gera efeitos que as demais formas de repressão não alcançam.

De acordo com PASSOS DE FREITAS: “[...] a sanção penal em determinados casos se faz necessária não só em função da relevância do bem ambiental protegido, como também da sua maior eficácia dissuasória.” . De acordo com o renomado autor, que tem opinião convergente à da maioria dos doutrinadores dessa área, podemos interpretá-lo e afirmar que o emprego de sanções penais para a proteção do meio ambiente em determinadas ocasiões se tem revelado como indispensável, não só em função da própria relevância dos bens protegidos e da gravidade das condutas a perseguir, assim como pela maior eficácia coercitiva e preventiva que a sanção penal possui.

Na realidade, o que temos observado nas novas leis brasileiras ultimamente é uma tendência no sentido de que o Direito Penal seja de liberação e descriminalização, com observância do princípio da intervenção mínima. Recentemente, isto pôde ser observado na lei anti-drogas, com relação à pena destinada aos usuários de drogas.

Apesar de existirem outras leis específicas que tratam de crimes de natureza ambiental, tais como o Código Florestal, lei nº 6.453/77 (dispõe sobre a responsabilidade civil e criminal por atos relacionados com atividades nucleares), lei nº 7.679/88 (dispõe sobre a proibição da pesca de espécies em períodos de reprodução) é a lei nº 9.605/98 a base das infrações penais ambientais, estas subdividem-se em: crimes contra a fauna, crimes contra a flora, poluição e outros crimes ambientais, crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultutal e crimes contra a administração ambiental. A Lei nº 9.605/98 foi criada a partir de uma disposição na Constituição Federal de 1988, sendo a primeira Constituição brasileira a dispor um capítulo à parte somente para o meio ambiente e, com relação à tutela penal, o seu artigo 225, parágrafo 3º, faz expressa menção à proteção penal do meio ambiente e estabelece que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais”.

Para crimes ambientais que a pena máxima não ultrapasse os 2 anos e/ou multa a competência são dos juizados especiais criminais, cabendo, em tais casos a transação penal. Porém é imprescindível a prévia recomposição dos danos, salvo a impossibilidade de fazê-lo. É o que podemos extrair do art. 27 da lei 9.605/98:

Art. 27 Nos crimes ambientais de menor potencial ofensivo, a proposta de aplicação imediata de pena restritiva de direito ou multa, prevista no art. 76 da Lei 9.099 de 26 de setembro de 1995, somente poderá ser formulada desde que tenha havido a prévia composição do dano ambiental, de que trata o art. 74 da mesma Lei, salvo em caso de comprovada impossibilidade.

O tipo penal ambiental, que vem bastante explicitado na Lei 9.605/98, é um dos aspectos que tem merecido a maior parte das críticas dos juristas, já que os mesmos precisariam ter sido criados de forma integrada por juristas e técnicos ou estudiosos na área ambiental. E isto é facilmente compreensível. Quem sabe o que é importante para a preservação de um ambiente sadio são os cientistas e os técnicos.

3. APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NOS CRIMES AMBIENTAIS

Como já foi dito anteriormente, a discussão a respeito da aplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes ambientais é fervorosa. Tanto a doutrina quanto a jurisprudência ainda não chegaram em consenso quanto à possibilidade ou não da aplicação desse princípio quando estamos diante de um caso concreto que caracteriza crime ambiental.

Antes mesmo de adentramos na discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da aplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes ambientais, é de suma importância tecermos mais alguns comentários acerca do princípio da insignificância.

O princípio da insignificância, também conhecido como princípio da bagatela, não pode ser visto de forma isolada no ordenamento jurídico pátrio, ele está intimamente interligado com outros princípios não só penais mas também constitucionais que lhe dão densidade. São vários os princípios utilizados pelos doutrinadores para embasar o princípio da insignificância, sendo os mais citados: o princípio da legalidade, princípio da intervenção mínima, princípio da subsidiariedade, princípio da proporcionalidade, princípio da humanidade, princípio da culpabilidade, princípio da irrelevância do fato penal, princípio da lesividade, dentre outros.

Pode-se dizer que dentre os princípios citados no parágrafo anterior os mais importantes e que mais teriam correlação com o princípio da insignificância seriam: o da legalidade, intervenção mínima, proporcionalidade, irrelevância do fato penal e o da lesividade. O primeiro princípio, o da legalidade, que pode ser considerado o que dá embazamento para todos os demais princípios penais, mas não só a esses, serve como uma limitação estatal no poder punitivo do Estado de forma genérica e o princípio da insignificância de forma específica, no caso concreto. Já o princípio da intervenção mínima nos orienta para concluir que o Estado, através do direito penal, deva intervir somente na defesa de bens jurídicos relevantes, devendo também o direito penal considerar a gravidade do fato. Tecendo comentários a esse princípio Regis Prado argumenta que:

O direito penal só deve atuar na defesa de bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens e que não podem ser eficazmente protegidos de forma menos gravosa. Desse modo, a lei penal só deverá intervir quando for absolutamente necessária para a sobrevivência da comunidade.

O terceiro princípio, o da proporcionalidade, que considero seja o principal fundamento da adoção do princípio da insignificância no direito brasileiro, estabelece que o julgador deva buscar um equilíbrio entre o resultado do crime e a cominação da pena. O princípio da irrelevância do fato penal nos diz que pela irrelevância da conduta, a pena não deve ser aplicada ao caso concreto, o que está intimamente ligado ao conceito do princípio da insignificância. O último princípio, o da lesividade, considera que não haverá crime se não houver lesão, ou seja, para haver lesão será preciso que o agente cause à vitima uma lesão relevante no seu patrimônio jurídico. Quanto ao princípio da lesividade José Henrique Guaracy Rebêlo argumenta que o mesmo visa:

[...] proibir a criminalização de atitudes internas, posto que as idéias, convenções, desejos, aspirações, sonhos e sentimentos das pessoas não podem constituir fundamento de tipo penal; vedar a criminalização de um proceder que não exceda o âmbito do próprio autor, afastando dentre outras condutas, a autolesão, os atos preparatórios, o conluio entre duas ou mais pessoas para a prática do crime, se sua execução não for iniciada; proibir a criminalização de simples estados ou condições existenciais, que reconhece e respeita a autonomia moral da pessoa jamais pode punir o ser, senão o fazer desta pessoa; obstar a criminalização de condutas desviadas, orientadas em direção fortemente desaprovada pela sociedade que não afetam qualquer bem jurídico.

 

Para alguns doutrinadores a aplicação do princípio da insignificância em matéria ambiental geraria um clima de impunidade, o que aumentaria, significativamente, os índices de crimes na esfera ambiental, devido ao caráter liberal do preceito. Para outros a aplicação do princípio da insignificância nos crimes ambientais geraria uma insegurança jurídica, já que passaria a ser feito um juízo de valor diante do caso concreto. Diferentemente Costa Neto adverte que:

[...] a formação do juízo de tipicidade não pode prescindir hodiernamente da observância de dois importantes princípios, os quais sejam: o princípio da adequação social e o princípio da insignificância. Pelo primeiro, impo-se aferir se a conduta tipificada configura ou não um comportamento socialmente permitido, considerando-se como parâmetro os padrões médios de ética e moralidade vigentes na sociedade. Quanto ao segundo, sob a perspectiva de um Direito Penal de intervenção mínima, recomenda-se verificar se o fato penalmente tipificado não constitui uma bagatela, em face da diminuta repercussão da conduta sobre o bem jurídico protegido.

Cândido Alfredo Silva Leal Júnior tecendo comentários acerca da impossibilidade de aplicação do princípio da insignificância no direito ambiental argumenta:

A constatação ao examinar as figuras típicas previstas na Lei 9.605/98 é que existem situações aparentemente insignificantes que estão previstas na lei, ganhando valor e relevância criminal. A forma como são descritas as figuras típicas não deixa dúvida que o legislador não está preocupado apenas com a quantidade de espécimes abatidos ou destruídos, alcançando qualquer conduta que tenha atingido a objetividade jurídica protegida, seja pelo abate de um animal, seja pelo abate de vários animais. O que ocorre é a variação na graduação da pena, conforme a lesão tenha sido pequena (o tipo-base) ou tenha alcançado grande potencial ofensivo (o tipo-agravado).

E conclui seu raciocínio dizendo:

Portanto, a lei penal ambiental é cuidadosa em prever os tipos-base dos crimes do meio ambiente, prevendo também circunstâncias específicas que, por sua gravidade ou relevância para o meio ambiente acabam aumentando a pen, isto é, tornam o crime mais grave. Justamente por estarem previstas essas circunstâncias que aumentam a pena (e o crime), é que não se pode dizer que o legislador tenha ignorado a insignificância. O tipo-base já incorpora em si o que poderia ser insignificante, porque não se prende apenas auma avaliação imediata do valor econômico do animal abatido ou da vegetação destruída, mas considera também outros elementos relacionados ao valor intríseco daquele elemento do ecossistema que foi suprimido ou afetado, daí surgindo a relevância da imposição de sanção àquela conduta.

As principais críticas utilizadas pelos doutrinadores para vedar a aplicação do princípio da insignificância podem ser resumidas em: falta de previsão legal, incompatibilidade com o princípio da legalidade, incompatibilidade com o princípio da obrigatoriedade da ação penal e a falta de proteção às lesões de direitos.

A falta de previsão legal é a primeira alegação opostas pelos que são contrários à utilização do princípio da insignificância. Porém os defensores entendem que, assim como o direito penal possui hipóteses de exclusão de ilicitude não previstas em lei, o princípio da insignificância pode e deve sim ser utilizado, já que seria impossível a norma escrita esgotar todo o direito, estando o princípio da insignificância implícito.

Outra crítica à aplicabilidade do princípio da insignificância seria a sua incompatibilidade com o princípio da legalidade, já que a norma tipifica também as condutas de menor potencial ofensivo. Utilizando-se do princípio da insignificância estar-se-ia fazendo uma analogia contra a lei.

Quanto ao princípio da obrigatoriedade da ação penal seria o mesmo incompatível com o princípio da insignificância já que o Ministério Público, como orgão acusador que é, estaria obrigado a oferecer a denúncia para análise do Judiciário. Porém, esse não é o entendimento de Rêbelo :

Não é correta a afirmação, porque, ao se deparar com uma situação a merecer a incidência do princípio da insignificância, deve o Promotor de justiça requerer o arquivamento do inquérito policial, haja vista não constituir crime o fato narrado nos autos, na medida em que a falta de tipicidade material leva à ausência da própria tipicidade. Se não existe tipicidade, não se pode falar em fato típico. Se não há fato típico, não subsiste a própria infração penal. Insistindo o Ministério Público em oferecimento da denúncia em caos tais, caberia ao Juiz de direito a sua imediata rejeição, a teor da prescrição do art. 43, I, do CPP.

Quando os doutrinadores falam em falta de proteção às lesões de direitos estão se referindo àqueles direitos que, apesar de não serem tão relevantes, seriam atingidos e, consequentemente, estariam desprotegidos pelo ordenamento pátrio. Rebatendo tal posicionamento Carlos Vico Mañas acredita que:

Tal temor é fruto, antes de mais nada, do desconhecimento da natureza fragmentária e subsidiária do direito penal. Não se propõe que as condutas lesivas de pouca relevância passem a ser consideradas lícitas. A idéia, ao contrário, é retirá-las da área de influência do direito penal, transferindo a solução do problema para outros ramos do ordenamento ou mesmo outros instrumentos de controle social. Evita-se que em determinados casos, os custos sociais decorrentes da manutenção da incriminação e da conseqüente necessidade de sua persecução penal resultem superiores aos eventuais benefícios para a coletividade. Restringindo a competência da justiça criminal, com a eliminação da sobrecarga de trabalho representada pelo excessivo número de casos relativos a delitos de bagatela, é possível obter efetiva tutela jurisdicional em relação aos casos graves.

Consideram alguns doutrinadores que a aplicação do princípio da insignificância afronta a segurança jurídica. Porém, não é esse o entendimento de Maurício Antônio Ribeiro Lopes, para ele: “o Direito Penal para cumprir seus fins democráticos orienta-se sempre no sentido da liberdade e, portanto, a metodologia leva a interpretar restritivamente as normas restritivas da liberdade.”

Zeli José Willemann acredita que o princípio da insignificância deve ser aplicado nas infrações penais ambientais. Para ele:

Estando presentes os requisitos da lei, o juiz, ao analisar o fato, poderá aplicar o princípio da insignificância. Principalmente no caso do inciso I (gravidade do fato e suas conseqüências), se não há gravidade não há necessidade de ser considerado crime, ainda que possa ser aplicada uma sanção administrativa ou civil, portanto é caso em que há a possibilidade da aplicação do princípio da insignificância, aliado ao princípio da proporcionalidade insculpido no art. 59 do Código Penal e seus desdobramentos: adequação, necessidade e proporcionalidade estrito senso.

Vladimir Passos de Freitas de forma cautelosa se manifesta quanto à possibilidade de aplicação do princípio da insignificância nos crimes ambientais da seguinte maneira:

Tratando especificamente da proteção ambiental, a primeira indagação que deve ser feita é se existe lesão que possa ser considerada insignificante. A resposta a tal pergunta deve ser positiva, mas com cautela. Não basta que a pouca valia esteja no juízo subjetivo do juiz. É preciso que fique demonstrada no caso concreto. É dizer, o magistrado, para rejeitar uma denúncia ou absolver o acusado, deverá explicar, no caso concreto, por que a infração não tem significado.

Para Alexandre Herculano Abreu :

O reconhecimento do princípio da insignificância deverá ser reservado para as hipóteses excepcionais, principalmente pelo fato de que as penas previstas na Lei nº 9.605/98 são leves e admitem transação ou suspensão do processo (Lei nº 9.099/95, arts. 76 e 89).

Ao analisarmos a jurisprudência existente sobre o tema observamos que ela é muitas vezes contraditória. Existem julgados que aplicam o princípio da insignificância quando considera pequena a repercussão da conduta no meio ambiente. Como nos casos abaixo:

PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME CONTRA A FAUNA: ABATIMENTO DE TRÊS TATUS-BOLA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. DENÚNCIA: REJEIÇÃO. CPP, ART. 43, I. I - Não merece censura a decisão que rejeita a denúncia, entendendo como atípica a conduta do denunciado, visto que a jurisprudência vem entendendo que a utilização de animal silvestre para fins alimentares, sem qualquer intenção de comércio, não constitui crime contra a fauna, não sendo aceitável que se mova a máquina judiciária para se subsumir uma conduta ao conceito de crime, desde que esta venha sendo aceita pela sociedade. Precedentes. II - Recurso a que se nega provimento.

PENAL. DENÚNCIA. CONDUTA LESIVA AO MEIO AMBIENTE (LEI Nº 9.605/98, ART. 40). ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DO DELTA DO PARNAÍBA. CORTE DE 71 COQUEIROS EM ÁREA DE 0,5 HECTARE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA.

- Denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra prefeito municipal, imputando-lhe o crime de dano a áreas de proteção ambiental, consubstanciado no corte de 71 coqueiros em área de 0,5 hectares, situada na área de proteção ambiental do delta do Parnaíba.

- Demonstrado pela prova pericial que o dano causado ao meio ambiente foi ínfimo, não atingindo vegetação nativa, ocorrendo em área já degradada e de resultado perfeitamente reversível, aplica-se à hipótese o princípio da insignificância, para afastar de pronto a materialidade do crime.

- “Reconhecendo caber induvidosamente na hipótese examinada o princípio da insignificância, não deve o delegado instaurar o inquérito policial, o promotor de justiça oferecer a denúncia, o juiz recebê-la ou, após a instrução, condenar o acusado. Há no caso exclusão de tipicidade do fato e, portanto, não há crime a ser apurado”(Julio Fabbrini Mirabete – Manual de Direito Penal, vol. 1, Ed. ATLAS, 13ª edição, págs.114/115).- Denúncia rejeitada.

Outros, por outro lado, entendem inaplicável tal princípio em matéria ambiental, considerando sempre relevante a lesão quando a norma penal ambiental for desrespeitada. Como se vê nos julgados abaixo:

PENAL. CRIME AMBIENTAL CONTRA A FAUNA MARINHA. PESCA EM LOCAL PROIBIDO. BAÍA DO NORTE. ESTADO DE SANTA CATARINA. PORTARIA 051/83 E ART. 34 DA LEI Nº 9.605/98. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADOS. ERRO DE PROIBIÇÃO E PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.INAPLICABILIDADE. 1. Quem pesca em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados pelo órgão competente comete o delito previsto no art. 34 da Lei nº 9.605/98. Hipótese em que o agente, contrariando as disposições contidas na Portaria nº 051/83, do Estado de Santa Catarina, efetuou pesca de arrasto em local proibido (Baía do Norte). 2. Não é possível acolher tese de erro de proibição em favor de quem, a despeito de possuir baixa instrução, detinha, pelo fato de exercer a profissão de pescador há mais de trinta anos, plenas condições de se inteirar a respeito da regra proibitiva. 3. Ainda que pequena a quantidade obtida com a pesca proibida (100 gramas de camarão), não se pode, em tema de delito ambiental, aplicar o princípio da insignificância. O bem jurídico tutelado, na hipótese, é a higidez do meio ambiente, insuscetível, ao menos diretamente, de avaliação econômica.

PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME AMBIENTAL. ART. 40, DA LEI Nº9.605/98. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. RECURSO CRIMINAL PROVIDO.

1. Não se apresenta juridicamente possível a aplicação do princípio da insignificância nas hipóteses de crimes ambientais, tendo em vista que o escopo da Lei nº 9.605/98 é impedir a atitude lesiva ao meio ambiente, evitando, ainda, que a impunibilidade leve à proliferação de condutas a ele danosas.2. Recurso criminal provido.

Observa-se que a tendência atual da jurisprudência atual é de aceitar a aplicabilidade do princípio da insignificância dos crimes ambientais. Porém, nesses casos este vem sendo aplicado de forma ainda muito restrita, somente em determinados casos. Ademais, mesmo dentro de um mesmo tribunal é difícil encontrar consenso quanto ao tema. É o que podemos depreender dos dois julgados abaixo, ambos do TRF da Quarta Região:

PENAL. MEIO AMBIENTE. LESÃO INSIGNIFICANTE. 1. A posse de um quilo de camarão mesmo quando pescado em local interditado por órgão competente, não constitui conduta lesiva ao meio ambiente. 2. Aplicação do princípio da insignificância penal.

DELITO CONTRA A FAUNA. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. A pesca de 2,8 Kg de camarão "sete barbas", em período defeso, amolda-se à figura típica descrita no artigo 34 da Lei 9605/98. Hipótese em que a relatividade dos valores em jogo torna inaplicável o princípio da insignificância, pois o bem jurídico agredido é o ecossistema, cuja relevância não pode ser considerada bagatela.

 

Diante de toda a problemática que envolve o tema em questão e por se tratar de um assunto bastante delicado é um tema que precisa ainda ser muito discutido pelos operadores do direito no intuito de estabelecer um trajeto ou uma tendência a ser seguida pelos juízes quando casos como esses chegarem a seu julgamento.

CONCLUSÃO

Antes de nos posicionarmos a favor ou contra a aplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes ambientais é importante fazermos algumas considerações finais. Importante é nos ater que o objetivo principal da legislação penal ambiental é a proteção do próprio meio ambiente, considerado este em sua plenitude, para assim conseguirmos atingir o tão almejado equilíbrio ecológico, o que não servirá somente para o presente mas, principalmente, para as futuras gerações.

É a própria Constituição Federal em seu artigo 225, caput, que garante essa proteção: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Sendo assim, ao operador do direito é imposto o reconhecimento da relevância do meio ambiente como um todo, tanto na sua recuperação quanto na sua manutenção, para assim chegarmos ao tão sonhado equilíbrio ecológico.

Porém, além da proteção ao meio ambiente, incumbe ao Estado à proteção da pessoa, do cidadão, que não pode ver o seu direito de liberdade suprimido em decorrência de abusos ou exageros, sendo o princípio da insignificância ferramenta importante na correção desses exageros.

Pelo fato da legislação não conseguir abarcar todos os casos existentes no direito, especialmente, aqueles que são dotados de certas peculiaridades, ao julgador cabe interpretar o caso concreto e através de seus conhecimentos jurídicos, analisando também a gravidade ou a relevância da conduta do agente aplicar o princípio da insignificância ou não. O julgador ao encontrar-se diante do caso concreto deve utilizar-se de critérios técnico-ambientais, que devem ser desenvolvidos por peritos capacitados na área ambiental. Como exemplo, podemos citar o grau de extinção da espécie envolvida no delito, ou a extensão e reversibilidade do dano ambiental. A Lei não visa apenas a punição do agente. Ela, em especial a lei ambiental, além da punição do causador do dano, pretende, principalmente, prevenir o dano ambiental, repará-lo quando constatado e educar o infrator e a sociedade como um todo da importância da proteção ambiental.

Uma pergunta seria muito pertinente ao tema em discussão: seria possível a criação de critérios objetivos para a aplicação do princípio da insignificância nos crimes ambientais? Pensamos ser impossível pelas circunstâncias pertinentes a cada caso in concreto. Porém ousamos em dizer que a aplicação do princípio da insignificância nos crimes ambientais deve se balizar não em critérios quantitativos, mas em critérios qualitativos. O que hoje pode ser considerado por alguns uma conduta insignificante, amanhã pode ser considerado de suma importância ao meio ambiente. Portanto, o que deve ser levado em conta na aplicação do princípio da insignificância é o meio ambiente como um todo, o dano deve ser avaliado em sua dimensão ecológica, na busca constante do equilíbrio ecológico.

Quando falamos, por exemplo, na matança de uma espécie considerada em extinção, o princípio da insignificância, em tal caso, deverá ser afastado, já que, independentemente da quantidade de animais abatidos, a espécie é considerada em extinção e, portanto, qualquer abalo em sua vida tornaria aquela conduta como relevante. O mesmo não podemos dizer quando tomamos como exemplo a situação de um lavrador que, levando-se em conta as suas condições de vida, mata um ou alguns tatus para alimentar sua família. Nesse último caso, incontestável é a aplicação do princípio da insignificância, já que apesar de estar cometendo um crime ambiental ao matar animal silvestre, o dano ambiental causado por essa conduta foi ínfimo, não gerando maiores conseqüências para o equilíbrio ecológico de sua região.

Portanto, a aplicação do princípio da insignificância do direito ambiental, mais especificamente nos crimes ambientais, é sim possível e justa, como já acontece em outras matérias, tais como: penal, tributário, previdenciário, entre outras. Porém, por se tratar de um assunto que envolve uma questão importantíssima e que interessa a toda a sociedade, a aplicação do princípio em estudo nos crime ambientais deve sofrer limitações. Este somente pode ser adotado como exceção e em determinados casos, cabendo sempre ao intérprete analisar o caso concreto e constatar se houve dano ambiental, se o mesmo é de natureza grave, se tem reflexos no equilíbrio ambiental e capacidade de ser revertido.

REFERÊNCIAS

ABREU, Alexandre Herculano. Lei dos crimes ambientais: aspectos destacados. Florianópolis: Atuação jurídica, ano 4, n.6, ago. 2001.

BRASIL. Tribunal Regional da 1ª Região. Recurso Criminal 2003.34.00.007650-0, da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Relator: Des. Ítalo Fioravanti Sabo Mendes, Brasília, DF, 10 de agosto de 2004.

BRASIL. Tribunal Regional da 5ª Região. Inquérito nº 601, do Pleno do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Relator: Des. Fed. Castro Meira. Publicado no DJ de 30.04.03.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Terceira Turma – RCCR 2001.40.00.004475-4/PI - Rel. Cândido Ribeiro – publicado no DJ de 30.04.2004, p. 36.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região - Oitava Turma - ACR 200372000061550/SC - Rel. Paulo Afonso Brum Vaz - publicado no DJU de 22.12.2004.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Recurso em Sentido Estrito 3164. Relator: Juiz Volkmer de Castilho. Porto Alegre, 21 de agosto de 2002.

BRASIL. Tribunal Regional Federal. Quarta Região. Apelação criminal 6596. Relatora: Juíza Tânia Terezinha Cardoso Escobar. Porto Alegre, 6 de junho de 2001.

CORRÊA, Leonardo Alves. A interpretação do princípio da insignificância no Direito Ambiental. Texto extraído do jus navigandi: http://jus2uol. Com.br/doutrina/texto.asp?id=2969. Acesso disponível em: 17 de setembro de 2007

COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro e; BELLO FILHO, Ney de Barros; COSTA, Flavio Dino de Castro e. Crimes e infrações administrativas ambientais: comentários à Lei nº 9.605/98. 2ª ed. rev. e atual. Brasília, DF: Brasília Jurídica, 2001.

FRAGOSO, Heleno Claudio, Lições de Direito Penal. Parte Geral, Ed. Forense, 5ª edição, 1983.

FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2001.

LEAL JÚNIOR, Cândido Alfredo Silva. O Princípio da Insignificância nos crimes ambientais: a insignificância da insignificância atípica nos crimes contra o meio ambiente da Lei 9.065/98. Revista de Doutrina da 4ª Região. Porto alegre, n. 17, abr. 2007. Disponível em: http://www.revistadoutrina.trf4.gov.br/edicao017/Candido_Leal.htm Acesso em: 22 fev. 2008.

LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz da Lei n. 9.099/95. Juizados especiais criminais e da jurisprudência atual. 2 ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

MAÑAS, Carlos Vico. O princípio da insignificância como excludente de tipicidade no direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994.

MILARÉ. Edis. Direito do Ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

_______________. Processo Coletivo Ambiental. In BEJAMIN. Antonio Hermam V. Dano Ambiental: Prevenção, Reparação e Repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993

MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direito Penal. Parte Geral, V. 1, Ed. Atlas, 7ª edição, 1993.

PASSOS DE FREITAS, Vladimir & PASSOS DE FREITAS, Gilberto. Crimes contra a natureza: (de acordo com a Lei 9.605/98). 8. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. vol. 1: parte geral, arts. 1º a 120. 6. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

_________________. Comentário ao código penal. São Paulo: RT, 2002.

REBÊLO, José Henrique Guaracy. Princípio da insignificância: interpretação jurisprudencial. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva. 1982. p. 133.

WILLEMANN, Zeli José. O princípio da insignificância no Direito Ambiental. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 686, 22 maio 2005. Disponível em: . Acesso em: 27 fev. 2008.

 

Data de elaboração: março/2008

 

Como citar o texto:

MACHADO, Kelton Almeida..Aplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes ambientais: admissibilidade e limitações.. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/2113/aplicabilidade-principio-insignificancia-crimes-ambientais-admissibilidade-limitacoes-. Acesso em 22 dez. 2010.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.