Trata-se a astreinte de uma técnica de obtenção de tutela que se utiliza de uma multa de caráter coercitivo que visa compelir o devedor ao cumprimento espontâneo da obrigação que lhe foi imposta, sob a ameaça de ver-se obrigado ao pagamento de um valor pecuniário pelo descumprimento da ordem jurisdicional.

 

Marinoni, citado por Amaral, é taxativo ao definir a astreinte, afirmando que “a multa é um meio de coerção indireta que tem por fim propiciar a efetividade das ordens de fazer e de não - fazer do juiz, sejam elas impostas na tutela antecipatória ou na sentença”.

Nesse passo, aduz Orlando Gomes, citado por Bortoluzzi, que o instituto “consiste numa condenação acessória, na qual o juiz fixa determinada multa que o executado deve pagar por dia de atraso no atendimento da condenação principal”.

E esse meio que possibilita ao Estado-juiz aplicar, e não somente dizer o direito ao caso concreto, está disciplinado nos artigos 273, § 3º, 461, 461-A do CPC.

Pelo fato da possibilidade ou não de execução imediata e definitiva da astreinte logo após a confirmação da decisão que a fixou já existe tamanha divergência doutrinária, com muito mais rigor diverge quando ao final da lide é prolatada uma decisão de improcedência dos pedidos do autor.

Se o fato gerador da astreinte é o descumprimento do comando judicial que ordena que o devedor cumpra a tutela concedida, e esta decisão sendo confirmada, o resultado final da lide não terá o condão de influenciar na multa gerada, até mesmo se a sentença for de improcedência.

A sentença ou o acórdão que não reconhece o direito do autor passará a surtir efeitos, no tocante à multa que é processual, da sua prolação em diante (ex nunc). Até a publicação desta decisão, a anterior que fora, agora, revogada, produziu seus efeitos válida e legalmente, não sendo coerente afirmar que tal revogação, que se refere ao direito material buscado pelo autor, será capaz de revogar a multa processual, haja vista se tratarem de institutos de naturezas diversas e que não mantêm correlação direta.

Nesse diapasão, Spadoni (2007, p. 192-193) é enfático, vejamos:

Deve ainda ser considerado que estas decisões que revogam outras anteriores possuem natureza constitutiva negativa, com relação à decisão revogada. Seja pelo acórdão que rescinde ou modifica as decisões de 1º grau, seja pela própria sentença de improcedência ou decisão interlocutória que revoga a imposição da multa, descontitui-se um ato jurídico (a decisão judicial) que até então produzia efeitos, e que, portanto, impunha, até o momento da desconstituição, um dever de cumprimento obrigatório ao réu.

Pelo fato de decisões dessa natureza possuírem eficácia ex nunc, ou seja, por não retroagirem, não podem elidir o estado de ilegalidade em que se pôs o réu que transgrediu preceito judicial proferido anteriormente e que era até então eficaz. A ordem judicial terá sido sempre violada, e a multa sempre será devida, mesmo diante da posterior improcedência do pedido do autor.

E completa, in verbis:

A posição contrária só poderia ser admitida caso o fato gerador da incidência da multa fosse a violação da obrigação de direito material que o réu poderia ter com o autor. Nessa hipótese, a decisão definitiva que viesse a concluir pela improcedência do pedido realmente afetaria a exigibilidade da multa, dado que, com relação ao direito discutido no processo, a decisão tem natureza declaratória, possuindo, neste ponto, eficácia ex tunc. (...).

No entanto, não é o que ocorre. A constatação de que o réu não possuía qualquer obrigação perante o autor é irrelevante para a exigibilidade de multa pecuniária, justamente porque esta não leva em consideração eventual violação da obrigação de direito material, mas de uma obrigação processual, de todo independente daquela.

Assim, caso a sentença de improcedência dos pedidos do autor fosse capaz de revogar a multa gerada até sua prolação, estaríamos desprestigiando os comandos judiciais e, nesse sentido, não haveria razão para a existência do instituto em nosso ordenamento jurídico, além do que estaria sendo fortemente agredido o intuito do sistema de dar real efetividade às decisões judiciais.

Barbosa Moreira (Apud. Execução das astreintes e criação de um processo civil nazista) nos ensina que “a multa pode ser exigida a qualquer tempo pelo interessado, não havendo dependência do que vai ser decidido ao final. A partir do dia em que comece a incidir a multa, faculta-se ao credor exigi-la, através do procedimento da execução por quantia certa”.

Apesar de não ser unívoca a posição acima alinhavada, são diversas as decisões provenientes de nossos Tribunais que sustentam tal raciocínio :

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. DESCUMPRIMENTO. ASTREINTE. EXECUÇÃO. POSSIBILIDADE. A multa fixada para o caso de descumprimento de ordem judicial, dado o seu caráter inibitório, é título executivo, desde que ocorrido o seu fato gerador, mesmo que posteriormente a sentença de mérito venha a ser reformada. É que, até o julgamento do apelo, estava vigente a proibição de registro do nome do apelante nos cadastros de inadimplentes, o que restou descumprido pela apelada, a qual deverá responder por seus atos. Sentença que se desconstitui, prosseguindo-se com a execução. APELO PROVIDO, SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. (Apelação Cível Nº. 70012900197, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ary Vessini de Lima, Julgado em 15/12/2005)

 

“APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS DO DEVEDOR. EXECUÇÃO DE ASTREINTES. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE DEFERE LIMINAR COMINANDO MULTA DIÁRIA PELO DESCUMPRIMENTO. REVOGAÇÃO DA LIMINAR POR SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. A cominação de multa para o eventual descumprimento de ordem judicial é possibilidade prevista no art. 461, § 4º do CPC, pois decorre do poder geral de cautela assegurar o efetivo cumprimento da determinação judicial. Por ter caráter inibitório nos casos de antecipação de tutela, não atingiria a astreinte o seu objetivo se fosse possível a sua cobrança somente se confirmada por sentença transitada em julgado. REVOGADA POR SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA NA AÇÃO DE CONHECIMENTO, SUA INCIDÊNCIA SE LIMITA AO PERÍODO COMPREENDIDO ENTRE A DATA DA CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA E A PROLAÇÃO DA SENTENÇA. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70017050683, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dorval Bráulio Marques, Julgado em 14/12/2006)

AGRAVO DE INSTRUMENTO - DECISÃO QUE REJEITOU A EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE EM EXECUÇÃO DE ASTREINTES - MULTA COMINATÓRIA FIXADA EM DECISÃO LIMINAR - TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL - EXIGIBILIDADE DISSOCIADA DA SENTENÇA FINAL DA AÇÃO. VEREDICTUM RATIFICADO.

- Decisão liminar que fixa multa cominatória (astreinte) é título executivo judicial, cuja exigibilidade não depende da sentença final transitada em julgado;

- Agravo de Instrumento conhecido e improvido. Unanimidade.

(AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1487/2005, 11ª VARA CíVEL, Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, Relator: DES. MANUEL PASCOAL NABUCO D`AVILA, Julgado em 18/04/2006)

A partir do momento em que a decisão fixa a astreinte, esta e sua consequente execução se tornam definitivas, não dependendo de qualquer confirmação em decisão judicial posterior.

Na mesma esteira, vislumbra-se posicionamento emanado do Superior Tribunal de Justiça :

PROCESSUAL CIVIL - RECURSO ESPECIAL - EMBARGOS À EXECUÇÃO DE MULTA COMINATÓRIA - VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC - DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO - SÚMULA 284/STF - TERMO INICIAL DE EXIGIBILIDADE DA MULTA - EFICÁCIA DA DECISÃO QUE A FIXOU.

1. Não há como esta Corte analisar violação do art. 535 do CPC quando o recorrente não aponta com clareza e precisão as teses sobre as quais o Tribunal de origem teria sido omisso. Incidência da Súmula 284/STF.

2. De acordo com o art. 461, § 4º, do CPC, o juiz poderá, em medida liminar ou na própria sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.

3. Escoado o prazo estabelecido pelo magistrado para o cumprimento da obrigação, a multa fixada com fundamento no referido preceito legal já é plenamente exigível, desde que não penda, sobre a sentença que a fixou, julgamento de recurso recebido no efeito suspensivo.

4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.

(REsp 1183225/MS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/04/2010, DJe 14/04/2010) (grifo nosso)

De acordo com este entendimento, assevera Marcelo Lima Guerra que “tendo o credor o direito à tutela especifica de seu direito, arma-se o juiz de meios para pressionar psicologicamente o devedor com medidas coercitivas diversas, principalmente a multa diária. A multa diária é, portanto, medida de caráter processual, não tendo qualquer ligação direta com o direito substancial para o qual se pede a tutela executiva”.

Caso a multa estava incidindo e somente algum tempo depois a obrigação restou impossível, resta claro que o devedor passou um tempo com a possibilidade de cumpri-la e não a fez, preferindo descumprir o mandamento judicial. Aqui, portanto, a multa será devida pelo período em que o devedor infringiu a ordem judicial.

Diante do esposado, conclui-se que é perfeitamente possível proceder a execução da astreinte fixada em decisão interlocutória que concede ao autor a antecipação da tutela por ele pretendida, de forma definitiva, desde que esta decisão tenha transitado em julgado (confirmação da decisão), independentemente do resultado que seja concedido ao direito material posteriormente quando da prolação de uma sentença de mérito (procedente ou improcedente), isto porque o fato gerador da multa não diz respeito ao direito material, mas sim ao descumprimento da ordem mandamental.

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

ALVIM, J. E. Carreira, CABRAL, Luciana Gontijo Carreira Alvim. Cumprimento de sentença: Comentários à nova execução das sentenças e outras alterações introduzidas no Código de Processo Civil (Lei nº 11.232/05). 2 ed. Ver. E atualizada Curitiba: Juruá, 2007.

AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: Multa do artigo 461 do CPC e outras. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

ASSIS, Araken de. Manual de Execução. 11 ed., rev., ampl. e atual. com a Reforma Processual – 2006/2007. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

BORTOLUZZI, Roger Guardiola. Sanção por descumprimento de ordem judicial. Disponível em . Acesso em: 10 de agosto de 2010.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Agravo de Instrumento nº 1487/2005. Relator: Rel. Des. Manuel Pascoal Nabuco D"Ávila. Julgado em 18/04/2006. Disponível em: . Acesso em: 01 set. 2010.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1183225/MS. Rel. Ministra ELIANA CALMON. Julgado em 06/04/2010. Disponível em: . Acesso em: 03 set. 2010.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº. 70012900197. Relator: Luiz Ary Vessini de Lima. Julgado em 15/12/2005. Disponível em: . Acesso em: 01 set. 2010.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº 70017050683. Relator: Dorval Bráulio Marques. Julgado em 14/12/2006. Disponível em: < http://www1.tjrs.jus.br/busca/?btnG=buscar&tb=juris>. Acesso em: 01 set. 2010.

Execução das astreintes e a criação de um processo civil nazista. Disponível em: . Acesso em 20 de agosto de 2010.

GUERRA, Marcelo Lima. Execução Indireta. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral dos Recursos, recursos em espécie e processo de execução. Volume 2. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2007.

SPADONI, Joaquim Felipe. Ação Inibitória: A ação preventiva prevista no art.461 do CPC. 2 ed. ver e São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

 

Data de elaboração: setembro/2010

 

Como citar o texto:

PASSOS NETO, Francisco Modesto dos..Astreintes - momento de sua exigibilidade e independência do resultado final do processo. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-civil/2117/astreintes-momento-exigibilidade-independencia-resultado-final-processo. Acesso em 23 dez. 2010.

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