RESUMO: Este trabalho propõe – se a apontar a de alguns institutos jurídicos penais presentes nas Ordenações Filipinas e, de maneira sucinta fazer a definição de conceitos básicos importante na sua identificação, ou seja, apontaremos os mais conhecidos e utilizados pelos operadores do direito em sua prática diária, para tanto indicaremos sua localização na legislação da época e também a indicação do seu artigo correlato no ordenamento jurídico brasileiro atual.

Palavras-chave: Ordenações Filipinas – Institutos Embrionários – Legislação Penal Pátria.

 

INTRODUÇÃO

Inicialmente vale notar que na época da colonização do Brasil tivemos contato com as Ordenações Afonsinas, consideradas por muitos o primeiro código completo da Europa, e Portugal foi à primeira pátria a possuir este diploma, onde em sua estrutura estava disposta quase toda a legislação pertinente do Estado, este instrumento foi publicado em 1446 ou 1447, considerado um fato notável aos cristãos, vigorou até o reinado de D.Manuel.

Posteriormente veio as Ordenações Manuelinas, elaboradas sob ordens de D. Manoel conhecido como o venturoso, iniciou sua elaboração em 1512 ou 1513, e começaram a ser impressas e terminaram em 1521.

As Ordenações Manuelinas tiveram, pois, por finalidade precípua, a função de consolidar o direito português.

Em 1603 especificamente em 11 de janeiro, foram o fim do Código Manuelino e o começo das Ordenações Filipinas. Possuía o rótulo e preconceito de uma legislação organizada por um Monarca da Espanha, mas, entretanto, segundo consta não revolucionou Portugal pelo contrário, pois, na verdade foi um Código Português elaborado por juristas de Portugal, e esta vigorou ate a chegada do Código Criminal do Império de 1830. Cf., Pinho, Ruy Rebello

DA LEGÍTIMA DEFESA E O EXCESSO

Atualmente encontramos o instituto da legítima defesa de forma expressa na Parte Geral do Código Penal Brasileiro.

Ao efetuar uma breve leitura no tópico Exclusão de Ilicitude, o art. 23, II, do CP, traz de forma clara o instituto da legítima defesa; e no parágrafo único exalta a responsabilidade de seu usuário por excesso doloso ou culposo.

Além disso, um pouco mais a frente especificamente no art. 25 do mesmo código, encontramos o que se entende por legítima defesa, então “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem” .

Sua origem de certa forma é incerta, afirma-se que sua existência é muito antiga e acredita-se que este instituto é um direito imanente ao próprio ser humano, consubstanciado no direito de defender-se dos perigos advindos a sua integridade.

Entretanto encontrava-se presente no Brasil desde a época de sua colonização mais precisamente nas Ordenações Filipinas, onde no Livro V no Titulo XXXV, Dos que Matão, ou ferem ou tiram com Arcabuz, ou Besta, apresentava a seguinte redação:

“Qualquer pessoa, que matar outra, ou mandar matar, morra por ella morte natural.

Porém se a morte for em sua necessária defensão não haverá pena alguma, salvo se nella excedeo a temperança que devera, ou poderá ter, porque então será punido segundo a qualidade do excesso”. (grifo nosso)

Ao efetuar a leitura no dispositivo em comento notamos que só existira punição para o sujeito que praticara o crime não amparado por esta norma.

Ou seja, o sujeito não acobertado na época das ordenações pelo instituto da defensão como era denominado, praticando o crime contra a vida da vítima morreria por isso.

Na época as ordenações não apresentavam a técnica e delimitação que hoje encontramos no Código Penal, o instituto da legítima defesa não era bem delineado como encontramos hoje, é claro a técnica legislativa era outra, precária.

O avanço do instituto pode ser notado facilmente no passar do tempo, pois, a sua roupagem impressiona como observa Cezar Roberto Bittencourt “A legítima defesa um dos institutos jurídicos melhor elaborados através dos tempos representa uma forma abreviada de realização da justiça penal e de sua sumaria execução”.

No entanto, para sua aplicação pratica e no caso concreto devem encontrar-se presentes os requisitos objetivos e subjetivos a seguir: objetivos – a) agressão atual ou iminente e injusta; b) direito próprio ou de outrem; c) meios necessários usados modernamente; e por último o elemento subjetivo – (animus defendendi) que o sujeito tenha conhecimento da agressão,

Dentre os elementos apresentados por estarem objetivos por estarem positivados, não há contradição na sua aceitação ou exigência, mas quanto à presença do elemento subjetivo há quem diga que não é exigido, ocorrendo então a problemática.

Entende Magalhães Noronha da seguinte maneira “A legítima defesa é uma causa objetiva excludente da antijuricidade. Situa-se no terreno físico ou material do fato, prescindindo dos elementos subjetivos. O que conta é o fim objetivo da ação, e não o fim subjetivo do autor”.

Outro ponto também importante é a presença da figura do excesso, que ocorre quando: o agente ultrapassa os limites da moderação na contenção do ato lesivo.

Na aferição da moderação da força utilizada se não existir uma proporcionalidade entre a lesão praticada e o meio de contenção estará presente o excesso, este poderá ser imputado ao agente a título de dolo ou culpa.

Podemos observar que tanto na época das Ordenações Filipinas como hoje na vigência do Código Penal, o efeito principal do Instituto Legitima Defesa se equivale.

Ou seja, observando nas ordenações a presença do instituto, como causa de isenção de pena ou no Código Penal como excludente de crime ambos levariam a não punição do agente criminoso.

PENA DE MULTA

Inicialmente cabe salientar que consumado o crime pelo delinquente surge para o Estado o seu direito de punir (jus puniendi).

Então, para reafirmar a sua autoridade e também para manter a paz social o Estado possui um rol de punições para serem aplicadas ao infrator da lei penal.

Para a finalidade de nosso trabalho podemos definir pena como a aplicação, pelo Estado, de uma restrição ou privação de bens ou direitos ao delinquente.

Já suas espécies mais comuns e que se faziam presentes na época das Ordenações Filipinas, e também são encontradas em alguns países na atualidade, são: a pena de morte, às corporais, às infamantes, às privativas de liberdade, às restritivas de liberdade e as pecuniárias.

Pena de morte são aquelas que ceifam a vida do ser humano, de qualquer forma.

Penas corporais são as que atingem diretamente o corpo do apenado e, dividem-se em de morte e corporais propriamente dita.

Pena de multa é a aquela em que o delinquente cumpre efetuando o pagamento de certa importância ao Estado, especificamente é o pagamento em dinheiro decorrente de uma sentença penal condenatória, aplicada como consequência da prática de um crime.

ORIGEM DO INSTITUTO

A origem da pena de multa é atribuída a Roma antiga, posteriormente ao D. Germânico; e também na bíblia sagrada (Êxodo, XXI e XXII e Levítico, XXIV).

Apontam – se também como fenômeno precursor da pena de multa o instituto da composição, ou seja, o preço pago em moeda, vestes, ou armas, etc. Encontrados no código de Hamurabi, o Pentateuco, o de Manu, entre outros .

No Brasil o encontramos nas ordenações Filipinas no título, XXVII, que trata: Que nenhum homem cortesão, ou que costume andar na corte, traga nella barregão,

“Defendemos, que nenhum Cortesão, ou pessoa, de qualquer condição que seja, que costume andar na Corte, traga nella manceba, nem a tenha em Ella teùda.

E o que o contrario fizer na Corte, e a dita manceba tiver teùda em sua pousada, ou fora della, posto que ella e elle sejão solteiros, se for Cavalleiro, ou dahi para cima, pague vinte cruzados, e se for Scudeiro, pague dez cruzados e se for homem menos qualidade pague cinco cruzados, e será degradado cada hum delles hum anno fora Corte”.

Hodiernamente encontramos o instituto da multa nos arts. 32, inc III, e 49 caput e seguintes do Código Penal Brasileiro, e cuja redação transcrevemos a seguir

Art. 32 - As penas são:

I – (...);

II – (...);

III - de multa

Art. 49 - A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

Cabe salientar que a aplicação do instituto da multa tanto na época da vigência das Ordenações Filipinas deixa clarividente que a aplicação da pena de multa poderia ser de forma isolada ou cumulativamente.

Fenômeno semelhante ocorre com a aplicação da pena de multa no código penal moderno, para tal constatação basta que se efetue uma breve leitura de seus dispositivos legais e visualizaremos sem maiores dificuldades.

O instituto da pena de multa tem por finalidade o não encarceramento do condenado à pena privativa de liberdade, de curta duração.

Então, cumprindo esta finalidade automaticamente estará beneficiando e regenerando o indivíduo no próprio convívio social e familiar, uma vez que não será mantido na prisão.

DO ERRO OU IGNORÂNCIA

Instituto de extrema utilidade e de grande valia que encontrava - se presente de forma tímida nas Ordenações Filipinas, é o erro ou ignorância.

No Brasil na vigência das Ordenações Filipinas de forma embrionária encontravam-se exposto no Título XIV, Do Infiel, que dorme com alguma Christã, e do Christão, que dorme com infiel.

“Qualquer Christão, que tiver ajuntamento carnal com alguma Moura ou com qualquer outra infiel; ou Christã com Moura, ou Judeu, ou com qualquer outro Infiel, morra por isso e esta mesma pena haverá o infiel”.

(...)

E isso mesmo o que tal pecado fizer por ignorância, não sabendo nem tendo justa razão de saber como a outra pessoa era de outra Lei, não deve haver por elle pena de justiça. (grifo nosso)

E somente a pessoa que da dita infidelidade for sabedor, ou tiver justa razão de o saber será punida segunda a culpa, em que for achada. ”

De maneira sintética podemos dizer que erro é o conhecimento equivocado de um fato ou objeto. Já a ignorância é a total falta de conhecimento de fato ou objeto.

Cabe ressaltar que apesar destas expressões serem empregadas como sinônimas ou equivalentes observa Basileu Garcia

“As palavras erro e ignorância representam fenômenos psicológicos diversos. Um é estado positivo; a outra negativa. Equiparam-se, porém quanto à consequência do ponto de vista do Direito Penal, e é esse o motivo pelo qual se utilizam os dois vocábulos indiferentemente.”

Como podemos verificar do comentário mencionado os dois termos para fins penais embora diferentes na essência equiparam-se, compartilham desse entendimento, Mirabete , Noronha e Nucci , inclusive este último frisa a adoção da Teoria Unitária, em nosso sistema penal pátrio.

Encontramos atualmente a matéria do erro disciplinada no Código Penal descrita respectivamente nos artigos 20 (erro de tipo) e 21 (erro de Proibição)

Erro de tipo é o que recai sobre os elementos do tipo legal de crime como podemos observar na transcrição do art. 20 “O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei”

Dentro deste contexto mencionado o elemento subjetivo do crime, ou seja, o dolo do agente deve ser consciente e diretamente dirigido a atingir a finalidade criminosa.

Portanto, uma vez, que o agente não possua a consciência da ilicitude e, nem tenha a mínima possibilidade de entendimento da conduta praticada estará fadada ao vício e, consequentemente caracterizada a figura do erro.

Nestes termos o agente praticante da conduta só poderá ser responsabilizado a título de culpa, isto é havendo a previsibilidade do resultado lesivo, e ainda sim se o fato estiver tipificado como crime culposo.

CONCLUSÕES

Por todo o exposto, e sem a menor pretensão de esgotar o assunto podemos traçar algumas conclusões gerais:

1) Pelo que verificamos nas Ordenações filipinas e comparando com o atual ordenamento jurídico, já existiam vários institutos em sua fase embrionária, e o conceito destes veio surgindo gradativamente com a especialização dos juristas;

(2) A verificação de alguns conceitos hoje existentes deve – se ao trabalho de juristas português e, posteriormente de outros europeus e até brasileiros de notável conhecimento jurídico;

3) Para dar mais credibilidade, segurança e familiaridade, dos institutos jurídicos em geral se faz necessária uma incursão mais profunda nas Ordenações Filipinas e posteriormente, em países europeus para identificar e saber como foi à evolução dos institutos encontrados no ordenamento jurídico pátrio;

4) Então o período compreendido entre a transição da legislação portuguesa, especificamente das Ordenações Filipinas ate chegar à legislação tipicamente brasileira foi muito importante ao desenvolvimento de nosso ordenamento jurídico, pois já assinalava meio que intuitivamente o que hoje aperfeiçoamos e aplicamos na prática;

5) Todos os critérios de verificação dos institutos jurídicos são válidos para que possamos identifica – lós em sua origem história, principalmente na legislação que vigorou internamente no Brasil como é o caso das Ordenações Filipinas;

6) Então pelo que verificamos para diminuir a inquietação de uma maneira geral, mesmo sabendo que às vezes foge a realidade do ensino jurídico brasileiro e inclusive das instituições de ensino de forma quase uniforme, somos nos estudiosos que devemos aprofundar especificamente o estudo de forma individual para desvendar o mistério dos institutos penais de forma incansável.

 

 

Referencias Bibliográficas

VADE MECUM, São Paulo: Ed. Saraiva 2009 p.7, 143/145, 1313

Mirabete, Julio Fabbrini, Manual de direito penal, volume 1: parte geral, 25ª ed., editora Atlas – São Paulo 2009.

Prado, Luiz Regis, Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 1 – Parte Geral, 8ª ed., São Paulo: RT 2008.

Nucci, Guilherme de Souza, Manual de Direito Penal, 6ª Ed., Parte Geral e Parte Especial, São Paulo: RT 2010.

Bittencourt, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal: parte geral, volume 1 10ª Ed. – São Paulo: Saraiva 2006.

Pierangeli, José Henrique, Códigos Penais do Brasil – Evolução Histórica, 2ª Ed. – São Paulo: RT, 2004.

Noronha, E. Magalhães, Direito Penal, volume 1, Introdução e Parte Geral, 19ª Ed. – São Paulo: Saraiva 1981.

Pinho, Ruy Rebello, História do direito penal brasileiro: período colonial, São Paulo: USP, 1973.

Garcia, Basileu, Instituições de Direito Penal, volume 1, tomo I, 7ª Ed., São Paulo: Saraiva 2008.

Notas

 

Data de elaboração: junho/2010

 

Como citar o texto:

SILVA, Maurício Pereira da..A Legitima defesa e o excesso, a pena de multa e o erro ou ignorancia.. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/2189/a-legitima-defesa-excesso-pena-multa-erro-ou-ignorancia-. Acesso em 22 fev. 2011.

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