Resumo: A remição ficta é o objeto central deste trabalho, o qual será analisado com base na doutrina e na jurisprudência atual, e, para isso, dividir-se-á em três partes, a primeira constituirá sobre o instituto da remição no ordenamento jurídico brasileiro, em seguida, analisar-se-á sua aplicabilidade em face da ausência do dever do Estado em garantir o direito ao trabalho ao apenado, ou seja, a remição ficta propriamente dita e por fim a crítica instalada em nosso sistema jurídico em virtude de sua utilização.

 

Palavras Chaves: Remição Penal; Remição Ficta; Sistema Carcerário.

1 INTRODUÇÃO

Pelo método indutivo, pretende-se analisar o direito do apenado, quanto ao trabalho carcerário, ante a ausência estatal de cumpri-lo.

A estrutura carcerária encontra-se em declínio, total falência; o espaço físico é inadequado, os profissionais são em número reduzido e o Estado não oferece salário combatível com a função.

Diante desse colapso, a pena privativa de liberdade é tratada como o meio pelo qual o apenado se desenvolve para retornar a sociedade e não mais cometer condutas consideradas ilícitas.

O contexto jurídico atual não é tão simples assim, pois, ao mesmo tempo em que o crescimento econômico brasileiro passou a ser notoriamente supervisionada pelo Estado, a responsabilidade estatal no tocante as atividades sociais, necessárias para o desenvolvimento humano, foram renegadas a margem desse crescimento.

A vista disso, o país possui uma economia estruturada, porém carente na área social, tornando, desta forma, o cárcere em depósito de indigentes de suas próprias dignidades, alimentando a fome de vingança daqueles que nada têm a perder.

A Lei de Execuções Penais elenca inúmeros direitos dos presos, os quais têm como escopo o de reinserir o cidadão em sua sociedade; dependendo ao Estado em adotar medidas capazes de adimplir com a sua obrigação.

Entre estes direitos encontra-se o trabalho carcerário que, além de profissionalizar o marginalizado, possibilita a redução de sua pena pelo instituto da remição, ponto central deste trabalho.

2 REMIÇÃO PENAL

A remição penal surgiu no Brasil com o advento da Lei 7.210 de 11 de julho de 1984, conhecida como Lei de Execução Penal – LEP, regulamentada pelos artigos 126 a 130.

Porém há de mencionar que, “[...] já se anotou alhures que a Lei mineira n. 7.226/78 disciplinava o instituto, tendo como precedentes os arts. 9° e 16 da Lei das Normas Mínimas do México e o art. 54 da Lei italiana n. 354/75”. (PADUANI, 2002, p.11).

Ainda a respeito da origem do referido instituto no direito federal brasileiro, Fudoli, (2004, p.35), explica:

No Brasil, o Anteprojeto de Lei de Execução Penal, de 1981, elaborado por iniciativa do Ministério da Justiça, não previu a remição. No entanto, o Anteprojeto revisor, de 1983, [...], convertido posteriormente em Projeto de Lei, funcionou como embrião da Lei de Execução Penal, de 1984 [...], fez referência o instituto, pela primeira vez no país, em seus arts. 125 até 129.

As normas jurídicas que dizem respeito à remição penal brasileira “padecem da eficácia prático-sociológica diminuta, quer porque os efeitos do instituto são, muitas vezes, neutralizados pela perda dos dias remidos; quer pela pequenez da extensão conferida ao conceito de trabalho [...]” (FUDOLI, 2004, p. 17)

O instituto da remição penal, como exposto, é um benefício concedido ao apenado que cumpre pena em regime fechado ou semi-aberto, diminuindo o tempo de sua permanência na instituição prisional desde que cumpra determinadas exigências elencadas na Lei de Execução Penal.

Entre elas, existe o elemento objetivo de que cada três dias de trabalho o apenado tem o direito de descontar um dia de sua pena privativa de liberdade, trata-se de um pagamento, segundo afirma Fernando Capez (2004, p. 111), e não um perdão ou indulgência.

Nota-se que a remição penal, não diminui a pena imposta ao apenado, e sim antecipa sua saída do órgão prisional, onde cumpre sua pena, haja vista que, apresentados os pressupostos previstos na Lei de Execução Penal, os dias remidos são determinados como pena cumprida e não perdoada. (MESQUITA, 1999, p. 257)

O trabalho no cárcere, declarado pela Lei de Execução Penal, serve como um dos principais ingredientes para o retorno do apenado ao eixo da sociedade.

A respeito da evolução do trabalho do apenado leciona Foucalt (2001, p. 205):

Os trabalhos forçados [...], foram substituídos pelo trabalho prisional correcional, moralizante e disciplinador do corpo do condenado. Quanto ao trabalho nos dias atuais afirma que, o trabalho não é mais retributivo; constitui parte do tratamento penitenciário, que, por sua vez, é um dos pilares da propalada e discutível ressocialização do apenado, tendo como metas promover sua readaptação, profissionalizá-lo e incutir em seu modo de vida os hábitos laborais. [...] No ambiente carcerário, então, empresta-se ao trabalho papel quase sagrado: funciona como panacéia para todos os desvios sociais nos quais incorrem os criminosos, presumidamente vadios e ociosos

Para tanto, a jornada de trabalho do apenado, para fins de receber o benefício da remição, não poderá ser inferior a seis (06) horas diárias e nem superior a oito (08) horas, conforme o art. 29, da Lei de Execução Penal.

A remuneração, por seu turno, não poderá ser inferior a 75% do salário mínimo vigente, devendo tal valor ser dedicado:

a) à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios; b) à assistência à família; c) a pequenas despesas pessoais; d) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas letras anteriores; e) ressalvadas outras aplicações legais, será depositada a parte restante para constituição do pecúlio, em Caderneta de poupança, que será entregue ao condenado quando posto em liberdade.

A remição concedida é declarada pelo Juiz de Execução, após ouvir o representante do Ministério Público, sendo seus efeitos considerados tanto para o livramento condicional como para o indulto.

O apenado que sofrer acidente de trabalho, em que o impossibilite de continuar a exercê-lo, não poderá perder o benefício da remição, ou seja, ele continuará a receber o benefício. Neste sentido assevera Silva (2001, p. 177):

Uma vez vitimado por acidente de trabalho durante a execução da pena, o preso trabalhador continuará a fazer jus à remição nos mesmos moldes em que era beneficiado anteriormente ao acidente, com a contagem de cada três dias úteis para o trabalho para a remição de um dia de pena.

A finalidade da remição penal é, sem dúvida, a diminuição da pena privativa de liberdade, entretanto, este não é o seu único objetivo, desempenhando outros papéis ainda mais essenciais do que este.

A remição, acima de tudo, possui um fim social reparativo, pois faz com que o apenado não labore apenas para si, mas também para a sociedade; defendendo: (a) unidade familiar do apenado, provendo o seu sustento; (b) o objetivo correcional, buscando-se a dignificação e a recuperação do apenado; (c) um fim moral e institucional, amenizando os perigos da ociosidade infligidos nos indivíduos e as pressões no estabelecimento prisional pelos vícios da inatividade e, ainda; (d) uma finalidade preventiva, preparando o preso para encarar uma vida livre no futuro, capacitando-o profissionalmente para que não lhe falte um labor ou meio digno de sustento, ausências estas que podem provocar a causa de sua reincidência.

3 REMIÇÃO FICTA: DIREITO X DEVER

A remição ficta — também conhecida por remição presumida —, surgiu como uma alternativa para o apenado garantir o seu direito de remir a pena diante da ausência do Estado em conceder o trabalho.

Na visão de Silva (2002, p. 22) a remição ficta é o reconhecimento do benefício da remição penal, diante da falha Estatal em proporcionar ao apenado, atividade laboral, para que este possa cumprir o requisito objetivo expresso na Lei de Execução Penal, para alcançar o referido benefício. Entretanto, a obrigação legal do apenado é tolhida pela ausência de institutos prisionais, não adaptados a cumprir a imposição legal, fazendo com que os apenados permaneçam ociosos.

Diante da comprovação da vontade de labor pelo apenado, não há fundamento para a instituição prisional negar o benefício da remição pelo período em que o apenado poderia e deveria ter desempenhado atividade laboral. Lembre-se é dever do apenado.

Fudoli (2004, p. 203) expressa ambas as correntes, para o autor: o trabalho prisional é um direito do apenado a qual o Estado tem o dever de fornecê-lo; o labor é inerente a personalidade humana, sendo que o apenado tem pleno direito a pretender que sua capacidade de laborar não seja diminuída nem prejudicada e que seus conhecimentos profissionais continuem íntegros, o que se alcançará com o efetivo exercício do labor. E, sem a oportunidade de praticar atividade laboral, ainda assim terá o apenado o direito ao benefício da remição, pois não poderá ser prejudicado por uma lacuna ou omissão estatal.

A falta de adaptação material das instituições carcerárias pelo poder Estatal acaba gerando conflitos entre os apenados e a administração prisional, com funda repercussão na jurisprudência, a qual passa a traçar regras emergenciais possíveis, desviando do sentido original da previsão legal, diante da lacuna da legislação e da falta de condições materiais. (BENETI, 1996, p. 137-138)

Portanto, conceder a remição ao apenado que não tenha exercido atividade laborativa por culpa da administração prisional é aplicar um direito fundamental ao apenado, ao qual não pode ser negado em virtude da falha ou da omissão do Estado, ao não oportunizar o trabalho aos apenados.

O Projeto de Lei nº 4.704/01 de autoria do Deputado Federal, Marcos Flávio Rolim na Câmara dos Deputados sugere o acréscimo de dispositivo à Lei de Execução Penal, no sentido de se reconhecer a remição ficta:

Art. 130 – A: Aplica-se ao preso i pedido de iniciar ou prosseguir em uma atividade laboral em razão do Poder Público, independentemente de culpa, não lhe ter atribuído trabalho, na forma do disposto no art. 30 e seguintes desta Lei, e do disposto no art. 126, § 3º, desta Seção.

A justificativa do Deputado para o projeto é a de estimular aos Estados em oportunizar a atividade laboral aos apenados, corrigindo uma injustiça. Além disso, constitui um dos instrumentos fundamentais para uma política orientada para a ressocialização do apenado, já que, é um dos princípios basilares da Lei de Execução Penal; ademais, o Estado tem responsabilidade objetiva pela oferta de labor, não devendo o apenado ser prejudicado no que se refere à remição da pena.

Em vista disso, deve-se analisar, contextualizando o trabalho no cárcere, como o Estado atua quanto aos seus deveres e quanto aos direitos do apenado, os quais se encontram positivados pela Carta Suprema e pelas leis infraconstitucionais

3.1 Trabalho Direito do Apenado

O art. 41 da Lei de Execução Penal afirma que: “Constituem direitos do preso: [...] II – atribuição de trabalho e sua remuneração; [...] V – proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, descanso e a recreação; [...]”.

Para Maia Neto (1998, p. 183) o direito do apenado ao trabalho é liquido e certo e por isso deverá a Administração Pública fornecê-lo.

Ao proceder a proteção dos valores fundamentais do homem, o legislador brasileiro positivou o direito ao trabalho para aquele que estiver preso nos regimes fechados e semi-abertos, conforme já noticiado neste trabalho.

Se não bastasse a presença na Lei de Execução Penal do direito do preso em trabalhar, a Constituição Federal do Brasil, também positivou essa garantia de forma genérica a todos (art. 6º), por isso o trabalho do apenado também deve ser reconhecido e preservado enquanto direito constitucionalmente assegurado. (BARROS, 2001, p. 188).

O núcleo central dos direitos sociais, segundo José Afonso da Silva (2003, p. 464), são aqueles constituídos pelo direito ao trabalho e pelo direito de seguridade social. Em torno desses, é que gravitam outros direitos, tais como: direito à saúde, o direito de previdência social, o de assistência social, o direito à educação, entre outros.

Importante salientar que quando o Estado garante ao apenado o direito de trabalho, é para este ter condições de retornar a sociedade de forma mais célere e mais digna, visto que estará apto a retornar ao seio da convivência familiar e da sociedade como todo.

Assim, ao dispor ao apenado o seu direito de trabalhar e, por via de conseqüência, em remir este período, estará tanto o apenado quanto a sociedade ganhando, posto que, conforme afirma Silva (2001, p. 54-55):

O condenado à pena privativa de liberdade é obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade (art. 31). Tendo o exercício labora sentido ético, como condição de dignidade da pessoa humana e instrumento de ressocialização, deverá ser atribuída ao preso atividade que leve em conta sua habilitação e capacidade, suas limitações pessoais, atendendo-se sempre que possível às suas necessidades futuras, especialmente quanto às oportunidades oferecidas pelo mercado de trabalho (art. 32).

3.2 Trabalho dever do Estado

Antes mesmo da vigência da nova Constituição Federal, com a promulgação da Lei de Execuções Penais, sob o nº 7.210 de 11 de julho de 1984, estabeleceu-se os direitos e deveres dos apenados.

A referida lei tem como escopo o de positivar a forma pela qual serão tratados os direitos e deveres daqueles que estão na guarda do Estado, os quais, por algum motivo, encontram-se desvirtuados da sociedade.

Aliás, o art. 1º da Lei de Execuções Penais afirma que o objetivo principal da execução penal é “efetivar as disposições da sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. À vista disso, o próprio Estado, pelo Poder Executivo, concordou de que possui deveres perante aos beneficiários da Lei de Execução Penal, uma vez que foi sancionada pelo Presidente da República.

Nesse sentido segue o entendimento de Laís Helena Domingues de Castro Pachi (1993, p. 22):

Se o Estado não propicia meios laborterápicos ao condenado, não pode retirar dele o direito à remição da pena, o qual foi outorgado pelo próprio Estado. Caso contrário, o Estado, além de descumprir os fins propostos na LEP, ao não dotar os estabelecimentos penais de condições dignas e aptas ao trabalho, impõe ao condenado sanção para o qual este não colaborou. É o próprio Estado negando a vigência da lei que sancionou. (grifo nosso).

O artigo 34 da Lei de Execução Penal, também merece destaque, pois “o trabalho deverá levar em conta as necessidades futuras do condenado e as oportunidades oferecidas pelo mercado de trabalho [...], razão pela qual deve ser buscada a sua formação profissional” (SILVA, 2001, p. 56-57).

Além do mais, quando o Estado sanciona determinada lei em que atribui obrigação para com a sociedade, esta deve ser cumprida, sob pena de torná-la inócua, possibilitando, desta forma, problemas no próprio sistema carcerário, já que com a mitigação da liberdade, os apenados tendem, conforme dito alhures, a projetar os maiores tormentos.

Em outro vértice, encontra-se a Constituição Federal de 1988 que em seu preâmbulo institui o Brasil como sendo um Estado democrático, “destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna. [...]”.

Os direitos sociais, segundo o art. 6º da Constituição Federal — com redação dada pela Emenda Constitucional nº 26 de 2000, “são a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

Sobre os direitos sociais, de forma brilhante, ensina Alexandre de Moraes (2005, p. 177 e 179):

Direitos sociais são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal. [...] A Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada em 10 de dezembro de 1948, pela Organização das Nações Unidas, em Assembléia Geral, consagra em seu art. XXII, que “todo homem, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.

Não destoa desse entendimento Maia Neto (1998, p. 83) ao afirmar que:

Dentre os Direitos Humanos dos presos, por exemplo, dispõe a Lei de Execução Penal brasileira (art. 1º a 10) que a sentença ou decisão criminal tem por objetivo proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do interno, e que a assistência material: à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa, é dever do Estado, a fim de prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.

Se isso não bastasse, foi inserido na própria Constituição Federal, através da Emenda nº 19 de 1998, o princípio da eficiência para a Administração Pública.

O princípio da eficiência na Administração Pública, para Odete Medauar (2006, p. 126), está associado à idéia de ação, a qual deverá produzir resultados rápidos e precisos que satisfaçam as necessidades da população. “Eficiência contrapõe-se a lentidão, a descaso, a negligência, a omissão – características habituais da Administração Pública brasileira, com raras exceções.”.

Sobre a matéria leciona Helly Lopes Meirelles (2007, p. 96):

O princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.

Para Di Pietro (2006, p. 98-99) o princípio da eficiência apresenta dois aspectos relevantes:

Pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público.

Portanto, o Estado, como ente da federação, tem o dever de dar assistência a todos que dele necessitam, sob pena de inexistir o Estado democrático consagrado com a atual Constituição.

Tanto o princípio da eficiência quanto os direitos sociais, estes considerados fundamentais para a sociedade, já serviriam de base para cobrar do Estado, aqui Administração carcerária, o trabalho do apenado.

Entretanto, a própria Lei de Execução Penal instituiu essa obrigação do Estado para com o apenado, com a finalidade de proporcioná-lo, ainda que pagando pelo seu desvio de comportamento social, o direito ao trabalho, por conseguinte, a remição deste período.

O próprio Tribunal de Justiça de Minas Gerais manifestou-se sobre o dever do Estado, in verbis: “Contudo, incumbe ao Estado o dever de dar trabalho ao condenado em cumprimento de pena privativa de liberdade ou àquele a quem se impôs medida de segurança detentiva [...]” .

4 OMISSÃO DO ESTADO: FATOR VITAL PARA AS POLÊMICAS APRESENTADAS

A remição ficta, conforme visto, encontra-se no foco das discussões atuais sobre o Estado não cumprir com a sua obrigação. Diante disso, importante não esquecer que “é no quadro cinzento e marginalizado dos cárceres que se projetam os maiores tormentos e as formidáveis frustrações dos condenados e das legiões de samaritanos que os guia na procura da remissão dos pecados e nas esperanças de salvação.” (DOTTI, 1998, p. 323).

“As prisões não diminuem a taxa de criminalidade: pode-se aumentá-las, multiplicá-las ou transformá-las, a quantidade de crimes e de criminosos permanece estável, ou, ainda, pior, aumenta”. (FOUCAULT, 2001, p. 221).

Todas as leis que beneficiam o condenado devem ser cumpridas com rigor sistemático. Não pode o Estado pretender o respeito de alguém, se ele não está moralmente habilitado e não nutre esse mesmo componente social por ninguém, fazendo do jus puniendi uma arma mortífera e covarde. E mais: há premente necessidade de criar e ou corrigir algumas normas jurídicas pertinentes, visando a executar um plano minimamente sério. (FALCONI, 1998, p. 133)

Aqui se inicia o problema. O Estado que tem o dever, conforme dito alhures, de prestar a todos os apenados, que têm interesse, o trabalho, não o faz. Na verdade, em muitos casos, apenas parte da população carcerária encontra-se efetivamente trabalhando e, assim, diminuindo o seu tempo dentro do cárcere.

Permanecendo em um tempo menor no ambiente carcerário e trabalhando neste local, terá o condenado a oportunidade de restabelecer os vínculos sociais, deixando, portanto, de fabricar delinqüentes, como bem afirma Foucault (2001, p. 222):

A prisão não pode deixar de fabricar delinqüentes. Fabrica-os pelo tipo de existência que faz os detentos levarem: que fiquem isolados nas celas, ou que lhes seja imposto um trabalho inútil, para o qual não encontrão utilidade, é de qualquer maneira não “pensar no homem em sociedade; é criar uma existência contra a natureza inútil e perigosa”; queremos que a prisão eduque os detentos, mas um sistema de educação que se dirige ao homem pode ter razoavelmente como objetivo agir contra o desejo da natureza? A prisão fabrica também delinqüentes impondo aos detentos limitações violentas; ela se destina a aplicar as leis, e a ensinar o respeito por elas; ora, todo o funcionamento se desenrola no sentido do abuso de poder. Arbitrário da Administração.

Segue o mesmo entendimento Cezar Roberto Bitencourt (2006, p. 5-6) ao indicar os argumentos que tornam a pena privativa de liberdade ineficaz: - O ambiente carcerário é um meio artificial, que não permite realizar nenhum trabalho reabilitador com o recluso e as condições materiais e humanas, também, não são suficientes para produzirem o efeito desejado: a reabilitação do apenado.

A todos os apenados é garantido o direito ao trabalho e a remição; diante de tal afirmação, questiona-se: ao oportunizar para apenas uma minoria de apenados a remição pelo trabalho, não estaria o Estado tratando de forma desigual aos iguais? Indo contra ao princípio da igualdade perante a lei, a qual tem por base tratar igualmente os iguais e desigualmente aos desiguais?

Parte da doutrina, minoritária, entende que sim, porém a grande maioria da doutrina e da jurisprudência entende que não. Aliás, a jurisprudência entende que possibilitar ao apenado que não está trabalhando o direito à remição é ferir o direito daqueles que estão trabalhando. Portanto, estaria ferindo a isonomia entre os apenados.

O Tribunal de Justiça de São Paulo manifestou-se sobre o caso:

Mas o que se pretende é a concessão da vantagem, remição de dias de pena, sem o exercício do trabalho ou a freqüência à sala de aulas, o que parece atentar contra o espírito da lei, ofendendo, ainda, regra de isonomia em face do preso que trabalha e ou estuda. E isonomia, recorde-se, implica no tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais. É verdade que constitui direito do preso a atribuição de trabalho. O art. 421, inciso II, da Lei de Execução Penal assim prevê. E é verdade que o Estado tem o dever de viabilizar materialmente o exercício desse direito. Mas o que pode cogitar é o exercício do direito de ação, na via mandamental, voltado a compelir o Estado a disponibilizar trabalho para todos. O que não se pode, pena de juiz legislar, “data vênia”, é atribuir efeito decorrente do trabalho na execução da pena, sem o desempenho de qualquer atividade. (TJSP, Agravo em Execução nº 1.111.442-3/4. Rel. Des: Pinheiro Franco, j. 27 set. 2007. Disponível em: . Acesso em: 21 mar. 2009)

Nesse mesmo sentido posicionam-se outros Tribunais do país. A exemplo, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

A par de judiciosos entendimentos em sentido contrário, inadmito a hipótese de remição ficta, uma vez que a remição de parte do tempo de execução da pena pelo trabalho exige o efetivo exercício de atividade laborativa pelo sentenciado (art. 126 da LEP). Indubitável que o reeducando pudesse estar pessoalmente predisposto à atividade laboral - que, de mais a mais, constitui um dos principais instrumentos de ressocialização. No entanto, o direito subjetivo só surge diante da oportunidade de trabalho criada e oferecida pelo Estado, diga-se de passagem, Poder Executivo, cuja eventual omissão, embora seja socialmente condenável e esteja em descompasso com os princípio da LEP, não pode dar margem a que o Judiciário conceda remição fora das hipóteses legais, afrontando aqueles que, de fato, trabalharam ou estudaram para fazer jus ao benefício (princípio da isonomia). (TJMG, Agravo nº 1.0000.08.476837-3/001. Rel. Des: Edelberto Santiago, j. 19 ago 2008. Disponível em: . Acesso em: 21 mar. 2009)

Grande parte da doutrina também segue esse posicionamento. Para Alexandre de Moraes e Gianpaolo Poggio Smanio (2002, p. 204) inexiste a possibilidade do apenado exigir a remição sob a alegação que se encontra disponível ao trabalho para Administração Pública. Da mesma forma disserta Silva (2001, p. 180):

Caso, todavia, não cumpra a administração prisional – o Estado – com sua parte, não será por esta razão que a remição será admitida, independentemente de qualquer atividade laboral do condenado. Cabe ao preso, na hipótese, pleitear à administração prisional a oportunidade de trabalho e, se ainda assim persistir a desatenção ao seu direito de trabalhar, poderá ser requerida a medida ao juiz da execução penal, competente que é para inspecionar os estabelecimentos penais e tomar providências para o seu adequado funcionamento (art. 66, VII, LEP), ou mesmo interdita-lo (idem, inc. VIII), de vê que a falta de condições do estabelecimento penal para a atribuição de trabalho ao preso infringe dispositivo expresso da LEP. A remição, entretanto, somente será declarada em decorrência de atividade laboral efetivamente desempenhada pelo condenado. Por esta mesma razão, também não tem direito a remição o preso que, por falta de condições físicas, está impossibilitado para o trabalho.

Por outro lado, encontram-se os doutrinadores que entendem que a remição ficta deve ocorrer, pois o Estado é omisso com os direitos dos apenados e, diante disso, estes não podem sofrer por algo que não lhe deram causa.

Shecaira e Correa Júnior (1995, p. 145-146) criticam duramente a posição adotada pela jurisprudência:

E não se argumente que permitir ao peso usufruir da remição sem a efetiva prestação do trabalho é igualar aquele que trabalha ao que não trabalha, como evidente violação legal. Não. Um dos direitos do condenado, elencado no já mencionado art. 41 da Lei de Execução Penal, é o de ter igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena (inc. XII). Ora, não dar ao preso, privado de trabalho por desídia da administração, o direito de alcançar a remição é tratar desigualmente os iguais, em clara violação a este dispositivo. Tratamento equânime e igualitário é permitir a todos os direito efetivo do trabalho. Isso não ocorrendo, deve ser concedida a remição de pena ao condenado.

Na mesma esteira segue Mirabete (2004, p. 528-529):

Constitui a execução do trabalho um dever do condenado, mas como deve ser ele valorizado como “direito social” (art. 6, da CF), dispõe a Lei de Execução Penal que constitui direito do preso a “atribuição de trabalho e sua remuneração” (art. 41, II, da LEP). Há, assim, uma relação de direitos e deveres entre o Estado e o condenado em virtude da qual a Administração está obrigada a possibilitar o trabalho ao preso e a este compete desempenhar a atividade laborativa. Afirma-se, por isso, que, não se desincumbindo o Estado de seu dever de atribuir trabalho ao condenado, poderá este beneficiar-se com a remição mesmo sem o desempenho da atividade. [...] Comprovando o preso em regime fechado ou semi-aberto que estava disposto ao trabalho, mas que não foi atendido pela Administração, por falta de condições materiais ou por desídia do responsável pela omissão, não há como negar o direito à remição pelos dias em que o condenado deveria ter desempenhado seu labor.

Ainda em sua obra Mirabete (2004, p. 529), na nota de rodapé, faz menção aos seguintes doutrinadores que seguem esse entendimento: “KUEHNE, Maurício. O instituto da remição da Lei de Execução Penal. O Estado de S. Paulo. 1º-9-85. p. 60; ALVIM, Rui Machado. Art. cit. p. 290-191.”.

Como visto, o descumprimento obrigacional do Estado gera desafios para toda sociedade. A população encontra-se ameaçada em ter em seu convívio pessoas que não conseguem seguir as normas ditadas.

Paulo Bonavides (2008, p. 578) ao dispor sobre a Declaração Universal dos Direitos do Homem, demonstra de forma clara o sentimento que se tem quando não há cumprimento do direito posto. Podemos visualizar está mesma situação quando os direitos dos presos não são respeitados. Afirma o autor:

A Declaração será porém um texto meramente romântico de bons propósitos e louvável retórica, se os países signatários da Carta não se aparelharem de meios e órgãos com que cumprir as regras estabelecidas naquele documento de proteção dos direitos fundamentais e sobretudo produzir uma consciência nacional de que tais direitos são invioláveis.

Diante de tal quadro, deve-se respeitar os direitos fundamentais do apenado, pois, conseqüentemente, suas virtudes irão superar suas delinqüências.

A respeito do tema destaca a Silva (2001, p. 54-55):

O condenado à pena privativa de liberdade é obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade (art. 31). Tendo o exercício labora sentido ético, como condição de dignidade da pessoa humana e instrumento de ressocialização, deverá ser atribuída ao preso atividade que leve em conta sua habilitação e capacidade, suas limitações pessoais, atendendo-se sempre que possível às suas necessidades futuras, especialmente quanto às oportunidades oferecidas pelo mercado de trabalho (art. 32).

Diante da omissão do Estado em relação ao direito de trabalho do apenado, deve-se questionar: Aqueles que foram condenados e que estão cumprindo a respectiva pena não têm o direito como às demais pessoas? Não só isso, os apenados que se encontram no mesmo ambiente não têm os mesmos direitos?

Com efeito, o direito a igualdade, presente no caput do art. 5º da Constituição Federal, afirma que todos devem receber o mesmo tratamento diante de sua igualdade, entretanto, por essa igualdade não ser absoluta é que deve existir um tratamento “igual para os iguais e desigual para os desiguais de forma que exista uma proteção ao mais frágil e se atinja um verdadeiro nivelamento”. (RIBEIRO, 2007, p. 45).

A polêmica gerada em torno da ausência de trabalho ao apenado vai muito além da simples inadimplência do Estado, isso porque, em sentido lato, discute-se a própria finalidade/utilidade da pena privativa de liberdade.

Seria, segundo Bittencourt (2006, p. 3), o problema da prisão à própria prisão, pois, justifica o doutrinador:

Aqui, como em outros países, avilta, desmoraliza, denigre e embrutece o apenado. Por isso, o centro de gravidade das reformas situa-se nas sanções, na relação penal; luta-se contra as penas de curta duração. Sabe-se, hoje, que a prisão reforça os valores negativos do condenado. O réu tem um código de valores distintos daquele da sociedade.

O fato é que a dignidade da pessoa humana — direito fundamental — não se restringe àqueles que agem de acordo com as normas estabelecidas. Ao contrário, se o sistema prisional encontra-se em crise, pelo não cumprimento da Lei de Execução Penal, o Estado tem o dever de resguardar, no mínimo, o direito da dignidade dos apenados.

Sobre o significado da dignidade da pessoa humana, afirma Kildare Gonçalves Carvalho (2005, p. 384):

A dignidade da pessoa humana que a Constituição de 1988 inscreve como fundamento do Estado, significa não só um reconhecimento do valor do homem em sua dimensão de liberdade, como também de que o próprio Estado se constrói com base nesse princípio. O termo dignidade designa o respeito que merece qualquer pessoa. [...] O princípio abrange não só os direitos individuais, mas também os de natureza econômica, social e cultural, pois, no Estado Democrático de Direito a liberdade não é apenas, entendida como ausência de constrangimento, mas liberdade positiva, que consiste na remoção de impedimentos (econômicos, sociais e políticos) que possam embaraçar a plena realização da personalidade humana. [...]

Passos (2008, p. 27) insiste: “vislumbra-se aí a figura do trabalho do preso, o qual existe dentro e fora dos limites do presídio, da penitenciária. É pelo trabalho que busca-se, em um primeiro plano, a recuperação do condenado, sua reinserção no meio social”.

Como bem leciona Dotti (1998, p. 222):

A humanização das penas é outro princípio básico ao Direito Penal Moderno. Ela arranca do sentimento comum aos homens de boa formação ética pois, embora se admita a necessidade da punição, repugna à consciência de todos a inflicção de castigos cruéis e ofensivos à dignidade que sempre permanece, em maior ou menor escala, até no pior delinqüente.

 

Como vivemos no Estado Democrático de Direito deve a ressocialização ser “entendida como fim da pena privativa de liberdade na promoção de respeito aos Direitos Humanos dos presos ou à dignidade da pessoa humana, encarcerada para efetivar uma verdadeira inserção social do apenado”. (MAIA NETO, 1998, p. 19).

Destarte, a ressocialização e a inserção social do apenado estão diretamente ligadas à dignidade da pessoa humana.

A proteção da sociedade e a ressocialização do apenado, no que tudo indica, por medidas adequadas e impostas, verificando a infração praticada e a personalidade do agente, são necessárias para a defesa social. (DOTTI, 1998, p. 292).

A defesa social inclui tanto a sociedade quanto o condenado, que se encontra inserida naquela, visto que ao possibilitar ao apenado aquilo que lhe é de direito, ou seja, conforme positiva a Lei de Execução Penal, dificilmente esse irá reincidir na prática ilícita contra a própria sociedade.

Entretanto, a crise enfrentada nas prisões tradicionais demonstra que não há muita esperança em se alcançar bons resultados; ela está diretamente relacionada com o “objetivo ressocializador da pena privativa de liberdade, visto que grande parte das críticas e questionamentos que se fazem à prisão refere-se à impossibilidade — absoluta ou relativa — de obter algum efeito positivo sobre o apenado”. (BITENCOURT, 2006, p. 1).

As condições mínimas aqui estampadas dizem respeito ao ambiente propício para a sua evolução, diante de sua penalidade cometida, e isso só poderá ocorrer através “da satisfação dos mais generosos valores humanos, sociais, culturais, enfim, de prospectivas materiais e espirituais que são absolutamente necessárias à conservação ética da personalidade” (DOTTI, 1998, p. 233).

Aqui, novamente, se adentra ao caminho obscuro da total ausência do Estado em dar aquilo que é de direito. Atenta-se que possibilitar ao apenado o trabalho é dar-lhe condições de alcançar este novo horizonte. Assim, afirma Foucault (2001, p. 224):

[...] deve ser uma das peças essenciais da transformação e da socialização progressiva dos detentos. O trabalho penal não deve ser considerado como o complemento e, por assim dizer, como uma agravação da pena, mas sim como uma suavização cuja privação seria totalmente possível. Deve permitir aprender ou praticar um ofício, e dar recursos ao detento e a sua família [...]

Há grande celeuma sobre a remição ficta pelo trabalho não realizado em vista da ausência deste direito ao apenado, porém, de forma diversa, encontra-se a remição pelo estudo, o qual já vem sendo considerado tanto pela jurisprudência quanto pela doutrina.

Maia Neto (1998, p. 181) destaca:

[...] a contagem de remição por trabalho, a nosso ver, também poderia ser, de forma analógica e em base ao princípio da interpretação/aplicação da lei mais favorável ao acusado, empregada nos caos de condenados que freqüentam cursos profissionalizantes e de ensino regular.

Na mesma baila posiciona-se Foucault (2001, p. 224): “A educação do detento é, por parte do poder público, ao mesmo tempo uma precaução indispensável no interesse da sociedade e uma obrigação para com o detento. Só a educação pode servir de instrumento penitenciário.”.

O estudo tem preenchido, em parte, as lacunas presentes no sistema carcerário quanto à ausência de trabalho, devendo, por causa disso, merecer atenção de todos.

Sobre o tema já se manifestou o Tribunal de Justiça do Paraná:

Na sociedade contemporânea, o estudo é, sem sombra de dúvida, meio hábil para a ascensão social. Partindo-se dessa constatação, não se pode negar seja também circunstância essencial a ressocialização do apenado. Tais constatações, conquanto não exista expressa previsão legal, não podem ser negadas para fins de remição de pena, vez que a analogia in bonam partem assim o permite. Destarte, quando o condenado comprova a conclusão do ensino fundamental, correta é a decisão que opera a remição de parte da pena, tendo-se em conta as horas-aulas cumpridas. RECURSO DESPROVIDO. (TJPR, RA n. 0316366-6. Rel. Juiz Substituto 2º Grau: Fábio Haick Dalla Vecchia, j. 12 jan. 2006. Disponível em: . Acesso em: 21 mar. 2009)

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por sua vez, enfrentou a situação em que o apenado requereu o trabalho voluntário junto ao Corpo de Bombeiros, o qual foi deferido pelo Juízo a quo, porém, o representante do parquet agravou por entender que não é possível o trabalho voluntário pelo apenado, visto a ausência de remuneração. A corte gaúcha manteve a decisão de primeiro grau alegando o caráter ressocializador do trabalho, in verbis:

O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva – art. 28 da LEP. A ressocialização se constitui na finalidade maior do benefício legal, figurando, o trabalho, como ferramenta de inegável valor ao desenvolvimento do senso de disciplina, devendo a expressão ‘finalidade produtiva’, constante na norma, ser tida como afastamento do ócio decorrente do encarceramento, e não, exclusivamente, como atividade remunerada. Possibilidade de remição da pena que vem a afirmar o caráter educativo e disciplinador do trabalho do preso, e não apenas simples forma de ganho pecuniário. Interpretação extensiva, em benefício do segregado, dos artigos 29 e 41 II, ambos da LEP, e art. 39 do CP. Hipótese na qual o reeducando manifestou o desejo de prestar serviço voluntário junto ao Corpo de Bombeiros da cidade, sendo inegáveis os benefícios que lhe podem advir pela natureza dos serviços que aquela corporação presta à comunidade. Decisão deferitória mantida. (TJRS. Agravo em Execução nº 70020684023. Relatora: Desembargadora Fabianne Breton Baisch, julgado em 12 set. 2007. Disponível em: . Acesso em: 21 mar. 2009.)

Ademais, a pena, segundo José Olavo Bueno dos Passos (2008, p. 35) tem “de dispor de freios inibitórios poderosos e elásticos, mas não é ou, pelo menos, não deve ser a réplica ao crime, com a sua reprodução”, isso porque a pena não “é vingança instintiva ou racionada, não é retorção medida ou arbitrária, não é represália direta ou indireta, mas sim defesa adequada e intransigente”.

Outro ponto que merece ser destacado é a necessidade da inclusão social do apenado, pois, como bem leciona Dotti (1998, p. 464):

A “ação readaptadora” da execução da pena, [...] tem sido o ponto culminante do movimento de humanização dos cárceres que se desdobra em vários aspectos. Os elementos de tratamento consistem na referenciação mais importante no repertório dos direitos da pessoa presa, com ênfase especial para o trabalho que a prática tem revelado ser um poderoso contra-estímulo à reincidência”.

A inclusão social condiz com “a remoção dos obstáculos criados com a privação da liberdade, como a utilização, tanto quanto seja possível, de todos os meios que possam auxiliar nessa tarefa”, entre elas, encontra-se a laborterapia, na qual deve prevalecer a assistência material, moral e intelectual, transformando para melhor o condenado. (MIRABETE, 2004, p. 65).

Ao “criar possibilidades de reintegração social futura, buscando em uma estratégia democrática, de forma participativa, capacitar o encarceramento estimulando-o a vencer a sensação de exclusão por meio de opções, respeitando o direito de ser diferente”. (COSTA, 1999, p. 16)

Ademais, “o encarcerado deve ser acompanhado de medidas de controle e de assistência até a readaptação definitiva do antigo detento. Seria necessário não só vigiá-lo à sua saída, mas prestar-lhe apoio e socorro [...]” (FOUCAULT, 2001, p. 225).

A inclusão social, bem como a ressocialização, são fundamentais para, ao possibilitar ao apenado o trabalho, o conhecimento de outros mundos, outras culturas, outras formas de pensar. È integrá-lo ao mundo.

Em que pese, atualmente, a dúvida quanto o resultado positivo da função da inclusão social da pena, é necessário manter a crença de se garantir ao apenado a oportunidade de escolha para uma futura reinserção social, que, conforme afirma Leal (2005, p. 36), “represente a expectativa de uma vida em liberdade com o mínimo de dignidade”.

A existência do trabalho dentro da casa prisional não se dá simplesmente para que o apenado desempenhe essa ou aquela função, mas sim para que ele submeta-se a regras e limites, pois, vivendo dentro de limites estipulados pela normatização social, assim não procedeu, ferindo à norma posta, executando condutas que a própria sociedade regrou como não passíveis de aceitação. Ao fixar limites, busca-se reedução do apenado. (PASSOS, 2008, p. 43)

A necessidade de inclusão social do apenado encontra-se diretamente relacionado com a sua ressocialização, visto que ao possibilitar ao apenado o trabalho, o conhecimento de outros mundos, outras culturas, outras formas de pensar, é integrá-lo ao mundo.

Por isso, a opinião pública não pode e não deve implantar o pânico na sociedade “alimentando o estigma do condenado e inviabilizando o processo de reinserção social, estimulando a reincidência e rupturando qualquer tentativa para a harmônica reintegração do condenado e do internado através do fortalecimento de seus vínculos com a sociedade”. (COSTA, 1999, p. 24).

Isso porque, “o homem constrói cotidianamente o sentido de sua existência, dialogando com elementos díspares, paradoxais, contraditórios. A existência humana se afirma, portanto, entre tensões e busca de equilíbrio, como base de orientação para o agir humano”. (CARVALHO, 2005, p. 385).

Diante disso, como já vem sendo realizado pelo Supremo Tribunal Federal, devemos estudar quais as alternativas para a pena privativa de liberdade, as quais devem respeitar os direitos constitucionais e infraconstitucionais do apenado.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O instituto da remição penal garante ao preso o direito de cumprir sua pena em período menor do que o fixado desde trabalhe, sendo fixado a remição de um dia de pena para cada 3 dias trabalhados.

Todavia, para o seu exercício é necessário que o Estado, por meio da Segurança Pública, se adapte e possibilite ao apenado a atividade laboral, o que na prática, conforme visto, não ocorre.

Diante de tal descompasso, surge a remição ficta como alternativa para garantir ao apenado o seu direito, entretanto, a doutrina e jurisprudência, majoritária, vêm manifestando-se no sentido contrário, por entenderem que a sua utilização afronta ao princípio da isonomia.

Por outro lado, o estudo e o esporte começam a ser aceitos pelos Tribunais, em virtude de seu poder ressocializador. Aliás, a inclusão social é elemento norteador para o cumprimento da penalidade, ou seja, a conseqüência do cumprimento da pena é re-inserir o apenado na sociedade.

Por fim, o estudo permitiu analisar de forma consciente o instituto da remição ficta em relação às várias vertentes, tanto no tocante à ausência de prestação de trabalho, quanto na prática do estudo e do esporte.

Matéria longe de ser exaurida, devendo, ante a ausência do Estado, o Poder Judiciário resolver os conflitos existentes.

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Data de elaboração: dezembro/2008

 

Como citar o texto:

FREITAS, Alessandra Aparecida, ALMEIDA, Rafael Rodrigo de..Remição Ficta: direito do apenado em face da ausência estatal. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/2244/remicao-ficta-direito-apenado-face-ausencia-estatal. Acesso em 1 abr. 2011.

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