INTRODUÇÃO

 

O meio ambiente vem ganhando a cada dia maior enfoque no direito, especialmente em vista das constantes preocupações na comunidade mundial. A casa dia que passa, com os desastres ecológicos, avanços da tecnologia entre tantos outros fatores, o ser humano busca a solução para manter um meio ambiente ecologicamente equilibrado aliado com o crescimento econômico.

Assim o meio ambiente é juridicamente protegido, entendido como um direito e dever de todos, garantindo sua tutela tanto para as gerações presentes como para as que virão, nos termos do artigo 225 da Constituição Federal de 1988:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Devido a sua natureza difusa e indisponível o meio ambiente possui proteção, e quem o agride passa a ter responsabilidade civil, penal e administrativa pelo dano causado.

A responsabilidade deriva do latim responsus, do verbo respondere, que significa responder, afiançar, prometer, pagar, o que nos dá a ideia de reparar, compensar ou mesmo pagar pelo que se fez.

Nas palavras de José Rubens Morato Leite:

(...) a responsabilidade é um fato social, pois aquele que vive em sociedade e pratica um ato ou uma omissão que resulta em prejuízo, deve suportar a conseqüência deste comportamento por imposição legal. A finalidade concreta desta responsabilidade genérica é punir e fazer com que o causador repare o dano, bem como evitar que novos danos venham a ocorrer. (p. 249)

De fato, a responsabilidade está associada à idéia de obrigação de reparação de um mal causado, estando intimamente associada a ato ilícito e, por conseqüência, um dano. A partir destes se funda a obrigação de reparação.

Sergio Cavalieri Filho, grande doutrinador na seara de responsabilidade civil, define o seguinte sobre a questão:

A violação de um dever jurídico configura o ilícito, que, quase sempre, acarreta dano a outrem, gerando um novo dever jurídico, qual seja, o de reparar o dano. Há, assim, um dever jurídico originário, chamado por alguns de primário, cuja violação gera um dever jurídico sucessivo, também chamado de secundário, que é o de indenizar o prejuízo. (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 02)

Do disposto acima se extrai que a responsabilidade pressupõe uma violação de um dever jurídico, ou seja, um descumprimento de uma obrigação para gerar reparação.

1 DO DANO MORAL

O dano moral está constitucionalmente previsto em nosso ordenamento jurídico, que assegura o direito de reparação aos danos materiais, morais e a imagem (art. 5º, inciso V, da CF).

A palavra dano significa prejuízo, perda daquele que possui algum bem, causando-lhe consequências, seja na esfera patrimonial ou não.

O dano moral, propriamente dito constitui-se em uma lesão de cunho não patrimonial ou como muitos chamam extrapatrimonial, uma vez que envolve direitos inerentes ao indivíduo dos quais não estão ligados ao seu patrimônio, mas sim a outras circunstâncias que envolvam sentimentos de foro íntimo.

Logo, o dano moral afeta uma órbita extra patrimônio, abrangendo sentimentos íntimos como dor, sofrimento, humilhação, honra etc.

Sua origem remonta ao direito romano, onde teve inicio a ideia de punição pela honra ou ofensa a outrem. Na Lei das XII Tábuas já se podia verificar a punição por fatos envolvendo ofensa a moral do indivíduo.

A partir de então o dano moral começou a evoluir até chegar à visão atual que temos.

Conforme destaca Alexandre Gusmão (2004, p. 03) em seu artigo sobre dano moral contra o meio ambiente:

[...] o dano moral importa lesão a bem integrante da personalidade, tal como honra, a liberdade, a saúde, a integridade psicológica, etc. A construção doutrinária e pretoriana estendeu a sua incidência a todos os bens personalíssimos ligados aos direitos fundamentais do homem e insuscetíveis, portanto, de qualquer valoração.

Nesta mesma linha de raciocínio Cavalieri Filho, em sua obra sobre responsabilidade civil, descreve o conceito de dano moral e a necessidade de sua analise conjunta com a Constituição Federal, tendo em vista envolver o tema com valores do homem e das garantias fundamentais, das quais aqui enfatiza-se o meio ambiente:

O dano moral seria aquele que não tem caráter patrimonial, ou seja, todo dano não-material. Segundo Savatier, dano moral é qualquer sofrimento que não é causado por uma perda pecuniária. Para os que preferem um conceito positivo, dano moral é dor, vexame, sofrimento, desconforto, humilhação – enfim, dor na alma.

Tenho para mim que todos os conceitos tradicionais de dano moral terão que ser revistos pela ótica da Constituição de 1988. Assim é porque a atual Carta, na trilha das demais Constituições elaboradas após a eclosão da chamada questão social, colocou o Homem no vértice do ordenamento jurídico da Nação, fez dele a primeira e decisiva realidade, transformando os seus direitos no fio condutor de todos os ramos jurídicos. E, ao inserir em seu texto normas que tutelam os valores humanos, a Constituição fez também estrutural transformação no conceito e valores dos direitos individuais e sociais, o suficiente permitir que tutela desses direitos seja agora feita por aplicação direita de suas normas. (2008, p. 79)

Contudo, necessário dizer que devido a ideia de dor, sofrimento, angustia que enseja o dano moral tem-se o pensamento de que este atinja somente direitos individuais e que estejam ligados somente à pessoa. Tal pensamento é equivocado, uma vez que o dano moral pode ser tanto individual como também coletivo.

Existe atualmente a consagração do dano moral coletivo, que hoje em dia tem sido muito discutida no âmbito do direito ambiental, como forma de reparação de danos.

Um dano pode causar aflição até o ponto de provocar um dissabor em toda uma coletividade, atingindo direitos que são não somente de um indivíduo, mas sim de todo um grupo de pessoas, dos quais são perfeitamente passíveis de tutela pelo Poder Judiciário.

2 DANO MORAL COLETIVO

A degradação ao meio ambiente gera um dano a toda coletividade, não somente pela poluição ou degradação causada, mas quando atinge sentimentos da própria coletividade a tal ponto que possa causar revolta e ofender direito difusos e coletivos.

O dano moral ambiental vai além do patrimônio material degradado pelo poluidor, transcende para a coletividade e causa impacto no sentimento de uma determinada sociedade afetada pelo prejuízo do ato danoso.

De acordo com José Rubens Morato Leite (2003, p. 249):

Não se aprecia subjetivamente a conduta do poluidor, mas a ocorrência do resultado prejudicial ao homem e a seu ambiente. A atividade poluente acaba sendo uma apropriação pelo poluidor dos direitos de outrem, pois na realidade a emissão é um confisco dos direitos de alguém em respirar ar puro, beber água saudável e viver com tranqüilidade.

O autor ainda destaca sobre o dano extrapatrimonial:

O dano extrapatrimonial está muito vinculado ao direito da personalidade, mas não restringido, pois este é conhecido tradicionalmente como atinente à pessoa física e no que concerne ao dano ambiental, abraçando uma caracterização mais abrangente e solidária, tratando-se, ao mesmo tempo, de um direito individual e um direito da coletividade. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado está ligado a um direito fundamental de todos e se reporta à qualidade de vida que se configura como valor imaterial da coletividade. (p. 266-267).

O dano moral coletivo atinge uma infinidade de bens, direitos e obrigações que pertencem não a um individuo somente, como é o dano moral individual que conhecemos, mas sim a todo um grupo social ou coletividade que pode compreender bens culturais, artísticos, paisagísticos, arquitetônicos, históricos entre tantos outros, dos quais merecem ser protegido.

Neste contexto, são elucidativas as palavras de Luis Henrique Paccagnella (2003, p. 15):

Exemplificando, se o dano a uma paisagem causar impacto no sentimento da comunidade daquela região, haverá dano moral ambiental. O mesmo se diga da supressão de certas árvores na zona urbana, ou de uma mata próxima ao perímetro urbano, quando tais áreas foram objeto de especial apreço pela coletividade. Entendo, assim, que o reconhecimento do dano moral ambiental não está ligado, diretamente, à repercussão física no meio ambiente. Está, ao contrário, relacionado com a violação do sentimento coletivo, com o sofrimento da comunidade ou grupo social, em vista de certa lesão ambiental.

Este dano compreende lesão a direito difusos e coletivos, atingindo assim uma coletividade indeterminável de pessoas ou grupos provocando intranquilidade, entendendo-se o termo coletivo de forma ampla.

Nas sábias palavras do civilista Carlos Alberto Bitter Filho (1994, p. 12)

O dano moral coletivo é uma injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial. Tal como se dá na seara do dano moral individual, aqui também não há que se cogitar de prova da culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação (damnun in re ipsa).

Isto se deve porque o meio ambiente é um patrimônio juridicamente tutelado, é um bem de todos e, sendo protegido para e por todos sua agressão causa prejuízos e um sentimento de perda em toda a coletividade, razão pela qual a configuração de dano moral coletivo é plenamente aceitável.

Além da Constituição Federal, que prevê a proteção do meio ambiente (arts. 5º, inciso XXIII e 170, incisos III e IV), deve-se referir que a possibilidade de pedido de indenização por dano moral coletivo decorre também por redação expressa dispositivos legais, tais como o art. 1º, caput e inciso I da Lei nº 7.34785 e art. 6º, incisos VI e VII, da Lei nº. 8.07890.

A responsabilidade pelos danos causados ao meio ambiente é objetiva, nos termos do art. 14, § 1º, da Lei nº. 6.93881, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente:

Art. 14 (...)

§ 1º.Sem obstar a aplicação das penalidades neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

Portanto, configurada a existência de um dano ao meio ambiente e o nexo causal, está configurada a responsabilidade do poluidor, gerando o dever de reparação.

Consoante a lição de Paulo Affonso Leme Machado (2004, p. 78):

A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano eparação. Não se pergunta a razão de degradação para que haja o dever de reparar. Incumbirá ao acusado provar que a degradação era necessária, natural ou impossível de evitar-se. Portanto, é contra o Direito enriquecer-se ou ter lucro à custa da degradação do meio ambiente.

Para a ocorrência do dano moral coletivo é necessário que haja efetiva percepção deste dano, causando uma sensação de perda em âmbito coletivo, não basta somente o dano ambiental patrimonial, uma vez que este é reparado através da esfera civil e penal e administrativa para o poluidor, mas a indenização por danos morais coletivos vai mais além do dano, são os sentimentos extrapatrimoniais que se refletiram.

Deste modo, para a sua configuração são necessários alguns pressupostos, dos quais Tatiana Magalhães Florence (2009, p. 71) assim destaca:

[...] a conduta antijurídica do autor, a ofensa grave e intolerável a valores ou interesses morais (extrapatrimonais) de uma determinada coletividade; a percepção do dano, obtida a partir da persunção razoável da ocorrência da sensação de perda de estima, de indignação, de repulsa, de inferioridade, de desesperança, de aflição, de humilhação ou qualquer outro sentimento negativo advindo do ataque à dignidade humana; e o nexo causal entre conduta e lesão socialmente repudiada.

E nesta mesma linha é o entendimento de Xisto Tiago de Medeiros Neto (2002, p.96-97):

No dano moral coletivo, da mesma forma que no dano moral de natureza individual, a responsabilidade do ofensor, em regra, independe da configuração da culpa, decorrendo, pois, do próprio fato da violação, ou seja: revela-se como damnum in re ipsa. É isso expressão do desenvolvimento da teoria da responsabilidade objetiva, em compasso com a evolução da vida de relações, verificada na sociedade atual. Não se cogita, pois, com vistas à demonstração do dano moral coletivo, da análise do traço subjetivo do lesante ou de prova do prejuízo moral, pois este se evidencia do próprio fato [...].

Ora, se o dano moral transindividual é perceptível em face da lesão causada, pois resulta em patente sofrimento, angústia, desconforto ou consideráveis prejuízos de ordem extrapatrimonial à coletividade, tem-se como certo que a sua demonstração dispensa prova direta, sendo suficiente a verificação, de per si, do fato concretizado. Assim, o sistema jurídico se contenta com a simples ocorrência da conduta danosa, diante da consciência que emerge de que certos fatos atingem e lesionam a esfera da moralidade coletiva.

Contudo, é necessário frisar que no caso do dano moral coletivo, tanto na doutrina como na jurisprudência, tem sido firmado o entendimento de que não é todo o dano coletivo que dá ensejo a indenização por danos morais coletivo. É preciso que o fato tenha razoável significância e que ultrapasse os limites toleráveis, causando efetivamente um sofrimento coletivo, ou seja, tem que ser grave o suficiente para produzir verdadeiro sofrimento, intranqüilidade social e alterações relevantes na ordem coletiva.

Assim, somente quando haja ultrapassado o limite de tolerância e que o dano tenha atingido efetivamente valores coletivos é que se estará configurado o dano moral coletivo.

Na dicção de Dionísio Renz Birnfeld (2009, p. 120):

Se a doutrina e a jurisprudência, ao se pronunciarem sobre o dano extrapatrimonial individualmente considerado, ressaltam que as ofensas de menor importância, o aborrecimento banal ou a mera sensibilidade não são suscetíveis de serem indenizados, a mesma prudência deve ser observada em relação aos danos extrapatrimoniais da coletividade. Logo, a agressão deve ser significativa; o fato que agride o patrimônio coletivo deve ser de tal intensidade e extensão que implique na sensação de repulsa coletiva a ato intolerável.

Desta forma, cumpre ao julgador analisar de acordo com cada caso concreto se há efetivamente configuração de dano moral coletivo ou não, dentro do exercício da razoabilidade e da prudência.

Sobre a necessidade de efetiva comprovação do dano moral coletivo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça tem sido o seguinte:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. FRAUDE EM LICITAÇÃO REALIZADA PELA MUNICIPALIDADE. ANULAÇÃO DO CERTAME. APLICAÇÃO DA PENALIDADE CONSTANTE DO ART. 87 DA LEI 8.66693. DANO MORAL COLETIVO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO INDICAÇÃO DE DISPOSITIVO NÃO DEBATIDO NA INSTÂNCIA “A QUO”. [...] 3. Sob esse enfoque decidiu a 1ª Turma desta Corte no julgamento de hipótese análoga, verbis: “PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. DANO MORAL COLETIVO. NECESSÁRIA VINCULAÇÃO DO DANO MORAL À NOÇÃO DE DOR, DE SOFRIMENTO PSÍQUICO. DE CARATER INDIVIDUAL. INCOMPATIBILIDADE COM A NOÇÃO DE TRANSINDIVIDUALIDADE (INDETERMINABILIDADE DO SUJEITO PASSIVO E INDIVISIBILIDADE DA OFENSA E DA REPARAÇÃO). RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.”(REsp 598.281MG, Rel. Ministro Luiz Fux, Rel. pAcórdão Ministro Teori Albino Zavascki, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02.05.2006, DJ 01.06.2006). 4. Nada obstante, e apenas obter dictum, há de se considerar que, no caso concreto, o autor não demonstra de forma clara e irrefutável o efetivo dano moral sofrido pela categoria social titular do interesse coletivo ou difuso, consoante assentado pelo acórdão recorrido: “... Entretanto, com já dito, por não se tratar de situação típica da existência de dano moral puro, não há como simplesmente presumi-la. Seria necessária prova no sentido de que a Municipalidade, de alguma forma, tenha perdido a consideração e a respeitabilidade e que a sociedade uruguaianiense efetivamente tenha se sentido lesada e abalada moralmente, em decorrência do ilícito praticado, razão pela qual vai indeferido o pedido de indenização por dano moral”.

5. Recurso especial não conhecido. (REsp 821.891RS, Rel. Ministro Luiz Fux, PRIMEIRA TURMA, julgada em 08

 

Como citar o texto:

RODRIGUES, Andressa Conterno..O dano moral coletivo no direito ambiental. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-ambiental/2278/o-dano-moral-coletivo-direito-ambiental. Acesso em 25 jul. 2011.

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