SUMÁRIO: 1. A abertura da sucessão 2. A renúncia da herança 2.1 Requisitos essenciais da renúncia 2.2 Os efeitos da renúncia 2.3 A irrevogabilidade da renúncia 3. Direito de Representação 4. Cessão de direitos hereditários 5. Herança Jacente e Herança Vacante 6. A sucessão do companheiro sobrevivente EXERCÍCIOS DA OAB REFERÊNCIAS

 

Este artigo tem por objeto apresentar o Direito das Sucessões de forma ampla e resumida. Ampla por não se ater a um único assunto do direito sucessório e resumida por não ser este texto proporcionado de maneira exaurida.

1. A ABERTURA DA SUCESSÃO

A abertura da sucessão dá-se simplesmente com a ocorrência da morte do de cujus, – que deverá ser rigidamente provada através de recursos da medicina e da certidão de óbito ou outros meios elencados no art.212, CC/2002 – fato este que é o núcleo do Direito Sucessório, haja vista que não existe herança de pessoa ainda viva (viventis nulla est hereditas).

Há a necessidade de se definir o último local de domicílio do de cujus para fixar-se, então, o foro universal hereditário (art.1.785, CC/2002).

Nas lições de Maria Helena Diniz (2008, p.22): “No momento do falecimento do de cujus abre-se a sucessão, transmitindo-se, sem solução de continuidade, a propriedade e a posse dos bens do defunto aos seus herdeiros suscetíveis, legítimos ou testamentários, que estejam vivos naquele momento, independentemente de qualquer ato. Esta transmissão é, portanto, automática, operando-se ipso iure”.

Nesta hipótese, o fato jurídico que transforma uma simples expectativa de direito do herdeiro em direito de fato é a morte do de cujus.

Vale ressaltar que existem casos excepcionais, como a abertura de sucessão provisória (art.26 e ss., CC/2002) e definitiva (art.37 e ss., CC/2002). O evento ocorre com a presunção da morte do ausente e há a necessidade, por exemplo, da manutenção financeira familiar do desaparecido (art.22 e ss., CC/2002; art.88, Lei 6.015/73 – Lei dos Registros Públicos).

Segundo o art.1.784, CC/2002: “Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”.

O Código Civil brasileiro adota o Princípio da Saisine, que consiste na transmissão do domínio e da posse dos bens do de cujus ao herdeiro no momento exato da morte daquele, independente da ocorrência de qualquer formalidade (art.5º, XXX, CF/88).

Essa transmissão, ou seja, a mudança do sujeito de direito, dar-se-á no caso de dívidas e, se transmissíveis, os direitos, as pretensões etc. que pertenciam ao defunto.

De acordo com o expresso no art.1.203, CC/2002: “Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida”. Isto é, há a presunção de que um bem continuará com a mesma constituição com que foi contraído. É como, por exemplo, “[...] se uma posse começou violenta, clandestina ou precária, presume-se ficar com esses mesmos vícios, que irão acompanhá-la na mãos dos sucessores do adquirente [...]” (DINIZ, 2008, p.24-5).

Na suposição do de cujus adquirir um bem de má-fé, essa característica da posse será transmitida ao herdeiro. É o que determina o art.1.206, CC/2002, in verbis: “A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres”.

Entretanto, havendo prova em contrário, as características não serão mais transmitidas à posse dos herdeiros (art.1.208, CC/2002).

Se, porventura, houver o falecimento do herdeiro sem anteriormente manifestar sua aceitação quanto à herança ou ainda ter conhecimento da morte de seu antecessor, a parte que lhe competia na herança (posse e propriedade) será transmitida aos seus sucessores.

O herdeiro, outrossim, tem o direito de transmitir onerosa ou gratuitamente a herança ao todo ou em parte, haja vista que a herança “[...] é um valor patrimonial que pode ser transmitido inter vivos [...]” (DINIZ, 2008, p.27).

Em acidente envolvendo uma pessoa e seu descendente, vindo ela a falecer, há a necessidade que seu herdeiro tenha sobrevivido, a fim de que este possa herdar os bens de seu antecessor, mesmo que esta sobrevivência dure apenas alguns segundos.

Se na hipótese do acontecimento de um incêndio e entre os dois (ascendente e descendente) não houver a possibilidade de detectar-se o lapso temporal entre uma morte e outra, o direito brasileiro optará pelo sincronismo do óbito. É a chamada comoriência. Segundo o art.8º, CC/2002: “Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos”.

Ocorrendo a comoriência, não haverá a transmissão da herança entre os comorientes, ou seja, havendo a presunção de morte simultânea, os comorientes serão considerados como se não fossem parentes, existindo somente a transmissão de direito sucessório aos demais herdeiros, se existentes.

Por fim, faz-se mister a ocorrência de verificação da existência real da capacidade de existir a sucessão hereditária.

2. A RENÚNCIA DA HERANÇA

Clóvis Beviláqua apud Maria Helena Diniz (2008, p.75) preleciona: “Renúncia é o ato jurídico unilateral, pelo qual o herdeiro declara expressamente que não aceita a herança a que tem direito, despojando-se de sua titularidade”.

Na ocorrência da renúncia da herança por parte do herdeiro, não é criado nenhum tipo de direito ao mesmo, sendo considerado como se nunca tivesse herdado algo.

Segundo expressa o parágrafo único do art.1.804, CC/2002: “A transmissão tem-se por não verificada quando o herdeiro renuncia à herança”.

“[...] A renúncia produz efeito ex tunc, retroagindo à data da abertura da sucessão” (DINIZ, 2008, p.75).

2.1 Requisitos essenciais da renúncia

A renúncia possui alguns requisitos essenciais, a saber:

a) Capacidade jurídica do renunciante: o herdeiro que renuncia à sua herança deverá, para este feito, possuir não somente a capacidade genérica para os atos da vida civil com a capacidade para alienar. Assim, na hipótese do incapaz, o mesmo somente poderá renunciar a sua herança mediante representante, se o mesmo possuir previamente autorização judicial para isso.

No caso de pessoa casada, sob o posicionamento de Maria Helena Diniz[1] e de outros autores, a mesma poderá renunciar à sua herança independentemente da consonância de seu respectivo cônjuge.

Conforme afirma Diniz (2008, p.76): “Renúncia e aceitação da herança é ato próprio de quem é herdeiro, regendo-se pelo direito das sucessões e não pelo direito de família, logo o art.1.647 não é aplicável”.

Existem demais autores que acreditam que no caso de pessoas casadas, as mesmas, para renunciarem à sua herança, devem primeiramente adquirir a anuência de seus consortes.

b) Forma prescrita em lei: a renúncia da herança deve ser, expressamente constatada em documento público ou termo judicial (art.1.806, CC/2002).

Vale ressaltar que a renúncia da herança deve ser necessariamente expressa, não se admitindo renúncia tácita ou presumida.

c) Inadmissibilidade de condição ou termo: a renúncia da herança deverá ser pura e simples (art.1.808, CC/2002), ou seja, não deverá haver a imposição de nenhuma condição. Caso contrário, o herdeiro estará aceitando a herança, posto que imposições são somente permitidas a herdeiro.

Na hipótese da ocorrência de cessão gratuita pura e simples, em que um herdeiro cede aos demais co-herdeiros seu quinhão hereditário, caracterizar-se-á como renúncia.

No caso do herdeiro ceder sua parte na herança para uma pessoa em especial, qualificar-se-á como aceitação.

Existem dois tipos de renúncia: a translativa e a abdicativa.

A primeira, apesar de intitulada renúncia, é na verdade uma aceitação, haja vista que o herdeiro aceita sua herança e transfere de forma desigual aos seus sucessores.

Para haver duas transmissões, a aceitação e a cessão ou doação da herança, será cobrado neste caso o imposto inter vivos e causa mortis[2].

Já na segunda, caracteriza-se como a renúncia do herdeiro ao seu quinhão hereditário para cedê-lo, de forma pura e simples, igualmente aos seus co-herdeiros (art.1.805, CC/2002).

Neste caso, só será cobrado ao beneficiado a tributação causa mortis.

d) Não-realização de qualquer ato equivalente à aceitação da herança: no caso do herdeiro praticar qualquer ato que seja análogo à aceitação da herança, a hipótese renúncia será descartada.

e) Impossibilidade de repúdio parcial: a herança não pode ser renunciada parcialmente, posto que é unidade indivisível até a ocorrência da partilha (art.1.808, primeira parte, CC/2002). Mas, a renúncia parcial poderá ocorrer nos casos previstos no §2º do art.1.808, CC/2002, in verbis: “O herdeiro, chamado, na mesma sucessão, a mais de um quinhão hereditário, sob títulos sucessórios diversos, pode livremente deliberar quanto aos quinhões que aceita e aos que renuncia”.

f) objeto lícito: a renúncia deve condizer com as previsões legais, não podendo haver abdicações contrárias à lei ou que conflite com o direito de terceiros. Segundo expressa os §§1º e 2º do art.1.813, CC/2002: “§1º A habilitação dos credores se fará no prazo de trinta dias seguintes ao conhecimento do fato. §2º Pagas as dívidas do renunciante, prevalece a renúncia quanto ao remanescente, que será devolvido aos demais herdeiros”.

Nesta circunstância, os credores suspenderão a renúncia até que sejam pagas tudo o que lhes são devido, “[...] enquanto o remanescente da herança será distribuído entre os demais herdeiros, prevalecendo a renúncia [...]” (DINIZ, 2008, p.78).

g) Abertura da sucessão: a renúncia só poderá haver na hipótese da existência do direito hereditário, sendo este adquirido somente na ocorrência da morte do de cujus.

Conforme esclarece Sílvio de Salvo Venosa (2007, p.21): “Como o direito do herdeiro (ou do legatário) surge somente depois da morte, só a partir daí é que se pode haver renúncia. Como os pactos sucessórios são vedados em nosso Direito, não pode haver renúncia prévia, pois nesse caso haveria negócio jurídico sobre herança de pessoa viva”.

2.2 Os efeitos da renúncia

Uma vez formalizada a renúncia, esta produz alguns efeitos, a saber:

a) Ocorrendo a renúncia por parte do herdeiro, o mesmo será considerado como se nunca tivesse sido chamado à tomar posse do quinhão hereditário. Em razão disso, não será incluído no cálculo da porção que cada herdeiro auferirá na herança.

b) Na ocorrência da renúncia, o quinhão pertencente ao herdeiro renunciante será transferido ipso iure aos outros herdeiros da mesma classe, se existentes (art.1.810, CC/2002).

c) Os descendentes do renunciante não herdam a sucessão legítima por representação, salvo no caso apresentado no art.1.811, CC/2002, in verbis: “Ninguém pode suceder, representando herdeiro renunciante. Se, porém, ele for o único legítimo da sua classe, ou se todos os outros da mesma classe renunciarem a herança, poderão os filhos vir à sucessão, por direito próprio, e por cabeça”.

d) O repúdio da herança não impede que o herdeiro aceite o legado (art.1.808, §1º, CC/2002).

f) Mesmo renunciado à herança, o herdeiro poderá administrar e até usufruir dos bens que foram transferidos aos seus filhos menores, devido a existência do poder familiar.

2.3 A irrevogabilidade da renúncia

Sobrevindo a renúncia, a mesma torna-se irrevogável, irretratável e definitiva (art.1.812, CC/2002), produzindo efeitos imediatos. Deste modo, o renunciante é considerado como se nunca tivesse sido herdeiro.

A renúncia, como acima citado, é irretratável, salvo na ocasião da ocorrência de vícios como violência, dolo, culpa (art.171, II, CC/2002), podendo então a renúncia ser anulada.

Importa enfatizar que a renúncia será anulada havendo a presença de vício de consentimento e não de retratação[3].

3. DIREITO DE REPRESENTAÇÃO

Na ocorrência da morte do de cujus, o herdeiro dos direitos do mesmo será aquele que mais aproxima-se dele na escala hereditária. Como bem profere Venosa (2007, p.109-10): “na regra geral, existindo filhos do morto, são eles os chamados, não sendo chamados os netos; na linha ascendente, existindo pai vivo do de cujus, ele é o herdeiro, mesmo que ainda viva o avô”.

Existem casos em que, por exemplo, netos serão chamados a sucessão juntamente com os filhos do de cujus. É o chamado Direito de Representação. Conforme é proclamado no art.1.851, CC/2002: “dá-se o direito de representação, quando a lei chama certos parentes do falecido a suceder a todos os direitos, em que ele sucederia, se vivo fosse”.

Havendo a presença de duas linhas de descendência, a sucessão dar-se-á da seguinte maneira: os filhos do de cujus descenderão por cabeça, já os demais poderão suceder tanto por cabeça como por estirpe (art.1.835, CC/2002). Desta maneira, haverá a imputação de herança a dois graus de parentesco distintos. Segundo exemplo de Sílvio Venosa (2007, p.110): “o falecido tinha dois filhos, Antônio e Carlos. Quando do falecimento do autor da herança, um de seus filhos já falecera, porém deixara seus próprios filhos, ou seja, os netos, vivos quando da morte do avô. [...] Como direito de representação se dá na linha reta descendente (art.1.852; antigo, art.1.621) os representantes (netos, em nosso exemplo) vão herdar o quinhão que caberia a seu pai, pré-falecido, repartindo por igual entre eles (art.1.855; antigo, art.1.624)”.

Ocorrendo a distribuição da herança, o herdeiro de grau mais próximo recebe o seu quinhão por direito próprio, isto é, por cabeça. Havendo desigualdade de graus, os mais distantes receberão sua parte na herança por estirpe.

Vale ressaltar que herança por estirpe caracteriza-se como direito de representação e somente há representação na ocorrência de sucessão legítima, não havendo a possibilidade na hipótese de sucessão testamentária.

Para o acontecimento da representação, existem alguns pressupostos que devem ser acatados. Vejamos:

a) Ocorrendo, anteriormente ao transferidor da herança, a morte de seu ascendente.

Importa advertir que não há representação de pessoa viva, salvo exceção (art.1.599);

b) O representante poderá ser tanto excluído da herança por indignidade com relação ao seu descendente quanto em relação ao autor da herança. Ou seja, poderá ser excluído por ter tentado causar a morte tanto do seu pai previamente falecido quanto do seu avô;

c) A representação dar-se-á sempre à um grau mais próximo, não havendo o transposição de nenhum grau de descendência. “[...] Desse modo, o bisneto nunca será chamado a suceder, se seu pai, neto, for vivo e legitimado a receber a herança” (VENOSA, 2007, p.113).

Havendo mais de um descendente, a divisão do quinhão do pré-morto dar-se-á de forma igualitária aos mesmos (arts. 1.854 e 1.855) e a divisão será por estirpe.

Na há nenhum impedimento quanto a representação ser feita por pessoa que renunciou anteriormente a outra herança.

Como anteriormente mencionado, por ser a porção do pré-morto dividida por estirpe e havendo a renúncia de um dos seus descendentes, a parte deste será dividida somente entre os demais herdeiros da mesma classe, ou seja, a parte renunciada não será acrescida àquele que recebe, por exemplo, por direito próprio[4].

“[...] Como o representante é sucessor do autor da herança, existe uma única transmissão patrimonial. Há um único imposto devido” (VENOSA, 2007, p.114).

3.1 O Direito de Representações na linha colateral

Segundo expressa o art.1.853, CC/2002: “Na linha transversal, somente se dá o direito de representação em favor dos filhos de irmãos do falecido, quando com irmãos deste concorrerem”.

Havendo a morte do de cujus sendo o mesmo desprovido de ascendentes, descendentes, cônjuge ou companheiro, será chamado à sucessão seus colaterais mais próximos, ou seja, seus irmãos. Ocorrendo o falecimento de um de seus irmãos, será atribuído aos descendentes deste o direito de representação.

Havendo duas linhas de sucessão, ocorrerá a partilha da herança aos filhos do pré-morto por estirpe, ao passo que os demais irmãos, isto é, os tios por cabeça.

Se o irmão pré-morto era bilateral, seus descendentes herdaram a quota equivalente à de seus tios. No caso de ser irmão unilateral, seus descendentes herdarão, conjuntamente, só a metade do que compete a cada um dos irmão sobreviventes. Havendo o conhecimento do quinhão hereditário, o mesmo será dividido em partes iguais entre os herdeiros. “[...] Não importa o número de representantes, nem de representados” (GOMES, 2008, p.61).

Na esteira das lições de Orlando Gomes (2008, p.61): “Na sucessão do tio-avô, não tem lugar a representação. Herdam unicamente os sobrinhos-netos que estejam vivos no momento da abertura da sucessão”.

4. CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS

Após a morte do de cujus, ocorrendo a abertura da sucessão o herdeiro legítimo ou testamentário poderá ceder, gratuita ou onerosamente, o seu quinhão, – desde que não possua limites quanto a inalienabilidade – não havendo a necessidade da abertura prévia do inventário. É a chamada cessão da herança ou cessão dos direitos hereditários, como é mais utilizada pelos tribunais.

Assim como a cessão de crédito, para que ocorra a cessão de herança deverá ser promovido primeiramente a devida escritura pública posto que a mesma (herança) é qualificada como bem imóvel (art.80, II, CC/2002). Havendo somente a promessa de cessão, a mesma poderá ser anexada ao inventário através de escrito particular. Segundo expressa o art.1.793, CC/2002: “O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública. §1º Os direitos, conferidos ao herdeiro em conseqüência de substituição ou de direito de acrescer, presumem-se não abrangidos pela cessão feita anteriormente. §2º É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente. §3º Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade”.

Como anteriormente aludido, a cessão poderá ser tanto gratuita quanto onerosa. Ocorrendo a primeira opção, a cessão terá aspecto de doação. Já na segunda, terá de compra e venda.

Na ocasião do herdeiro possuir direitos resultantes de substituição ou de direito de acrescer, estes supostamente não serão abarcados em cessão dantes feita.

Segundo as averbações de Venosa (2007, p.27): “O objeto da cessão da herança é a universalidade que foi transmitida ao herdeiro”.

Antes da ocorrência da partilha, os herdeiros são detentores do total da herança, não podendo ceder somente uma parte individual desta. Essa proibição decore simplesmente pela falta de garantia que o herdeiro-cedente possui que realmente obterá o bem que está cedendo, salvo na hipótese de todos os herdeiros anuírem à cessão deste determinado bem.

Entretanto, para que esta venda de bem certo e determinado concretize-se antes da ocasião da partilha, há a necessidade da autorização judicial prévia. Não possuindo esta autorização, “[...] essa disposição será ineficaz, na dicção legal” (VENOSA, 2007, p.27).

O cessionário adquire a herança através de ato inter vivos. Porém, o mesmo adquire a universalidade da herança do cedente, “[...] não podendo dizer que tal aquisição seja a título singular [...]” (VENOSA, 2007, p.28). Conforme Sílvio de Salvo Venosa (2007, p.28) expressa: “Se o herdeiro adquire uma universalidade, seu cessionário o sucede também na universalidade”. Por este motivo é que não há a ocorrência de registro imobiliário, pelo fato de faltar um dos requisitos mais imprescindíveis para a ocorrência da matrícula, que é a particularidade do objeto.

Vale ressaltar que, na hipótese de bem determinado e existindo autorização judicial, há a possibilidade da ocorrência de matrícula no Registro Imobiliário.

Na cessão hereditária, diferentemente da de crédito, a garantia obrigatória que o cedente deve dar ao cessionário é a sua condição de herdeiro, “[...] uma vez que condição primordial para esta cessão é a existência da cessão aberta [...]” (VENOSA, 2007, p.28).

Neste caso, não há que se responsabilizar o herdeiro pelo futuro conteúdo hereditário. Entretanto, ocorrendo a garantia por parte do cedente ao cessionário de recebimento de determinado bem – o que em via de regra é o que acontece – responderá o primeiro por perdas e danos.

Ocorrendo a cessão da herança, o cessionário fica encarregado de receber tanto o pagamento quanto as dívidas do cedente (salvo estipulação contrária no acordo). Porém, o que lhe é transmitida é a herança e não a qualidade de herdeiro, posto que a mesma é intransmissível.

Conforme as alegações de Sílvio Venosa (2007, p.28): “Só existe cessão antes da partilha. Após, a alienação será de bens do herdeiro. O cessionário participa do processo de inventário, pois se sub-roga na posição do cedente”.

Na ocasião da cessão hereditária, é necessário o resguardo dos direitos dos credores existentes, podendo estes até mesmo acionar o cedente, apesar do comprometimento do cessionário quanto à dívida. O desrespeito contra os direitos dos credores poderá acarretar em fraude contra credores.

Segundo os arts. 1.794 e 1.975, parágrafo único, CC/2002: “Art.1.794. O co-herdeiro não poderá ceder a sua quota hereditária a pessoa estranha à sucessão, se outro co-herdeiro a quiser, tanto por tanto.

Art.1.795. O co-herdeiro, a quem não se der conhecimento da cessão, poderá, depositando o preço, haver para si a quota cedida a estranho, se o requerer até cento e oitenta dias após a transmissão

Parágrafo único. Sendo vários os co-herdeiros a exercer a preferência, entre eles se distribuirá o quinhão cedido, na proporção das respectivas quotas hereditárias”.

Destarte, assim como em um condomínio, o co-herdeiro, possuindo interesse em vencer sua parte à um estranho, deve primeiramente dar o direito de preferência aos demais herdeiros que quiserem adquirir a sua quota (art.504, CC/2002).

Por ser um ato translativo de direitos[5], para que haja a cessão da herança, é imprescindível o cedente possuir a capacidade de alienar, sob pena de anulação ou nulidade.

Antes da morte do autor da herança, não há que se falar em cessão hereditária, diante da inexistência do objeto (art.426, CC/2002).

5. HERANÇA JACENTE E HERANÇA VACANTE

Em conformidade com as alegações de Venosa (2007, p.63): “A herança é jacente quando não conhecemos quais são os herdeiros, ou então quando os herdeiros conhecidos repudiaram a herança, renunciaram, não existindo substitutos”.

Pode haver a jacência da herança tanto legal quanto testamentária. Na primeira, “[...] se o de cujus não deixar herdeiro legítimo notoriamente conhecido ou, se o deixando, renuncie este à herança, sendo o último sucessível [...]” (GOMES, 2008, p.72). Já na segunda, “[...] se o falecido não deixar cônjuge, descendente, ou ascendente, se o herdeiro instituído não existir ou não aceitar a herança e não houver parente colateral sucessível conhecido ou companheiro” (GOMES, 2008, p.72).

Segundo o art.1.819, CC/2002: “Falecendo alguém sem deixar testamento nem herdeiro legítimo notoriamente conhecido, os bens da herança, depois de arrecadados, ficarão sob a guarda e administração de um curador, até a sua entrega ao sucessor devidamente habilitado ou à declaração de sua vacância”.

Não havendo o surgimento de um herdeiro, a herança jacente transformar-se-á em vacante, posto que o estado de jacência é transitório. Ocorrendo isso, os bens do defunto serão transferidos ao Estado, sendo este assunto melhor explicado posteriormente.

O juízo escolhido neste caso é o do último domicílio do de cujus (art.1.142, CPC). Este, porventura, promoverá a arrecadação dos bens e nomeara um curador, o qual administrará e guardará os bens do falecido (art.12, IV, CPC).

Diferente como era tratado no período romano, hodiernamente a herança sem titular não pode ser considerada como pessoa jurídica, posto que os requisitos da existência de personalidade jurídica é interesse coletivo, a vontade de formação etc.[6], o que não ocorre neste caso exposto.

Por possuir um administrador, a herança será considerada como instituto com personalidade anômala ou reduzida.

Segundo as preleções de Orlando Gomes (2008, p.74): “Ultimada, o juiz manda expedir editais para que, no prazo de um ano, venham a se habilitar possíveis sucessores. Se a habilitação ocorre antes, suspende-se a arrecadação. Se for reconhecida a existência de herdeiro, de cônjuge ou companheiro no julgamento da habilitação, a arrecadação converte-se em inventário, visto que a herança deixa de ser jacente” (art.1.820, CC/2002).

Se, no prazo de um ano desde a publicação do primeiro edital, não houver a aparição de nem companheiro, cônjuge ou herdeiro, a herança será sentenciada vacante (art.1.157, CPC).

Depois de passado este um ano da conclusão do inventário, o curador será obrigado a entregar os bens que detém, “[...] mas o prazo de aquisição definitiva não se conta desse fato, senão da abertura da sucessão” (GOMES, 2008, p.75).

Considera-se Herança Vacante é a arrecadação promovida através de declaração judicial em caráter não-definitivo dos bens do de cujus ao Estado. Esses bens são denominados de bens vagos.

É considerada não-definitiva pelo fato de ser somente transferida ao domínio estatal após transcorrido o prazo de 05 (cinco) anos desde a abertura da sucessão (art.1.822, CC/2002).

De acordo com Gomes (2008, p.74): “Trata-se, portanto, de propriedade resolúvel, uma vez que a declaração de vacância não impede que o herdeiro sucessível peça a herança, a menos que seja colateral e não tenha se habilitado até a declaração de vacância” (art.1.822, parágrafo único, CC/2002).

Na hipótese de, sendo chamados todos os herdeiros e os mesmos renunciarem à herança, também já será caracterizada a vacância (art.1.823, CC/2002).

Decorridos os cinco anos de vacância, os bens pertencentes ao falecido serão transferidos ao Estado, tornando a arrecadação desta maneira em caráter definitivo. Após isso, tanto os credores quanto os herdeiros só poderão reclamar a herança através de ação direta (art.1.158, CPC).

No tocante à Herança tanto Jacente quanto Vacante, este assunto é abordado nos arts.1.142 a 1.158 do CPC.

6. A SUCESSÃO DO COMPANHEIRO SOBREVIVENTE

Com o advento da Lei nº 8.971/94, o companheiro sobrevivente passa a ter direito de herdar os bens do falecido. Neste caso, o companheiro, na ordem da sucessão hereditária, posiciona-se a frente dos colaterais.

Além disso, com a criação da Lei nº 9.278/96, o companheiro tem direito real de habitar em imóvel destinado à residência da família (art.7º, parágrafo único).

Como nenhuma das lei supracitadas foram revogadas, uniões extintas antes da vigência da Lei nº 9.278/96, serão regidas somente pela Lei nº 8.971/94. Se na hipótese de serem extintas após a vigência da segunda lei apresentada, “[...] ter-se-ia de fazer uma conjugação entre as disposições das duas legislações de regência da união estável, já que ambas continuaram em vigor sem que uma revogasse a outra por inteiro” (GOMES, 2008, p.67).

Ou seja, somente havendo divergência entre as duas leis no que tange ao conteúdo de ambas é que ocorrerá a implícita revogação da lei mais antiga.

É o caso do falecido que tenha morrido em estado ainda de casado. Na lei anterior, o companheiro somente adquiriria o direito de sucessão se o de cujus fosse do sexo oposto, solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo. Na novel lei, não há essas restrições, podendo o defunto ter morrido estando ainda casado, mas, separado de fato.

Com a criação do Código Civil de 2002, estas leis mantêm-se em vigor, sendo ainda utilizadas no que for oportuno.

Segundo o disposto no art.1.790, CC/2002: “art.1.790 A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I – se concorrer com filhos comuns, terá o direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança”.

Ocorrerá a participação da herança somente após a meação que diz respeito ao companheiro. Não havendo contrato que regule a divisão patrimonial dos companheiros, a regra utilizada será a que regula a comunhão parcial de bens (arts.1.725 e 1.660, CC/2002).

Este contrato anteriormente citado, entretanto, não possui o condão de excluir o companheiro de participar como herdeiro dos aquestos, somente não ocorrendo este fato na hipótese de ato de disposição de última vontade[6].

Conforme Orlando Gomes (2008, p.67) dispõe: “Concorrendo com filhos comuns, a sucessão se dá por cabeça, repartindo-se a herança em tantas partes quanto forem os herdeiros, filhos do companheiro e do de cujus”.

Neste caso, a herança será dividida por cabeça, posto que o companheiro é incluído no mesmo grau dos outros descendentes.

Esta disposição é um tanto quanto complexa, posto que o legislador somente refere-se aos filhos comuns no inciso I do art.1.790. Na opinião de Orlando Gomes[7], o legislador, apesar de escrever “filhos” no artigo, na verdade quis dizer todos os descendentes, havendo neste caso a concorrência do companheiro com seus descendentes comuns.

Havendo a concorrência com somente os descendentes do de cujus, terá o companheiro direito a metade do que pertencer a eles. “[...] Utilizou o legislador a mesma regra de partição da herança entre os irmãos unilaterais e bilaterais [...]” (GOMES, 2008, p.68).

Em consonância com opinião de Sílvio Venosa: “Atribui-se, portanto, peso 1 à porção do convivente e peso 2 à do filho do falecido ou falecida para ser efetuada a divisão na partilha. No entanto, se houver filhos comuns com o de cujus e filhos somente deste concorrendo à herança, a solução é dividi-la igualitariamente, incluindo o companheiro ou companheira”.

Na hipótese do companheiro concorrer com outros parentes do autor da herança, podendo ser estes tanto legítimos como testamentários, o mesmo adquirirá um terço dos bens que couber a eles.

Conforme expressa Sílvio Venosa (2007, p.135-6): “Outra pergunta que se faz é saber como será a concorrência se houver apenas netos comuns. Nesse caso, estando os filhos pré-mortos, não haverá direito de representação. Assim, parece que a solução é no sentido de o convivente receber a mesma porção dos netos, que herdam por cabeça, aplicando-se então o art.1.790, I, seguindo-se o princípio geral de vocação hereditária. Contudo, o inciso II[8] menciona a concorrência com ‘outros parentes sucessíveis’. Ora, nesse caso, não havendo direito de representação e recebendo os netos por cabeça e não por estirpe, podem eles ser considerados dentro dessa dicção legal, aplicando-se o terço da herança ao sobrevivo e dois terços ao netos”.

Segundo o disposto no inciso IV, não havendo nenhum outro herdeiro sucessível do de cujus, o companheiro recebe a totalidade dos bens, possuídos a qualquer título e sendo adquiridos tanto na constância da união estável quanto anteriormente a ela, apesar do caput do art.1.790 referir-se somente a bens obtidos a título oneroso e na duração da união estável.

No ocasião do companheiro não ter sido inserido como herdeiro necessário (art.1.845, CC/2002), este poderá ser excluí-lo da sucessão pelo testador, conforme decisão de última vontade.

Segundo expressa Orlando Gomes (2008, p.68): “Para participar da sucessão do autor da herança é necessário a companheira faça a prova da sua qualidade, através da ação própria no juízo competente, porém, não havendo contestação pelos herdeiros e sendo evidente a existência da união estável somente nesses casos o reconhecimento pode ser feito nos próprios autos de inventário”.

EXERCÍCIOS DA OAB

01. (OAB/SP - 123°/29) Bernardo morreu, deixando uma soma de dinheiro depositada em banco, ações de uma companhia, dois automóveis e os utensílios domésticos de sua residência, no valor total de R$ 300.000,00. Nesse caso, pode-se afirmar que:

a) a cessão de direitos hereditários, pelo herdeiro de Bernardo, pode ser feita por instrumento particular, sendo a herança, sob cogitação, móvel, embora indivisível, até a partilha.

b) a cessão de direitos hereditários, pelo herdeiro de Bernardo, deve ser feita por escritura pública, sendo a herança, sob cogitação, imóvel, mas divisível, até a partilha.

c) a cessão de direitos hereditários, pelo herdeiro de Bernardo, pode ser feita por instrumento particular, sendo a herança, sob cogitação, móvel e divisível, podendo ser antecipada a partilha.

d) a cessão de direitos hereditários, pelo herdeiro de Bernardo, deve ser feita por escritura pública, sendo a herança, sob cogitação, imóvel e indivisível, até a partilha.

02. (OAB/MS- AGO/2004) Assinale a alternativa correta:

a) O direito à sucessão aberta é considerado bem móvel.

b) O direito à sucessão aberta é considerado bem móvel, podendo ser alienado por instrumento particular.

c) É ineficaz a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente de indivisibilidade.

d) O direito à sucessão aberta é considerado bem imóvel, mas somente pode ser alienado após a partilha.

03. (OAB/SC- NOV/2003) Assinale a alternativa correta, de acordo com o Código Civil (Lei 10.406/02):

a) O co-herdeiro, da constância do processo de inventário, só poderá ceder a título oneroso a sua cota hereditária a pessoa estranha à sucessão depois de respeitado o direito de preferência do(s) outro(s) co-herdeiro(s).

b) A herança de pessoa viva pode ser objeto de contrato, desde que feito o negócio mediante escritura pública.

c) Não há como conviver, na mesma sucessão, suas duas modalidades (legítima e testamentária).

d) O cônjuge sobrevivente e o companheiro (a) sobrevivente são sempre considerados herdeiros necessários.

GABARITO: 01 - D; 02 - C; 03 - A

REFERÊNCIAS

CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO de 2002

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. 22.ed. rev., ampl. e atual. de acordo com a reforma do CPC e com o Projeto de Lei n. 276/2007, São Paulo: Saraiva, 2008. v.VI

GOMES, Orlando. Sucessões. 14.ed. rev., atual. e aument. de acordo com o Código Civil de 2002 por Mario Roberto Carvalho de Faria, Rio de Janeiro: Forense, 2008

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões. 7.ed. 2ª reimpr., São Paulo: Atlas, 2007. (Coleção direito civil. v.VII)

NOTAS:

[1] Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões, 22.ed. rev., ampl. e atual. de acordo com a reforma do CPC e com o Projeto de Lei n. 276/2007, São Paulo, Saraiva, 2008, v.VI, p.76

[2] Súmula 112, STF: “O Imposto de Transmissão causa mortis é devido pela alíquota vigente ao tempo da abertura da sucessão”.

[3] Maria Helena Diniz, op. cit., p.80

[4] Sílvio de Salvo Venosa, Direito civil: direito das sucessões, 7.ed., 2ª reimpr., São Paulo, Atlas, 2007. (Coleção direito civil, v.VII), p.114

[5] Sílvio de Salvo Venosa, op. cit., p.30

[6] Sílvio de Salvo Venosa, op. cit., p.64

[7] Orlando Gomes, Sucessões, 14.ed. rev., atual. e aument. de acordo com o Código Civil de 2002 por Mario Roberto Carvalho de Faria, Rio de Janeiro, Forense, 2008, p.68

[8] Onde encontra-se expresso “inciso II”, lê-se “inciso III”.

 

Data de elaboração: abril/2011

 

Como citar o texto:

SILVA, Giselle Cristina Lopes da.O Direito Sucessório brasileiro. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil-familia-e-sucessoes/2280/o-direito-sucessorio-brasileiro. Acesso em 25 jul. 2011.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.