Qual é o entendimento do STJ quando são julgados, numa mesma ação,os institutos da revisão criminal e o princípio da soberania dos vereditos? Seriam eles incompatíveis ou seriam capazes de serem aplicados de maneira harmoniosa?

 

 

1-Algumas considerações sobre a revisão criminal

A ação penal rescisória é um remédio do qual pode lançar mão o réu condenado, quer em nome próprio, pessoalmente ou por meio de procurador, quer representado, após a morte, pelo seu cônjuge, ascendente, descendente ou irmão

Capez, a define como ação rescisória promovida originariamente perante o Tribunal competente, para que, nos casos expressamente previstos em lei,seja efetuado o reexame de um processo encerrado por decisão transitada em julgado.

Na verdade, a revisão criminal nada mais é do que uma ação autônoma destinada a impugnação da sentença condenatória trânsita.Assemelha-se a ação rescisória do processo civil, mas diferentemente desta, não está sujeita ao prazo decadencial de 2 anos, já que a revisão pode ser proposta a qualquer tempo, antes ou depois da extinção da pena.

É remédio do qual pode lançar mão o réu condenado ou após a sua morte pelo seu cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.Esta última hipótese é também chamada reabilitação da memória.

Convém assinalar que o STF já reconheceu, com inteiro acerto, que em sede de revisão criminal, há a inversão do ônus probatório, ou seja, cabe ao peticionário o ônus da prova. Controverte-se a doutrina sobre a sua natureza jurídica, se recurso ou se ação.Assiste razão, contudo, a quem afirma tratar-se de ação de conhecimento de natureza constitutiva negativa sujeita às condições de procedibilidade impostas a toda ação criminal: possibilidade jurídica do pedido, legitimação ad causam e legítimo interesse

O Ministério Público, segundo parte da doutrina, não é parte legítima para requerer a revisão criminal, podendo interpor habeas corpus, revisão não .A razão desse posicionamento é que o Ministério Público tem legitimidade para a propositura da ação penal pública, com o objetivo de obter satisfação do ¨jus puniendi¨ ou seja, visa justamente o contrário da revisão.Daí não se admitir tenha legitimidade ou interesse processual para promover a ação rescisória penal em favor do condenado.

Há quem entenda, todavia, que o Ministério Público tem legitimidade sim para a ação revisional , extraindo tal entendimento não só do próprio texto da Constituição da República como também da interpretação sistemática do próprio Código de Processo Penal.

2-Em que consiste o princípio da soberania dos vereditos

Trata-se de um princípio relativo que não exclui a recorribilidade das decisões do Tribunal do Júri, limitando-se contudo, a esfera recursal ao juízo rescidente (juis rescindem), ou seja, à anulação da decisão pelo mérito e a consequente devolução para novo julgamento(art 593,III, d CPP) .

Do mesmo modo, em obediência ao princípio maior da verdade e em atenção ao princípio da plenitude da defesa, admite-se a alteração do meritum causae, em virtude da revisão criminal. Depois de tecer essas breves considerações, podemos adentrar no tema proposto.

3-Como o STJ confronta a possibilidade de revisão criminal com a soberania dos vereditos

Uma questão que o STJ tem se deparado frequentemente diz respeito à eventual incompatibilidade entre a soberania dos vereditos conferidas pela nossa Constituição Federal ao Tribunal do Júri, e a revisão criminal.

São assegurados ao Tribunal do Júri a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos vereditos e a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida(homicídio doloso, instigação ou auxílio ao suícidio,infanticídio e aborto, tentados ou consumados)

Já a revisão criminal , conforme o artigo 621 do CPP, é uma ação autônoma que permite a revisão de processos finalizados quando a sentença condenatória é contraria a texto expresso de lei penal, ou à evidência dos autos; ou se baseia em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; ou ainda quando depois da sentença se descubram novas provas de inocência do acusado.

Como tem sido o entendimento do STJ quando são julgados, numa mesma ação, esses dois institutos?

Seriam eles incompatíveis ou seriam capazes de serem aplicados de maneira harmoniosa?

1° caso: No recurso especial 1.172.278, que teve como relator o ministro Jorge Mussi, o acusado foi condenado pelo Júri a 13 anos de reclusão por homicídio qualificado, com sentença transitada em julgado.Após a retificação do depoimento de uma testemunha, foi apresentado pedido de revisão criminal pedindo a absolvição do acusado por ausência de provas e solicitando que o réu não fosse submetido a novo julgamento pelo Tribunal do Júri.

Com base na doutrina e jurisprudência dominante o STJ negou provimento ao recurso. Ao entender por bem que a revisão criminal , para não ofender a soberania dos vereditos, deve, devolver o feito ao Tribunal do Júri ¨único competente para a análise de provas em caso de crimes dolosos contra a vida¨

2° caso: A situação refere-se a um homicídio qualificado cometido em concurso de pessoas, em que um dos acusados, pai dos pacientes foi absolvido das acusações, o que serviu de motivo para que os filhos também condenados pelo mesmo evento por votação apertada de 4 a 3 , solicitassem a revisão criminal , alegando ofensa ao princípio da igualdade

No caso de concurso de pessoas, o STJ entendeu que a absolvição de um dos acusados pelo Tribunal do Júri não implica a dos demais, mesmo que a acusação seja a mesma, pois dependendo das provas produzidas contra cada um dos acusados e desde que o veredito popular condenatório não se revele manifestamente contrário à prova dos autos

3° Caso: O acusado ingressou com habeas corpus, alegando ofensa à soberania do júri afirmando existir correntes divergentes sobre a verdade dos fatos que permitiriam o acolhimento da tese sustentada pela defesa.

O STJ tem consolidado o entendimento de que, oferecida aos jurados vertentes alternativas da verdade dos fatos, fundados pelo conjunto da prova , mostra-se inadmissível que o Tribunal de Justiça, seja em apelação ou em revisão criminal , desconstitua a opção do júri- porque manifestamente contrária a prova dos autos sufragando a tese contrária.

Exige-se que seja demonstrada de maneira objetiva nos autos qual o meio de prova que teria dado origem a versão que, se reconhecida, seria capaz de oferecer nos autos qual o meio de prova que teria dado origem a versão que, seria capaz de oferecer circunstâncias hábeis a formar a convicção diversa nos jurados, o que não ocorreu no presente caso

Logo, podemos concluir que, o réu não pode simplesmente alegar a existência de vertentes alternativas da prova da veracidade dos fatos para evitar que seja novamente submetido ao júri popular. È imperioso que elas sejam demonstradas objetivamente nos autos, particularizando as provas que originaram a versão que permitiu a formação de convicção diferente dos jurados

Podemos concluir o presente trabalho asseverando que as decisões proferidas pelo Tribunal do Júri não podem ser alteradas relativamente ao mérito pela instância ¨ad quem¨, podendo apenas ser cassadas , para que ocorra o novo julgamento pelo conselho de sentença, dentro das hipóteses previstas no artigo 593 doCPP, pois caso contrário seria usurpada a competência do Tribunal do Júri e ofendido o princípio da soberania dos vereditos.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

JESUS, Damásio Comentários ao Código Penal ed.São Paulo saraiva

JESUS, Damásio Código de Processo Penal Anotado 19 edição saraiva

CAPEZ, Fernando Curso de Processo Penal 15° edição saraiva

www.stj.jus.br

www.stf.jus.br

 

 

Data de elaboração: junho/2011

 

Como citar o texto:

BARROS, Margareth Cardoso de..A Compatibilidade do Princípio da Soberania dos Vereditos e a revisão criminal à luz da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/2296/a-compatibilidade-principio-soberania-vereditos-revisao-criminal-luz-jurisprudencia-superior-tribunal-justica. Acesso em 16 ago. 2011.

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