RESUMO

Referida pesquisa tem por objeto, tecer comentários a respeito dos meios de enfrentamento ao crime organizado existentes na legislação pátria, destacando se os mesmos se mostram eficazes ou se são carentes de aplicabilidade prática. Destaca-se ainda a “operação reversa”, como eficaz meio de combate as organizações criminosas, proveniente do modelo norte-americano.

Palavras – chave: Organizações Criminosas. Ação Controlada. Operação Reversa. Repressão.

01- Introdução

O combate ao crime organizado é uma constante preocupação de estudiosos, políticos e operadores do direito que buscam a qualquer modo um meio realmente eficaz para o enfrentamento dessa mazela social, que a cada dia que passa se mostra mais imponente, onipresente, destemida e globalizada.

As organizações criminosas buscam o aperfeiçoamento do seu modus operandi, treinam seus integrantes, realizam a captação de pessoal competente às suas operações, além de se infiltrarem na esfera dos três poderes; possibilitando assim, uma certa protetividade nas suas atuações através do pagamento de propinas a policiais, influenciando na esfera legislativa e atuando na compra de sentenças no âmbito do poder judiciário. Isto acaba por ocasionar uma enorme disparidade entre os meios disponíveis pelo Estado para o combate às organizações criminosas e o progresso destes, visto que parecem estar sempre um passo a frente daqueles.

Desta feita, patente se mostra a necessidade do estabelecimento legal de meios eficazes de enfrentamento das organizações criminosas assim como também a efetiva aplicabilidade de tais institutos, em outros termos, para a real solução de referido problema, é necessário não simplesmente por em prática os institutos existentes no ordenamento penal e processual penal brasileiro, deve-se ainda, buscar institutos de enfrentamento provenientes de modelos estrangeiros que deram certo em suas circunscrições territoriais e a promoção de uma cooperação internacional.

02- Dos Meios de Repressão

Objetivando um eficaz enfrentamento da criminalidade, o Brasil, vem buscando uma constante atualização e aprimoramento no tocante ao combate as organizações criminosas, ora através da criação de leis, que muitas vezes encontra seu arcabouço no modelo estrangeiro, ora fornecendo subsídios à atuação concisa das autoridades encarregadas do combate a tal criminalidade eivada de organicidade.

Dessa forma, entre outros, destacam-se os seguintes aparatos repressivos utilizados pelas autoridades brasileiras, além de outros de inconteste eficácia:

a) Delação premiada – Previsto no artigo 6º da lei de combate ao crime organizado, referido dispositivo almeja a deflagração dos tipos penais praticados pelas organizações criminosas e seus componentes com a conseqüente repressão, mediante uma bonificação oferecida ao infrator que a compõe e vier a colaborar com a autoridade encarregada da persecução criminal, ou seja, o indivíduo que fizer parte da organização criminosa e espontaneamente colaborar com a autoridade policial ou judiciária, no que tange ao esclarecimento das infrações penais pela organização praticada e sua autoria, fará jus a uma redução de pena de um a 2/3.

Destacando o alcance finalístico do dispositivo legal acima, William Douglas e Geraldo Prado (2005, p.83) dispõem que:

Aceitando-se que a intenção do legislador foi incentivar a eliminação das organizações criminosas, com a punição de seus integrantes, conclui-se logicamente que o esclarecimento da autoria e materialidade de um só dos crimes praticados pela quadrilha não seria suficientemente compensador, para conferir-se a diminuição em tela. Por isso a expressão ‘infrações penais’ e não ‘de infração penal’. Somente quando a delação resultar em dano efetivo ao grupo criminoso, com a descoberta de dois ou mais crimes, caberia a redução, proporcional ao grau de prejuízo que a colaboração impusesse à organização.

De um modo geral, referida previsão normativa, mostra-se de grande valia ao enfrentamento do crime organizado, na medida em que permite aos organismos estatais repressores terem um conhecimento mais aprofundado de tais organizações, conhecimento esse, consubstanciando não somente na delimitação dos seus componentes, mais também na aferição dos crimes praticados pela organização, e ao criminoso uma oportunidade de ressocialização.

b) Ação controlada – Também conhecido como entrega controlada ou segundo os doutrinadores pátrios, flagrante postergado ou prorrogado, trata-se de meio de produção de prova e repressão eficaz do grupo criminoso, consistente em retardar a reprimenda policial a determinada atividade delituosa que esteja sendo praticada por organização criminosa. A ação controlada é caracterizada também por ser um meio probatório que deva se encontrar sob forte vigilância e controle das autoridades policiais, para que no momento mais oportuno, do ponto de vista da produção probatória, fornecimento de informações e desmantelamento da referida organização criminosa se dê, de fato, à necessária autuação flagrancial da mesma.

Para Flávio Cardoso Pereira (2008, on line) a entrega controlada consiste:

[...] em uma estratégia policial empregada em investigações, que permite a passagem de certa quantidade de drogas por um determinado território, apesar do conhecimento dos órgãos de repressão estatal, permitindo a continuação ‘normal’ da viagem, porém, desde que se proceda a um controle secreto (acompanhamento), durante todo o percurso, na expectativa posterior de apreensão da carga ilícita, bem como dos seus remetentes e destinatários.

Tal medida, prevista na lei 9.034/95 em seu artigo 2º, inciso II, quando realizada em sua plenitude se mostra como um meio bastante valioso para a persecução criminal, pois no que tange ao colhimento de material probatório, referido procedimento acaba por gerar fotos, vídeos, interceptação de diálogos, possibilita também a apreensão de produtos e proventos do crime, que se consubstanciam em mais uma forma de prova material da atuação criminosa, além de possibilitar colheita de informações a respeito das pessoas que estejam envolvidas em tais atividades, e em alguns casos, o conhecimento do líder da organização, que deve ser o objetivo maior de tal medida de combate ao crime organizado, já que toda a atividade delituosa se concentra em sua pessoa.

Paulo César Corrêa Borges (2002, p.77) ressaltando a desnecessidade de autorização judicial para que se dê a realização de tal atividade, destaca a imprescindibilidade de pelo menos um controle mínimo dessa atividade pelo Ministério Público, em sua função de controle externo das atividades da polícia judiciária:

É evidente que a ação da autoridade policial, concernente ao retardamento de sua intervenção em face do crime organizado, não pode a um só tempo prescindir de autorização judicial e ainda não ser controlada pelo Ministério Público, no exercício de sua função institucional de controle externo.

Bastará mesmo a comunicação verbal, em casos de urgência, podendo o membro do Ministério Público acompanhar as diligências, se entender necessário, com posterior formalização de relatório das investigações pela autoridade policial, ou mesmo a comunicação da prisão em flagrante dos envolvidos, com a cópia dos autos, ao parquet.

Referido posicionamento, no que concerne ao necessário controle da medida supra aludida, por parte do Órgão Ministerial, encontra amparo e fundamento não somente no destaque da atribuição institucional, que é conferida ao parquet, de controle externo das atividades policiais, mas por ser este, o destinatário imediato do inquérito policial, ou seja, por titularizar a ação penal.

A ação controlada, como medida de cunho investigativo-repressivo, consubstancia-se em um procedimento colhido do modelo estrangeiro, que vem sendo de grande serventia prática, no que tange ao desbaratamento de organizações criminosas, mais notadamente na repressão ao tráfico de drogas.

c) Acesso a informações sigilosas referentes à pessoa dos investigados – no Brasil, encontra previsão legal no artigo 2º, inciso III da lei de combate ao crime organizado, que visa garantir “o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais”.

No tocante a efetivação de tal medida, indagações surgem a cerca de sua legitimidade, em face do choque que possa surgir entre o interesse público, fundado no interesse de reprimenda da criminalidade organizada, e o interesse particular, notadamente no que se refere à preservação da intimidade, ambos protegidos pela Constituição Federal de 1988.

A proteção constitucional à intimidade das pessoas implica a proteção de diversas atividades dos particulares, contra a atuação dos órgãos públicos ou mesmo de outros particulares, notadamente em investigações sobre a vida privada dessas pessoas, que em um Estado democrático de direito têm como imprescindível a segurança de que não serão molestadas nas suas ações, assegurando-se-lhes que seus atos íntimos sejam de conhecimento reservado a um círculo mais restrito de pessoas, ou mesmo a elas próprias.

Como corolário dessa proteção surgem os sigilos das comunicações, das transações bancárias, das informações fiscais e eleitorais. Entretanto, o combate da criminalidade organizada não pode prescindir da quebra de tais sigilos, quando isso for o único meio de repressão eficiente e abrangente de toda a ação delituosa desde que seja pautado pelos limites da Constituição Federal, mormente por representar um grau de comprometimento das garantias fundamentais da pessoa, ainda que prevalecendo outros direitos fundamentais que estejam em conflito. (BORGES, 2002, p.59-60)

Pautando-se na supremacia do interesse público sobre o particular, ter-se-á que o interesse público, consubstanciado na erradicação da criminalidade organizada, objeto maior do Estado, e mesmo da sociedade civil, que vive a mercê dos desígnios de tal criminalidade, se sobrepujará aos valores particulares, garantindo-se assim o acesso a informações sigilosas, necessárias à almejada reprimenda.

Conclui-se que, a efetivação de tal medida de cunho investigativo-repressiva, desde que, devidamente pautada na supremacia do interesse público sobre o particular, mostra-se, como uma forma plena de conhecimento dos agentes da organização criminosa e sua forma de estruturação (chefe, capangas, laranjas e etc.), e assim possibilitar o seu enfrentamento. Nesse ínterim, destaca-se a previsão contida no artigo 1º da Lei Complementar nº. 105/01 (Sigilo Bancário), em seu parágrafo 4º, inciso IX, que prevê a quebra do sigilo para apuração de delitos praticados por organizações criminosas, dispositivo que só veio a corroborar com a repressão estatal.

d) Interceptação telefônica e Captação e interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos – Medida de previsão constitucional (artigo 5º, inciso XII, CF/88) que somente veio a ser regulamentada em 24 de julho de 1996, com o advento da lei 9.296, o instituto da interceptação telefônica, conceitualmente, define-se como sendo, uma técnica investigativa, condicionada a autorização judicial, através da qual, a policia judiciária realiza a colheita de dados e informações a respeito das atividades delituosas desempenhadas pela organização criminosa investigada, mediante a quebra do sigilo telefônico.

Na atualidade, a interceptação das comunicações telefônicas constitui um dos principais meios investigativos utilizados contra as organizações criminosas, não somente pela facilidade com que é executada, devido ao inegável avanço tecnológico, mas por se tratar de meio de produção de prova com grande robustez, indicativa dos tipos penais praticados e os criminosos envolvidos em tais delitos.

Certo é que, para que tal medida de cunho investigatório venha a ser realizada, necessário se faz o preenchimento de certos requisitos, entre os quais, prévia ordem judicial, existência de indícios razoáveis de autoria ou pelo menos a participação em infração penal, não existência de outro meio de produção de referida prova e ser o delito punível com pena de reclusão.

Por oportuno, necessário se faz destacar o fato de que tal medida somente poderá vir a ser realizada pela autoridade policial competente, mediante requerimento de tal instituição ou do membro do Ministério Público, ou ainda mediante determinação de ofício de autoridade judiciária preventa.

No que tange a interceptação ambiental, referida matéria, diferentemente do que ocorreu com a interceptação de escutas telefônicas, não veio a ser regulamentada, fomentando assim teses acerca de sua suposta inconstitucionalidade, ante a violação do direito fundamental a intimidade prevista no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal. Objetivando sustentar a constitucionalidade de tal dispositivo, que se encontra encravado no seio da lei de combate ao crime organizado em seu artigo 2º, inciso IV, a doutrina pátria vem defendendo a tese da utilização analógica da lei 9.296/96, ou segundo seu nome iuris, lei de interceptação telefônica.

Certo é que a utilização da captação e interceptação ambiental, se mostra, assim como a interceptação telefônica, de uma eficácia inarredável, capaz de produzir provas eivadas de completude, no que se refere a materialidade e autoria, necessárias a propositura da competente denúncia pelo órgão ministerial.

Por oportuno, deve ser ressaltado que, para se por em prática tal mecanismo, deve ser precedida de competente ordem judicial, devidamente fundamentada, e, fiscalização do parquet.

e) Lei de combate à lavagem de dinheiro – Com o advento da lei 9.613/98 surge mais um meio de repressão ao crime organizado, desta vez em atenção ao lado econômico, procurando reprimir a ocultação ou dissimulação dos produtos e proventos do crime.

A existência de tal delito pressupõe a existência de uma figura típica anterior que lhe dê base, pois a lavagem de dinheiro consiste basicamente em um meio de dissimulação da origem de valores provenientes do crime, para que tenham a aparência de valores lícitos, justificando assim a sua origem e permanência no mercado legal.

‘Lavar’ etmologicamente vem do latim lavare, isto é; ‘tornar puro’, enquanto dinheiro vem do latim vulgar denarius, ou cada dez, que correspondia a uma moeda romana, e hoje significa ‘moeda corrente’.

Pela definição mais comum, a ‘lavagem de dinheiro’ constitui um conjunto de operações comerciais ou financeiras que buscam a incorporação na economia de cada país dos recursos, bens e serviços que se originam ou estão ligados a atos ilícitos. Em termos mais gerais, lavar recursos é fazer com que produtos de crime pareçam ter sido adquiridos legalmente. (MORAIS, 2005, on line).

Como já ressaltado, quanto do comento das características das organizações criminosas, tem-se que estas a cada dia que passa se encontram mais inteiradas no processo de globalização, visivelmente influenciado pelo liberalismo econômico e o estreitamente de relações entre os organismos mundiais, de modo que a utilização de empresas de fachada ou mesmo empresas legais para se lavar dinheiro ilícito, compra de bilhetes premiados, transferência de valores para os ditos “paraísos fiscais”, entre outras medidas vêm facilitando a ocultação de valores provenientes das atividades ilícitas por elas praticadas, necessitando por tanto de reprimenda a altura, que na atualidade se deu com o advento da lei da lavagem de dinheiro (lei nº.9.613/98).

Ressaltando os pontos positivos da lei de lavagem de dinheiro, destacam-se os ensinamentos de Rodolfo Tigre Maia (apud MORAIS, 2005, online), acerca de suas finalidades imediatas e mediatas:

- imediatas: (a) a identificação da proveniência de determinados bens, para a descoberta e punição dos autores de ilícitos que os produziram, (b) a inviabilização da fruição daqueles produtos de crime pelos próprios criminosos ou por terceiros, através de seu confisco, (c) o fornecimento aos órgãos estatais das condições jurídicas necessárias ao alcance de tais misteres, através da criação do dever de vigilância (´conheça seu cliente´) e transparência (disclosure) para as empresas e indivíduos cujas áreas de atuação prestam-se especialmente à prática das condutas incriminadas;

- mediatas: (a) desestimular a prática de crimes, (b) evitar as conseqüências socialmente indesejáveis de sua prática e, eventualmente, (c) restaurar os danos causados aos particulares e/ou pessoas jurídicas vítimas daqueles ilícitos penais.

Corroborando com o, até agora afirmado, a respeito da inconteste importância do combate ao crime de lavagem de dinheiro, que frise-se, um dos delitos mais praticados pelo crime organizado, destaca-se, a criação da “Central de Informações Sobre Crimes de Lavagem de Dinheiro”, referido órgão, que compõe o Conselho da Justiça Federal (CJF) veio a ser inaugurado em 31 de março de 2004, tendo a incumbência de gerir um banco de dados, composto por informações, sobre processos que tenham relação com o crime de lavagem de dinheiro, que poderá ser acessado por todas as instituições que compuserem o Gabinete de Gestão Integrada de Prevenção e Combate à Lavagem de Dinheiro, em suma, este foi o advento de mais um meio contributivo para a repressão de tal delito, e por conseguinte, às organizações criminosas.

f) Infiltração policial ou de órgãos especializados de inteligência – Dispositivo vetado por ocasião da sanção da lei 9.034/95 e que a posteriori veio a ser reincorporada ao seio da lei de combate ao crime organizado com o advento da lei 10.217/01. Não obstante a supra aludida reincorporação ao ordenamento penal, tal medida carece de regulamentação.

Ressaltando a importância de tal dispositivo, previsto no artigo 2º, inciso V da lei de combate ao crime organizado, Igor Tenório e Inácio Carlos Dias (1995, p. 47) destacam que “O conhecimento jurídico dos integrantes de uma associação criminosa só é possível, na sua plenitude, com a infiltração”. (grifo original)

Referidos autores, ainda sobre a técnica da infiltração e a necessidade das autoridades legislativas, abrirem os olhos para a almejada regulamentação legal de tal medida, destacam ainda que:

Outras nações, na sua evolução histórica, sentiram há mais tempo a problemática do crime organizado, legalizaram esta técnica e a mantêm sob rígido controle hierárquico, não havendo casos da temida corrupção. Em contrapartida, excelentes trabalhos tem apresentado o emprego desta técnica investigatória. (TENÓRIO; DIAS, 1995, p. 47).

Flávio Cardoso Pereira (2008, on line) procurando esclarecer o que vem a ser a técnica de infiltração policial, destaca que:

A infiltração de agentes consiste numa técnica de investigação criminal ou de obtenção da prova, pela qual um agente do Estado, mediante prévia autorização judicial, infiltra-se numa organização criminosa, simulando a condição de integrante, para obter informações a respeito de seu funcionamento. (grifo nosso).

Em outras palavras, pode-se conceituar tal técnica como, meio investigativo próprio das autoridades policiais e/ou órgãos especializados de inteligência, que deve ser precedido de ordem judicial competente, e fiscalização pelo Ministério Público para sua eficaz deflagração, onde um agente policial, através de documentação falsa, se infiltrará na organização criminosa, a fim de obter informações referentes ao seu funcionamento, atividades criminosas praticadas, pessoal envolvido na dinâmica do grupo, seja de forma direta ou indireta, e a colheita de todo o material necessário e suficiente ao desmantelamento da criminalidade organizada.

Referida técnica investigativa, desde o seu advento, no seio da lei de combate ao crime organizado, carece de regulamentação, principalmente no tocante aos limites da atuação do agente infiltrado, que visando à preservação de sua identidade e ate mesmo de sua própria vida, poderia se ver compelido a praticar algum delito, restando então a dúvida; tal pratica delituosa por parte do agente infiltrado, estaria agasalhada por alguma causa excludente da ilicitude, ou algum outro tipo de permissibilidade?

Damásio E. de Jesus (2005, on line), a respeito do modo de atuação e responsabilidade penal do agente infiltrado, dispõe que:

A conduta do agente infiltrado manifesta-se de diversas formas na organização criminosa. Ele pode simplesmente ter o papel de informante, transmitindo as informações das quais tem conhecimento para a autoridade que investiga a associação criminosa, de modo a possibilitar o desmantelamento da organização ou a identificação e punição de seus integrantes.

Por outro lado, caso o agente infiltrado provoque a ação ou omissão de uma ou mais pessoas que integram a organização criminosa, induzindo e interferindo diretamente no ânimo decisivo delas, a hipótese, nesse caso, seria de flagrante preparado ou delito provocado, e o agente infiltrado seria responsabilizado penalmente pelo abuso cometido, mas ninguém responderia pela infração penal pretendida. Aqui é manifesta a conduta determinante do agente para a prática do crime.

Poderia ocorrer igualmente uma terceira situação, em que o agente infiltrado atuasse conjuntamente com um ou mais integrantes da organização numa determinada empreitada criminosa. Da mesma forma, se o agente ingressa numa organização criminosa a qual já vinha praticando determinado tipo de delito, antes da sua entrada, sua intervenção não significa a criação indutora da vontade do sujeito provocado, que já preexistia, de sorte que a atuação do agente visa simplesmente facilitar o cometimento do delito, não induzir a sua prática. Nesse caso, verifica-se a anterioridade da ação criminosa em relação à intervenção do agente. Trata-se de hipótese clássica de concurso de agentes, seja por participação ou co-autoria. O agente infiltrado não responderia pelo crime cometido.

Discute-se, entretanto, qual seria a natureza jurídica da exclusão da responsabilidade penal do agente infiltrado. É possível identificar as seguintes soluções:

1.ª) trata-se de uma causa de exclusão de culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa. Isso porque, se o agente infiltrado tivesse decidido não participar da empreitada criminosa, poderia ter comprometido a finalidade perseguida com a infiltração, ou seja, não havia alternativa senão a prática do crime;

2.ª) escusa absolutória: o agente infiltrado age acobertado por uma escusa absolutória, na medida em que, por razões de política criminal, não é razoável nem lógico admitir a sua responsabilidade penal. A importância da sua atuação está diretamente associada à impunidade do delito perseguido;

3.ª) trata-se de causa excludente da ilicitude, uma vez que o agente infiltrado atua no estrito cumprimento do dever legal;

4.ª) atipicidade penal da conduta do agente infiltrado. Essa atipicidade, todavia, poderia decorrer de duas linhas de raciocínio distintas. A atipicidade poderia derivar da ausência de dolo por parte do agente infiltrado, uma vez que ele não age com a intenção de praticar o crime, mas visando a auxiliar a investigação e a punição do integrante ou dos integrantes da organização criminosa. Faltaria, assim, imputação subjetiva. De outro lado, a atipicidade poderia derivar da ausência de imputação objetiva, porque a conduta do agente infiltrado consistiu numa atividade de risco juridicamente permitida, portanto, sem relevância penal.

Seja lá qual for a interpretação que se faça em relação à natureza jurídica da isenção da responsabilidade penal do agente infiltrado, para que essa efetivamente se ultime, devem concorrer algumas exigências: a) a atuação do agente infiltrado precisa ser judicialmente autorizada; b) a atuação do agente infiltrado o qual comete a infração penal deve ser uma conseqüência necessária e indispensável para o desenvolvimento da investigação, além de ser proporcional à finalidade perseguida, de modo a evitar ou coibir abusos ou excessos; c) o agente infiltrado não pode induzir ou instigar os membros da organização criminosa a cometer o crime, o que configuraria um delito provocado, o qual, devido à sua impossibilidade de consumação, é impune tanto em relação ao sujeito provocado como ao provocador. O provocador poderia responder pelo crime de abuso de autoridade. (grifo nosso)

Certo é que como já ressaltado alhures, este é um tema de fundamental importância e fomentador de debates no meio jurídico, frente a sua inconteste eficácia prática, mas que ainda carece de atenção por parte dos parlamentares pátrios.

h) Cooperação policial internacional - Idealizado pelo Ministro da Justiça espanhola, o Sr. Juan Fernando López-Aguilar, uma cooperação policial internacional ou supranacional, nos dias atuais se mostra como uma forma efetiva de combate ao crime organizado, pois as organizações criminosas a muito deixaram de ser eminentemente nacionalistas, estes acompanhando as tendências de mercado, a abertura e estreitamento de relações comerciais e sociais entre países, em fim a globalização, acabaram por estender seus “domínios” ao âmbito transnacional, o que nos lava a uma reflexão: Como combater organizações criminosas globais se a jurisdição dos países se encontra adstrita ao seu próprio território?

Nas palavras do referido Ministro espanhol:

Não há hoje em Madri um mero assalto que não esteja conectado a uma rede organizada maior. E não creio que seja diferente em outros países. Para um crime global, é preciso uma ação global.

De onde se pode tirar a conclusão que as “justiças” dos países precisam adotar políticas criminais inovadoras, buscando uma internacionalização dos meios de enfrentamento ao crime organizado. Referida proposta não geraria uma interferência ou diminuição da soberania dos Estados Nacionais, e tal cooperação se efetivaria através da utilização da rede mundial de computadores entre os Estados conveniados, onde, por exemplo, autoridades policiais brasileiras poderiam obter informações sobre determinado criminoso espanhol, que por eles estivesse sendo investigado pela prática de tráfico de armas para o Brasil, simplesmente acessando o banco de dados da polícia espanhola e vice-versa.

Trata-se de uma cooperação policial em matéria penal. Objetiva a troca de informações dos nossos bancos de dados, em tempo real, e estabelece normas para ações conjuntas das polícias. O convênio unifica toda a capacidade dos aparatos de segurança e de justiça dos dois países. Haverá acesso imediato aos elementos probatórios, aos antecedentes criminais. Por uma solicitação do governo brasileiro, a Justiça espanhola entrará em ação para evitar a destruição de provas ou reter bens obtidos ilegalmente. E ainda facilitar a extradição rápida de pessoas condenadas, acusadas de delitos, investigadas e processadas.

Por oportuno, ressalte-se que é inegável o apoio do governo brasileiro a esta política criminal de combate ao crime organizado, a exemplo disso temos o “Acordo de Cooperação entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Popular da China para o Combate à Criminalidade Organizada Transnacional e outras modalidades delituosas”, firmado em 12 de novembro de 2004, em Brasília, tendo por objeto, a prevenção e a repressão do crime de produção ilegal e tráfico de drogas entorpecentes e substâncias psicotrópicas, inclusive, precursores químicos, terrorismo internacional e seu financiamento, contrabando de imigrantes e tráfico de seres humanos, especialmente, mulheres e crianças, exploração e abuso sexual de crianças e adolescentes, lavagem de dinheiro, falsificação de dinheiro e apólices negociáveis, falsificação de passaportes, vistos e outros documentos, tráfico ilegal de armas de fogo, munições, explosivos e suas partes, tráfico ilegal de materiais nucleares e outros materiais radioativos, fraude, crime cibernético e falsificação e contrabando de mercadorias.

Destaque-se ainda que, em 25/06/2007 na cidade espanhola de Madrid, o então Ministro da Justiça Tarso Genro assinou acordo de cooperação técnica com o Ministério do Interior da Espanha objetivando a aniquilação conjunta do crime organizado, notadamente a prática do narcotráfico, terrorismo, tráfico de pessoas e de bens culturais, ao contrabando, à pirataria, à lavagem de dinheiro, exploração sexual de crianças e adolescentes e crimes cibernéticos, entre outros.

Conclui-se que, consubstanciam-se, esses entre outros Acordos e Tratados, na conscientização das Nações, de que a internacionalização das atividades preventivas e repressivas de enfrentamento do crime organizado, é o meio mais eficaz de erradicar a existência das organizações criminosas da sociedade.

03- Da “Operação Reversa”

Neste ínterim, necessário se fazer menção a um meio de repressão empregado por outros países, meio esse, de inegável valor processual, e que também deveria servir de estímulo à produção legislativa brasileira no que tange a busca de meios eficazes de se garantir a erradicação da criminalidade organizada no Brasil, tal medida constitui a denominada “Operação Reversa”, decorrente do modelo norte-americano e tão bem cultuada por Igor Tenório e Inácio Carlos Dias (1995, p. 48), que assim relatam o procedimento de tal medida de cunho investigativo-repressiva:

O policial apresenta-se como vendedor de grandes quantidades de droga aos importadores americanos. Uma vez fechado o ‘negócio’, e com os dados da investigação financeira paralela, o MP, em ação cível, pede o bloqueio dos bens e dinheiros dos traficantes, e o juiz a concede, e os intima a comprovarem a licitude de seus bens.

Dita medida de ordem processual civil atinge o tráfico em suas finanças, o que, como se sabe, é mais eficiente do que a própria prisão de seus integrantes. Além disso, a ‘operação reversa’ cria instabilidade nos negócios entre traficantes. Quando esta é bem feita, resiste às verificações que os criminosos fazem. Um traficante americano é inseguro até pra comprar drogas!

Por oportuno, necessário se afirmar que tal medida visa reprimir a atuação das organizações criminosas através da desestruturação de suas bases, pois como é bem sabido, referidas organizações funcionam como verdadeiras empresas, no seu modo de ser e atuar, com estrutura hierárquica, folha de pagamentos, capacitação de pessoal e inarredável previsão e manutenção de lucros, de modo que somente atingindo estas “empresas” no seu capital, de modo a que sejam levadas a falência, é que se dará o fim desta criminalidade organizada.

04- Conclusão

Em suma, tem-se que, a erradicação da criminalidade organizada no Brasil, na atualidade ainda não se deu, não por falta de meios para sua reprimenda, mais sim, porque apesar de contar com todo esse aparato repressivo, o Estado carece de organicidade, consubstanciada na especialização das autoridades encarregadas da repressão, emprego de meios tecnológicos eficientes e no efetivo emprego dos meios disponíveis de combate entre outros, organicidade esta, que se apresenta como aspecto marcante no crime organizado.

 

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Data de elaboração: fevereiro/2011

 

Como citar o texto:

SILVA, Francisco Policarpo Rocha da..Meios de Repressão ao Crime Organizado no Brasil. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/2300/meios-repressao-ao-crime-organizado-brasil. Acesso em 25 ago. 2011.

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